TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 18 DE JULHO DE 2016:
«As pessoas pensam
que Trump é estúpido, mas ele não é nada estúpido. Pelo contrário. Há cinco
anos ele ainda falava a linguagem típica da um investidor de Wall Street, com
formação académica. Agora fala a linguagem de quem nem completou a educação básica.
É assim que ele consegue que alguém num bar, ouvindo vagamente a televisão,
exclame: “Olha, aquilo sou eu a falar"»
TIMOTHY GARTON ASH, historiador e professor em Oxford
Nesta estranha corrida presidencial norte-americana, a semana que hoje começa promete ser das mais desconcertantes.
Donald Trump, o mesmo que
durante meses andou a insultar e injuriar os principais candidatos à nomeação
republicana, vai mesmo ser confirmado como… candidato nomeado pelo Partido
Republicano à presidência dos Estados Unidos.
Só na América? Talvez.
Mas num ano particularmente
assustador nas tendências que tem mostrado na política internacional (Brexit a
vencer no Reino Unido; Marine Le Pen a ameaçar liderar a corrida presidencial
de 2017 em França; terrorismo islâmico a aumentar na sua ameaça em solo
europeu; Turquia em golpe e contra-golpe de Erdogan ainda por explicar), todos
os cenários devem ser equacionados.
A nomeação presidencial de
Donald Trump abalou por completo os pilares do Partido Republicano.
O velho Grand Old Party,
referencial de Lincoln, Teddy Roosevelt, Reagan ou Bush pai, foi durante
décadas o farol de valores como a coesão, o respeito pela diferença e uma
crença de que, nos EUA, há lugar para todos.
Os dislates que o Tea Party
foi propagando nos últimos anos já estavam a alterar essa perceção.
Mas o sucesso de Donald
Trump anunciou um «novo normal» preocupante para a Direita americana.
Os republicanos, em 2016,
abdicaram de candidatos do sistema. Puseram para trás referenciais
conservadores, anti-impostos e até religiosos.
Com Trump, prevaleceu uma
via populista, autoritária, demagógica, que vai ao sabor do vento e em nada se
preocupa com a coerência nas propostas e até nos discursos feitos no passado
recente.
E isso terá efeitos tão
significativos para a política americana, mesmo que Trump não ganhe a eleição
geral em novembro, que ainda não se consegue avaliar bem a dimensão do
fenómeno.
Trump é «muito à direita»?
Nalgumas coisas parece, na
forma como fala, em tons desrespeitosos e depreciativos, das minorias – essas
mesmo, que ao longo de décadas, fizeram da América um espaço de Liberdade,
multiplicidade e diferença.
Mas noutras não será assim
tanto: quem viu os (infindáveis) debates das primárias, ainda com dezena e meia
de candidatos, percebeu que Donald era (talvez só a par do governador do Ohio,
John Kasich) dos poucos que advogava a progressividade fiscal, contrastando
assim com o «mantra» que vigorou nos republicanos, nos últimos anos, de serem
contra qualquer subida de impostos.
A questão é que o que Donald
disse há meio ano ou há nove meses já não interessa grande coisa.
Ele desdisse quase tudo o
que chegou a lançar nas primárias – e também já recuperou algumas das ideias
que havia retirado.
A coerência não faz parte
dos trunfos da bizarra candidatura presidencial republicana de 2016.
Trump tem outras apostas: a
crítica acérrima ao «establishment» e aos «políticos que têm falhado as
obrigações de Washington».
A forma como o
multimilionário justificou a escolha de Mike Pence, 57 anos, governador do
Indiana, para seu vice-presidente diz tudo sobre esse foco: «Tenho de ser sincero, uma das
razões mais importantes por que escolhi Mike foi a unidade do partido. Muita
gente falou da unidade do partido. Eu sou um 'outsider' e quero ser um
'outsider', porque acho que foi uma das razões por que ganhei por larga margem».
É esta a grande contradição do processo de
escolha do Partido Republicano para as presidenciais de 2016: o que fez Donald
Trump ganhar é o mesmo que expõe os problemas do GOP.
Como resolver esta quadratura do círculo?
A Convenção de Cleveland, Ohio, que arranca esta
segunda-feira e se prolonga até quinta, pode desvendar alguns destes mistérios.
Será possível vermos Trump a…dormir finalmente
com os seus queridos inimigos?
Não se prevê fácil a vida de Donald nos
próximos dias.
Mitt Romney, candidato presidencial republicano
em 2012, continua a dizer que não vai apoiar Trump.
John McCain, escolhido em 2008, já foi muito
crítico de Donald (sobretudo depois de Trump ter sido incrivelmente deselegante
com ele, ao dizer que não gosta de «falhados» e quem sofre ferimentos numa
guerra «é um falhado), acabou por admitir que apoiará Donald, mas apenas porque
«seria disparatado não perceber qual foi a escolha popular» e porque «os
sucessos de Trump e Sanders nas primárias dão conta de uma distância
preocupante entre os eleitores e os congressistas e senadores e temos que
perceber esses sinais».
Mas os únicos presidentes republicanos vivos,
Bush pai (1989-1993) e Bush filho (2001-2009), seguem a via de Romney e também
se recusam a votar em Trump.
Para já, pelo menos, só um antigo nomeado
presidencial republicano declarou apoio público inequívoco a Trump: Bob Dole,
que perdeu de forma clara, em 1996, para o então Presidente Bill Clinton.
É pouco.
Muito pouco, mesmo, tendo em conta que
Dole há muitos anos que deixou de contar verdadeiramente no grande palco da
política americana.
Mas, lá está, há um efeito perverso nesta
análise.
O sucesso de Donald nas primárias, como o
próprio gosta de propagandear, foi ter-se descolado completamente das figuras
habituais do Partido Republicano.
Valerá esta ideia na eleição geral? Correrá
Trump o risco de perder parte do eleitorado republicano para Hillary?
Por enquanto, as sondagens dão uma distribuição
relativamente clássica: cerca de quatro em cinco eleitores democratas vai votar
em Hillary; perto de três em quatro republicanos acabarão por votar em Donald.
Há dois fatores que podem ajudar a definir a
questão para novembro.
Se Bernie Sanders, que depois de semanas de
hesitações, finalmente fez um claro «endorsment» a Hillary (com a candidata ao
lado), conseguir disciplinar o seu desalinhado eleitorado para o campo de
Clinton (evitando tentações anti-sistema que poderiam beneficiar Trump) e se
Hillary conseguir segurar a «maioria Obama de 2012», feita de coligações de
quatro segmentos nos quais Trump continua a ter muitas dificuldades em penetrar
(jovens, mulheres, negros e hispânicos), então aí a tendência para 8 de
novembro pode virar-se claramente a favor da futura nomeada democrata.
Esse fluxo, diga-se, ainda não se verificou por
completo: Hillary mantém-se à frente nas sondagens nacionais, mas com um intervalo
de 4 a 7 pontos – não completamente esclarecedor, portanto.
E na batalha por estados, há alguns sinais em
territórios decisivos, como o Ohio, a Florida e a Pensilvânia, que apontam para
um quase empate.
Faltam 113 DIAS para as eleições presidenciais
nos EUA.
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