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quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Histórias da Casa Branca: Criar um legado em tempos difíceis
No dia em que faz 50 anos, Barack Obama sabe que tem poucas razões para festejar. A 15 meses de tentar a reeleição, terá que saber agarrar as soluções para o que mais preocupa os norte-americanos, de modo a reconstruir a sua maioria presidencial
Criar um legado em tempos difíceis
Por Germano Almeida
Ultrapassado o fantasma do ‘default’, à custa de uma batalha que durou três meses e que colocou o clima político em Washington em níveis muito pouco recomendáveis, as próximas semanas na Casa Branca, no Capitólio e na ‘House’ serão de relativa acalmia.
Depois das férias da família Obama em Martha's Vineyard, Setembro ditará o regresso da ‘hard politics’, com o início das negociações para o Orçamento. Será a primeira prova de fogo para Obama, após o acordo que permitiu o aumento do tecto da dívida.
O Presidente terá que conseguir mostrar, na preparação do próximo Orçamento, que o acordo aprovado no Congresso não foi uma «capitulação» da sua agenda política e económica, ao contrário dos receios apontados pela ala esquerda do Partido Democrata.
Nos dias anteriores ao acordo que evitou o ‘Armagedão’ financeiro, Barack Obama conheceu o valor mais baixo da sua Taxa de Aprovação, desde que é Presidente: 40 por cento.
A solução de última hora já lhe permitiu uma ligeira recuperação (42 a 46 por cento de popularidade, dependendo dos diferentes barómetros), mas muito longe dos 55/57 dos dias que sucederam à eliminação de Bin Laden e, é claro, a milhas dos 67/70 por cento de aprovação das semanas posteriores à sua tomada de posse, a 20 de Janeiro de 2009.
Barack Obama -- que em 2008 era o candidato da esperança criada num regresso aos dias da América como «the last best hope of earth» -- parece, por isso, destinado a ser (pelo menos neste primeiro mandato), um Presidente a governar em «tempos difíceis».
Se a palavra chave para definir Obama-candidato era «mudança», o conceito que tem dominado a acção do Obama-Presidente é (se formos optimistas) «compromisso». Uma visão mais crítica, que começa a dominar entre os liberais, aponta para a palavra «cedência», que tem uma conotação mais negativa.
Certo, certo é que o pragmatismo que sempre caracterizou as escolhas de Barack Obama já o levou a assumir, sem rodeios, decisões muito pouco estimulantes para o «orgulho americano», como o fim do programa espacial.
Melhor candidato do que Presidente?
Na América, a ‘accountability’ dos políticos que exercem cargos públicos de topo é algo que se leva muito a sério. A Taxa de Aprovação do Presidente é medida diariamente por barómetros fiáveis, como o do Gallup.
E a verdade é que os primeiros dois anos e sete meses da Presidência Obama têm sido marcados por uma popularidade baixa, que oscila, em média, entre os 44 e os 48 por cento.
Depois do estado de graça dos primeiros dois meses (valor máximo de 69 por cento), já houve períodos com níveis acima dos 50 e até próximos dos 60 (discurso de aceitação do Nobel da Paz; reacção conciliadora após a derrota dos democratas nas ‘midterms’ para o Congresso; eliminação de Bin Laden).
E também já houve fases em que a Taxa de Aprovação ameaçou baixar dos 40 (auge da batalha pela Reforma da Saúde; crise da dívida).
‘Opinion makers’ de diversas correntes lançaram, nos últimos meses, uma ideia comum: Barack Obama foi um melhor candidato do que tem sido como Presidente.
Descontando as diferenças que, na política contemporânea, temos que dar entre o momento de uma campanha e o momento da governação, a tese merece reflexão.
Um dado curioso, e que reforça a ideia de que as qualidades do Obama-candidato podem não estar em perigo mesmo que o Obama-Presidente continue em apuros, tem a ver com as perspectivas de angariação-recorde de fundos para a reeleição: tudo aponta para que a campanha Obama-2012 entre para a história como a primeira de um candidato político na América a arrecadar mais de mil milhões de dólares.
Um registo notável e que retira dúvidas quanto ao entusiasmo que Barack Obama será capaz de criar no caminho para Novembro de 2012 -- e que teve ontem à noite, no jantar de angariação de fundos em Chicago, que contou com as 'performances' de Jennifer Hudson e Herbie Hancock, mais uma clara demonstração.
Escolhas difíceis
O caminho das «hard choices» começou a ser apontado por Obama no início do segundo ano de mandato, quando do discurso do Estado da União de 27 de Janeiro de 2010, em que apontou a necessidade do ‘spending freeze’ (cortes orçamentais profundos que, na altura, poupavam áreas como a Saúde, a Segurança Social e a Defesa).
Dias depois de ter perdido a Supermaioria no Senado, a bola tinha deixado de estar do lado dos democratas – e a Reforma da Saúde parecia estar comprometida.
O «recentramento político» então gizado por Obama implicava um maior enfoque nos «consensos bipartidários» -- mesmo que, do outro lado, o Presidente continuasse a sentir hostilidade e muito pouca vontade para o compromisso.
Mas «compromisso» parece mesmo ser o nome do meio de Obama (e não Hussein…): apesar dos anticorpos, o registo bipartidário da sua Presidência tem credenciais como um enorme apoio na renovação do Tratado START; a Reforma Financeira; o clima de consenso na escolha de Leon Panetta para o Pentágono e David Petraues para a CIA; ou em momentos como a eliminação de Bin Laden ou o atentado de Tucson (com o peso simbólico de a congressista democrata do Arizona, Gabrielle Giffords, ter participado na votação final do acordo que aprovou o aumento do tecto da dívida).
Se o lado «federador» e «conciliador» do Presidente confirma a sua promessa de tentar «reconciliar a América», o que está a falhar para que essa reconciliação seja efectiva tem muito a ver com a radicalização do campo político oposto – um tema que irei explorar em próximos textos, que serão dedicados às primárias do Partido Republicano.
O legado
No auge da batalha pelo aumento do tecto da dívida, Obama lamentava-se (detectando a quase bizarria de uma auto-limitação de quem nem sequer tem dificuldade em aceder ao financiamento), que «a classe política não acompanhe o nível AAA da dívida americana…»
Obrigado a fazer cortes profundos em todas as áreas, nos próximos anos, Barack terá que cumprir uma nova missão aparentemente impossível: desafiar o tal ‘momento Sputnik desta geração’ de que falava no State of The Union de 2011, inspirando a América a continuar a ser líder na inovação e na investigação científica – mesmo que competindo com novas potências como a Índia e a China, que crescem desmesuradamente e não têm as restrições orçamentais auto-impostas pelo Congresso americano.
Criar um legado mesmo em tempos tão difíceis como este – eis o grande desafio de um Presidente com características inspiradoras, mas, por enquanto, condenado a gerir danos económicos e a afastar fantasmas de incumprimento.
O ‘yes we can’ precisa, cada vez mais, do aditamento criado pelo próprio Obama, em resposta a Jon Stewart no ‘Daily Show’: ‘…but we need more time’.
A 15 meses das presidenciais de Novembro de 2012, pedir «mais tempo» talvez implique um segundo mandato para que se possa fazer um julgamento real sobre se valeu a pena, ou não, acreditar na «mudança».
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