TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 24 DE MARÇO DE 2015:
«Os Estados Unidos nunca deixarão de trabalhar a favor de uma solução de dois Estados. Há que terminar com uma ocupação (de territórios palestinianos) que já dura há 50 anos»
Denis McDonough, chefe de gabinete da Casa Branca
Há vários temas quentes na agenda de política externa do Presidente Obama até ao fim do seu segundo mandato.
Dois deles são óbvios e prementes: a luta contra o avanço do Estado Islâmico e a ameaça russa no Leste da Europa.
Outros dois têm a ver com a definição de estratégia a longo prazo: o tal «shift» para a Ásia-Pacífico, para conter a ascensão da China, ideia base dos anos Obama, que tem sido adiada pelos olhares mediáticos, mais atraídos por outras crises imediatas; e uma reaproximação à Europa, já sinalizada com a preocupação de Washington com o caso grego e com a intenção de Barack Obama de selar enquanto estiver na Casa Branca um grande acordo transatlântico de comércio livre, que torne o eixo EUA/Europa como o maior espaço económico do Mundo.
Há ainda uma frente em que o Presidente Obama gastará boa parte dos seus últimos trunfos: a concretização do acordo com Cuba, perante o plano republicano de o tornar mínimo, por uma espécie de boicote legislativo, via Congresso.
Se a contenção da China, a reaproximação à Europa e o acordo com Cuba têm sido apostas políticas planeadas por Barack Obama, o mesmo já não poderemos dizer da alteração de posições a que poderemos estar a assistir, na relação dos EUA com Israel e com o Irão.
A vitória de Netanyahu nas eleições da semana passada, a todos os títulos inesperada, está a obrigar a Administração Obama a «rever» a sua relação com Israel, aliado crucial na posição norte-americana no Médio Oriente.
Ao mesmo tempo, a ameaça crescente do Estado Islâmico, na sua condição de terrorismo com ideologia «wahabista», provoca uma inesperada condição comum a americanos e iranianos: ambos têm urgência em travar os jiadistas sunitas.
As vantagens de aprofundar esta inesperada cooperação Washington/Teerão são maiores que os riscos (que também existem, claro). Para lá do inimigo comum (o terrorismo do ISIS), existe também uma rara vontade nas lideranças políticas de Obama e Rohani. E isso pode explicar a desconcertante carta escrita pelo senador republicano Tom Cotton, em tom de irresponsável ameaça ao Presidente do EUA.
Mas ainda há desconfianças mútuas, claro. O maior envolvimento dos iranianos em terreno dominado pelo Estado Islâmico nunca será admitido como aliança real entre EUA e Irão. Mas ambos sabem que dependem do outro.
Stephen Hayes, na «Time», nota: «O Irão é uma oportunidade, não uma ameaça. É um parceiro potencial, não um inimigo. Por mais de seis anos, a visão do Irão guiou as decisões de Barack Obama. O presidente declarou, de forma repetida, a sua vontade clara de abraçar o Irão na comunidade das nações civilizadas. As suas palavras, por vezes, sugerem que o Irão tem uma escolha a fazer. Conseguir entrar nessa tal mítica comunidade de nações civilizadas depende, de algum modo, do seu próprio comportamento. Mas, nestes seis anos, pouco aconteceu que possa indicar-nos que o Irão quer mesmo isso».
O fator Netanyahu está a tornar este jogo ainda mais perigoso para a política externa de Obama. O convite dos senadores republicanos ao primeiro-ministro israelita extremou posições nos dois campos político que dominam Washington.
A via norte-americana para lidar com o Irão conhecido consenso bipartidário há mais de três décadas. Isso está, neste momento, em risco. Obama quer travar o fantasma do programa nuclear iraniano com um acordo que os republicanos, agora em maioria no Senado, nunca assinarão.
Torna-se difícil ver desfecho feliz para este jogo de sombras: Israel, com Netanyahu reforçado, não admite a aproximação EUA/Irão, com medo do nuclear e de apoio de Teerão a inimigos de Telavive; os republicanos no Congresso sem dar cobertura ao caminho do Presidente em fim de mandato; Barack Obama desesperadamente a lutar contra o relógio, querendo juntar o Irão à lista de conquistas da sua atribulada presidência.
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