sábado, 19 de outubro de 2013

Histórias da Casa Branca: um «thriller» a não repetir

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24, A 18 DE OUTUBRO DE 2013:

«Ganhem uma eleição»
Barack Obama, Presidente dos EUA, em recado para os republicanos que tentaram usar a dupla crise «shutdown»/teto da dívida para travar o ObamaCare

«Temos que assegurar ao povo americano que não vamos fazer isto outra vez»
John McCain, senador do Arizona, nomeado presidencial republicano em 2008

«Já se pode governar?»
E.J. Dionne, em título brilhante de artigo publicado no Washington Post 


O «sequestro» em Washington acabou melhor do que muitos temeram, mas há o perigo de este ser um «thriller» com repetição em janeiro e fevereiro.

O Tea Party ameaça voltar à carga e mesmo depois da forma clara como o Congresso aprovou o acordo que desbloqueou, para já, o duplo impasse, foram várias as figuras da direita mais radical que prometeram não desistir da luta contra o ObamaCare. 

Só que os riscos de se cair na ravina foram tão reais que foi mais fácil perceber de que lado estava a razão. 

Bill Schneider, em entrevista ao tvi24.pt em dezembro passado, explicou que «o sistema americano só funciona com grandes crises». Mais uma vez, isso confirmou-se.

Obama, que já passou tantas vezes por situações limite desde que é Presidente, podia ter cantado vitória (saiu muito reforçado), mas preferiu lançar sérios avisos no discurso do «day after»: «Temos que parar de resolver estas coisas na penúltima hora. Quem não gostar de uma determinada política, então que ganhe uma eleição. Parem de se focar nos lobbistas, nos bloggers, nos comentadores de rádio e nos ativistas profissionais que ganham a vida com o conflito e foquem-se no que a maioria do povo americano nos mandatou, que é fazer crescer a economia». 

As divisões internas estão lançadas no Partido Republicano. John McCain, senador há 25 anos, estava indignado: «Foi dos capítulos mais vergonhosos que já vi este Congresso fazer. Um episódio agonizante, que finalmente terminou. Temos de assegurar ao povo americano que isto não volta a acontecer». 

Na mesma linha, Lindsey Graham, senador republicano da Carolina do Sul, profundamente conservador mas feroz crítico do Tea Party, observava, incrédulo, à CNN, na noite da votação: «Nunca percebi como é que isto podia acabar bem para nós. Era uma luta contra o ObamaCare, mas o tipo que dá nome a essa lei ainda é o Presidente. Se em janeiro voltarmos a esta crise, somos todos loucos». 

A questão central é essa: evitou-se o pior, mas ter-se-á aprendido com isto? Muitos republicanos comentaram, admitindo a derrota, que seria demasiado mau repetir esta crise daqui a uns meses. 

Harry Reid, que poderá colher quase tantos louros como o Presidente e até foi chamado de «king of the Hill» (numa alusão à forma como conseguiu uma das maiores maiorias que o Capitólio agregou nos últimos anos), nem conseguia festejar depois de 16 dias de aflição: «É uma grande vitória, mas sejamos honestos: isto não pode voltar a repetir-se. Foi muito sofrimento, por muito tempo, para todos». 

«Será que já se pode governar?», pergunta E.J. Dionne no Washington Post: «Nunca mais deveremos governar-nos assim. Não podemos criar crises absolutamente inúteis que fazem a nossa grande democracia parecer pateta aos olhos do resto do mundo. Não podemos dar ao governo chinês argumentos para um mundo desamericanizado».

Muito dependerá, nos próximos meses, da forma como Ted Cruz, Marco Rubio e Rand Paul (os três senadores mais influentes da ala extremista do Partido Republicano) digerirem a derrota.

No meio de tantos avisos sérios, impossível não sorrir com a piada de Conan O'Brien: «No day after do acordo, o Presidente disse que se ia concentrar na Imigração. Vai começar por deportar Ted Cruz».

Haja humor depois das três semanas mais stressantes da política americana desde que Obama foi reeleito.»

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