O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
quinta-feira, 7 de maio de 2009
Entrevista de Barack Obama no primeiro número do 'i'
O Casa Branca saúda o nascimento de um novo título na imprensa portuguesa. O «i» é um jornal diário do Grupo Lena, dirigido por Martim Avillez de Figueiredo e está, desde hoje, nas bancas, em todo o País. Custa um euro e tem, também, um site que vale a pena consultar (www.ionline.pt).
No seu primeiro número, o «i» dá à estampa uma entrevista com o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assinada por David Leonhardt, que é publicada em exclusivo para Portugal na sequência do acordo que o «i» tem com o New York Times. Aqui vai a versão que ficou disponível no site do novo jornal:
«A 14 de Abril, o Presidente Barack Obama proferiu um discurso na Universidade de Georgetown, em que procurou explicar por que estava a concentrar-se em tantos assuntos económicos. Argumentando que os Estados Unidos precisavam de quebrar o ciclo da bolha, citou o Novo Testamento quando apelou a uma nova fundação económica para a nação: seria construída com base em melhores escolas, mais saúde e um mercado financeiro mais regulado. Nessa mesma tarde, sentei-me com o Presidente para discutir a forma como a sua agenda poderia alterar o dia-a-dia do país.
Esta foi a nossa terceira entrevista sobre economia, as primeiras duas ocorreram durante a campanha. O cenário foi decididamente mais formal, desta vez - a Sala Oval -, mas a conversa decorreu num clima idêntico às outras. Sentámo-nos ao fundo da sala do lado oposto à sua secretária e falámos durante 50 minutos. Nenhum dos seus conselheiros económicos estava presente. No fim da conversa, perguntei se estava a ler algum livro interessante. Respondeu que se tinha cansado tanto de resumir livros que começara a ler o romance Netherland, de Joseph O'Neill.
As pessoas que querem saber o que pensa sobre educação, emprego e todo o género de outros assuntos conseguem ter uma boa ideia do seu pensamento ao ler "The Audacity of Hope". Mas não há um capítulo que revele o que pensa sobre Finanças. Qual a sua visão na economia do futuro?
Em primeiro lugar, penso que devíamos distinguir entre finanças como sangue da nossa economia e finanças como uma indústria importante onde temos uma vantagem comparativa. Em termos de puro crescimento da nossa economia, temos de ter crédito suficiente para financiar negócios, grandes e pequenos, e permitir aos consumidores a flexibilidade para fazerem compras a longo prazo, como carros ou casas. Isso não vai mudar. Não basta termos um sector bancário saudável. Temos também de perceber o que fazer ao sector não-bancário - que garantia quase metade do nosso crédito - e determinar se, na consequência de algumas medidas da Reserva Federal (Fed) e do Tesouro, conseguimos restaurar o mercado das securitizações.
Estou optimista e penso que acabaremos por conseguir recuperar essa parte do sector financeiro, mas a confiança vai demorar a reconquistar.
O que tem de mudar - e que foi uma aberração - é uma realidade em que os lucros no sector financeiro representam uma fatia tão grande dos lucros totais na última década. Isso vai mudar, também como consequência da regulação, que impedirá a tomada de riscos generalizada. É importante percebermos que parte da riqueza era pura ilusão.
Então não teremos saudades dela?
Teremos, no sentido em que havia jovens de 25 anos com bónus de milhões, dispostos a pagar cem dólares (75 euros) por um bife e a dar gorjetas que fariam morrer de inveja qualquer professor universitário. Parte dessa dinâmica do sector financeiro sofrerá uma contracção para as classes mais baixas - sobretudo num sítio como Manhattan. Mas houve sempre um sentimento de insustentabilidade sobre o que vinha acontecendo em Wall Street nos últimos dez a 15 anos. Wall Street continuará a representar uma parte muito importante da nossa economia, como nos anos 70 e 80. Apenas não voltará a representar metade da nossa economia. E isso significa que mais talento e recursos serão desviados para outros sectores da Economia - o que é muito bom. Assistiremos a mudanças, mas penso que não perderemos o melhor da transparência, da abertura e da confiança dos nossos mercados. Uma maior regulação vai ajudar a restabelecer a confiança e ainda muitos capitais globais vão querer fixar-se nos EUA.
Houve um grande debate entre os conselheiros de Franklin Delano Roosevelt que revela uma analogia com a actualidade: aceitar grandes empresas fortemente reguladas ou parti-las para melhor as controlar. Acha que devemos ter estes supermercados fortemente regulados ou antes que precisamos de uma versão moderna da lei que, em 1933, proibiu aos bancos comerciais realizar actividades de banca de investimento (até 1999)?
Até agora, os factos mostram que outros países que não tiveram nos seus mercados financeiros os problemas que nós tivemos, também não separam bancos de investimento de bancos comerciais, por exemplo. Têm, o modelo do supermercado e uma regulação forte.
Depois da Grande Depressão, ter um diploma do secundário deixou de ser algo apenas possível a uma elite e tornou-se um bilhete para a classe média. Qual é hoje o equivalente: uma licenciatura, um bacharelato ou a simples frequência universitária?
No meu discurso para a sessão conjunta [da câmara de representantes e do Senado], disse que todos deviam ter pelo menos um ano de formação pós-ensino secundário. Seria demasiado dizer que todos precisam de licenciar-se. Mas é preciso garantir formação complementar suficiente para ganhar competências nas áreas que exigem conhecimentos técnicos, porque é muito difícil conseguir um emprego com um salário decente sem isso ? ou, pelo menos, suficiente para nos sustentarmos. Isso não é apenas bom para os indivíduos, mas crucial para a economia. Mas também é muito importante assegurarmo-nos que o secundário está a dar aos nossos jovens aquilo de que precisam.
Uso a minha avó como exemplo para muitas coisas, mas este é esclarecedor. A minha avó nunca se licenciou - fez apenas o secundário - e ainda assim chegou a vice-presidente de um banco. O secundário que frequentou foi suficientemente rigoroso para que conseguisse comunicar e analisar informação de uma forma que muitos licenciados não conseguem.
Estive recentemente na Virgínia a falar com alguns estudantes universitários e, apesar de empenhados, eles têm medo que o seu esforço não valha a pena e que a China lhes roube os seus empregos. O que lhes diria?
Mas, mais uma vez, o grande desafio é assegurar que, da creche até à graduação no secundário ou na universidade, as pessoas realmente adquiram capacidades competitivas e produtivas para uma economia tecnológica moderna.
Não quero apenas mais licenciados, quero-os nas áreas de matemática, ciência e engenharia. É importante que, na economia pós-bolha, sejamos capazes de recuperar o equilíbrio entre fazer coisas e fornecer serviços. Esses empregos são bons - e com todo o avanço tecnológico que experimentamos não voltaremos a ter uma economia com tão grande percentagem de mão-de-obra industrial como a que existiu nos anos 40.
O mais importante é olharmos para os nossos concorrentes de longo prazo - China, Índia, UE, Brasil, Coreia -, que estão a produzir a melhor força de trabalho. O seu sistema de educação enfatiza as ciências e matemáticas e eles podem traduzir essas bases em aplicações tecnológicas. Precisamos dessas características para manter forte a nossa economia.»
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