sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Histórias da Casa Branca: Na América Cabem Todos



Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 27 de Agosto de 2010:



Polémica no Ground Zero: Na América cabem todos

Por Germano Almeida


«Colin Powell, o general vitorioso da primeira guerra do Golfo, lançou uma frase que marcou a recta final da campanha presidencial de 2008. Apesar de ter servido em administrações republicanas (foi chefe militar na presidência de Bush pai e secretário de Estado no primeiro mandato de Bush filho), Powell declarou, surpreendentemente, o apoio ao democrata Barack Obama.

Conotado com o Partido Republicano, o reputado general chegou mesmo a ser apontado como hipótese presidencial do GOP em 1996 e 2000 – mas nunca quis avançar para uma candidatura à Casa Branca.

Voz moderada (e isolada) no primeiro mandato de George W. Bush, saiu derrotado da peleja com os 'neocons' (Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld, escudados pela salomónica Condoleeza Rice, falcão com discurso de pomba), que acabariam por dominar, progressivamente, as manobras do Presidente.

As divergências de Colin Powell com a herança Bush foram tantas que, na hora de escolher o candidato para 2008, o general preferiu a mudança protagonizada por Barack Obama – apesar da «amizade de 25 anos com John McCain».

Muitos viram na opção do general um resquício do tema racial ou, então, uma descarada oferta de Powell para um lugar numa futura Administração Obama. Nada mais disparatado: como o tempo veio a provar, não era isso que estava em causa. Nem a raça foi decisiva, nem o general viria a desempenhar qualquer cargo nesta administração.

Um país numa frase
O que terá levado, verdadeiramente, Powell a preferir Obama foi a capacidade que Barack mostrou, em campanha, de «unir a América», apesar das mais diversas sensibilidades existentes naquele complexo país.

Ora, a tal frase marcante, com a qual Colin Powell sustentou a sua preferência por Obama, foi esta: «Na América cabem todos».

Há um contexto para se perceber esta afirmação do general. Perante o sólido avanço de Obama nas sondagens, o campo republicano começava a desesperar e baixava o nível no tipo de críticas lançadas ao nomeado democrata.

Nos dias que antecederam a grande eleição, valeu quase tudo. Não tanto da parte de John McCain, que foi travando os ataques mais baixos, mas de uma facção da 'entourage' republicana que insistia em teses como as de que Obama seria «muçulmano» e de como isso poderia ser «perigoso para a América».

No momento em que declarou o seu apoio a Obama, Colin Powell pôs o dedo na ferida: «Sei que as principais figuras do Partido Republicano têm corrigido essa mentira em público, esclarecendo que Obama não é muçulmano, mas sim cristão. Só que a resposta certa não é essa: a resposta certa era: Obama não é muçulmano, mas... e se fosse, qual era o problema? Na América cabem todos!».

Cabem mesmo?
A recente polémica em torno da construção de um complexo cultural islâmico, a dois quarteirões do Ground Zero, põe a nu -- e de forma extrema -- esses «mixed feelings» da América, enquanto país singular na forma como trata este tipo de questões.

A diversidade cultural e religiosa está na matriz da América. Limitar essa diversidade seria contraproducente para o «melting pot» americano. Se há marca distintiva do que são os EUA é a mistura, definida de modo sublime por Colin Powell. Mesmo que, por vezes, essa mistura traga consigo alguma perturbação, ela é absolutamente definidora para aquele grande país.

Mas a verdade é que o fantasma do terrorismo islâmico está ainda muito presente, sobretudo na memória dos nova-iorquinos.

Quase uma década depois do 11 de Setembro, será que chegou o tempo de seguir em frente? Barack Obama acha que sim: «Neste país tratamos todos por igual, em conformidade com a lei, sem ter em conta raça ou religião», apontou o Presidente.

Vários líderes republicanos estão contra a construção da mesquita, considerando essa decisão insensata. Até Harry Reid, líder democrata no Senado, tem essa posição, mas está claramente em minoria no seu partido.

Os democratas têm sublinhado a questão da igualdade de tratamento de todas as religiões. Só que Obama, perante o agravar das críticas, fez questão de se distanciar da decisão do município nova-iorquino: «Não comentei e não comentarei nada sobre se acho ou não prudente autorizar uma mesquita nesse local».

Ruído que confunde
O caso não é para menos: de acordo com as pesquisas, cerca de 70 por cento dos norte-americanos estão contra a construção de um complexo de 15 andares, prevista para um local onde existia um antigo edifício de fachada neo-renascentista.

O projecto, financiado pelo investidor Sharif el-Gamal, é da «Iniciativa Cordova», que tem nos seus objectivos a melhoria das relações Islão-Ocidente.

Obama tem insistido na necessidade de não se confundir os «terroristas islâmicos», uma minoria, com os muçulmanos, que «sempre fizeram parte da América». Mas muitos continuam a não conseguir separar as águas – e colocam a posição racional de Obama num lugar estranhamente minoritário.

Recente sondagem aponta para que quase um terço dos eleitores republicanos acreditam que «Obama é muçulmano», vendo nisso uma enorme ameaça. O lixo conspirativo é tão intenso que o reverendo Franklin Graham chegou a dizer que «Obama nasceu muçulmano, pela herança paterna».

Era difícil imaginar maior prova de fogo a essa capacidade americana de absorver a diferença, mesmo quando esta pode estar tão próxima da face do inimigo: construir uma mesquita na Baixa de Manhattan, muito perto do epicentro do terror ocorrido a 11 de Setembro de 2001.

Será que na América ainda cabem mesmo todos?»

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