TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 5 DE FEVEREIRO DE 2015:
Não foi só a
proposta de Reforma Fiscal no discurso do Estado da União:
este Obama versão «Robin Hood», que pretende tirar um pouco aos
super-ricos para financiar programas sociais e aliviar fiscalmente os
mais desfavorecidos e a classe média para estar para durar.
É um Presidente solto das amarras de tentar «consensos» que já
percebeu ser impossíveis de alcançar com a oposição republicana e que,
em contra-relógio para os últimos 23 meses na Casa Branca, tenta
aproveitar os últimos cartuchos para concretizar o essencial do segundo
mandato: uma América mais coesa socialmente, com uma classe média
fortalecida pelo crescimento económico.
A proposta de orçamento que Obama apresentou ao Congresso, num
total de quatro biliões de dólares («four trillion budget» na expressão
em inglês), está desenhada para oferecer aos americanos uma ideia de
«have-it-all»: na sequência do que defendeu a 20 de janeiro no State of
The Union, o Presidente quer aproveitar a recuperação económica para
colocar mais dinheiro no bolso do «americano comum».
Como? Essencialmente, pela via fiscal. Nesta proposta de orçamento
vemos mais cortes fiscais para a classe média, mais despesa em programas
governamentais e cortes em áreas que permitem manter o défice
controlado.
Este equilíbrio paga-se, na proposta da Casa Branca, com taxas
maiores para os contribuintes mais ricos e para as empresas financeiras
que se dão melhor.
Tendo em conta a reação dos líderes republicanos ao Estado da
União, as esperanças de que isto passe no Congresso são muito reduzidas.
John Boehner, «speaker» da Câmara dos Representantes, congressista
republicano do Ohio, em entrevista ao «60 Minutes» da CBS, foi claro:
«Estou contra a subida do salário mínimo. Isso tira empregos, não dá
empregos. Sou contra taxar os mais ricos. Não é essa a América que
funciona».
Na mesma entrevista, Mitch McConnell, novo líder do Senado,
republicano do Kentucky em sexto mandato, teve alguma dificuldade em
rebater os bons números económicos expostos pelo Presidente no State of
The Union (5,6% de desemprego, 3% de crescimento económico e três
milhões de empregos criados em 2014, 11 milhões de empregos no setor
privado nos últimos seis anos): «Sim, são boas notícias, mas o problema é
que as políticas do Presidente não puseram a maior parte dos americanos
melhor. Puseram esses tais 1% dos mais ricos que ele fala melhor».
Se parece haver acordo na ideia de que é preciso tornar real para o
grosso dos americanos a melhoria económica já concretizada, o desacordo
quanto à forma de o obter é total: o Presidente vai ao limite insistir
na ideia da redistribuição fiscal e no aumento dos programas sociais; os
republicanos querem manter-se no «mantra» de estarem contra qualquer
subida de impostos.
O combate ideológico está ao rubro em Washington DC.
No plano externo, há três sinais a ter em conta nas mais recentes
decisões do Presidente: ao telefonar a Alexis Tsipras no dia seguinte à
vitória do Syriza, reforçando depois em entrevista que «a austeridade
não fez bem à Europa» e que
«não se pode continuar a apertar os países que estão numa depressão profunda».
Na frente ucraniana, deu claro sinal ao nomear Ashton Carter como
novo secretário da Defesa. Ahston, que irá passar no Senado com forte
apoio dos dois partidos, defende envio de armamento americano aos
combatentes ucranianos, para travar o avanço dos rebeldes pró-russos.
Perante o agravar do horror das ações do Estado Islâmico
(decapitação de dois japoneses e piloto jordano queimado vivo), Obama
reforçou: «São atos bárbaros e hediondos. Os EUA e aliados vão destruir o
Estado Islâmico». Enquanto isso, John Kerry, secretário de Estado
norte-americano, elogiava a «coragem e resistência» dos combatentes
curdos que provocaram derrota fundamental ao Estado Islâmico na
martirizada cidade de Kobani.
Viragem à esquerda no combate político com o Congresso republicano,
numa plataforma de cumprimento do que prometeu à classe média e às
minorias, segmentos que lhe deram a reeleição. Posição clara no combate
ao horror do «Daesh» e a à ameaça russa no Leste da Europa.
Barack Obama ainda conta e está a olhar para o relógio, para aproveitar o tempo que tem para deixar um legado.
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