sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Obama é Nobel da Paz (VI): o novo lugar da América


Texto que publiquei, esta tarde, no site de A BOLA/Outros Mundos, integrado na rubrica «Histórias da Casa Branca»:

http://www.abola.pt/mundos/ver.aspx?id=178876

«Histórias da Casa Branca
O novo lugar da América

Por Germano Almeida

O Prémio Nobel da Paz hoje atribuído ao Presidente dos Estados Unidos foi uma enorme prova de que Barack Obama está mesmo a recuperar a face da «boa América», depois de oito anos de degradação do prestígio dos EUA, no consulado de George W. Bush.

Obama tornou-se o terceiro Presidente da história americana a ganhar o Nobel da Paz em pleno exercício de funções – só Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson haviam conseguido tal feito.

Muitos consideram esta atribuição precoce (afinal de contas, Barack nem sequer completou um ano de mandato). Mas a dimensão da mudança já concretizada por Obama, na forma como a América se relaciona com o resto do Mundo, levou o Comité Nobel a tomar uma decisão arrojada, mas estimulante.

Na última década, sobretudo depois do 11 de Setembro e da desastrosa aventura no Iraque, passou a ser moda falar-se no «declínio da América». O agravar do défice e a eclosão da maior crise financeira das últimas sete décadas (com epicentro em grandes empresas e nos mercados bolsistas dos EUA) parecia dar razão à ideia do «fim do Império americano».

A queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da URSS deixaram os Estados Unidos numa posição hegemónica na cena internacional. No início dos anos 90, a América parecia destinada a ficar como única superpotência de um mundo unipolar.

Houve quem profetizasse o «fim da História» (Fukuyama) e os anos dourados do Clintonismo em matéria económica – com dois mandatos de crescimento ininterrupto e desemprego baixo – reforçavam a tese de uma América pujante e em condições de assumir o papel de «farol».

A viragem do século deitou por terra este sonho lindo – e um pouco ingénuo, diga-se. O triste episódio da eleição de George W. Bush decretada pelo Supremo, apesar das suspeitas de que Al Gore terá tido mais votos na Florida, serviu como metáfora (quase trágica) da turbulência que estava para vir.

Os primeiros anos do século XXI foram muito duros para os Estados Unidos: com o 11 de Setembro, os americanos perderam a inocência e perceberam que, afinal, também eles podiam ser vulneráveis dentro do seu próprio território.

O agravamento da situação económica e a progressiva degradação do prestígio internacional dos EUA (Iraque, Abu Ghraib, Guantánamo) foram os ingredientes para o que chegou a ser designado como uma «tempestade perfeita», capaz de fazer desmoronar a ideia de «superpotência».

Baralhar e voltar a dar
A eleição de Barack Obama ajudou a repor alguma moderação entre estes dois extremos – da euforia dos anos 90 à depressão da era Bush. A enorme popularidade mundial do Presidente tem contribuído para a «regeneração» da imagem da América.

No discurso do Cairo, Obama ofereceu «um novo começo». Na frente diplomática, Hillary Clinton e Joe Biden têm usado a regra do bom senso: falar com todos os países, desde que eles se apresentem «de braços abertos e não com os punhos cerrados».

Na sua primeira aparição na ONU, Barack resumiu, numa frase, a atitude da «nova América» na frente externa: «Os países que, no passado, criticaram os EUA por agirem sozinhos devem, agora, contribuir para soluções conjuntas que interessem a todos».

Com mais ou menos preponderância sobre os demais, a América parece continuar a ser a «nação indispensável». Mas as teorias sobre o verdadeiro papel dos EUA nos próximos anos divergem.

No livro «After America», Paul Starobin, mestre em Relações Internacionais na London School of Economics, sentencia o «fim da hegemonia da América» e a emergência de novas potências como a China.

Poder de influência
Mais moderado, Fareed Zakaria, no muito aplaudido «O Mundo Pós-Americano», explica que o aparecimento «dos outros» (Brasil, Rússia, Índia e China) não significa que a América esteja em queda: «Este livro não trata do declínio dos Estados Unidos, mas antes da ascensão de todos os outros», avisa o editor-chefe da Newsweek, logo no início de uma obra que expõe a tese de um Mundo «multipolar».

Oito das dez universidades mais prestigiadas do Mundo são americanas. O dólar perdeu valor face ao euro, mas continua a ser moeda-referência nos grandes negócios e nas pequenas transacções.

A esperança que se depositou na eleição de Barack Obama, na mesmíssima altura em que o Mundo ocidental se afundava numa tempestade financeira e bolsista, não é comparável a nenhum processo eleitoral noutro em qualquer outra democracia.

Os Estados Unidos passaram um mau bocado nos últimos anos. E parece inegável que têm vindo a perder parte da sua hegemonia.

Mas o Prémio Nobel da Paz atribuído a Obama é mais um sinal da enorme influência que um Presidente americano pode ter na cena internacional. Antes de se decretar o «declínio da América» talvez fosse prudente não exagerar.»

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