O Panorama falou com Germano Almeida, autor da rubrica “Histórias da Casa Branca” no site da TVI24, para perceber quais as condicionantes que se adivinham na corrida de Hillary Clinton à Casa Branca.
Com que trunfos conta hoje Hillary Clinton que não tinha em 2008, quando perdeu as primárias para Obama?
Diria que o essencial tem a ver com não ter, desta vez, adversário directo. É certo que em 2007, quando se partiu para as primárias de 2008, Hillary tinha um bom avanço. Parecia, na altura, a nomeada quase inevitável. Mas 2008 teve um fenómeno – Barack Obama – que aparece muito raramente, pela forma meteórica como apareceu e ascendeu. Desta vez, já não há tempo para que surja um outro candidato capaz de retirar a vitória à favorita. E com esta diferença: em 2008, Hillary partiu com 20/30 pontos de avanço para as primárias. Agora tem avanço de 40/50. Ora, uma diferença dessas não é reversível no espaço de um ano e pouco (o nomeado democrata definir-se-á no verão de 2016). Hillary não foi nomeada em 2008 mas obteve 18 milhões de votos. O problema dela foi apenas um: Barack Obama. Num cenário de normalidade, ela já tinha ganho em 2008. Parte para 2016 com vantagem nunca vista nesta fase (quase 50 pontos de avanço para as primárias e cerca de 10 pontos de vantagem contra todos os republicanos para a eleição geral). A menos que tenha um problema de saúde ou algo de absolutamente imprevisto, é a super favorita.
O facto de ser mulher pode ser uma mais valia para Hillary Clinton?
Ajuda a diferenciá-la. Não creio que seja o ponto decisivo na sua candidatura, mas pode ter efeitos benéficos, se ela os souber usar (em 2008 não soube completamente). Se em 2008 a história das eleições foi Barack Obama, por ter conseguido provar que era possível eleger um negro para a Casa Branca, Hillary vai querer fazer de 2016 a primeira eleição de uma mulher para a Casa Branca. Ela já tinha tentado fazer isso em 2008, mas o fenómeno Obama acabou por se sobrepor. Poderá ajudar Hillary o facto de ser mulher? Diria que sim, por duas razões: por esse efeito «novidade» (as eleições na América adoram novidades e detestam coisas previsíveis) e pelos problemas que isso coloca aos republicanos: sendo as mulheres maioria do eleitorado americano (cerca de 52 em cada 100 americanos que votam nas presidenciais são mulheres), atacar Hillary é, em última instância, atacar a única representante do leque de candidatos do género feminino…
Quais serão as maiores dificuldades que a candidata vai encontrar?
Uma eleição presidencial americana é um monte de dificuldades, que se prolonga ao longo de quase dois anos. Esta campanha parte a 20 meses da data da eleição, a de 2008 partiu ainda antes (Obama e Hillary apresentaram-se às primárias desse ano em… Janeiro de 2007). Portanto, diria que a primeira dificuldade é o tempo imensamente longo desta batalha, algo que só se consegue gerir com auto-controlo, resistência física e muito ânimo. Depois há três «sombras» no seu passado: Bengazhi, a maior mancha em percurso público de quatro décadas (quando era secretária de Estado, um embaixador americano foi morto na Líbia); mailgate (uso indevido do e-mail pessoal em exercício de funções); financiamento das fundações dos Clinton. Os republicanos vão tratar, nos próximos meses, de falar muito destas três coisas. Há ainda o factor idade: em 2008, os americanos preferiram um candidato extremamente jovem e inexperiente (Barack Obama) sobre um velho leão da política americana (John McCain). Se elegerem Hillary vão escolher uma candidata com quase 70 anos e que tem uma vida pública de mais de quatro décadas. Isso pode ser um problema.
O contexto político actual nos EUA é favorável a esta candidatura?
Hillary tem muito mais trunfos que problemas no actual contexto. Diria que o principal problema tem a ver com o princípio da alternância: depois de oito anos de presidente democrata, talvez fosse provável que para a Casa Branca, em 2016, fosse um republicano. Mas isso não é obrigatório: por exemplo, depois dos dois mandatos de Reagan, republicano, houve outro republicano, George Bush pai. E depois dos dois mandatos de Clinton, Gore esteve pertíssimo de ser eleito. No resto, Hillary quase só tem trunfos. Destacava quatro principais:
1- A “Maioria democrática é real”: A evolução demográfica favorece o nomeado presidencial democrata, pelo menos enquanto os republicanos continuarem a ter tantas dificuldades como os segmentos «negros» e «hispânicos». Os democratas venceram no voto popular em cinco das últimas seis eleições presidenciais (Gore teve mais 500 mil votos que W. Bush em 2000, mas perdeu no Colégio Eleitoral, Obama e Bill Clinton ganharam duas vezes o voto popular). Desde 1992, só George W. Bush em 2004 conseguiu ter mais votos, como nomeado republicano, que o nomeado democrata (John Kerry).
2 – O voto jovem: Barack Obama arrasou nesse segmento em 2008 e, embora tenha baixado um pouco, voltou a ganhar por larga margem em 2012. Nenhum republicano parece ter, para já, condições de conquistar o voto jovem.
3 – Notoriedade quase total: Hillary Clinton é conhecida de quase 100% dos americanos. Qualquer adversário (seja nas primárias democratas ou na eleição geral com o nomeado republicano) terá que fazer um caminho muito duro para chegar sequer perto. Mesmo com uma taxa de rejeição considerável (há milhões de americanos que não gostam dela), Hillary é muito popular. E isso, na hora do voto, conta incrivelmente.
4 – A herança económica: A presidência Obama colocou os EUA na mais baixa taxa de desemprego dos últimos sete anos e no maior crescimento económico da última década. Hillary poderá vir a colher os créditos desse desempenho. E ainda há, é claro, a «herança económica» do marido da candidata, o presidente Bill Clinton, que dirigiu a América nos prósperos anos 90 e deixou o país com um superavite significativo.
Quem poderá vir a ser o seu grande adversário?
Nas primárias democratas, acredito que dois ou três dos seguintes nomes serão candidatos: o vice-presidente Joe Biden (que poderá tentar ficar com parte da herança Obama); Martin O’Malley, governador do Maryland; Elizabeth Warren, senadora do Massachussets; Jim Webb, ex-senador da Virgínia; Bernie Sanders, senador do Vermont. Para a eleição geral, creio que o nomeado republicano será um destes três nomes: Jeb Bush, ex-governador da Florida e irmão e filho de ex-presidentes da República; Scott Walker, governador do Wisconsin; Marco Rubio, senador da Florida. Em condições normais, o duelo final será Hillary/Jeb, numa improvável repetição dum duelo Clinton/Bush (em 1992, foi esse o duelo, entre Bill Clinton e George Bush pai). Mas Scott Walker e Marco Rubio podem ter uma palavra a dizer e tirar a nomeação a Bush.
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