sexta-feira, 11 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Um Presidente com opinião



Obama passou a ser favorável ao casamento dos homossexuais: terá assustado algum eleitorado conservador, mas reconquistou a confiança e o entusiasmo dos sectores progressistas. Foi uma posição corajosa e inteligente



Um Presidente com opinião

Por Germano Almeida
  

“É importante para mim afirmar que penso que as pessoas do mesmo sexo devem poder casar. Hesitei a determinada altura quanto ao casamento, em parte por pensar que as uniões civis seriam suficientes. Fui sensível ao facto de, para muitas pessoas, a palavra casamento evocar tradições e crenças religiosas.  Quando penso em membros do meu próprio staff, que são incrivelmente empenhados nas suas relações monogâmicas com pessoas do mesmo sexo, que educam crianças, quando penso nos soldados, fuzileiros ou marinheiros que combateram sob as minhas ordens e em nome do país e ainda se sentem constrangidos, mesmo após o fim da [política] ‘Don’t Ask, Don’t Tell’, concluo que para mim é importante afirmar que as pessoas do mesmo sexo devem poder casar”

BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, em entrevista à ABC, 10 de Maio de 2012



Os Estados Unidos da América continuam a ser um país maioritariamente conservador. Mas os últimos anos têm mostrado que são, também, um país diverso, heterogéneo, e onde diferentes segmentos procuram ganhar cada vez maior legitimação política e espaço mediático. 

Questões como o direito dos homossexuais ao casamento civil nunca serão pacíficas, muito menos consensuais, num país como os EUA.

É verdade que há um ‘lobby gay’ com força e influência em alguns sectores na América, sobretudo em estados como a Califórnia, Nova Iorque e na Nova Inglaterra.

Mas é, sobretudo, verdade que os movimentos ligados à Direita americana que defendem uma concepção de sociedade que muitos rotulam de retrógrada têm uma força ainda maior – e financiam congressistas, senadores e meios de comunicação social com milhões e milhões de dólares.

Nesta guerra de palavras, ideias e mentalidades, que poluiu a esfera mediática norte-americana com especial intensidade durante os primeiros anos da Administração Obama, assumir a defesa clara do direito dos homossexuais ao casamento civil pode não parecer a estratégia política mais prudente – sobretudo se nos lembrarmos que as eleições presidenciais são daqui a menos de meio ano.

Uma reacção mais precipitada à surpreendente declaração de Obama à ABC (acima transcrita) faria achar que o Presidente cometeu um erro de cálculo que lhe poderá custar muitos votos, na disputa com Romney do chamado “eleitorado flutuante”.

Mas convém olhar com mais atenção para esta tomada de posição de Obama.

Histórico e inteligente. Uma conclusão pode logo tirar-se: esta foi uma declaração histórica. Nunca um Presidente dos EUA (seja em funções ou fora desse período) tinha assumido publicamente tal posição. Sinal dos tempos, certamente, mas também um sinal de inteligência por parte de Barack Obama.

É que no deve e haver entre ganhar e perder votos, até pode ser que Obama tenha vantagem eleitoral com esta posição.

Estudos recentes apontam para que cerca de metade dos americanos consideram que os homossexuais devem ter direito a casar-se. Mais ao pormenor, deve ainda dizer-se que nos estados chave para a eleição (Ohio, Pensilvânia, Virgínia e Florida), a relação entre quem concorda e quem está contra será de 47/37.

Obama pode ter assustado alguns eleitores mais conservadores, ao evoluir a sua posição de permitir uniões de facto, passando a ser favorável ao casamento dos homossexuais? Certo.

Mas terá também reconquistado uma importante margem do eleitorado progressista, que votou nele em massa em 2008 e mostrou, nestes anos de Presidência, alguma desilusão com a forma ténue como Obama pegou em algumas destas questões da moral e dos costumes, relegando-as para a urgência das questões económicas (que assumiram um domínio excessivo nas prioridades políticas dos últimos três anos e meio). 

Joe Biden, o vice-presidente dos EUA, já tinha assumido idêntica posição, dias antes, no Meet the Press. Mas Obama poderia ter-se escudado na liberdade de pensamento num tema como este, sobretudo porque já tinha mostrado abertura na questão das uniões civis. 

Vindo de um Presidente tão ponderado e racional como Barack, esta foi, claramente, uma opção política de Obama. Arriscada, mas, contas feitas, provavelmente vantajosa.


Marcar as diferenças com Mitt. Mas os pontos marcados por Barack, nesta corajosa declaração à ABC, podem ser assinalados noutras dimensões.

Por um lado, foi uma forma de deslocar a agenda deste início de duelo presidencial, que estava a ser muito focado nas questões económicas – sendo que o lado económico será talvez o único em que Romney se poderá bater com Obama.

Por outro lado, foi uma forma de acentuar as suas diferenças para com Mitt Romney.

Perante um adversário republicano que mudou demasiadas vezes de opinião ao longo dos anos sobre este tipo de temas – de tal modo que são os próprios republicanos a acusar Mitt de ser ‘flip-flop’, tão frequentes são as suas mudanças de posição sobre questões como o aborto, os direitos dos homossexuais – Barack Obama recuperou a sua identidade de político com opinião própria, que até é capaz de evoluir o seu pensamento, mesmo em período eleitoral.

É claro que a verdadeira resposta sobre se esta foi mesmo uma jogada bem-sucedida só aparecerá a 6 de Novembro, mas a declaração de Obama em favor do direito dos homossexuais ao casamento civil recoloca Barack como um Presidente com opinião.  

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