O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Histórias da Casa Branca: uma enorme sensação de desconforto
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 12 DE AGOSTO DE 2015:
«John McCain herói? Bem, ele foi capturado. Prefiro os ‘heróis’ que não sejam capturados»
«Rick Perry acha que por pôr uns óculos à intelectual fica mais inteligente. Mas não está a resultar!»
(sobre Megyn Kelly, jornalista da FOX, no debate televisivo) «Podia ver-se que lhe saía sangue pelos olhos. Tinha sangue a sair-lhe de… onde quer que fosse»
DONALD TRUMP, multimilionário e «frontrunner» da corrida republicana
«O acordo sobre o programa nuclear do Irão vai conduzir os israelitas para as portas de fornos crematórios»
MIKE HUCKABEE, ex-governador do Arkansas, candidato às primárias republicanas
«As declarações de Donald Trump e Mike Huckabee são ataques escandalosos que se tornaram muito comuns. Deviam ser consideradas ridículas se não fossem tão tristes. Estes são os líderes do Partido Republicano. Estamos a criar uma cultura que não é propícia a um debate político saudável ou a boas decisões políticas. Os americanos merecem melhor»
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, sobre o tom da corrida republicana
Há uma enorme sensação de desconforto a pairar no «core» do Partido Republicano - e no sistema político bipartidário tradicional na América.
A corrida republicana tem sido marcada, nestes primeiros meses, pela «tempestade Trump».
Como explicar que um candidato com declarações tão irresponsáveis e desbragadas, insultando mulheres, mexicanos e até vários candidatos republicanos, se mantenha firma na liderança das sondagens, tanto a nível nacional como nos principais estados?
E que mesmo depois da polémica no debate, em que Donald deixou a entender que caso não seja o nomeado republicano se prepara para uma candidatura independente (que tem tudo para comprometer as aspirações eleitorais do Partido Republicano e oferecer de bandeja a presidência a Hillary Clinton), essa vantagem se mantenha?
Uma nomeação de Trump continua a ser cenário surreal, mas a simples formulação da ideia dá conta do estado de total confusão e desnorte a que chegou o Partido Republicano.
Jeb Bush, o favorito natural à nomeação, afunda-se nos 5% no Iowa, estado de arranque, e segundo no New Hampshire. Até na Florida, estado que governou, aparece um ponto atrás do «Super Trump».
Consequência, talvez, da estratégia de contenção que entendeu seguir no debate da FOX. O que até agora os números estão a dizer é que os eleitores republicanos estão a preferir o barulho do multimilionário. Até quando?
Os democratas, para já, andam divertidos: teoricamente, será bom ver o campo adversário em tamanho desnorte, com os candidatos mais fortes contra Hillary na eleição geral (Bush, Rubio, Walker, Paul, Christie), reféns dos disparates monopolizadores do senhor Donald.
Uma nomeação Trump ou uma «terceira» candidatura a perturbar o duelo entre nomeada democrata e nomeado republicano na eleição geral seria, quase de certeza, vitória certa para Hillary.
Mas… a longo prazo, os democratas deviam ter algum receio: a liderança Trump é sinal de doença crónica do sistema política na América. Algo de muito mau tem que estar a acontecer.
É hora de acabar com o «estado de negação»
Até há poucas semanas, assistia-se a uma espécie de «estado de negação» generalizado: todos os «pundits», comentadores e mesmo financiadores consideravam que Trump não tinha hipóteses de nomeação e que a liderança nesta fase era fenómeno passageiro, tipo meteorito.
Afinal de contas, Trump é demasiado irresponsável, demasiado «fora da política», demasiado excêntrico, para sequer se imaginar que na Convenção Republicana em Denver, Colorado, no verão de 2016, possa vir a receber a nomeação presidencial do histórico Partido Republicano.
Mas a persistência nos números (cerca de dez pontos de vantagem nas sondagens nacionais, liderança no Iowa, New Hamsphire e até na Florida, nas corridas estaduais) faz com que a inquietação comece a ter lugar: e se Donald Trump ganhar mesmo?
Jeff Greenfield, no «Politico», observa: «Quando tentamos perceber a razão que levou Donald Trump a deixar a classe política em estado de choque, será avisado não abandonar todos os assuntos em que ele tem tocado e tentar perceber onde se aproxima dos eleitores. Quando e por que é que tendem a quebrar as regras? Por que é que os argumentos contra as campanhas colhem tanto?»
O mais esquisito nisto tudo é que o leque de 17 (!) candidatos republicanos (de longe o maior da história de umas primárias presidenciais na América) tem outras alternativas às piores características de Donald: queriam um 'durão'? Há Chris Christie. Queriam um fundamentalista anti-sistema e anti-Washington? Há Ted Cruz. Queriam um ultradireitista religioso? Há Rick Santorum e Mike Huckabee.
Trump parece apresentar-se como um pacote do mais excêntrico numa nave de loucos em que os mais sensatos (Rubio, Kasich, Bush, Pataki) saem a perder.
O caminho da estratégia de Jeb Bush, então, é particularmente complicado de escolher: deve manter-se na rota da credibilidade ou deve ceder ao apelo de virar a agulha à direita?
O ex-governador da Florida ainda não conseguiu a vantagem que Mitt Romney obteve em 2012. E, mesmo assim, o ex-governador do Massachussets sentiu-se na obrigação, nessa altura, de virar à direita nas primárias, para estar mais perto das bases republicanas. O problema foi que, na eleição geral, quando se recentrou para disputar votos com Obama, soou a falso.
Bush sabe disso e não quer passar pelo mesmo. Mas... para tal tem que chegar à nomeação e para já as sondagens não lhe dizem isso. No mínimo, perturbador.
E não é só um problema de Jeb. É também de Rubio (que teve bom desempenho no debate, mas aparentemente ainda não colheu grandes vantagens com isso). É de John Kasich, o governador do Ohio que tem posições moderadas e razoáveis sobre temas como a reforma fiscal, casamento «gay» ou o aborto. Ou de Carly Fiorina, vencedora clara do debate alternativo, que viu os dias seguintes serem monopolizados pelo episódio Trump vs Megyn.
Como explicar isto?
Ainda ninguém conseguiu responder completamente a isto, mas pode haver algumas explicações.
A América é um país diverso e contraditório. Nela cabe uma maioria que deu duas eleições presidenciais a Barack Obama, um candidato negro com agenda progressista e que tem, na Casa Branca, aprovado legislação a favor das minorias, pela classe média, pela saúde para todos, e se bate por temas controversos para a direita, como as alterações climáticas e a imigração.
Mas nos EUA continua a haver uma fatia grande do eleitorado que detesta ver alguém como Obama na presidência. Que vê o sucesso empresarial como valor supremo, acima dos direitos cívicos ou de uma noção de justiça social.
Muitos republicanos estão zangados com os líderes do seu partido que, nos últimos anos, perderam para Obama (McCain e Romney) e não o conseguiram paralisar por completo a nível legislativo (os congressistas e senadores, alguns deles são candidatos nestas primárias).
Logo, muitos deles olham para Donald Trump como o tipo de fora que consegue somar dinheiro e vence nos negócios. Uma versão «hard» do sonho americano.
O sucesso de Donald nas sondagens republicanas é, por isso, um misto de crítica ao sistema (atinge indiretamente Obama e diretamente os republicanos «tradicionais»).
Em muitos aspetos, a América é um país que continua numa espécie de «guerra civil ideológica». Os EUA de Obama são maioritários e prevaleceram na Casa Branca desde 2008. Mas convém não esquecer que também continuam a existir os EUA de Trump.
Nos próximos meses, essa «guerra ideológica» vai agravar-se. Trump até pode cair entretanto. Mas o «cancro» está lá.
O que vai definir o vencedor, mais uma vez, é a vontade soberana do povo americano. A maioria, seja ela qual for, ganhará. Mas é já certo que restará uma… imensa minoria disposta a continuar a fazer barulho.
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