O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Histórias da Casa Branca: A marca de Obama na frente externa
Os tempos não estão para sorrisos para Barack Obama, mas na frente externa o Presidente tem tomado as decisões certas: resolver as guerras e focar a atenção para a Economia
A marca de Obama na frente externa
Por Germano Almeida
«Se olharmos só para o plano interno, na melhor das hipóteses, Obama será um Presidente que conseguiu uma lenta e demorada recuperação económica, num período de incrível dificuldade. Mas a política externa pode ser uma história completamente diferente. Nessa frente, Obama não só poderá ser um bom Presidente, mas poderá mesmo ser recordado como um grande Presidente»
Michael Tomasky, colunista no New York Review of Books e na American Prospect
Cada Presidente americano tem, no seu legado, uma dupla realidade para avaliar: a política interna e a frente externa.
É sabido que, quase sempre, o que decide as eleições presidenciais na América tem a ver com a primeira vertente – e, sobretudo, com o estado da Economia americana no momento de cada eleição.
Assim se explica que Bush pai tenha falhado a reeleição, em 1992, meses depois de ter ganho a primeira Guerra do Golfo para um jovem governador que tinha dirigido com bons resultados económicos um pequeno estado do Sul – Bill Clinton.
Os três primeiros anos de Barack Obama na Casa Branca têm sido marcados por uma grande disparidade nessas duas frentes: se, no plano doméstico, os problemas têm sido imensos (e poderão prolongar-se por mais alguns anos, no caso de a sua reeleição ser contrabalançado por uma maioria republicana no Congresso), a verdade é que, na frente externa, a marca Obama tem sido muito mais fácil de ficar gravada.
Visto muito mais como um «candidato do Mundo para Presidente ideal da América» do que como um Presidente consensual no seu próprio país (ideia que a pareceu ser possível quando da eleição, mas que se desvaneceu em poucos meses após a sua chegada à Casa Branca), Barack Obama tem conseguido apontar o caminho certo em várias frentes da política externa.
O Nobel
Na mentalidade da ‘real America’, ser popular no resto do Mundo não significa um crédito acrescido para a política interna. Essa aparente contradição ficou bem notória em Outubro de 2009, quando a inesperada atribuição do Prémio Nobel da Paz ao então recém-Presidente Obama deixou incrédula uma boa parte da América.
Para muitos, a escolha da Academia norueguesa foi precipitada – e baseou-se mais num «wishful thinking» do que num julgamento de feitos ainda não conseguidos.
Dois anos depois, o que se percebe é que o grande problema de Obama tem sido o momento económico de quase pânico que se vive no mundo Ocidental: perante os receios de novas recessões, como olhar para as questões internacionais, se a preocupação imediata é ter ou não ter emprego?
As guerras
Historicamente, o descontentamento com a guerra do Afeganistão e do Iraque ajudou à eleição de Obama. Mas, uma vez na Casa Branca, Barack passou a ter dois enormes problemas para resolver.
Quase três anos depois, há pelo menos a noção de ‘accountability’: Obama prometeu iniciar uma retirada faseada das tropas americanas do Iraque e do Afeganistão. Pode contestar-se a actual situação no terreno, em ambos os casos, mas a verdade é que o Presidente cumpriu essas duas promessas.
E, nesses dois momentos, recordou que «é tempo de a América focar-se no essencial, que é a recuperação económica», permitindo que iraquianos e afegãos «construam o seu próprio futuro».
O nuclear
Defensor, desde o discurso de Praga, de um Mundo sem armas nucleares, Obama passou à prática essa visão com a assinatura do novo Tratado START, com a Rússia, assinado na capital checa, precisamente um ano depois desse discurso.
A ratificação, por larga margem, com o apoio de vários senadores republicanos foi uma excepção bipartidária no clima de crispação que se tem vivido em Washington.
A Primavera Árabe
O discurso do Cairo, feito numa fase inicial da sua Presidência, quando o vento soprava de feição para a ‘Obamania’, foi visto por muitos como a inspiração inicial para o que estava para acontecer, meses depois, no Mundo árabe.
Entendamo-nos: seria abusivo afirmar que a revolta de tunisinos, egípcios, sírios ou líbios teve como principal catalisador as palavras do Presidente americano na capital do Egipto.
A recente declaração do embaixador dos EUA em Portugal, Allan Katz, de que a Primavera Árabe aconteceu por ter sido exactamente uma década depois do 11 de Setembro dá conta de como é perigoso fazer esse tipo de extrapolações em área tão imprevisível.
Mas a nova etapa aberta nas relações internacionais – e sobretudo na forma como os EUA olhavam para o mundo muçulmano, em geral, e para os países árabes, em particular – alargou horizontes a populações que tinham tido, nos anos pós-11 de Setembro, durante a era Bush, uma posição de base anti-americana.
Com o poder na América a lançar-lhes um claro sinal de distensão, o foco do descontentamento no mundo árabe passou a estar nos problemas económicos e na falta de liberdade impostos por ditadores como Ben Ali, Mubarak ou Kadhafi (apesar das diferenças entre eles e de proximidades recentes de Washington com todos…)
O aventureirismo das «acções preventivas» da Doutrina Bush, fundadas na teoria do ‘neocons’, terminou na fase final da anterior administração, mas teve na eleição da Barack Obama o seu ponto de viragem.
O regresso ao realismo, em muitos pontos mais próximo com Bush pai do que com Bill Clinton, consumou-se com a sintonia do Presidente com a ‘surge’ de David Petraeus para o Afeganistão.
Findo o período do unilateralismo, os EUA de Obama marcaram o «regresso da América» como principal ponto de referência no equilíbrio geopolítico.
A Líbia
O exemplo da Líbia é paradigmático do realismo de Obama na política externa. Não caindo no erro de Bush pai na Somália, ou de Clinton na Jugoslávia, Obama retardou ao limite a luz verde da intervenção militar contra Kadhafi – e plasmou, com requinte, esse difícil equilíbrio no discurso de explicação da intervenção militar americana em Tripoli: a partir do momento em que a fúria de Kadhaffi se virou contra o seu próprio povo, passou a ser legítimo usar a força.
O terrorismo
Nem todos os indicadores de opinião são negativos para Obama. Aquele que é mais positivo tem mesmo a ver com a forma o Presidente tem lidado com a ameaça terrorista: de acordo com sondagem Gallup, 62 por cento dos americanos aprovam, só 32 por cento reprovam.
O sucesso da Operação Geronimo, que redundou na eliminação de Bin Laden, terá ajudado a melhorar uma tendência que, ao longo deste mandato presidencial, tem sido sempre positiva.
A frente externa não costuma decidir eleições presidenciais na América. Mas é a prova de que nem tudo tem sido frustrante na herança do primeiro mandato presidencial de Obama.
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