«Somos liderados por
um homem que ou não é duro nem esperto, ou tem outra coisa em mente. As pessoas
não conseguem acreditar que o Presidente Obama age da forma como age e que nem
sequer menciona as palavras ‘terrorismo radical islâmico’. Passa-se alguma
coisa. É inconcebível»
DONALD TRUMP, a acusar
Barack Obama, após o massacre de Orlando
«Não vou declarar ‘guerra’
a uma religião. Os líderes da nossa nação têm que tirar o que aconteceu do
plano partidário. É o momento de toda a gente se unir e homenagear quem morreu
nesta tragédia, apoiar quem sofre diretamente com isto e tentar perceber o que
podemos fazer»
HILLARY CLINTON, entrevista
telefónica ao «Today News», após o massacre de Orlando
«Na América, é mais
fácil comprar uma arma do que obter um divórcio, tirar a carta de condução ou conseguir
um animal doméstico».
Peça informativa no
site da CNN
Desde a confirmação da nomeação republicana de
Donald Trump que já se tinha percebido que esta corrida presidencial de
novembro de 2016 iria ser marcada pelo fator medo.
O massacre de Orlando, num ato que envolveu
mistura explosiva de carga religiosa, possível terrorismo islâmico radical e
sentimentos homofóbicos, veio agravar esses receios.
A candidatura Trump tem-se alimentado no pasto do
descontentamento com o sistema político de Washington e uma noção, um pouco
primária, de que os anos Obama fizeram enfraquecer a posição da América no
mundo.
O «make
America great again» tem tanto de demagógico como de poderoso.
Demagógico, obviamente, porque uma análise atenta
aos dados fundamentais mostra-nos que os EUA nunca deixaram de ser grandes.
Em alguns aspetos (taxa de desemprego,
independência energética, exploração das renováveis), os anos Obama reforçaram
a posição da América, não a enfraqueceram.
Noutros, a questão é mais polémica: uma boa parte
dos americanos, é certo, discorda da visão de «contenção» explanada pelo
Presidente Obama, considerando que a retirada do Iraque e do Afeganistão, e a
recusa constante num envolvimento real de tropas americanas na Síria e nos
territórios dominados pelo Estado Islâmico diminuiu a capacidade dos EUA serem
o ás de trunfo para eliminar as grandes ameaças do globo.
O fator medo, jogado por Trump, pode ser
poderoso, porque não depende de factos concretos.
Perceção mais forte que a realidade
Cresce pela perceção, não pela realidade, e
multiplica-se pelos receios de que o «inimigo está prestes a entrar pela nossa
casa dentro», por culpa da suposta «fraqueza de quem elegemos erradamente nos
últimos anos».
Esta junção de ideias feitas – o fantasma dos
«imigrantes violadores, ladrões e criminosos», o fantasma do «ISIS e da sua
crescente capacidade de invadir território americano», o fantasma do que é
diferente e minoritário -- valeu mais 13
milhões de votos a Donald Trump nas primárias republicanas.
Não pode, por isso ser desvalorizado ou reduzido
a anedota (o erro cometido por quase todos nos primeiros meses desta corrida,
sempre que se tentava compreender o fenómeno Trump).
A matança de Orlando tirou todas as dúvidas em
relação a uma das principais dicotomias desta eleição: Trump aproveitará sempre
situações como esta para acusar Obama, Hillary e os democratas de terem deixado
os americanos «mais vulneráveis a todo o tipo de ataques»; Hillary enquadra
casos como os de Orlando na urgência, por si reivindicada e tentada no segundo
mandato de Barack Obama, de apertar drasticamente as leis relacionadas com o
«gun control».
As últimas semanas têm mostrado, de forma sólida
e consistente, que Hillary Clinton parte para o duelo presidencial com Donald
Trump com um avanço claro (ainda que não definitivo).
Hillary aumenta vantagem
Nas sondagens nacionais, Clinton oscila vantagens
de 5 a 12 pontos sobre Trump.
No mapa eleitoral por estados, aquilo que vai
verdadeiramente decidir, Hillary surge à frente em quase todos os estados
competitivos, parecendo ter o caminho para os 270 votos eleitorais (garantia da
eleição) muito mais facilitado do que a rota de Trump para uma improvável
eleição.
A pouco mais de um mês do arranque das convenções
partidárias, cresce a ideia de que, desta vez, ambos os momentos não se
cingirão a uma coroação antecipada dos vencedores das primárias.
Do lado democrata, Hillary fará tudo para receber
o apoio claro e inequívoco do senador Bernie Sanders, que vendeu cara a derrota
nas primárias e dispõe de um legado de enorme valor para as contas finais desta
corrida: os seus 12 milhões de votos, somados graças a um posicionamento direto
e frontal, que atraiu o descontentamento à esquerda sobre os falhanços e
impasses criados pelo «gridlock» político em Washington e pelo que consideram
ser a ambiguidade ética de Obama e Hillary em relação às grandes corporações e
ao poder «de Wall Street sobre a Main Street».
Não está fácil, Donald
Mas no lado republicano as inquietações são ainda
maiores.
Se para Hillary parece ser apenas uma questão de
tempo e habilidade política até que consiga mesmo a bênção de Bernie Sanders
(que na hora da verdade certamente preferirá o ‘mal menor’ da nomeada democrata
a uma ameaça de ser cúmplice de uma eleição escandalosa de Trump), Donald corre
risco real de ser investido na Convenção de Cleveland (18 a 21 de julho) num
ambiente que poderá oscilar entre a frieza e a hostilidade mais ou menos
declarada de uma boa parte da «elite» do Partido Republicano (vejam-se as posições recentes de Mitt Romney, em entrevista à CNN, e até de Paul Ryan, que depois de um 'endorsment' pouco convincente a Trump, já o criticou fortemente).
Que consequências tudo isto terá no plano
eleitoral, será algo que só mesmo a 8 de novembro iremos perceber.
Mas não deixa de ser interessante constatar que
as primeiras sondagens pós massacre de Orlando não só mostram vantagens para
Trump (contrariando o que muitos previram) como até denotam um aumento do
avanço de Hillary.
Sim, o fator medo pode ser marcar esta eleição presidência.
Mas não apenas pelos receios lançados de forma demagógica pelo improvável
nomeado republicano.
O medo de ver Trump na Casa Branca (sete em cada dez americanos não gosta de Donald e dois terços das mulheres nunca votaria nele, de acordo com sondagem Washington Post/ABC News) pode levar
muitos segmentos a preferirem Hillary Clinton, mesmo que vejam na nomeada
democrata muitos defeitos e pouca capacidade de atração política.
A América é mesmo uma caixinha de surpresas.
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