quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Afeganistão: análise à decisão de Obama


Texto publicado no «Histórias da Casa Branca», no site de A Bola:

A jogada mais arriscada de Barack

Por Germano Almeida

Terá sido o momento mais difícil desde que Barack Obama prestou juramento como 44.º Presidente dos Estados Unidos. O discurso feito na Academia de West Point, perante uma plateia repleta de militares, confirmou a decisão de enviar mais 30 mil soldados americanos para o Afeganistão.

Para a ala mais esquerdista do Partido Democrata, foi uma desilusão. Para uma boa fatia dos congressistas republicanos, foi uma boa surpresa. E ficou claro, para quem ainda tinha dúvida, que Barack Obama está longe de ser o «Presidente mais à esquerda» das últimas décadas como, precipitadamente, muitos conservadores o rotularam. Obama provou ser um Presidente que não tem medo de desagradar à sua principal base de apoio (os democratas moderados), se a força das circunstâncias assim o exigirem.

Em contrapartida, Obama recebeu elogios de uma parte do universo republicano, pela primeira vez desde que chegou à Casa Branca. Num focus group preparado pelo site da CNN, entre eleitores da Virgínia (estado tradicionalmente conservador, mas que votou Obama na última eleição presidencial), os republicanos mostraram-se mais agradados com o discurso de West Point do que os democratas. «Votei em McCain, mas gostei do que ouvi de Obama, esta noite. Senti-o como o Presidente que está a defender a América», observou Linda Burnett, eleitora republicana.

Alta tensão
Foi um Obama de expressão dura e reflexiva, que adoptou o tom «presidencial» em versão mais séria, longe do registo de «esperança» e «mudança» que dominou as suas intervenções na campanha. Mas essa é uma das facetas que o tornam um Presidente singular: em diferentes palcos, Barack assume diferentes registos – e a alta tensão que este momento implicava exigia fez com que Obama tivesse sempre em mente que estava a anunciar uma decisão que obrigará 30 mil jovens americanos a arriscar a vida.

Depois de três meses de consultas exaustivas, em que ouviu os seus conselheiros de segurança e as mais altas patentes militares americanas, Obama tomou uma decisão que, numa primeira análise, responde aos pedidos do general Stanley McChrystal, comandante das forças militares americanas e da NATO em Cabul, que apontaram a urgência de receber um reforço de 40 a 60 mil soldados, para poder estancar o avanço dos taliban.

Antes de tomar a decisão final, Obama quis saber todos os cenários: o que pode acontecer se o Paquistão for dominado pelos taliban? Que custos teria um prolongamento da presença militar americano para lá de 2012?

Na primeira fila da plateia, em West Point, estavam Hillary Clinton e Robert Gates, os secretários de Estado e da Defesa – mas não o vice-presidente Joe Biden.

Hillary e Gates foram mostrando sinais, nas últimas semanas, de serem sensíveis aos apelos de McChrystal. E Hillary terá insistido, junto do Presidente, no problema do Paquistão, perante dados alarmantes sobre a vulnerabilidade das instituições de poder em Islamabad em relação à ameaça taliban. Já Joe Biden, saiu politicamente fragilizado: foi o maior opositor deste reforço militar e chegou mesmo a advogar uma mudança para uma estratégia de «contraterrorismo», que acabou por não vingar.

«Não será um novo Vietname»
O reforço de 30 mil homens parece mostrar que Obama não quis enveredar pela margem superior dos pedidos dos generais no terreno. A preocupação de evitar uma «escalada militar» parece óbvia, mas o número decretado pode também significar outra coisa: a responsabilização dos aliados dos EUA num problema que afecta todo o Mundo – e não só a América.

Foi, sem dúvida, uma risky move, com resultados imprevisíveis: reforçar agora para poder retirar daqui a ano e meio. Obama fez questão de recordar que «a América não escolheu esta guerra – foi por ter sido atacada no 11 de Setembro que teve que responder.»

Nesse aspecto, Barack tinha créditos que usou em West Point: sempre falou do Afeganistão como «uma guerra necessária», contrapondo-a ao Iraque, que rotulou, certeiramente, como «uma guerra estúpida».

Associando esta decisão à necessidade de «continuar a lutar pela segurança interna da América», Obama lembrou que «os autores do 11 de Setembro preparam-se nas montanhas do Afeganistão, não no Iraque».

Este argumento colheu em sectores que, habitualmente, não apoiam o Presidente. Falta saber se será digerido pelo grosso do Partido Democrata.

Sobre o espectro, que vai crescendo, de «um novo Vietname», Barack fez questão de diferenciar: «Há muitas diferenças. No Vietname, estávamos sozinhos e agora temos uma coligação composta por 43 países. No Vietname, havia uma forte insurgência popular, no Afeganistão defrontamos grupos terroristas e não a população.»

A jogada é muito arriscada, mas terá que dar certo, se Obama quiser ser reeleito: reforçar agora as zonas urbanas, para que o plano de McChrystal possa mesmo impedir que os taliban dominem núcleos fundamentais de poder no Afeganistão, na fronteira com o Paquistão e no Vale do Swat; estancada a ferida, a retirada começa em Julho de 2011, para que os EUA saiam do Afeganistão até ao início de 2013.

Para uma guerra que já dura há oito anos, é, no mínimo, uma estratégia ambiciosa. No mesmo lance, Obama agradou aos meios militares (mais apoiados pelos conservadores) e lançou expectativas à ala esquerda, apontando uma data para o fim da guerra.

Desilusão e apoio
Russ Feingold, senador democrata que integra o Comité de Relações Externas, está frontalmente contra esta «escalada de tropas americanas no Afeganistão». «É um erro que podemos vir a pagar caro», avisa o influente senador, eleito pelo Wisconsin.

Charles Krauthammer, colunista do Washington Post e vencedor do Prémio Pulitzer, foi ainda mais crítico para com a decisão do Presidente: «Foi um discurso defensivo e um pouco estranho. Basicamente, ele repete a surge feita no Iraque em 2007. Mas não aponta os detalhes com que espera conseguir sair do Afeganistão daqui a ano e meio. Se não fossem os planos dos generais Stanley McChrystal e David Petraeus, não seria pelo Presidente que saberíamos o que a América pretende fazer lá».

Mas nem todas as reacções foram negativas. David Ignatius, no Washington Post, observou: «Obama tomou a decisão certa. A única forma viável de sair do Afeganistão é reforçar primeiro e retirar depois. De forma faseada e planeada».

Ninguém disse que isto ia ser fácil.

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