TEXTO PUBLICADO NO SITE DA TVI24.PT, A 29 DE DEZEMBRO DE 2012:
A América tem vivido demasiadas vezes a um passo da vertigem. Mas nunca terá estado tão perto, como agora, de cair, literalmente, no abismo.
Que o sistema político em Washington estava doente, isso já se tinha percebido nos últimos anos, perante um clima malsão de paralisia e cinismo em DC, nos constantes bloqueios dos republicanos perante a agenda eleitoralmente legitimada em 2008 e prorrogada em novembro passado, pelo Presidente Obama.
Mas o risco real de os EUA caírem na «Fiscal Cliff», cada vez mais presente quando estamos a apenas três dias do «deadline» dá conta da disfunção crónica de um sistema que foi construído para se autoproteger, mas que não era suposto ser condenado à impotência de resolver os seus problemas mais básicos.
O fantasma do «precipício orçamental», tão falado nas últimas semanas, pode explicar-se pela conjugação de três «cisnes negros» que aparecem na mesma data, no mesmo dia: um brutal aumento de impostos, um enorme corte na despesa pública e o atingir do limite do teto da dívida americana permitida pelo Congresso.
Cada um destes três problemas é assustador. Os três juntos formam uma «tempestade perfeita» que poderão afundar a Economia americana a valores próximos de começos de 2009.
Quer isto dizer que, a menos que haja um acordo bipartidário sólido em Washington, os Estados Unidos correm o risco de recuarem ao ponto do início da crise, depois de quatro anos de recuperação dolorosa e lenta, demasiado lenta.
Apesar de tanta conturbação, a verdade é que os EUA levam 40 meses de criação de emprego. Dos nove milhões de empregos tragicamente perdidos entre finais de 2007 e meados de 2009, já foram recuperados perto de seis milhões.
E dos biliões de dólares «engolidos» pela crise financeira, os EUA foram recuperando lentamente, com um crescimento do PIB na ordem dos 2/2.5% (relativamente baixo, mas bem melhor que crescimento negativo que vamos vivendo na Europa).
Esta tendência, que terá ajudado à reeleição de Barack Obama há um mês e três semanas, está exposta a todos os riscos, se Casa Branca e Congresso não chegarem a um «last minute deal» até ao bater da meia-noite na passagem do Ano.
O relógio está a contar. Barack Obama convenceu os americanos a darem-lhe uma segunda oportunidade, apesar de no primeiro mandato a promessa da «reconciliação» ter falhado.
O Partido Republicano tem sido o partido do «não» e, a avaliar pelos últimos sinais, vai continuar a ser. Toda a negociação sobre a Fiscal Cliff tem sido trágica para o clima de união do GOP.
Charles Krauthammer, comentador conservador, não faz a coisa por menos: «Há um risco de guerra civil no Partido Republicano».
John Boehner, speaker do congresso, congressista do Ohio, chegou a ter vontade de iniciar um acordo minimamente racional com o Presidente. Afinal de contas, uma «Grand Bargain» só será consumada perante cedências dos dois campos políticos.
Depois de uma primeira cedência de Obama (que aceitou subir a fasquia de 250 para 400 mil dólares/ano, em relação a que contribuintes americanos passariam a sofrer aumentos de impostos), Boehner admitiu retirar a imposição de não aceitar qualquer tipo de aumento de impostos e lançou para a mesa a hipótese de taxar quem ganha mais de um milhão de dólares/ano.
Perante este início de «leilão», o Tea Party cortou as vazas a Boehner e aos republicanos do Congresso que pretendiam negociar.
Nem o regresso antecipado de férias do Presidente e dos congressistas deverá ser suficiente para garantir um grande acordo a tão pouco tempo do «deadline». Como Obama ontem desabafou: «Não podemos continuar sujeitos a salvar-nos em acordos de última hora».
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