TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 2 DE AGOSTO DE 2013:
O segundo mandato de Barack Obama passa por um momento difícil do ponto de vista
comunicacional.
Com as prioridades políticas assumidas pelo
Presidente em claro impasse (reforma da Imigração, «gun control», redução da
dívida), as atenções têm estado mais viradas para o «caso Snowden» e para as
consequências do pedido de falência da Detroit.
Convém
pôr tudo isto em perspetiva. Antes de se decretar a «maldição dos segundos
mandatos» (houve quem se lembrasse do que passaram Presidentes como Clinton ou
Bush filho depois de terem sido reeleitos), será prudente perceber que Obama
assumiu um horizonte temporal que só termina mesmo em janeiro de 2017.
Que o
primeiro meio ano de segundo mandato não correu como o Presidente desejaria,
isso é fácil de concluir: a prioridade dada à aprovação de restrição no acesso
às armas mostrou as fragilidades da Casa Branca conseguir impor ao Congresso uma
necessidade que a própria opinião pública estava a exigir.
Mas
sejamos claros: o «gun control», sendo um ponto importante na visão do Mundo de
Barack Obama, não é um dado fundamental da equação para o segundo mandato.
Antes de
abandonar a Casa Branca, o Presidente quer ter tempo para deixar a sua marca em
três aspectos fundamentais: melhorar as condições de vida da classe média (desde
sempre, o foco central da sua ação política); impor a América como o principal
«player» de um mundo em profundas e imprevisíveis mutações nos próximos anos;
lançar os EUA na liderança em áreas cruciais para as próximas décadas, como a
independência energética e as energias «limpas».
É certo
que Obama já não tem muito tempo do ponto de vista do calendário político: as
eleições intercalares são daqui a pouco mais de um ano; as eleições
presidenciais de 2016, que definirão o seu sucessor na Casa Branca, já começam a
sobressaltar os dois campos partidários, em torno dos possíveis pretendentes às
respectivas nomeações.
Mas já todos sabemos que, na política
americana, as coisas são assim. «The show must go on», mas enquanto o relógio
mediativo corre furiosamente, um Presidente tem que saber definir uma rota para
conseguir criar o legado com que pretende ser recordado.
No caso
de Obama, a marca principal foi deixada no principal argumento para a reeleição:
a defesa da classe média, nas suas componentes mais concretas (redução do peso
fiscal, aumento do acesso ao emprego, transparência de regras com as «big
corporations»).
A visão que o Presidente tem construído para o
segundo mandato reforça o foco na política interna em detrimento da preocupação
com o multilateralismo.
Em casos como os da Síria, ou do Egito, isso
até nos remete para uma mudança demasiado vincada na perspetiva americana do
(não) uso do seu poder bélico.
O retomar do processo de paz
israelo-palestiniano, três anos depois de um ciclo que, visto dos dias de hoje,
está completamente desatualizado (em 2010, ainda Mubarak e Assad estavam na
fotografia em Washington, imaginem só), ajuda-nos a perceber que os EUA
continuam a ser o ator indispensável nas grandes questões mundiais.
É a
primeira prova de fogo do secretário de Estado John Kerry e é a demonstração
mais clara da política realista da Administração Obama: a América continuar a
querer liderar, mas só nas situações que considera fundamentais e estratégicas.
Nestes tempos de realismo, a América de Obama
quer ser, acima de tudo, o ás de trunfo que desbloqueie um Mundo em processo de
mutação e que mostra mais contradições do que certezas. Menos «europeu» e
«atlântico», mais «asiático» e «pacífico», mas com os EUA a manterem-se como
atores indispensáveis.
Quem não perceber isto e pensar que a
Administração Obama está paralisada com o «gridlock» crónico de Congresso, está
a falhar o essencial.
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