TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 19 DE JUNHO DE 2013:
A questão síria está a acentuar a nova era dos equilíbrios geopolíticos nesta segunda década do século XXI.
A «contenção americana», sustentada não só nos cortes militares (até 2017, o Pentágono conta reduzir o seu orçamento para a presença americana no exterior em 250 mil milhões de dólares), está a acelerar o processo de «retraimento» assumido pelo Presidente Obama desde o primeiro mandato e aprofundado neste segundo.
As más experiências do Iraque e, sobretudo, do Afeganistão (uma década de presença custosa a nível humano e financeiro em cenários particularmente hostis) retiraram boa parte do instinto bélico dos americanos.
Sucede que, mesmo com a prioridade política assumida de cortar gastos militares e reduzir a presença de efetivos no terreno, os EUA continuam a ser o ás de trunfo dos conflitos internacionais.
A Cimeira dos G8, realizada na Irlanda do Norte, pôs à tona esta contradição.
A «red line» atravessada por Assad, ao usar armas químicas contra o seu próprio povo, levaria, até há bem pouco tempo, a uma posição determinada do grupo dos oito mais ricos, no sentido de que, em sede de Nações Unidas, se avançasse para uma resolução de modo a aprovar uma intervenção militar contra o atual regime de Damasco.
Mas os tempos recomendam outras vias. John Kerry, secretário de Estado dos EUA, chegou mesmo a ter declarações agressivas, referindo que «perante as provas de utilização de armas químicas, está fora de questão continuar a tentar uma solução política com Assad».
Não se trata de ignorar a Síria. Naquela região, as potências mundiais não cometeriam o erro de falhar por ausência. Trata-se, isso sim, de influenciar sem arriscar a própria vida.
Obama tem dado sinais de patrocinar o armamento dos rebeldes que combatem o regime de Assad (entre os quais já se contam muitos militares dissidentes das forças armadas sírias). Mas já toda a gente percebeu que os EUA não vão intervir diretamente.
Depois, há a posição da Rússia. Na Cimeira do G8, Vladimir Putin não podia ter sido mais claro: Moscovo não avaliza a via americana de armar os rebeldes. «Para onde irão essas armas? Em que mãos irão parar?», questionou, irritado, o líder russo.
Dias antes, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, avisava a América e o Reino Unido que não contariam com a Rússia para a estratégia de armamento dos opositores de Assad, muito menos para a aprovação de uma «no fly zone»: «Não temos que ser grandes especialistas para percebermos que isso violará as leis internacionais».
O clima de «aproximação» entre EUA e Rússia, em que muitos acreditaram nos anos que se seguiram ao fim da Guerra Fria, há muito que terminou.
A Administração Obama não tem o mínimo interesse em conceder a posse de bola à Rússia no jogo sírio. Mas vai esgotar ao limite a hipótese de controlar a partida sem ter que suar muito.
Como muito bem explicou Jorge Almeida Fernandes no «Público», «Se a América já não pode tudo, ninguém faz nada sem ela. (¿) A viragem desencantada dos EUA parece traduzir uma lucidez fatalista de Obama».
Pode parecer «demasiado pouco e demasiado tarde», mas é o realismo levado ao limite que Obama escolheu para o segundo mandato.
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