segunda-feira, 31 de março de 2014

Histórias da Casa Branca: a UE, Putin e o «guarda-chuva» americano

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 31 DE MARÇO DE 2014:


«Putin revela mágoa profunda pelo fim da URSS»

«A Rússia tem que retirar as tropas da zonas de fronteira com a Ucrânia, para aliviar tensões. Aumentar o número de tropas na fronteira da Ucrânia não é o que a Rússia deve fazer»

«Há um forte sentimento de nacionalismo na Rússia e que, de certa maneira, há a ideia de que o ocidente ganhou vantagem sobre a Rússia no passado. O que tenho dito é que têm interpretado mal as intenções do ocidente. E, garantidamente, não têm compreendido as intenções da diplomacia americana».
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, entrevista à CBS

O que se passou na Crimeia foi um sério teste à capacidade do exército russo. Eles demonstraram as novas capacidades das nossas forças armadas em termos de qualidade e do elevado moral dos militares
VLADIMIR PUTIN, Presidente da Rússia, citado pela BBC

A visita de Obama à Europa e o aparente recuo de Putin na intenção de «alargamento do território» após a ação militar na Crimeia ajudam-nos a obter alguma lógica racional neste «traumatismo ucraniano».

Se, num primeiro momento, Putin ganhou pelo efeito surpresa, os últimos dias terão sido claros a mostrar que a Rússia corre o risco de ficar isolada na sua «jogada de antecipação», que levou à anexação da Crimeia (ilegal para a comunidade internacional, legitimada ao olhos de Moscovo pelo referendo).

Putin foi magistral no lance militar, percebendo que, após Maidan, o sentimento dominante na Crimeia seria de apelar à proteção de Moscovo, perante a fragilidade da nova ordem político em Kiev.

Mas o presidente russo está a perder a segunda parte desta eliminatória. Putin esperaria uma reação da União Europeia mais titubeante, perante a enorme ligação comercial entre Berlim e Moscovo e até com as influências financeiras entre as praças de Londres e Frankfurt com os magnatas russos. 

A juntar a isto, o líder russo terá antecipado um certo esfriamento das relações transatlânticas, em função das revelações constrangedoras do «caso Snowden», com as escutas da NSA a conversas privadas de altos dirigentes políticos e diplomáticos europeus, entre os quais a chanceler Merkel.

Tudo isso terá o seu peso. Mas o que se assistiu,nos últimos dias, foi a um claro reforço da aliança euro-americana, sublimado na cimeira EUA/UE, realizada na semana passada em Bruxelas. 

Obama, que no passado recente mostrara pouco entusiasmo perante o «complexo burocrático» das instituições europeias, deu claríssimo sinal de que a aliança entre os Estados Unidos e a União Europeia continua a ser a «pedra angular» das relações externas americanas. 

Mesmo uma Europa ainda a tentar salvar-se da crise do euro e das dívidas soberanas de vários dos seus países se mostra, em momentos definidores como é este da questão ucraniana, o aliado mais sólido e consistente dos EUA. 

Acresce que os últimos meses têm revelado um claro arrefecimento das economias dos BRIC (Brasil, Rússia, Índica, China e a agora também África do Sul e mesmo a Turquia).

Até ao ano passado, a narrativa dominante na política internacional era de que esses países iriam apresentar taxas de crescimento espetaculares, promovendo uma progressiva perda de influência da economia americana.

Ora, não é isso que está a suceder em 2014: a América, em clara recuperação económica, já tem taxas de crescimento superiores a muitos desses países.

Em contraponto, a Rússia tem debilidades na sua estrutura económica que Putin quererá, eventualmente, disfarçar com esta demonstração de força do seu exército, na questão ucraniana. 

Com este quadro, a Europa, mesmo ressentida com as ondas de choque do caso Snowden, nem sequer hesita: sente-se muito mais «americana» do que «russa».

Os momentos de tensão têm esta vantagem: ajudam a escolher caminhos. 

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