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sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Histórias da Casa Branca: Sair do Iraque e voltar ao essencial
Texto publicado a 2 de Setembro de 2010, no site de A BOLA, secção Outros Mundos:
Sair do Iraque e voltar ao essencial
Por Germano Almeida
«Barack Obama tinha apontado a data de 31 de Agosto de 2010 para a retirada das tropas norte-americanas no Iraque. Simbolicamente, foi esse o momento definido para pôr termo à operação militar «Iraqi Freedom», iniciada, há sete anos e meio, por George W. Bush. A promessa de Obama foi cumprida – mas o tempo não está propício para se cantar «vitória».
No segundo discurso que realizou sentado à mesa da Sala Oval desde que é Presidente, Barack Obama optou, durante 18 minutos, por uma abordagem muito pragmática do problema.
E talvez fosse mesmo essa a melhor estratégia. O Iraque nunca foi a guerra de Obama. Como Presidente, herdou-a do seu antecessor – e para que os americanos pudessem ter uma saída digna de um cenário que nunca deveria, sequer, ter ocorrido, Barack tinha traçado um plano faseado cujos contornos haviam sido anunciados ainda durante a campanha presidencial que o levou à Casa Branca.
Sem tentar lançar ideias erradas como aquela do «mission accomplished» que fez Bush cair no ridículo (afinal de contas, os verdadeiros problemas dos americanos no Iraque estavam, nessa altura, a começar, corria o mês de Maio de 2003...), Obama focou-se no essencial: a situação no terreno continua a ser difícil, mas o tempo da América se manter como força dominante no Iraque terminou. «Chegou a altura de os iraquianos assumirem o seu próprio destino», reforçou Barack.
Mais do que uma proclamação de vitória, que seria do agrado da "real America", Barack Obama marcou um momento importante na sua Presidência: dando seguimento ao que prometia desde a campanha presidencial, consumou o «virar de página» nas prioridades do exército americano. A partir de agora, as baterias de Washington estão apontadas para Cabul.
Próximo destino: Afeganistão
Horas antes do discurso do Presidente, o seu número dois, Joe Biden, marcava presença, em Bagdade, na cerimónia de transição com o primeiro-ministro iraquiano, Nouri Al Maliki.
A saída do Iraque era uma «landmark» na agenda da Administração Obama para que a agulha pudesse virar, em definitivo, para o Afeganistão – e os momentos simbólicos de 31 de Agosto confirmaram essa mudança.
Mas isto não significa que a guerra do Iraque tenha, de facto, terminado. Mesmo com a diminuição muito considerável do número de baixas de soldados americanos (tendência que se reforça mês após mês), a verdade é que situação está longe de estar controlada.
A retirada das tropas americanas, que na verdade já tinha começado nos últimos meses, não será total: cerca de 50 mil efectivos militares dos EUA, e mais 30 mil civis americanos, manter-se-ão no Iraque, para dar apoio à transição, pelo menos até ao final do próximo ano.
Oficialmente, darão apenas «apoio técnico e logístico». Mas é difícil de acreditar que os perigos inerentes à situação explosiva que ainda se vive no Iraque não obriguem a um novo envolvimento de uma parte dos efectivos norte-americanos que irão ficar por lá mais alguns meses.
De olho no Irão
Aconteça o que acontecer, os EUA continuarão a estar muito interessados no destino do Iraque. A invasão de 2003, arquitectada pelos 'neocons' e assinada por Bush, teve como pretexto a suposta existência de armas de destruição maciça – um logro no qual muito boa gente caiu.
Mas a deposição de Saddam terá tido motivações bem mais profundas: além do óbvio interesse estratégico do Iraque, Washington queria marcar posição numa área onde o Irão tem um poder crescente.
A vitória militar americana foi relativamente fácil: demorou só três semanas a ser consumada. O pior veio depois. O tal «mission accomplished» lançado por Bush foi, afinal, o constatar do óbvio: no plano estritamente bélico, derrotar os EUA continua a ser uma impossibilidade.
Só que o se passou a seguir foi trágico: para os iraquianos, mas também para os americanos. Com a destruição da estrutura de poder que rodeava Saddam, a guerra civil foi inevitável, num país de enorme complexidade étnica e religiosa.
Apoiados pelo Irão, os xiitas foram dominando as cúpulas de poder. E os sunitas, que tinham supremacia durante a era de Saddam, foram forçados a aliar-se aos americanos para poderem manter alguma influência.
Neste quadro complexo, torna-se difícil de imaginar uma saída pacífica para o futuro do Iraque. Perante a ameaça iraniana, e o fantasma nuclear de Ahmadinejad latente, a Administração Obama não permitirá um domínio total dos xiitas no Iraque.
«Back to basics»
A parte final do discurso de Obama foi muito esclarecedora em relação à verdadeira prioridade do Presidente dos EUA: a frente interna.
Barack voltou a falar nos «tempos difíceis» que vivemos – e que lhe impedem de prometer já a recuperação económica que os americanos tanto esperam. E recordou: «Esta guerra custou mais de um trilião de dólares aos EUA».
Com a saída do Iraque, Obama quer passar a focar-se no que considera essencial para o seu primeiro mandato: lançar a recuperação económica, melhorar a vida da classe média e resolver, até ao Verão do próximo ano, a guerra do Afeganistão. Um «back to basics» das grandes linhas da sua campanha presidencial.
O cumprimento da data da retirada foi um trunfo somado por Barack Obama. Mas falar-se de um êxito americano no Iraque, olhando para o que aconteceu nos últimos sete anos, seria quase insultuoso.
O tom modesto e comedido do Presidente, com um discurso focado em termos como «sacrifício» e «objectivos», mostra que os EUA ainda foram a tempo de encontrar uma forma de sair com dignidade do maior erro cometido pela América nos últimos anos.»
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