Donald Trump será o
mais votado e o que mais delegados vai arrecadar na corrida republicana. Mas a
vitória de Kasich no Ohio pode ter levantado a dúvida: será que Donald ainda
atingirá os 1.237 exigidos para chegar à convenção já nomeado? O apoio de
Romney a Ted Cruz foi mais um momento surreal da corrida republicana e indica
uma réstia de resistência do «establishment» à «tragédia Trump». Mas talvez
seja tarde demais
Marco Rubio foi digno
na hora da derrota humilhante «em casa»: saiu de cena depois de perder a
Florida para Trump e avisou os seus apoiantes: «somos uma República,
respeitamos em absoluto a vontade popular. Seja ela qual for». Por ele, Trump
será mesmo investido. Mas há quem não pense assim nas cúpulas republicanas. Ted
Cruz e John Kasich podem ter apoios inesperados para manterem gás suficiente
até à convenção de Cleveland
«Donald Trump is
playing nice» -- depois de meses e meses com um discurso super agressivo, a
explorar medos e ignorâncias, a perspetiva da nomeação está a moderar uma parte
da retórica do multimilionário. Trump sabe que o grande risco, a partir de
agora, é que o clima de tensão e quase violência em torno da sua candidatura gere
uma perturbação que assuste o eleitorado que vai decidir. Unir o Partido
Republicano parece missão impossível: a maior parte dos líderes do partido que
deverá nomear Trump simplesmente o detesta
Hillary Clinton, no
prática, já obteve a nomeação: já agarrou perto de 75% dos delegados que
precisa para selar a vitória na Convenção de Filadélfia, entre delegados
obtidos por votação e superdelegados. Mas Sanders quer capitalizar a jornada
notável que tem percorrido, assumindo-se como voz incontornável do liberalismo
americano e da visão «anti-sistema», versão democrata
A «mini
Super Tuesday» do passado dia 15 confirmou duas coisas: Hillary Clinton será
mesmo a nomeada do Partido Democrata e Donald Trump vai ser o candidato mais
votado e com mais delegados do Partido Republicano.
O triunfo
claro do multimilionário na Florida deitou ao tapete Marco Rubio – aquele que
talvez tivesse sido o escolhido dos republicanos se este ciclo de primárias
fosse «relativamente normal».
Só não
escrevo, em relação a Trump, uma terceira conclusão que aponte para a sua
nomeação, porque restam sinais, nas cúpulas republicanas, de alguma resistência
a uma realidade que parece cada vez mais inevitável.
Marco Rubio
foi digno na hora da humilhação: depois de perder por larga margem na Florida, estado que representa no Senado dos EUA, avisou os seus apoiantes de que, tendo em conta a forma como se escolhem
presidentes na América, não resta outro caminho que não seja respeitar
humildemente a vontade de quem vota e seguir a nomeação de Trump, caso ela se
concretize.
Mitt Romney,
nomeado presidencial republicano em 2012, não pensa assim: depois de assumir discurso
arrasador contra Trump, anunciou que fará campanha por Ted Cruz nos próximos
estados, para evitar que Donald chegue a Cleveland com os 1.237 delegados
exigidos para agarrar a investidura.
Tarde demais para um golpe de teatro
Mas parece tarde demais para imaginar uma «brokered convention»: se Trump não chegar ao tal número mágico até junho, andará lá perto – e certamente muito acima de Cruz e Kasich.
Mas parece tarde demais para imaginar uma «brokered convention»: se Trump não chegar ao tal número mágico até junho, andará lá perto – e certamente muito acima de Cruz e Kasich.
Como advogar
um candidato de última hora, que não tenha passado pelo crivo dos estados? Como
defender que John Kasich, que até hoje só ganhou no estado que governa, tenha
condições políticas para ser investido na convenção, ele que representa o centro republicano que, precisamente, está a ser triturado pelos eleitores do partido em quase todos os estados?
Para refrear
ânimos, um porta-voz do Comité Nacional do Partido Republicano foi claro, em
declaração recente: «Se Donald Trump for o nomeado da convenção, vamos
respeitar em absoluto essa escolha».
Ideias que
apontam para uma candidatura «do establishment» à margem da nomeação de Trump
parecem, pois, desabafos em voz alta que, a serem concretizados, ofereceriam de bandeja a eleição de Hillary.
Rubio, um futuro brilhante... atrás dele?
Rubio, um futuro brilhante... atrás dele?
Depois da
derrota de Romney sobre Obama nas presidenciais de novembro de 2012, parecia
haver uma corrente suficientemente forte no Partido Republicano que apontava
para a necessidade de «abrir o partido» às minorias emergentes na América.
Dentro
destes segmentos, os latinos adquiriam especial relevância. O partido passou a
olhar, desde aí, com especial atenção para um jovem senador da Florida,
conotado com o Tea Party mas não em demasia para poder assumir-se como
candidato presidencial viável no plano nacional.
Com um
discurso menos fundamentalista que Ted Cruz (a outra estrela hispânica dos republicanos),
Marco Rubio parecia ter tudo para ser «the special guy» que iria recolocar os
republicanos na rota da Casa Branca: menos rotulado com o «passado dinástico»
dos Bush do que Jeb, mais credível do ponto de vista político e social para o
eleitorado americano do que Ted Cruz ou Mike Huckabee.
Vários
«think tank» conservadores e a generalidade dos comentadores e «pundits» foram
colocando, desde 2012, Marco Rubio no pedestal dos pretendentes à nomeação
presidencial republicana.
Só que a
influência dos candidatos menos conotados com «establishment» não foi
devidamente valorizada.
Ted Cruz,
afinal, não só não é tão minoritário no seu discurso ultraconservador e fundamentalista
evangélico como até se revelou eleitoralmente mais competitivo do que Marco
Rubio.
A força do
Tea Party, avassaladora nos primeiros anos de Administração Obama -- como
reação da Direita americana aos intentos do Presidente de aumentar «o peso do
Governo» e a «influência dos programas federais» -- gerou um desvio ideológico
e até demográfico muito significativo nas características atuais do Partido
Republicano.
A derrota do centro
A derrota do centro
O centro
político quase desapareceu (que o digam nomes como Jeb Bush, Mitch Daniels, Jon
Huntsman, George Pataki, Chris Christie ou até John McCain e Mitt Romney, os
últimos dois nomeados presidenciais republicanos).
O desvio à
direita foi brutal. De tal modo que até o fenómeno Tea Party está hoje, de
algum modo, ultrapassado.
Candidatos
como Mike Huckabee, Scott Walker ou Bobby Jindal foram triturados pela novidade
que quase ninguém previu: Donald Trump.
O
«frontrunner» republicano, multimilionário de sucesso nos negócios, é uma
espécie de produto «pós Tea Party».
Menos ligado
a grupos religiosos, tem sabido assumir os receios e exigências de muitos
desses segmentos (o triunfo largo de Donald na Carolina do Sul assim o
confirmou).
Ao contrário
do que acontecia com Huckabee ou do que sucede com Cruz, Trump não coloca Deus
como «mantra» essencial da sua retórica.
Fala da
religião como um dado crucial para se perceber aquele país. Assume a liturgia
do endeusamento da Constituição (base de toda a ação política do Tea Party
nestes anos, numa interpretação literal que se desajusta a 2016).
Mas aposta
mais forte em «feridas» como a ideia de que «a América ficou mais fraca com os
anos Obama», garantindo que, com ele na Casa Branca, «os EUA serão grandes de
novo». «Vou derrotar a China e vou exterminar o ISIS», promete, impante, nos
seus comícios.
2016 está,
por isso, a ser o ano do populismo, sobretudo do lado republicano.
Compreender Bernie
Compreender Bernie
Mas não só:
a jornada notável de Bernie Sanders, visto até há poucos anos como um
«outsider» da grande política americana explica-se, em boa parte, por uma
espécie de «populismo de esquerda», sem as diatribes irresponsáveis de Trump em
relação aos imigrantes e às minorias, mas com uma retórica igualmente perigosa
em relação ao «sistema financeiro» e «contra Wall Street».
Hillary
Clinton será, certamente, a nomeada democrata.
A
superfavorita já conseguiu perto de três quartos dos delegados que necessita
para confirmar a nomeação, depois da boa resposta que deu a 15 de março:
vitórias claras na Florida, no Ohio, no Illinois e na Carolina do Norte (e
ainda uma vitória à tangente no Missouri).
Mas os 851
delegados já garantidos pelo septuagenário senador do Vermont (mais do que
Donald Trump conseguiu do lado republicano, por exemplo) não podem ser
menosprezados – sobretudo porque foram quase todos obtidos por votação
(enquanto Hillary tem perto de 500 superdelegados a engrossar os 1606 que já
obteve).
E parece certo que Sanders vai levar esta caminhada até à convenção: «O plano é convencer os superdelegados a mudar de ideias até lá», lança, provocador e determinado, o senador do Vermont.
E parece certo que Sanders vai levar esta caminhada até à convenção: «O plano é convencer os superdelegados a mudar de ideias até lá», lança, provocador e determinado, o senador do Vermont.
A chave para
que Hillary não se deixe surpreender por Trump na eleição geral (para já, as
sondagens dão vantagens relativamente confortáveis à democrata sobre o
republicanos, de 10 a 13 pontos de diferença) passa muito por Clinton
conseguir, nos próximos meses, fixar do lado democrata o «voto de descontentamento»
que Sanders está a conseguir verter nas urnas, em diferentes estados.
Se a eleição
geral se transformar numa estranha (e perigosamente imprevisível) luta entre
«sistema» e «anti sistema», então aí Hillary pode ficar numa posição
extremamente sensível de corporizar «o business as usual dos políticos que
estão lá há vários anos e deixam tudo na mesma», enquanto Donald se deliciaria
a vestir a pele do «herói anti sistema que vai mudar isto tudo».
Sistema vs anti sistema?
Sistema vs anti sistema?
Podem parece
rótulos simplistas – mas o perigo existe, tendo em conta o clima maniqueísta
que está instalado neste momento na política americana.
As «odds»
parecem favoráveis a Hillary para novembro: minorias esmagadoramente do lado
dela; boa parte dos republicanos assustados e quase envergonhados com o
provável nomeado do seu próprio partido.
Mas convém
analisar com especial atenção, nos próximos meses, os pontos de contato que,
eventualmente, existirão, entre o perfil do eleitorado Sanders e do eleitorado
Trump (na idade, no perfil social, na história de vida).
Talvez tenhamos algumas surpresas desagradáveis.
Talvez tenhamos algumas surpresas desagradáveis.
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