terça-feira, 20 de julho de 2010

Histórias da Casa Branca: O impossível pode não bastar


Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 20 de Julho de 2010:

O impossível pode não bastar

Por Germano Almeida

Completam-se hoje 18 meses da investidura presidencial de Barack Obama. Um ano e meio depois de se ter feito História, permanece a dúvida: as coisas estão a correr bem ou... nem por isso? Não há apenas uma resposta certa. Há, isso sim, vários modos de encarar um amplo leque de questões. Aqui ficam algumas pistas.

Se olharmos para o plano das realizações, não deveria haver lugar para grandes hesitações: Barack Obama conseguiu, em menos de metade de um mandato na Casa Branca, mais avanços históricos do que qualquer antecessor que tenha tentado resolver enormes questões como o acesso à Saúde de milhões de americanos que passaram décadas sem o ter, ou como a regulação efectiva de Wall Street.

Contra muitas previsões, lançadas de forma claramente precipitada, a verdade é que o 44.º Presidente dos EUA já conseguiu deixar o seu legado para futuras gerações de americanos, em dois temas que foram centrais na poderosa mensagem de mudança que lançou nos dois anos da sua caminhada rumo à Presidência: a Reforma da Saúde (aprovada a 21 de Março, depois de ter sido dada como perdida por três ou quatro vezes, nos meses anteriores) e a Reforma do Sistema Financeiro, batalha que chegou a parecer relegada para segundo plano durante o primeiro ano do mandato, mas que acabou de ser concretizada, com sucesso, com a recente votação de 60-39 no Senado.

Estes dois exemplos não são meros expedientes de um qualquer governante: são dois avanços cruciais para que a narrativa desenvolvida por Obama enquanto candidato, e prolongada agora como Presidente, possa vir a ter um desenlace positivo, quando chegar a hora de prestar contas ao eleitorado.

E são, também, dois triunfos improváveis para um Presidente que continua a ter diversos anticorpos junto de grupos de influência muito poderosos, numa realidade tão diversa e tão complexa como é a sociedade norte-americana.

Se nos focarmos neste primeiro ângulo de análise, o das realizações objectivas de um Presidente que se propôs a fazer cumprir uma agenda transformadora para a América, não deveria haver, por isso, margem para dúvidas: Obama já conseguiu muito em muito pouco tempo.

Conseguiu, aliás, o que os seus antecessores democratas (Jimmy Carter e Bill Clinton) tentaram e não conseguiram. Carter teve a sua oportunidade durante quatro anos (1977-1981), Clinton teve-a durante oito (1993/2001) – e ambos não foram capazes de convencer o Congresso em temas tão fracturantes como os que Obama deu prioridade neste ano e meio.

O fantasma de vir a ser um «novo Carter», que muitos republicanos e mesmo alguns democratas «blue dogs» lançaram sobre Obama nos últimos meses, é, por isso, disparatado. Basta olhar para a realidade.

Maldita Economia
O problema é que, na sociedade de sentenças imediatas em que vivemos, o «reality check» pode não bastar. Como na história da mulher de César, também na política moderna, mais importante do que ser é... parecer.

E o que tem parecido, em vários períodos deste último ano e meio, é que Obama tem tido sérias dificuldades de manter o controlo da situação.

Se recuarmos aos gloriosos tempos da campanha presidencial de 2008, em que o então nomeado democrata impressionava com o estilo «No Drama Obama», isso não estava, claramente, no programa.

E chega a parecer estranho: como é que o político mais 'cool' de que há memória deixou que essa marca se lhe colasse à pele? Como é que o «tipo incrivelmente calmo» (a expressão é da sua mulher, Michelle) não consegue recuperar o rótulo de «predestinado», a aura de «invencibilidade» de que gozava até 4 de Novembro de 2008?

As dúvidas acima expostas são profundas e exigirão abordagens mais extensas em próximos textos. Mas se a resposta tiver que ser dada só numa frase, bem ao estilo do imediatismo a que todos estamos condenados, ela aparece em duas palavras: maldita Economia.

A era Obama, que no auge da vitória eleitoral parecia indicar um caminho redentor (quase Messiânico) tem sido, acima de tudo, a era da crise económica. Do estigma do desemprego. Do medo da Grande Depressão – que terá sido evitada por uma unha negra, mas que não nos livra de uma longa e penosa estagnação.

E lá voltamos à questão do confronto entre a realidade e a espuma. Entre o Ser e o Parecer. Um rápido 'flashback' pelos primeiros meses da Administração Obama são suficientes para nos recordar que a enorme intervenção federal terá sido decisiva para evitar o descalabro.

O «stimulus package», que tantas energias políticas fez gastar na primeira fase da Presidência Obama, engoliu a agenda dos primeiros meses e retirou uma boa parte do 'élan' de que Barack beneficiava após 4 de Novembro de 2008. Mas a verdade é que essa intervenção era inevitável. Obama não fez o que era popular – mas fez que o tinha que ser feito.

Numa América avessa a excessivas intromissões do Estado na Economia, o clima de pânico que se vivia nos mercados e nas empresas nos primeiros meses de 2009 não deixava grandes alternativas. Mas o gigantesco Plano de Recuperação e Reinvestimento custou a primeira grande quebra de popularidade a Obama. O choque da realidade foi particularmente duro: a partir desse momento, a Obamania tinha deixado de ser um lindo conto de fadas.

O problema ideológico
Mas seria um erro pensar que o único problema de Obama tem sido a Economia. Barack cometeu algumas falhas de relevo, que serão alvo de análise mais detalhada na próxima crónica. E, acima de tudo, está a ser vítima da sua própria originalidade política.

É muito difícil catalogar Barack Obama do ponto de vista ideológico. Nos corredores políticos de Washington, e entre os analistas, a dúvida é já quase um mito: afinal de contas, onde se situa Obama no caleidoscópio político da América?

Num país cada vez mais fracturado em «tribos» e «esferas de pressão», Barack contornou, de forma espantosa, a colagem ideológica durante a campanha. Mas está a sentir agora o reverso da medalha: os liberais acham que ele é centrista, ou mesmo estranhamente próximo dos republicanos, em temas como o Afeganistão; os moderados acusam-no de ser demasiado à esquerda em matérias como a Saúde ou a Reforma Financeira.

E os independentes, que o apoiaram de forma maciça em Novembro de 2008, desiludiram-se em poucos meses, quando perceberam que Obama não tinha uma receita mágica para a crise económica.

Ainda é cedo para saber se tantas dificuldades juntas podem custar a reeleição a Obama. Apesar de tudo, se o autor destas linhas tivesse que apostar hoje, ainda poria o seu dinheiro num segundo mandato presidencial de Barack.

Jean Daniel, escritor e político francês, comentou que «mesmo que falhe, Obama já fez o impossível». Mas os fantasmas que, nestes 18 meses, têm perseguido o Presidente dos EUA são a prova de que, na política americana, por vezes, nem o impossível basta.»

Barack Obama tomou posse há um ano e meio

Faz hoje 18 meses que, num dia frio de Washington, Barack Hussein Obama se tornou o 44.º Presidente dos EUA:

domingo, 18 de julho de 2010

Mensagem Semanal: Obama critica «obstrução republicana» no Senado

«Filibustering recovery», acusa Barack Obama. O Presidente critica a constante oposição dos senadores republicanos aos programas de apoio à recuperação económica.

Joe Biden: «As pessoas ainda não se aperceberam do que significa esta Reforma Financeira»

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Senado aprova Reforma do Sistema Financeiro por 60-39



Barack Obama estará prestes a assinar mais a segunda grande reforma do seu primeiro mandato, depois da Health Care Bill: a Reforma do Sistema Financeiro, ontem aprovada no Senado, graças aos votos dos democratas e de três senadores republicanos: Olympia Snowe (Maine), Susan Collins (Maine) e Scott Brown (Massachussets).

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Histórias da Casa Branca: Um Ano e Meio de Presidência Obama


Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 15 de Julho de 2010:

Um ano e meio de Presidência Obama

Por Germano Almeida


«Barack Hussein Obama tomou posse como 44.º Presidente dos EUA a 20 de Janeiro de 2009, num dia frio de Washington, perante uma multidão de quase dois milhões de pessoas. Ainda nos parece uma data relativamente próxima, mas já se completa, na próxima terça-feira, 20 de Julho de 2010, um ano e meio sobre esse momento histórico para os Estados Unidos.

O primeiro mandato da Presidência Obama ainda está, por isso, na sua metade inicial. Mas as noções de «estreia» e de «absoluta novidade», que marcaram a fase de arranque desta administração, pelas características singulares do actual Presidente, começam a dissipar-se.

Obama parecia ser um Presidente destinado a entrar para a História americana. Já o fez, sem dúvida, por várias razões: por ser o primeiro negro a obter a nomeação presidencial por um grande partido do sistema; o primeiro negro a conquistar a Casa Branca; por ter se ter tornado, aos 47 anos, o quarto Presidente mais jovem da América (só Theodore Roosevelt, John Kennedy e Bill Clinton eram mais novos quando tomaram posse); pela rapidez com que foi laureado com o Prémio Nobel da Paz, apenas nove meses depois de ter sido investido como Presidente; por ter quebrado o mito do Sul, ao obter a presidência, como candidato democrata, sendo um representante de um estado do Midwest, o Illinois.

Por estas e, ainda, por outras razões, Obama já entrou para a História política da América. Mas, um ano e meio depois de ter tomado posse, restam muitas dúvidas sobre se entrará para história pela principal razão de todas: a de ser um Presidente de sucesso.

Quase a meio do seu primeiro mandato, e olhando para os valores da sua taxa de aprovação (que oscilam entre os 45 e os 50 por cento), percebemos que falta muito para que essa meta essencial seja cumprida.

Fractura
A 4 de Novembro de 2008, Barack Obama obteve uma enorme vitória eleitoral: quase 54% dos votos, mais de 70 milhões de sufrágios – de longe, o melhor desempenho de um candidato democrata dos últimos 44 anos, desde Lyndon Johnson.

Levou a melhor sobre John McCain em 29 estados, arrecadando triunfos em todas as zonas da América. Foi, verdadeiramente, um êxito de dimensão nacional, apesar de tantos anticorpos que, como candidato, Barack Obama apresentava à partida.

A dimensão do triunfo de Obama -- e sobretudo a forma como conseguiu ter sucesso em estados que há quase meio século escapavam aos democratas -- parecia conferir-lhe uma capacidade de unir a América em torno de dois desafios tremendos, interligados entre si: dar a volta por cima à crise económica que, já nessa altura, se abatia e conseguir ultrapassar o sentimento de «fractura» que, nas últimas duas décadas, foi crescendo nos EUA, entre o que John Edwards (antigo senador e terceiro classificado nas primárias democratas de 2008) considerou como «duas Américas».

Uma heterogénea e aberta ao Mundo, mais concentrada nas costas e tendencialmente virada para o Partido Democrata; outra mais colada aos valores conservadores, avessa aos programas federais, dominante no Sul e em várias zonas do Midwest, obcecada com os temas religiosos – e com um poder crescente nas escolhas do Partido Republicano.

Durante a campanha presidencial, Obama conseguiu fazer valer a sua ideia de «reconciliação». Para o então nomeado democrata, era possível resolver o grau de hostilidade entre dois campos tão claramente marcados. E a verdade é que, no duelo eleitoral, Barack foi capaz de reunir uma fatia amplamente maioritária em torno dessa vontade «federadora».

O problema é que, enquanto Presidente, Obama não tem sido tão eficaz nos planos da mobilização e da persuasão como foi enquanto candidato. Será que a magia está a desaparecer? Jonathan Alter, analista político na Newsweek e na NBC, autor do livro «The Promise», obra que aprecia ao detalhe o primeiro ano da Presidência Obama, aponta: «Obama confiou demasiado na capacidade de julgamento do povo americano. Nas eleições de 2008, os americanos acreditaram na sua mensagem e, de algum modo, ele pensou que, a partir daí, isso acontecer sempre. Mas as coisas não têm sido bem assim.»

Recuperação
Num tempo em que a memória é curta, tão intensas são as novidades diárias, Alter recorda o óbvio: «Obama tinha razões para confiar no julgamento dos americanos. Um homem que tem como primeiro nome Barack (que significa 'abençoado' para os muçulmanos), cujo nome do meio é Hussein, tal como um dos maiores inimigos da América nos últimos anos, e cujo apelido é incrivelmente parecia com... Osama, teve a 4 de Novembro de 2008 a prova de que os americanos não se assustaram com essas coisas. O risco de excesso de confiança era grande para quem conseguiu ultrapassar o problema de ter um nome destes.»

Obama terá, por isso, acreditado que essa enorme capacidade de julgamento revelada pelos americanos quando da sua eleição se prolongasse pelo seu mandato presidencial. Mas o tipo de problemas com que o 44.º Presidente dos EUA se tem confrontado não tem dado azo a contemplações por parte do eleitorado.

A demora na recuperação económica está a minar o espírito da «Obamania». Uma boa fatia dos apoiantes de Obama em Novembro de 2008 declara agora a sua «desilusão». Talvez ainda haja margem para retomar essa dinâmica vencedora, a tempo de assegurar a reeleição em 2012 – e até há sinais animadores, confirmados recentemente com o modo como uma boa parte da opinião pública aplaude a forma como Obama enfrenta os «grandes interesses» na Reforma do Sistema Financeiro, que estará muito perto de ser aprovada no Congresso.

Continuaremos a análise sobre o primeiro ano e meio de Presidência Obama no próximo texto, olhando para as principais vitórias e os principais fracassos das suas decisões.»

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Histórias da Casa Branca: Robert Byrd, maior do que a vida



Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 5 de Julho de 2010:

Robert Byrd, maior do que a vida

Por Germano Almeida


«Robert Carlyle Bird, senador pela Virgínia Ocidental durante mais de meio século, decano dos políticos de Washington, morreu aos 92 anos, deixando consigo uma imensa história política, que espelha, no melhor mas também no pior, as contradições da América.

Foi o mais antigo senador dos EUA (serviu no Capitólio, de forma ininterrupta, entre Janeiro de 1959 até à sua morte, a 28 de Junho de 2010) e entrou, também, para a história política americana por ter sido o congressista que mais tempo esteve em actividade: teve assento no Congresso durante 58 anos seguidos – sete na câmara baixa e 51 no Senado.

Em 1952, foi eleito para a Câmara dos Representantes, naquele que viria a ser o primeiro passo de um longuíssimo percurso em Washington, sempre em representação do estado da Virgínia Ocidental.

Alguns dos seus críticos dizem que até defendeu... bem demais os interesses dos eleitores do seu estado. Senador poderoso, com influência em áreas relacionadas com a atribuição de fundos federais, Robert Byrd conseguiu, sobretudo na parte final, a aprovação de inúmeros programas de apoio ao emprego para o seu estado.

InfluênciaLiderou a maioria democrata no Senado na década de 70 e depois também nos anos 80, mas já em períodos em que o Partido Democrata era minoritário no Congresso.

A partir da década de 90, já em idade muito avançada, deixou de batalhar directamente na arena política (e por essa altura, o Congresso dos EUA começou a ter algumas parecenças com o Coliseu de Roma...) e foi nomeado presidente honorário do Senado – posto com uma carga essencialmente simbólica, mas que o colocava na terceira linha de sucessão presidencial: basicamente, se matassem o Presidente, o vice-presidente e o speaker do Congresso, seria ele a ficar com a Casa Branca.

Conversão
A evolução política de Robert Byrd foi o reflexo da evolução do Partido Democrata ao longo do século XX. Nascido em 1917, num estado com raízes profundamente conservadoras, o senador Byrd começou por ser um típico «southern democrat».

Convém lembrar que, até há poucas décadas, os políticos democratas dos estados do Sul tinham posições muito pouco progressistas. Só para termos uma ideia, Bill Clinton foi o primeiro governador democrata do Arkansas não segregacionista – e tomou posse da primeira vez que governou o seu estado de origem no final dos anos 70.

É, por isso, preciso perceber a contextualização histórica do momento em que Robert Byrd, pelo início dos anos 50, começou a sua carreira em Washington.

Com os riscos de simplificação que implica resumir, em poucas linhas, um percurso político «bigger than life», literalmente maior do que muitas vidas, poderá dizer-se que Robert Byrd começou por ser um «democrata conservador», entusiasta da Guerra do Vietname e céptico do Movimento dos Direitos Cívicos na década de 60 (nada alinhado, por isso, com os irmãos Jack e Bobby Kennedy ou com Martin Luther King). Mas a verdade é que Byrd foi, progressivamente, passando para a ala liberal do Partido Democrata.

Nos últimos anos no Capitólio, o registo das suas votações fizeram de Robert Byrd um dos senadores mais à esquerda. Opôs-se à segunda Guerra do Golfo e foi um forte apoiante da candidatura presidencial de Barack Obama.

No longo processo legislativo da Reforma da Saúde, Robert Byrd fez sempre questão de estar presente para votar «sim» -- mesmo quando, na véspera de Natal de 2009, apareceu no Senado de cadeira de rodas e só depois seguiu para a Virgínia Ocidental.

A poucos dias de ser eleito o quarto Presidente mais jovem da História da América, Obama fez questão de se encontrar a sós, durante alguns minutos, com Robert Byrd, no Senado.

Naquele gabinete em Capitol Hill, algures em Outubro de 2008, encontraram-se dois políticos separados por 44 anos de idade. Byrd nasceu em plena I Guerra Mundial, Obama é o primeiro Presidente «pós-geração babyboom».

Quando Byrd entrou para o Senado, nem lhe passaria pela cabeça, sequer, receber no seu gabinete alguém com a cor de Obama. Meio século depois, disse esta frase sobre o político que estava a dias se tornar o primeiro Presidente negro dos EUA: «Barack está muito bem preparado e tem na sua cabeça, e no seu coração, a verdadeira noção do que significa liderar este grande país. Vai ser um grande Presidente».

Com a morte de Robert Byrd, desaparece, também, uma boa parte da memória política do último século americano.»

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Histórias da Casa Branca: A incrível queda do general McChrystal


A incrível queda do general McChrystal

Por Germano Almeida


«Até há poucos dias, Stanley McChrystal era um dos generais mais respeitados do Exército americano. Mas isso era até há poucos dias: a queda do agora ex-comandante das tropas norte-americanas e das forças da NATO no Afeganistão é um dos casos mais inacreditáveis da história recente da política americana.

Stanley McChrystal, 55 anos, general de quatro estrelas formado em West Point, membro de uma distinta família de altas patentes do Exército americano, foi o escolhido pelo Presidente Obama para que os EUA recuperassem o controlo da situação no AfPak.

Há precisamente um ano, em Junho passado, McChrystal substituiu o general David McKiernan num dos postos mais delicados do complexo militar norte-americano, atendendo às dificuldades que, mês após mês, os EUA sentiam para travar os avanços dos taliban.

Mesmo sendo conotado com uma sensibilidade ideológica bem mais à direita de Barack Obama, McChrystal mereceu a confiança do Presidente para pôr um travão num cenário que começava a parecer de desastre para os EUA, no mais difícil teatro de operações entre os cenários de conflito em que as tropas americanas estão envolvidas.

Militar de topo, com um registo respeitado mesmo por quem se lhe opunha dentro do Exército americano, McChrystal estava a conseguir repor alguma dignidade na dificílima missão dos EUA em solo afegão.

A entrevista
Chegou a ser rotulado de «general indispensável», sobretudo depois da forma como conseguiu influenciar Obama a decretar um reforço de 30 mil homens no contingente norte-americano para o Afeganistão.

A sua insistência na tese de «contra-insurreição», táctica em relação à qual é um dos maiores especialistas norte-americanos, levou a melhor, no conflito de visões que Obama teve que gerir, antes dessa difícil decisão tomada em Dezembro passado (talvez a escolha mais dolorosa que Barack teve que fazer desde que é Presidente).

A «nova estratégia para o Afeganistão» encetada por Obama, há meio ano, teve um grande vencedor, Stanley McChrystal, e um enorme perdedor: o vice-presidente Joe Biden.

O número dois de Obama defendia a tese da «contraterrorismo», uma visão mais «política» e menos valorizada nos meios militares.

A dimensão desta fricção entre o «poder de Washington» (corporizada em Biden) e os métodos das altas patentes do Exército (simbolizados por McChrystal) só agora veio, verdadeiramente, à tona.

Na polémica reportagem publicada na revista «Rolling Stone», em que McChrystal é apresentado como o «runaway general», Joe Biden é desprezado, ao ser referido de forma pejorativa por McChrystal, em citação dirigida aos seus colaboradores: «Quem é esse?»

Nesse artigo de fundo, feito durante os dias de impasse provocados pela nuvem de cinzas do vulcão islandês, o jornalista Michael Hastings teve acesso privilegiado a Stanley McChrystal. Citou frases dele, contou conversas do general com os seus colaboradores. Nada do que foi publicado foi, sequer, posto em causa pelo então comandante das tropas da NATO no Afeganistão – nem mesmo depois de a polémica estalar.

Além de Biden, são visados Richard Holbrooke, o enviado-especial do Presidente Obama para o Afeganistão e Paquistão (experiente diplomata e político muito ligado aos anos Clinton), o general Jim Jones (conselheiro de Segurança Nacional da Administração Obama e que é rotulado, de forma inacreditável, como «esse palhaço») e, ainda, o embaixador dos EUA em Cabul, Karl Eikenberry, um antigo militar.

A demissão
Perante estes factos, que mesmo depois de tanto escândalo e espalhafato continuam a soar estranhos, atendendo às credenciais de McChrystal como general experimentado, Barack Obama não tinha outra alternativa: aceitou de imediato o pedido de demissão do general e exonerou McChrystal das elevadas funções que desempenhava em Cabul.

Nos EUA, a relação entre o poder político e o poder militar é muito importante. Independentemente da cor política de quem, momentaneamente, domina a Casa Branca, há um princípio quase sagrado, que se revela fundamental para que essa relação (tendencialmente delicada) possa funcionar: o Presidente mostra uma «enorme confiança e orgulho» naquilo que o Exército faz pela América nos diversos palcos de conflito no Mundo; em troca, as chefias militares demonstram uma «total dedicação em servir o Presidente».

Mesmo que, por vezes, estas intenções pareçam apenas retóricas, a verdade é que elas se mostram muito significativas no imaginário americano. Quando elas são postas em causa, como sucedeu neste «caso McChrystal», não há outra saída: o poder do Presidente tem que prevalecer.

Pode parecer estranho, se olharmos para as características do general McChrystal. Mas, nesta história, a todos os títulos imprevista, ele era, claramente, o elo mais fraco.

Tendo Biden sido tão directamente visado, Barack teria sempre que escolher o lado do seu número dois. Caso contrário, era a própria Presidência Obama que passaria a estar vulnerável.

O sucessor
Mais uma vez, Barack Obama conseguiu manter o sangue frio numa situação de risco – e acabou por sair com a sua autoridade reforçada, no meio deste episódio simplesmente lamentável.

De forma pronta, e sem hesitações, Obama nomeou David Petraeus, 57 anos, como sucessor de McChrystal e deixou claro que, apesar desta mudança de generais, a estratégia gizada em Dezembro para o AfPak é para manter.

Petraeus é o general mais respeitado do Exército americano. Comandava o CentCom (posto alargado que coordena as operações no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão), talvez a função mais elevada da elite militar norte-americana, nos dias que correm.

Apesar de conotado com os republicanos, David Petraeus tem mantido enorme sintonia e lealdade para com o Presidente Obama. Ao aceitar a chamada de Barack, em momento tão delicado como este, e mesmo que a mudança implique uma despromoção momentânea para o «terreno», David Petraeus volta a provar que é, ele sim, o general indispensável.»

Em memória de Robert Byrd, falecido aos 92 anos, senador democrata pela Virgínia Ocidental durante mais de meio século