domingo, 7 de julho de 2013

Histórias da Casa Branca: de que lado está o poder?

TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 26 DE JUNHO DE 2013:


«As últimas semanas têm-nos mostrado autênticos barómetros sociais, um pouco por todo o Mundo. 

A contestação no Brasil apanhou toda a gente de surpresa, a começar pela própria Dilma Rousseff.

Um olhar pelos indicadores económicos do «país irmão» em nada faria prever o que está a acontecer. 

Nos últimos anos, desde a presidência de Fernando Henrique e de forma mais acentuada nos «anos Lula», o Brasil deu um salto extraordinário no combate à pobreza e no crescimento do PIB.

Como é que se explica que a explosão social tenha ocorrido depois do crescimento?

A contradição é só aparente. Este «outono brasileiro» está a recordar-nos que só uma sociedade com alguma riqueza é capaz de ser contestatária.

As primeiras reações de Dilma apontam para que o governo federal (embora tenha demorado uns dias a perceber verdadeiramente o que estava a acontecer) está a ser capaz de ouvir «a voz da rua». 

Ninguém no Brasil acredita que exista, tão cedo, uma «sociedade justa» num país tão desigual. Mas o que terá feito disparar o gatilho da contestação foi a perceção de que, havendo agora riqueza a distribuir, passe a ser inaceitável que as desigualdades continuem tão notórias e que tanta gente continue na pobreza.

O Brasil está pior do que estava há cinco ou dez anos? Não, está melhor. Mas é precisamente porque está melhor que já não aceita que uma boa fatia do país continue com níveis de terceiro mundo em áreas cruciais. 

A juntar a tudo isto, apareceu uma coincidência temporal terrível, pela sua carga simbólica: ao mesmo tempo em que o «povão» gritava contra o aumento da tarifa de transporte na megalópole de São Paulo, os brasileiros tomavam consciência dos gastos para a Confederações e para o Mundial.

Por muito que slôganes como «Queremos Escolas com Padrão FIFA» ou «Hospitais em vez de estádios» possam ter um grau de demagogia, a verdade é que eles são a demonstração inequívoca de que o povo brasileiro quis mostrar que está preparado para ter «mais poder» na coisa pública. E isso só é possível em sociedades com massa crítica e independência suficiente para encostarem as suas elites políticas à parede. 

O que é que isto tem a ver com Estados Unidos? Muito. 

Em primeiro lugar, porque uma boa parte das reivindicações dos brasileiros têm a «medida americana». Eles querem atingir níveis de bem-estar, prosperidade e decência na administração da coisa pública que, nas últimas décadas, só foram atingidas pelos EUA.

Por outro lado, o que o «outono brasileiro» mostra (do mesmo modo que já o haviam feito a Primavera Árabe e a contestação nas ruas de Istambul), é que o «povo» quer ter mais peso nas relações de poder com quem os governa. Não só no dia do voto, mas num processo constante e cada vez mais escrutinado, na sociedade de «tempo real», pontuada pelas redes sociais e pelos «smartphones». 

O ponto chave já não está na «sobrevivência», mas sim em conceitos como «justiça», «decência» ou «dignidade». 

Podia o «outono brasileiro» acontecer nas ruas da América? Seria, na verdade, muito menos provável. É certo que se assistiu a um esboço disso nos movimentos «Occupy Wall Street», mas estes revelaram-se, apenas, reacções pontuais à crise financeira de 2009.

Na sua essência, o sistema americano está muito mais protegido, pela simples razão de que parte «do povo». Quem assume funções na Casa Branca, no Congresso ou nos governos estaduais são meros funcionários. Passageiros. E nunca se esquecem disso, mesmo quando pisam o risco. Sobretudo quando pisam o risco. 

Na América, quando um político mente leva uma penalização pública tremenda. Porque o poder está, em boa parte, «deste» lado. Não é tudo «deles» e, por isso, torna-se mais difícil colocar as culpas em quem está «lá», a mandar.

Para onde penderá, nos próximos anos, a balança do poder?»

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