sexta-feira, 24 de maio de 2013

Histórias da Casa Branca: nos 90 anos de Eduardo Lourenço

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 23 DE MAIO DE 2013:

«A América não tem o pessimismo. E, se tiver, faz logo outro filme a dizer o contrário. Os americanos já estão a viver no futuro há meio século. Todas as ficções que eles fazem são de autodestruição, já destruíram Nova Iorque aí umas 10 ou 20 vezes. Isso pode parecer uma coisa mórbida, mas é preciso ter muita confiança no futuro para brincar com isso. E para ter público. Mas eles têm consciência de que são os primeiros da classe. Nós estamos, aqui, a atravessar uma fase marcada sobretudo pela sua natureza inesperada. O que isto quer dizer é que não sabemos em que tempo estamos».

Eduardo Lourenço, «Um Europeu Desencantado», entrevista a Teresa de Sousa, «2», Público, edição de 19 de maio 2013


Eduardo Lourenço, um dos maiores pensadores do último século português e europeu, faz hoje 90 anos.

O autor do «Labirinto da Saudade», ensaio que retrata o ser português como muito poucos conseguiram fazer até agora, viveu grande parte da sua vida, que hoje completa nove décadas, em França. Tem uma história e um percurso muito mais relacionados com a cultura europeia do que americana. 

E isso, na minha perspetiva, aumenta ainda mais o interesse sobre a visão de Lourenço em relação à América: «Provavelmente, o resumo de tudo isto - e essa é uma mudança de paradigma total - é que a Europa que esteve no mundo e que foi o mundo, já não está na Europa, está inscrita em qualquer coisa mais vasta que é esta cultura globalizante, que não é uma abstracção, que está num sítio que se chama América», aponta o ensaísta, na entrevista a Teresa de Sousa, acima citada. 

«Nós somos todos americanos, sabendo ou não sabendo, gostando ou não gostando. Veja que vivemos a eleição de Obama como se fosse a eleição do rei da Europa que não existe. Ou até do mundo. E vivemos esse sentimento da maneira mais generosa possível, quase de cinema», reflete Eduardo Lourenço, para depois acrescentar: «A América tem essa coisa que é uma espécie de juventude contínua, com contradições enormes. Eu não queria lá viver, mas eles avançam. Nós, aqui, estamos cercados por vários anéis. Acontece que a Europa foi sempre um continente que se discutiu. A Europa também foi, até à Reforma, um continente de fé orgânica. Mas mesmo na história da Europa religiosa, ela nunca deixou de discutir o seu estatuto humano, metafísico e o seu estatuto histórico».

Nascido em São Pedro de Rio Seco, a 23 de maio de 1923, Eduardo Lourenço de Faria licenciou-se em Histórico-Filosóficas, em 1946, em Coimbra. Três anos depois, com uma bolsa Fulbright, teve uma primeira experiência académica em França, na Universidade de Bordéus. Passou também pela Universidade de Montpellier, experimentou o Brasil por um ano (Bahia), mas fixou-se em França, em Vence, em 1965.

No último meio século, a uma distância nunca suficiente para se tornar ausência absoluta, assumiu-se como o grande pensador do ser português. Prémio Camões 1996, Prémio Pessoa 2011, somou muitas outras distinções literárias e académicas.

Neste 23 de maio, festeja 90 anos. A entrevista de domingo passado, que merece leitura atenta, prova que continuamos a aprender muito com ele.»

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