sexta-feira, 24 de junho de 2016

Histórias da Casa Branca: Brexit, o ‘cisne negro’ que pode salvar a candidatura Trump?


«Os ingleses recuperaram o seu país. Isso é uma coisa boa. Outros vão querer seguir o mesmo caminho. E vão querer ter política monetária. Vão querer ter um país»
DONALD TRUMP, a reagir na Escócia ao triunfo do «Brexit»

«Respeitamos a escolha do Reino Unido. Estes tempos de incerteza reforçam a necessidade de uma liderança clara e forte dos Estados Unidos»
HILLARY CLINTON, na reação, em comunicado no Twitter, à vitória do «Brexit»

«O povo do Reino Unido pronunciou-se e nós respeitamos a sua decisão. A relação especial entre os EUA e o Reino Unido é duradoura e a presença do Reino Unido na NATO continua a ser um pilar fundamental na política económica, de segurança e internacional dos Estados Unidos»
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, na reação ao Brexit, dias depois de ter avisado, em Londres, para os perigos dessa «relação especial» estar em risco se o «sim» vencesse… como venceu



As últimas duas semanas correram muito mal a Donald Trump.

Hillary Clinton resolveu finalmente o problema matemático para chegar à nomeação, contendo a ameaça Sanders (o septuagenário Bernie até já admite que vai votar na antiga secretária de Estado de Obama, que tanto criticou nos últimos meses) e focando-se, finalmente, no ataque a Trump.

A pressão da elite republicana aumentou, no sentido de contestar a escolha dos eleitores nas primárias, numa última tentativa de travar a nomeação de Trump na Convenção de Cleveland – e até surgiu um movimento de cerca de 400 delegados que, apesar de estarem supostamente presos à fidelidade dos resultados nas urnas, parecem dispostos a quebrar a tradição e não votar mesmo em Donald, o que poderia pôr em dúvida a investidura do multimilionário como candidato presidencial.




Os números de maio revelaram diferenças enormes na capacidade de angariação de fundos nas duas campanhas: Hillary com mais de 40 milhões de dólares recolhidos; Donald apenas 1,3 (num sinal óbvio de que os financiadores tradicionais dos republicanos ainda não conseguiram engolir o ‘sapo’ Trump).

A forma exagerada, primária e simplista como Donald reagiu ao massacre de Orlando caiu mal até no eleitorado republicano, que não viu em Trump o líder à altura de acontecimento tão dramático.

Mais relevante que todos os dados anteriores, Hillary descolou nas sondagens nas últimas três semanas, depois de uma fase em que Trump estava quase a apanhar a democrata.

Os últimos números deram Hillary com vantagens entre os 5 e os 12 pontos nas sondagens nacionais e vantagens em quase todos os estados decisivos.

Hillary aquecia os motores para capitalizar a ideia de que teria tudo para ganhar claramente em novembro, frente a um opositor mal-amado por grande parte dos republicanos e que, em recente sondagem, é rejeitado por sete em cada dez eleitores americanos.

Trump, cercado e em risco de ver crescer ameaça real de chegar à Convenção e ver outra solução preparada para o travar, já preparava mudança de estratégia.

Despediu há dias o seu diretor de campanha, Corey Lewandowski (um dos grandes mentores do estilo feroz e de ataque a tudo e todos, entre media e políticos), e preparava-se para tentar uma nova via, menos desalinhada e capaz de segurar os mínimos para uma nomeação tranquila.


«Turning point» mas… quanto?

Mas, já se sabe, uma corrida presidencial nos EUA dá muitas voltas. A quatro meses e meio da decisão, muita coisa pode ainda acontecer.

O que poderia recolocar Trump na rota de uma candidatura forte, depois daqueles meses de desvario em que, nas primárias republicanas, bastou capitalizar os falhanços sucessivos dos políticos do ‘establishment’?

Um grande atentado em solo americano, com planos gizados pelo ISIS? Doença súbita de Hillary Clinton?

Para além destas duas hipóteses trágicas (embora ambas possíveis em teoria de suceder até novembro), muito pouco mais.

Ora, dentro desse «muito pouco», há sempre alguns ‘cisnes negros’ que podem aparecer.

Pois.

A questão é que ontem mesmo, 23 de junho, pode ter aparecido uma dessas improbabilidades estatísticas mas que, por existirem, têm que ser introduzidas na equação.

Não é que o «Sim» dos britânicos à saída da União Europeia fosse assim tão inesperado.



Empurrão para Donald

Mas a conjugação de fatores políticos a ela associada, essa sim, parece gerar uma «tempestade perfeita», no timing e nas consequências, em favor da narrativa que Donald Trump pretende corporizar.

Pode ser, para o multimilionário nova-iorquino, um grande momento, como ele bem gosta, de «eu bem que tinha avisado».

Reforça a ideia de que os ventos estão para a penalização das elites políticas, do ‘status quo’ partidário, do ‘business as usual’ das instituições oficiais.

Alimenta a ilusão que está a ser vendida pelo futuro nomeado republicano de que a solução para os perigos internos da América está no fecho de fronteiras, na hostilidade para o tudo o que vem «de fora», no recuo do multilateralismo promovido nos anos Obama/Biden/Hillary/Kerry e num regresso a um protecionismo guiado pelo medo mas sem qualquer fundamentação real.




O modo como Donald tem falado de «mexicanos», «muçulmanos» e «centenas de milhares de refugiados sírios» não é muito diferente (apenas um pouco menos subtil) do que fizeram, nos últimos quatro meses, Nigel Farage, Boris Johnson e outros defensores do «Leave UK from EU».

Curiosamente (ou talvez não), Trump estava, esta manhã, a chegar à Escócia, para inaugurar um campo de golfe que deu polémica. E cantou vitória, referindo que «os ingleses recuperaram o seu país e isso é uma coisa boa».


Hillary outra vez com o papel mais difícil

Num tema como este, em que o fator medo foi decisivo para a decisão (saberão os ingleses que fora do Reino Unido estão bem menos «protegidos» da pressão migratória, por exemplo?), o discurso fácil e populista de Trump é muito mais passível de ter colhimento do que, propriamente, uma análise completa e multifacetada de tão complicado problema.



O papel mais difícil volta, assim, a caber a Hillary Clinton.

Sem ceder à emoção do momento, a presumível candidata democrata mostrou respeito pela decisão do Reino Unido, insistiu na «velha aliança EUA/Reino Unido, que não sairá abalada», mas assumiu que «se vivem tempos de incerteza».

«Uma liderança experiente na Casa Branca é fundamental», avisou, numa clara bicada à total falta de experiência política e/ou de chefia militar de Trump.

O mundo precisa, em momentos destes, «de uns Estados Unidos liderantes e fortes», diz Hillary, reforçando a visão que sempre manteve, quando liderava o Departamento de Estado, sobre o papel dos EUA no mundo.

Até se percebe a ‘nuance’ em relação a uma visão mais ‘declinista’ de Obama, que aponta mais o foco no «realismo de contenção», mas falta saber se Hillary consegue vencer a tal barreira do «medo»: no momento do voto, quem verão os americanos mais no papel de «líder forte para uma América forte»?

Não será o discurso simplista de Trump de «Make America Great Again» mais apetecível para um eleitorado assustado?

Depois do «Brexit», o ítem «medo» galgou mais umas posições na lista de prioridades, certamente.

Aguardam-se com (muita) expetativa as primeiras sondagens que já apanhem o pós-Brexit.

Nunca é bom desvalorizar o lado imprevisível dos duelos presidenciais na América.


Faltam 137 DIAS para as eleições presidenciais nos EUA.

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