sábado, 11 de setembro de 2010

Histórias da Casa Branca: Um Ano para a Paz no Médio Oriente


Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 10 de Setembro de 2010:

Um ano para a paz no Médio Oriente

Por Germano Almeida


«Barack Obama iniciou em Washington, a 2 de Setembro, um novo processo de paz para o Médio Oriente. Será uma das principais cartas a lançar na frente externa para o seu primeiro mandato – e nos meios diplomáticos já se começava a achar que o 44.º Presidente dos EUA tardava em arrancar a sério com um tema que tinha apontado como prioritário na sua agenda de política internacional.

A verdade é que só agora Obama pôde colocar assunto tão delicado no topo das suas prioridades. E, mesmo sendo as expectativas iniciais relativamente baixas (afinal de contas, o passado recente não é nada animador), há um dado que volta a ficar muito claro: os Estados Unidos continuam a ser o único intermediário suficientemente poderoso para sentar as duas partes à mesma mesa – dispostas a fazer cedências e estabelecer compromissos.

Há pouco mais de dez anos, em Camp David, Bill Clinton (na altura, a cumprir os últimos meses do seu segundo mandato) terá sido o Presidente dos EUA que esteve mais próximo de promover um acordo de paz estável e duradouro. Ehud Barak era o primeiro-ministro israelita, mas Yasser Arafat, como líder da Autoridade Palestiniana (AP), não quis ceder no conceito de «soberania» (ndr: para mais pormenores, pode consultar o texto «O fantasma de Camp David», publicado nesta rubrica a 5 de Agosto passado).

Uma década depois, os dados do jogo são muito diferentes. Benjamin Netanyahu, 60 anos, regressou à liderança do governo israelita (depois de uma primeira passagem, de má memória para os esforços de paz, no final dos anos 90) e do campo palestiniano, o líder da AP, Mahmud Abbas, 75 anos, tem um duplo problema de legitimidade: por um lado, o seu mandato como presidente da AP expirou há 21 meses; por outro, Abbas só tem um controlo político real nas porções da Cisjordânia atribuídas aos palestinianos, dado que a Faixa de Gaza é dominada pelo Hamas (facção rival do Fatah, de onde é originário Abbas).

Num Mundo com tensões muito complicadas de gerir, o conflito israelo-palestiniano será, talvez, o mais complexo de todos: pela sua história, pelas suas especificidades religiosas e pelas limitações geográficas da região.

Afinal de contas, o que estão em disputa são territórios relativamente pequenos e «estrangulados» pelo mar, de um lado, e pelos países vizinhos, do outro.

Se já é difícil mediar uma negociação entre Israel e a Palestina, a questão ganha muito maior delicadeza quando, do lado palestiniano, o que a AP reivindica é bem menos do que o Hamas exige. E quando, do ponto de vista de israelita, uma das facções palestinianas (o Hamas), tem como um dos principais objectivos a «extinção do estado de Israel».

A questão de Jerusalém Oriental (que terá comprometido a concretização de um grande acordo em Camp David), voltará a ser crucial, dez anos depois.

Dois estados, mais segurança
Perante este cenário, há um ponto de partida reconhecido por todas as partes que agora começam uma longa série de negociações: a «two states solution», consagrada em Annapolis (Novembro de 2007), é a base negocial.

Israel terá que aceitar a criação de um Estado palestiniano, com fronteiras claras e soberania reconhecida; os palestinianos terão que dar as condições que levem a maiores garantias de segurança para Israel.

Nas declarações de lançamento, tanto Barack Obama como Hillary Clinton deram grande enfoque a essa junção de esforços: «A 'two states solution' é a nossa base de licitação», atirou Obama. E Hillary reforçou: «Sabemos que os dois lados terão que fazer concessões dolorosas. Os EUA vão mediar e serão muito pacientes. Estamos aqui para vos ouvir e contribuiremos para uma solução final. Ela será demorada – e só poderá ser possível se as duas partes quiserem. A resposta terá que partir de Israel e da Autoridade Palestiniana.»

O momento de Hillary
Mesmo com tantos constrangimentos iniciais, a Administração Obama deposita grandes expectativas neste processo de paz. Directamente envolvidos nas negociações estão políticos e diplomatas americanos de topo.

A liderar as negociações estará Hillary Clinton. A actual secretária de Estado assistiu bem de perto à última grande maratona negocial mediada por uma administração americana – e que redundou em 14 longos dias em Camp David: era Primeira Dama dos Estados Unidos, corria o mês de Julho de 2000.

No breve discurso de início dos trabalhos, Hillary lembrou: «Sei que muitos olham com alguma desconfiança para um novo processo de paz, devido aos falhanços e às desilusões do passado. Acreditem: percebo isso, porque também os vivi...»

Um eventual sucesso, dentro de um ano (o prazo limite definido por Barack Obama), deste processo de paz seria uma espécie de jóia da coroa do trabalho de Hillary Clinton no Departamento de Estado.

Outro negociador crucial para o processo que agora começa é, obviamente, George Mitchell, o enviado-especial do Presidente Obama para a Paz no Médio Oriente. Antigo líder da maioria democrata no Senado, no início da década de 90, teve o seu grande momento diplomático poucos anos depois, como enviado-especial do Presidente Clinton para a paz no Irlanda do Norte, ao dar um contributo decisivo para os Acordos de Belfast (1998).

A Jordânia e o Egipto
Obama deu início aos trabalhos num jantar oferecido em Washington, com Netanyahu e Abbas, no qual também participaram o rei Abdullah II e o presidente Hosni Mubarak. A Jordânia e o Egipto são dois fortes aliados dos EUA na região – e conferem um tom mais amplo ao processo de paz.

Barack aposta forte num acordo de paz no Médio Oriente até ao final do Verão de 2011 para fortalecer a posição norte-americana na região.

Com a retirada oficial do Iraque, os EUA receiam um avanço iraniano. Uma solução duradoura para o problema israelo-árabe tornava o Irão ainda mais isolado – e poderia retirar trunfos à ameaça nuclear de Ahmadinejad.

A questão da moratória
Netanyahu teve uma intervenção inicial promissora, lançando um desafio a Abbas: provar que há razões para que um confie no outro. «Eu sou seu parceiro. Você é meu parceiro?»

Mais à defensiva, Abbas também carregou na tecla da «necessidade de se chegar à paz». Mas o líder palestiniano deixou claro que, para que este processo possa atingir etapas mais avançadas, há que ser prorrogada a moratória, que termina a 26 de Setembro, que congela a construção de novos colonatos israelitas na Cisjordânia.

Gestão de expectativas
Tony Blair, antigo primeiro-ministro do Reino Unido e representante especial do Quarteto (EUA, Rússia, ONU e União Europeia) para a Paz no Médio Oriente, acredita no sucesso deste novo processo de paz.

«Pela primeira vez em muitos anos, temos boas hipóteses de chegar a um acordo. Por duas razões: a primeira é que o presidente Barack Obama fez da questão do Médio Oriente uma das suas prioridades. A segunda é que a situação na região, desta vez, está favorável», comenta Blair, em entrevista ao Le Monde.

Foram décadas a tentar e, apesar de alguns avanços consideráveis, têm sido muitos mais os recuos. Haverá mesmo razões para acreditar que será desta?»

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