«Os ingleses
recuperaram o seu país. Isso é uma coisa boa. Outros vão querer seguir o mesmo caminho. E vão querer ter política monetária. Vão querer ter um país»
DONALD TRUMP, a reagir
na Escócia ao triunfo do «Brexit»
«Respeitamos a escolha
do Reino Unido. Estes tempos de incerteza reforçam a necessidade de uma
liderança clara e forte dos Estados Unidos»
HILLARY CLINTON, na
reação, em comunicado no Twitter, à vitória do «Brexit»
«O povo
do Reino Unido pronunciou-se e nós respeitamos a sua decisão. A relação
especial entre os EUA e o Reino Unido é duradoura e a presença do Reino Unido
na NATO continua a ser um pilar fundamental na política económica, de segurança
e internacional dos Estados Unidos»
BARACK
OBAMA, Presidente dos EUA, na reação ao Brexit, dias depois de ter avisado, em
Londres, para os perigos dessa «relação especial» estar em risco se o «sim»
vencesse… como venceu
As últimas duas semanas correram muito mal a
Donald Trump.
Hillary Clinton resolveu finalmente o problema
matemático para chegar à nomeação, contendo a ameaça Sanders (o septuagenário
Bernie até já admite que vai votar na antiga secretária de Estado de Obama, que
tanto criticou nos últimos meses) e focando-se, finalmente, no ataque a Trump.
A pressão da elite republicana aumentou, no
sentido de contestar a escolha dos eleitores nas primárias, numa última
tentativa de travar a nomeação de Trump na Convenção de Cleveland – e até
surgiu um movimento de cerca de 400 delegados que, apesar de estarem supostamente
presos à fidelidade dos resultados nas urnas, parecem dispostos a quebrar a
tradição e não votar mesmo em Donald, o que poderia pôr em dúvida a investidura
do multimilionário como candidato presidencial.
Os números de maio revelaram diferenças enormes
na capacidade de angariação de fundos nas duas campanhas: Hillary com mais de
40 milhões de dólares recolhidos; Donald apenas 1,3 (num sinal óbvio de que os
financiadores tradicionais dos republicanos ainda não conseguiram engolir o ‘sapo’
Trump).
A forma exagerada, primária e simplista como
Donald reagiu ao massacre de Orlando caiu mal até no eleitorado republicano,
que não viu em Trump o líder à altura de acontecimento tão dramático.
Mais relevante que todos os dados anteriores, Hillary
descolou nas sondagens nas últimas três semanas, depois de uma fase em que
Trump estava quase a apanhar a democrata.
Os últimos números deram Hillary com vantagens
entre os 5 e os 12 pontos nas sondagens nacionais e vantagens em quase todos os
estados decisivos.
Hillary aquecia os motores para capitalizar a
ideia de que teria tudo para ganhar claramente em novembro, frente a um
opositor mal-amado por grande parte dos republicanos e que, em recente
sondagem, é rejeitado por sete em cada dez eleitores americanos.
Trump, cercado e em risco de ver crescer ameaça
real de chegar à Convenção e ver outra solução preparada para o travar, já
preparava mudança de estratégia.
Despediu há dias o seu diretor de campanha, Corey
Lewandowski (um dos grandes mentores do estilo feroz e de ataque a tudo e
todos, entre media e políticos), e preparava-se para tentar uma nova via, menos
desalinhada e capaz de segurar os mínimos para uma nomeação tranquila.
«Turning point» mas… quanto?
Mas, já se sabe, uma corrida presidencial nos EUA
dá muitas voltas. A quatro meses e meio da decisão, muita coisa pode ainda
acontecer.
O que poderia recolocar Trump na rota de uma
candidatura forte, depois daqueles meses de desvario em que, nas primárias
republicanas, bastou capitalizar os falhanços sucessivos dos políticos do ‘establishment’?
Um grande atentado em solo americano, com planos
gizados pelo ISIS? Doença súbita de Hillary Clinton?
Para além destas duas hipóteses trágicas (embora
ambas possíveis em teoria de suceder até novembro), muito pouco mais.
Ora, dentro desse «muito pouco», há sempre alguns
‘cisnes negros’ que podem aparecer.
Pois.
A questão é que ontem mesmo, 23 de junho, pode
ter aparecido uma dessas improbabilidades estatísticas mas que, por existirem,
têm que ser introduzidas na equação.
Não é que o «Sim» dos britânicos à saída da União
Europeia fosse assim tão inesperado.
Empurrão para Donald
Mas a conjugação de fatores políticos a ela
associada, essa sim, parece gerar uma «tempestade perfeita», no timing e nas
consequências, em favor da narrativa que Donald Trump pretende corporizar.
Pode ser, para o multimilionário nova-iorquino,
um grande momento, como ele bem gosta, de «eu
bem que tinha avisado».
Reforça a ideia de que os ventos estão para a
penalização das elites políticas, do ‘status quo’ partidário, do ‘business as
usual’ das instituições oficiais.
Alimenta a ilusão que está a ser vendida pelo
futuro nomeado republicano de que a solução para os perigos internos da América
está no fecho de fronteiras, na hostilidade para o tudo o que vem «de fora», no
recuo do multilateralismo promovido nos anos Obama/Biden/Hillary/Kerry e num
regresso a um protecionismo guiado pelo medo mas sem qualquer fundamentação
real.
O modo como Donald tem falado de «mexicanos»,
«muçulmanos» e «centenas de milhares de refugiados sírios» não é muito diferente
(apenas um pouco menos subtil) do que fizeram, nos últimos quatro meses, Nigel
Farage, Boris Johnson e outros defensores do «Leave UK from EU».
Curiosamente (ou talvez não), Trump estava, esta
manhã, a chegar à Escócia, para inaugurar um campo de golfe que deu polémica. E
cantou vitória, referindo que «os
ingleses recuperaram o seu país e isso é uma coisa boa».
Hillary outra vez com o papel mais difícil
Num tema como este, em que o fator medo foi
decisivo para a decisão (saberão os ingleses que fora do Reino Unido estão bem
menos «protegidos» da pressão migratória, por exemplo?), o discurso fácil e
populista de Trump é muito mais passível de ter colhimento do que,
propriamente, uma análise completa e multifacetada de tão complicado problema.
O papel mais difícil volta, assim, a caber a
Hillary Clinton.
Sem ceder à emoção do momento, a presumível
candidata democrata mostrou respeito pela decisão do Reino Unido, insistiu na
«velha aliança EUA/Reino Unido, que não sairá abalada», mas assumiu que «se vivem tempos de incerteza».
«Uma liderança experiente na Casa Branca é fundamental», avisou, numa clara bicada à total falta de experiência política e/ou de
chefia militar de Trump.
O mundo precisa, em momentos destes, «de uns
Estados Unidos liderantes e fortes», diz Hillary, reforçando a visão que sempre
manteve, quando liderava o Departamento de Estado, sobre o papel dos EUA no
mundo.
Até se percebe a ‘nuance’ em relação a uma visão
mais ‘declinista’ de Obama, que aponta mais o foco no «realismo de contenção»,
mas falta saber se Hillary consegue vencer a tal barreira do «medo»: no momento
do voto, quem verão os americanos mais no papel de «líder forte para uma
América forte»?
Não será o discurso simplista de Trump de «Make America
Great Again» mais apetecível para um eleitorado assustado?
Depois do «Brexit», o ítem «medo» galgou mais
umas posições na lista de prioridades, certamente.
Aguardam-se com (muita) expetativa as primeiras sondagens
que já apanhem o pós-Brexit.
Nunca é bom desvalorizar o lado imprevisível dos
duelos presidenciais na América.
Faltam 137 DIAS para as eleições presidenciais
nos EUA.
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