quarta-feira, 8 de abril de 2015

«A política dos EUA em Cuba era vestígio ultrapassado da Guerra Fria»

Entrevista com David Leopold, ex-presidente da American Immigration Lawyers Association, sobre o acordo EUA/Cuba, a reabertura da embaixada americana em Havana, a cimeira das Américas que começa sexta no Panamá e a Reforma de Imigração. Exclusivo tvi24.iol.pt


David Wolfe Leopold é um dos maiores especialistas na influência dos hispânicos na sociedade norte-americana. Ex-presidente da American Immigration Lawyers Association, é forte apoiante da Reforma de Imigração que o Presidente Obama tem vindo a tentar implementar. 

É comentador em sites de referência, como «Huffington Post» e o «The Hill» e tem presença frequente na CNN, Al-Jazeera America, CCTV-America, The New York Times, Congressional Qarterly, The Los Angeles Times e The Washington Post. 

Em entrevista, este advogado de Cleveland, Ohio, explica as vantagens políticas e económicas que o acordo EUA/Cuba poderá vir a ter e vê a reabertura da embaixada americana em Havana como um dado consumado embora ainda sem data prevista, considerando improvável que se concretize o desejo anunciado por Barack Obama de que corresponda com a Cimeira das Américas, que inicia esta sexta no Panamá (onde se espera encontro entre Barack Obama e Raul Castro). 

«Obama fez acordo geracional e a normalização de relações com Cuba será uma realidade incontornável, mesmo para quem, agora, a critica, por interesses políticos de curto prazo», apontou, em alusão às oposições de republicanos como Marco Rubio ou Jeb Bush. 

David Leopold elogia ainda as medidas de Barack Obama sobre Imigração e relativiza a importância do voto latino na decisão das primárias republicanas («talvez com a exceção da Florida»), embora recorde que, «na eleição geral, ele já terá um grande peso».  E isso «pode ser um problema» na dinâmica da escolha do nomeado republicano, avisa. 

Exclusivo site TVI24


O acordo com Cuba ficará para a história como um dos maiores feitos dos anos Obama?
 

Sem dúvida. A política norte-americana em Cuba era, antes deste acordo, um vestígio ultrapassado da Guerra Fria. O Presidente Obama está em certo em querer mudar essa político arcaica que já não serve os interesses dos Estados Unidos, na região e no Mundo. 
  

O Presidente Obama revelou o desejo de ver reaberta a embaixada em Cuba por altura da «Cimeira das Américas», no Panamá (dias 10 e 11 de abril). Acha possível? 

Já não há dúvidas de que os Estados Unidos vão abrir uma embaixada em Havana e que irão restabelecer as relações diplomáticas com Cuba. Mas já será duvidoso que isso aconteça tão rapidamente e não é prudente estar a prever datas, neste momento. 
  

Pode tentar antecipar que efeitos este acordo EUA/Cuba poderá produzir, não só em termos económicos mas também no ambiente político da região? Será este um «acordo geracional», como o definiu o Presidente Obama? 

Terá um grande impacto. Sem qualquer dúvida que será um acordo generacional. A maioria dos americanos, incluindo o Presidente Obama, não têm memória do tempo em que os EUA tinham uma relação normal com Cuba. Americanos e cubanos vão beneficiar, de forma mútua, com esta normalização de relações entre dois países vizinhos. As trocas económicas, sociais, culturais vão acrescentar fabrico social e levarão a vantagens para as duas sociedades. Não tenho qualquer dúvida sobre isso. 
  

«A liderança cubana não pode continuar isolada para sempre» 


A queda significativa dos preços de petróleo no último ano pode ajudar a explicar a urgência de Cuba em aproximar-se dos EUA, sobretudo porque a ajuda venezuelana a Havana está em risco?   

Poderá ser um fator, mas penso que é tudo mais complicado do que isso. A comunicação em massa – incluindo a internet e os social media – tornaram o mundo um lugar bem mais pequeno. A liderança cubana tem que encarar a realidade de que não pode continuar isolada do mundo, e em particular, dos EUA, para sempre. O desenvolvimento social e a abertura não é uma escolha para Cuba, é uma realidade. A liderança cubana reconhece que a normalização de relações com os Estados Unidos é inevitável, com ou sem a sua intervenção.    
  

Será politicamente sensato que políticos republicanos como Marco Rubio ou Jeb Bush se oponham a este acordo? 

Tem a ver com a base política de apoio deles, muito relacionada com a comunidade cubana exilada nos EUA. Pode até ser vantajoso em termos políticos no curto prazo, mas a longo prazo eles terão que aceitar a normalização de relações com Cuba. 
  

«Que interessa nacional tinha o embargo para os EUA?» 


Como vê a posição de Rand Paul, que disse que «o embargo é estúpido» e apoia a intenção do Presidente de pôr um fim a esse bloqueio económico a Cuba? 

Acho que Rand Paul está correto. Qual é o propósito do embargo? Que interesse nacional nos serve a nós, EUA? Bem pelo contrário, cria-nos problemas. Quanto mais forte Cuba se tornar economicamente, mais provável será que a sua liderança política se modere. 



David Leopold: «Acordo com Cuba vai desafiar os republicanos no Senado»



Pela primeira vez nos anos Obama, o Senado é dominado pelos republicanos. Será o acordo com Cuba o primeiro grande desafio que mostrará quem realmente manda na política externa americana (os republicanos ou o Presidente Obama)? 

Essa é uma pergunta de resposta difícil. Os republicanos têm um propósito de se opor a tudo o que Obama faça, seja em questões domésticas, como o Health Care ou a Imigração, ou nos objetivos de política externa, como o acordo nuclear com o Irão ou ainda a normalização de relações com Cuba. Acho que Cuba vai desafiar os republicanos em cair nos seus dogmas partidários ou então de ficarem, desta vez, de forma corajosa ao lado de Obama no apoio a uma normalização com Cuba. 


Ted Cruz, filho de um cubano, foi o primeiro candidato declarado às presidenciais de 2016. Marco Rubio, que deverá avançar em breve, também é descendente de cubanos. Jeb Bush, um dos «frontrunners», é casado com uma mexicana. Será o fator latino decisivo nas primárias republicanas? 

Não me parece que vá decidir, com a exceção da Florida. No entanto, Ted Cruz, armado com a marca arrogante da direita extremista, pode forçar os outros candidatos (incluindo Rubio e Bush) a virarem-se para a direita, especialmente na imigração. Isso será um problema para o Partido Republicano e para quem vier a ser nomeado, porque o voto latino será muito importante na eleição geral. Em 2012, o nomeado republicano, Mitt Romney, recebeu apenas 23% do voto latino depois de concorrer com uma plataforma que incluía o conceito de «auto-deportação» para imigrantes sem documentos. Desde aí, o GOP (Grand Old Party) mostrou poucos avanços na inclusão das comunidades hispânicas. Essa versão esquisita de «chegar» e «fazer pontes» com os votantes hispânicos passa por coisas como deportar «dreamers» ( nota: beneficiários de lei aprovada durante os anos Obama, de inclusão de imigrantes que pretendessem continuar nos EUA) e passa também por tentar bloquear as medidas executivas do Presidente pela imigração. 


David Leopold: «Só o Congresso pode resolver o problema da Imigração»


Os hispânicos foram muito importantes para a reeleição de Obama (votação muito superior em relação a Romney, acima dos 70 por cento). Acredita que Hillary Clinton nos latinos, frente ao nomeado repubicano, seja idêntica, especialmente se esse nomeado for Bush ou Rubio? 

Sim, acredito que se mantenha. A menos que os republicanos se moderem no seu extremismo anti-imigração, anti-latinos, Hillary Clinton poderá passar dos 70% nesse segmento, tal como conseguiu o Presidente Obama em 2012. 


Que candidato presidencial poderá obter, em 2016, mais apoio dos latinos? 

Acredito que a posição republicano de desvalorizar os latinos (incluindo em questões como a Reforma da Saúde e a Imigração) poderá custar-lhes a Casa Branca em 2016 e mesmo para a frente. 


As medidas executivas unilaterais tomadas pelo Presidente Obama em novembro, sobre Imigração, foram efetivas? O risco de cerca de cinco milhões de pessoas serem deportadas dos EUA está controlado? E o grande problema tem agora um caminho para ser resolvido? 

As medidas de novembro estão temporariamente suspensas, em função de uma ação judicial tomada no Texas pelos republicanos. Espero que o tribunal de apelo reverta a ação judicial de suspender as medidas do Presidente. Mas é importante lembrar que as ações executivas do Presidente Obama são, no máximo, uma medida temporária. Não criam um caminho duradouro na questão da imigração, um «green card» ou a cidadania. Apenas o Congresso pode fazer isso. Infelizmente, o Congresso recusa-se a resolver o problema de um sistema de imigração que não funcionam. E, enquanto isso não for feito, um sistema disfuncional vai continuar a infetar a América, vai continuar a prejudicar os negócios, vai continuar a adiar separar famílias. 

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