terça-feira, 31 de março de 2015

Communication Advisory: Mitos e medos que não resistem à realidade

ARTIGO PUBLICADO NO BLOGUE «COMMUNICATION ADVISORY», A 31 DE MARÇO DE 2015:

A política é uma caixinha de surpresas e isso nem sempre é mau. O que se passou em França no passado domingo ajuda-nos a perceber um pouco melhor essa ideia pouco divulgada, mas tantas vezes verificada.

Nos últimos anos, sobretudo a partir do acentuar da austeridade na Europa, temos ouvido falar no perigo iminente de Marine Le Pen poder chegar à Presidência da República francesa.
Os resultados das «departamentais» de domingo passado, porém, mostraram que esse receio é manifestamente exagerado.
Marine está a subir, cavalgando o descontentamento em relação a quem costuma estar no poder e teve, nestes anos, que esquecer os valores partidários e carregar nos cortes? Certo.
Isso já valeu à Frente Nacional uma surpreendente vitória nas Europeias e bons resultados em legislativas e eleições locais? Verdade.
Mas uma coisa é ter 25/30% dos votos à primeira volta (e com isso talvez ser a mais votada nessa primeira volta). Outra, completamente diferente, é obter 50% mais um à segunda, em presidenciais.
Lembremo-nos do que aconteceu ao pai de Marine, Jean Marie Le Pen.
Em 2002, e depois de muito tentar nos anos 80 e 90, escandalizou o «mainstream» da política francesa e europeia ao chegar à segunda volta, sendo mais votado que o então candidato socialista Lionel Jospin.
O sistema, assustado, protegeu-se, unindo-se em torno do candidato da direita tradicional, Jacques Chirac.
As consequências foram aparentemente tranquilizadoras: Chirac esmagou Le Pen por 82-18. Toda a esquerda votou no «adversário», para travar o «inimigo». Jean-Marie teve, em percentagem, um resultado mais baixo que na primeira volta.
Passou mais de uma década. Marine não é igual ao pai. Tendo herdado a estrutura partidária, as bases, um certo estilo agressivo, arrogante e autoritário, mostra-se, no entanto, mais sofisticada.
Não cai nos disparates de Le Pen pai nas tiradas racistas ou relacionadas com o holocausto. Mas uma análise pormenorizada identifica que o essencial está lá: o nacionalismo extremado, a defesa do regresso às fronteiras, a França para os franceses, «nada contra os estrangeiros, mas na terra deles, a França tem desempregados a mais».
Mistura explosiva, em cenário de crise económica e desgaste (cansaço, mesmo) em relação aos partidos de poder.
François Hollande está desacreditado (foi eleito para o Eliseu prometendo trocar a austeridade pelo «investimento» e em poucos meses tornou-se uma espécie de porta-voz de Merkel com sotaque francês).
Manuel Valls, o primeiro-ministro que o Presidente nomeou para evitar a humilhação em pleno mandato, é um líder de governo supostamente «socialista» que, qual paradoxo, se mostra feroz crítico da «esquerda» em quase tudo. Nem mesmo «Terceira Via». Coisa ainda mais original, até.
Sarkozy, enredado em confusões e processos judiciais depois da perda do Eliseu, tenta voltar à ribalta e, em mais uma ironia de que a alta política é fértil, pode ser o beneficiário da crise aguda do PSF.
O cenário parece ser ideal para o «assalto» de Marine ao Eliseu em 2017.
Mas, por vezes, basta uma análise fria da realidade para afastar medos que são repetidos à exaustão, mesmo por supostamente credível.
As eleições «departamentais» de domingo mostraram que Nicolas Sarkozy tem tudo para regressar ao Eliseu em 2017 (e sem grande dificuldade, dado o estado moribundo do PSF, pelo desastre político da presidência Hollande).
Não sendo o regresso de Sarko uma grande notícias, é mais do que tudo um grande alívio.
A derrocada (da República francesa e do projeto europeu, num cenário de Marine no Eliseu) pode esperar.
Marine é para levar a sério. Passou a ser uma «player» indisfarçável do jogo político francês. Pode, até, dizer-se que a bipolarização socialistas/direita tradicional terminou (a Frente Nacional é, neste momento, força quase tão abrangente nas câmaras e nas legislativas que o PSF e a UMP).
Mas a filha de Le Pen nunca será presidente da França. Vai uma aposta?

segunda-feira, 30 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: o paradoxo do Iémen


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 30 DE MARÇO DE 2015:


A «Tempestade Decisiva», operação liderada pela Arábia Saudita, é tentativa final para evitar a desagregação do país. E mostra, ao limite, que a grande divisão do mundo muçulmano está entre xiitas e sunitas Que o Médio Oriente é, há décadas, uma grande confusão, já todos sabíamos.
 
Mas o momento atual da relação de forças na região desperta perplexidades capazes de inquietar os maiores especialistas.

A situação no Iémen está para lá da preocupação: é um caso de guerra iminente e de risco enorme de desintegração de fronteiras. 
 
A «Tempestade Decisiva», operação liderada pela Arábia Saudita e que contém ainda o envolvimento de países como o Egito, a Jordânia, o Paquistão, o Qatar, Marrocos, Sudão o Bahrain e os Emiratos Árabes Unidos, será a última tentativa para evitar a desagregação do Iémen, algo que agravaria ainda mais o cenário de caos na região.

E mostra, ao limite, que a grande divisão do mundo muçulmano (muito mais do que a questão de suposta hostilidade com o «Ocidente» e a «América») tem a ver com a antinomia xiitas «vs» sunitas.

A ascensão do Estado Islâmico no último ano (primeiro no Iraque e nos últimos meses também na Síria) foi um primeiro sinal claro duma reação sunita contra o poder xiita decorrente do pós-Saddam no Iraque e do regime de Assad na Síria.

O Iémen, foco de tensão e possível acolhedor de terroristas nos últimos anos, não tem o impacto mediático e político do Iraque ou da Síria (a explicação é fácil: é mais pequeno e quase não tem petróleo, embora tenha importância no acesso ao golfo de Aden). Mas tem provocado, sobretudo desde a Primavera Árabe, alguns dos momentos mais problemáticos para as chancelarias ocidentais.

As conturbações sociais e políticas da Primavera Árabe geraram quedas de ditadores na Tunísia (Ben Ali), no Egito (Mubarak), na Líbia (Kadhafi) e no Iémen (Ali Abdullah Saleh).

Sucede que, tal como acontecia no Egito e na Tunísia (e durante algumas fase também na Líbia...), o ditador de Sana era aliado estratégico dos EUA na região. 

Com a queda de Saleh, o Iémen passou a ser um ponto de interrogação ainda maior. A Al-Qaeda, que perdeu força no Afeganistão e no Paquistão após uma década de presença de tropas americanas no «AfPak», foi criando zonas de influência no Iémen, o que chegou a obrigar a bombardeamentos aéreos pontuais.

Desta vez, a ameaça é outra.

O Presidente Hadi fugiu do país em janeiro, após ataque dos Huthis ao palácio presidencial.

Nos últimos dias, a coligação liderada por Riade tem feito incursões aéreas contra posições do movimento iemenita dos Huthis, de modo a retirá-los do controlo de Sana, a capital do Iémen.

As milícias houthis que conquistaram posições importantes no Iémen são mais um passo nas movimentações do Irão (bastião dos xiitas no universo muçulmano) em países que têm sido dominados pelos sunitas. 

O Iémen está, assim, no centro de mais um jogo de forças entre Riade e Teerão. Entre a Arábia Saudita, sunita, e o Irão, xiita.

Pelo meio, a Al Qaeda e o Estado Islâmico (organizações jiadistas sunitas com atuações e interesses diferentes), são atores importantes no terreno, aumentando a complexidade do conflito e o risco de desintegração do país.

Nas últimas décadas, sobretudo desde a «revolução dos aiatolas» em Teerão, que ditou a queda do Xá da Pérsia, os EUA tiveram o Irão como um dos principais inimigos na região. Isso implicou uma fase de aliança de Washington com o Iraque de Saddam, mais tarde tornado inimigo. Mas implicou, acima de tudo, que a Casa Real Saudita seja aliada de longo prazo dos americanos (não só na política, sobretudo nos negócios).

Neste cenário, tornava-se compreensível o apoio de Washington ao esforço saudita nesta «Tempestade Decisiva».

Mas não deixa de ser paradoxal: ao mesmo tempo que a coligação liderada pelos EUA bombardeia posições do Estado Islâmico (movimento jiadista sunita), com interesse comum do Irão, que também está a financiar e fornecer armas aos resistentes xiitas e curdos no Iraque e na Síria, os mesmos Estados Unidos estão do lado oposto aos interesses iranianos no Iémen.

Para aumentar a confusão deste jogo de forças, Washington e Teerão tentam fechar acordo, por estes dias, em relação ao nuclear.

Joe Scarborough, em artigo no «Politico.com», tem sentença dura para com a estratégia dos últimos dois presidentes dos EUA para o Médio Oriente: «O Iémen em chamas, o ISIS em marcha, a Síria no apocalipse, o Irão a entrar pelo Iraque, a anarquia reina na Líbia, a Jordânia a oscilar, a Turquia a deslizar e a relação da América com a única democracia no Médio Oriente (Israel) a deslizar para níveis baixíssimos. Quando os historiadores e analistas olharem para trás e tentarem analisar o falhanço da política externa dos EUA no início do século XXI, muitos perguntarão como é que a superpotência sem rival em termos militares, económicos e culturais perdeu essa vantagem histórica tão depressa nessa região. A resposta? George W. Bush e Barack Obama. (...) A política externa ideológica de George W. Bush, com o desastre da invasão do Iraque, foi seguida tragicamente pela ideia errada de Obama de que a América poderia apagar os pecados da invasão Bush/Cheney abdicando simplesmente das responsabilidades dos EUA como nação indispensável».

Voltaremos em breve a este tema. Muito provavelmente, pelas piores razões, claro.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: Ted Cruz, jogada de antecipação

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 26 DE MARÇO DE 2015: 

Ted Cruz, 44 anos, senador júnior do Texas, é o primeiro candidato declarado às presidenciais 2016 na América. 
  
E, sim, é preciso escrever «declarado» porque, na prática, há já vários candidatos no terreno, sobretudo do lado republicano. 
  
Filho de um cubano que chegou a combater por Fidel contra Fulgêncio Batista, mas depois se afastou quando descobriu que Cuba «tinha acabado de cair no comunismo», e de uma americana, nasceu em Calgary, no Canadá, onde os pais se encontravam a trabalhar, no ramo do petróleo.  

Apesar da Constituição americana supostamente exigir que o Presidente tenha nascido nos EUA (como os detratores de Barack Obama bem sabem...), a verdade é que a disposição é ambígua e refere o termo «natural-born citizens».  

Ora, na interpretação de Ted Cruz (e da muitos especialistas), pelo facto da mãe ser americana, Ted adquiriu nacionalidade norte-americana quando nasceu, mesmo tendo o Canadá como país natal. A «nuance» já tinha sido colocada com o nomeado republicano de 2008, John McCain, que nasceu no Canal do Panamá, em base militar norte-americana. 

Polémicas de locais de nascimento à parte (que não deixam de ter a sua ponta de ironia que afetem o primeiro candidato às primárias republicanas, depois de anos de disparate dos «birthers» que quiseram anular as eleições de Obama), a ideia forte a reter é que Ted Cruz jogou na antecipação. 

É para levar a sério, Ted? 

O senador júnior do Texas não tem, pelo menos para já, hipóteses reais de obter a nomeação republicana, muito menos de ser eleito Presidente dos EUA em novembro de 2016.  

Menos viável do que outros candidatos da ala «Tea Party», como Marco Rubio, Mike Huckabee ou Rand Paul, Ted tentou ganhar terreno cedo e baralhar o jogo. 

Num cenário altamente implausível de ganhar a nomeação, as sondagens indicam que Hillary bateria facilmente Ted na eleição geral, numa proporação de 60/40. 

O seu discurso político foca-se muito nos conceitos de Deus, «sonho americano» e três inimigos: o aborto, os impostos e o «peso do Governo». 

Foi nesse mantra que viveram os radicais de direita nos últimos anos. O eleitorado natural de Ted são os republicanos mais à direita, que nunca digeriram as eleições presidenciais de Barack Obama.  

Um dos pontos que Ted Cruz mais tem atacado integra-se nessa ideia geral do «peso do Governo». 

O «ObamaCare», como os republicanos gostam de chamar à Reforma da Saúde aprovada pela Administração Obama, levou até, há dois anos, a um ato bizarro de Ted Cruz: em pleno Senado, falou durante 21 horas seguidas, para tentar boicotar a aprovação da proposta, um instrumento de «filibuster» levado ao limite.  

Apesar de se opor de forma tão radical ao ObamaCare, Ted admitiu que irá usufruir dele para obter um seguro de saúde. Only in America... 

Em outubro de 2013, Ted Cruz foi um dos principais promotores, no Senado, do «shutdown» que paralisou, durante duas semanas, o governo federal, por falta de acordo orçamental. Mesmo depois de se ter chegado a uma solução bipartidária, de modo a retomar a normalidade dos serviços federais, Ted foi um dos 18 republicanos que, no Senado, votaram contra. 

As sondagens não dão mais que 5/7 pontos percentuais a Ted Cruz na corrida republicana. Um pouco atrás dos nomes referidos que com ele disputarão a ala direita; menos de metade das preferências dos dois «frontrunners» do momento: Jeb Bush, ex-governador da Florida e favorito à nomeação, e Scott Walker, governador do Wisconsin e muito forte nos estados de arranque. 

Ted Cruz vai jogar quase tudo nas votações no New Hampshire (forte presença de cristãos evangélicos, um dos segmentos que o podem favorecer) e, sobretudo, na Carolina do Sul.  

Para já, foi só a lebre. Quase nada indica que vá ser o vencedor a cortar a meta. Mas, pelo menos, pode dar para perturbar a conversa no lado republicano.  

terça-feira, 24 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: o fantasma israelita e um improvável aliado

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 24 DE MARÇO DE 2015:


«Os Estados Unidos nunca deixarão de trabalhar a favor de uma solução de dois Estados. Há que terminar com uma ocupação (de territórios palestinianos) que já dura há 50 anos» 
Denis McDonough, chefe de gabinete da Casa Branca 

Há vários temas quentes na agenda de política externa do Presidente Obama até ao fim do seu segundo mandato. 
  
Dois deles são óbvios e prementes: a luta contra o avanço do Estado Islâmico e a ameaça russa no Leste da Europa. 
  
Outros dois têm a ver com a definição de estratégia a longo prazo: o tal «shift» para a Ásia-Pacífico, para conter a ascensão da China, ideia base dos anos Obama, que tem sido adiada pelos olhares mediáticos, mais atraídos por outras crises imediatas; e uma reaproximação à Europa, já sinalizada com a preocupação de Washington com o caso grego e com a intenção de Barack Obama de selar enquanto estiver na Casa Branca um grande acordo transatlântico de comércio livre, que torne o eixo EUA/Europa como o maior espaço económico do Mundo. 

Há ainda uma frente em que o Presidente Obama gastará boa parte dos seus últimos trunfos: a concretização do acordo com Cuba, perante o plano republicano de o tornar mínimo, por uma espécie de boicote legislativo, via Congresso. 

Se a contenção da China, a reaproximação à Europa e o acordo com Cuba têm sido apostas políticas planeadas por Barack Obama, o mesmo já não poderemos dizer da alteração de posições a que poderemos estar a assistir, na relação dos EUA com Israel e com o Irão. 

A vitória de Netanyahu nas eleições da semana passada, a todos os títulos inesperada, está a obrigar a Administração Obama a «rever» a sua relação com Israel, aliado crucial na posição norte-americana no Médio Oriente. 

Ao mesmo tempo, a ameaça crescente do Estado Islâmico, na sua condição de terrorismo com ideologia «wahabista», provoca uma inesperada condição comum a americanos e iranianos: ambos têm urgência em travar os jiadistas sunitas. 

As vantagens de aprofundar esta inesperada cooperação Washington/Teerão são maiores que os riscos (que também existem, claro). Para lá do inimigo comum (o terrorismo do ISIS), existe também uma rara vontade nas lideranças políticas de Obama e Rohani. E isso pode explicar a desconcertante carta escrita pelo senador republicano Tom Cotton, em tom de irresponsável ameaça ao Presidente do EUA. 

Mas ainda há desconfianças mútuas, claro. O maior envolvimento dos iranianos em terreno dominado pelo Estado Islâmico nunca será admitido como aliança real entre EUA e Irão. Mas ambos sabem que dependem do outro. 

Stephen Hayes, na «Time», nota: «O Irão é uma oportunidade, não uma ameaça. É um parceiro potencial, não um inimigo. Por mais de seis anos, a visão do Irão guiou as decisões de Barack Obama. O presidente declarou, de forma repetida, a sua vontade clara de abraçar o Irão na comunidade das nações civilizadas. As suas palavras, por vezes, sugerem que o Irão tem uma escolha a fazer. Conseguir entrar nessa tal mítica comunidade de nações civilizadas depende, de algum modo, do seu próprio comportamento. Mas, nestes seis anos, pouco aconteceu que possa indicar-nos que o Irão quer mesmo isso». 

O fator Netanyahu está a tornar este jogo ainda mais perigoso para a política externa de Obama. O convite dos senadores republicanos ao primeiro-ministro israelita extremou posições nos dois campos político que dominam Washington. 

A via norte-americana para lidar com o Irão conhecido consenso bipartidário há mais de três décadas. Isso está, neste momento, em risco. Obama quer travar o fantasma do programa nuclear iraniano com um acordo que os republicanos, agora em maioria no Senado, nunca assinarão. 

Torna-se difícil ver desfecho feliz para este jogo de sombras: Israel, com Netanyahu reforçado, não admite a aproximação EUA/Irão, com medo do nuclear e de apoio de Teerão a inimigos de Telavive; os republicanos no Congresso sem dar cobertura ao caminho do Presidente em fim de mandato; Barack Obama desesperadamente a lutar contra o relógio, querendo juntar o Irão à lista de conquistas da sua atribulada presidência. 
   

sexta-feira, 20 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: Hillary aguenta o embate

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 20 DE MARÇO DE 2015:


Hillary Clinton sobreviveu ao primeiro grande embate
  
Sondagem CNN/Opinion Research Corporation, feita já depois do «mailgate», coloca a ex-secretária de Estado à frente em todos os cenários de luta final com os republicanos para novembro de 2016. 
  
Hillary mantém também enorme avanço para a nomeação democrata, ainda que tenho baixado um pouco depois da crise da utilização de email pessoal em matéria governamental enquanto chefe da diplomacia americana. 
  
A antiga Primeira Dama dos EUA surge como a possível candidata com melhor níveis de aprovação junto do eleitorado (53%), à frente de Joe Biden (43%), Mike Huckabee (35%), Jeb Bush (31%), Rand Paul (31%), Marco Rubio (25%), Chris Christie (25%), Ben Carson (22%) e Scott Walker (21%). 

Ainda muita água correrá debaixo da ponte até ao início das votações, em janeiro, mas a vantagem de Hillary parece fundar-se em mais do que mera opinião política: ela assenta no enorme grau de notoriedade que a «frontrunner» tem no eleitorado americano, bem acima da do vice-presidente em funções e muitíssimo superior a qualquer outro nome dos dois campos partidários que possam estar aptos a avançar.  

O que impressiona mesmo no estudo da CNN/ORC é a margem da vantagem de Hillary na eleição geral: vantagem de dois dígitos sobre todos os possíveis opositores republicanos. Clinton bateria Rand Paul por 54-43, ganharia a Jeb Bush e Scott Walker por igual margem (55-40) e esmagaria Mike Hukcabee (56-41) e Ben Carson (56-40). 

No campo republicano, Jeb Bush continua a apresentar um pequeno avanço no plano nacional, mas ainda pouco significativo: recolhe 16% das preferências, enquanto Scott Walker tem 13%, Rand Paul 12%, Mike Huckabee 10%, Ben Carson 9%, Chris Christie e Marco Rubio 7%, Ted Cruz e Rick Perry 4%, Lindsay Graham, Bobby Jindal e Rick Santorum 1%. 

Mas como a corrida à nomeação partidária tem diversas fases, não se cingindo a uma votação simultânea nos diferentes estados (algo que sondagens como esta simulam), não é líquido que Jeb Bush seja mesmo o republicano em melhores condições, neste momento. 

Scott Walker, governador do Wisconsin, continua a surpreender nos estados de arranque (Iowa e New Hampshire) e está a apostar forte também em terreno relevantes nas etapas seguintes, sobretudo a Carolina do Sul. 

No lado republicano, a grande questão parece ser, portanto, se Jeb conseguirá obter resultados animadores nos estados de arranque, que lhe permitam chegar aos «grandes prémios» (Texas e Florida) em condições boas para, nesses estados com características que o favorecem e que dão muitos delegados, possa resolver relativamente cedo a questão. 

Em relação aos democratas, o «passeio Hillary», mesmo depois do escândalo dos emails, é evidente: vantagem de quase 50 pontos sobre Joe Biden (62-15), com a senadora democrata do Massachussets, Elizabeth Warren, em terceiro, com 10%. 

Perante estes dados, fica mais fácil perceber porque é que não há mesmo «plano B» a Hillary no lado democrata. É que, com um avanço destes, e tão consistente garantia que de a mais-do-que-provável nomeada democrata tem vantagem de mais de dez pontos sobre os republicanos, não será um escândalo qualquer a conseguir abalar tamanho favoritismo. 

Glenn Thrush, no «Politico», nota: «Não é que Hillary deseje uma coroação. As pessoas que a rodeiam garantem que ela apenas pretende adiar ao máximo o salto para a lava da luta presidencial».   

O problema dos «emails» está «queimado»... Será o financiamento da Clinton Foundation o próximo?

quarta-feira, 18 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: a carta de Cotton e o (des)acordo sobre o Irão

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 18 DE MARÇO DE 2015:

A oposição republicana ao Presidente Obama teve, recentemente, um novo grau de ferocidade. 
  
Um grupo de 47 elementos da nova maioria na câmara alta do Congresso assinou uma carta escrita pelo senador Tom Cotton, do Arkansas, que contém uma clara ameaça a Barack Obama: qualquer acordo que esta Administração venha a celebrar com o Irão, a propósito do nuclear, será revogado pelo próximo Presidente. 
  
O cenário chega a ser bizarro e só pode ser minimamente entendido à luz do espírito de vingança de que boa parte dos republicanos parece estar investida, desde o grande triunfo nas «midterms» de novembro passado. 
  
O facto é que esta carta introduziu um novo «bater no fundo» numa atitude irresponsável da direita mais acirrada (e que teve outro episódio caricato com o convite a Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita agora reeleito, para para dizer mal da político externa do Presidente Obama em pleno Senado...) 
  
Se é verdade que as questões de fundo na política externa dos EUA passam muito pelo Senado, e não apenas pelo Presidente, também é verdade que não basta ao Partido Republicano ter tomado o controlo da câmara alta para poder desenvolver atitude de tamanha agressão ao Presidente em funções -- até porque as perspetivas para as presidenciais de novembro de 2016 estão longe de mostrar, neste momento, um quadro de provável vitória republicana que pudesse sustentar esta «promessa» do senador Cotton e seus pares. 
  
A carta aparece num momento de particular tensão na política externa norte-americana. 
  
O Irão sempre foi um dos pontos de principal discórdia entre a agenda do Presidente e a visão dos republicanos, agora em maioria no Senado. 
  
Mas, mesmo nesse quadro, foi possível ir mantendo algum consenso no processo legislativo: nos primeiros anos, o Senado aprovou largamente o acordo STARTII (assinado em 2010 entre Obama e a Rússia) e o essencial da luta anti-terrorismo e anti-jiadista tem tido apoio bipartidário (o mais recente exemplo disso foi a aprovação, no Congresso, do pedido de autorização do Presidente Obama de utilizar a força para travar o Estado Islâmico). 
  
Mas esse «consenso mínimo» parece estar em risco. Desde 2010 que a vontade republicana de eliminar politicamente Obama, via Congresso, foi sendo assumida pelo próprio líder da então minoria (e agora líder da nova maioria) republicana no Senado, Mitch McConnell.   
  
Sem rodeios, o secretário de Estado John Kerry avisou: «Esta carta é inapropriada. Não é o Congresso que poderá mudar um acordo do poder executivo. Não serão elementos que estão há 60 dias ou algo assim no Senado que vão impedir isso. Outro presidente poderá ter visão, mas na nossa opinião, um acordo que poderá beneficiar a paz de muitos países deve ser defendido e não atacado». 
  
Na mesma linha, a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, comentou: «Como o presidente já disse, esta carta é algo sem precedentes. E coloca-nos a questão sobre se os republicanos querem mesmo ver um acordo, se querem mesmo prevenir que o Irão tenha poder nuclear». 
  
Tom Cotton já reagiu a estas críticas de Kerry e do seu Departamento de Estado: «Eu e os outros 46 signatários desta carta estamos focados em impedir que o Irão tenha poder nuclear. E quisemos ser claros a transmitir a mensagem aos iranianos que, no nosso sistema constitucional, enquanto o presidente negoceia acordos com governos estrangeiros, é o Congresso que tem o poder de os aprovar ou reprovar». 
  
Para já, pelo menos, os democratas e mesmo republicanos moderados no Congresso parecem imunes à pressão da carta do senador Tom Cotton. 
  
Mesmo os congressistas que se mostram dispostos apoiar legislação que preveja sanções contra o Irão: «A carta é incrivelmente inapropriada e infeliz. Isso não diminui o meu apoio à legislação que introduzimos», comenta o senador Heidi Heitkamp, democrata da ala centrista, em declarações ao site «Politico». 

Gary Peters, senador democrata do Michigan, vai mais longe: «Esta carta é inaceitável».  

O «chief of staff» da Casa Branca, Denis McDonough, pediu, em carta, ao líder do Comité de Relações Externas, o senador republicano Bob Corker, para não avançar para votação da proposta de dar 60 dias ao Congresso para aprovar ou rejeitar um acordo sobre o Irão. 

McDonough considera que a pretensão de Corker «ultrapassa as funções do Congresso» e na Casa Branca até se aponta só para junho como momento para o Congresso discutir o acordo. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: Hillary no centro da tempestade

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 13 DE MARÇO DE 2015:


«Quero que os cidadãos vejam o meu correio. Pedi ao Departamento de Estado que os publique e disseram-me que iriam revê-los para publicação o mais rapidamente possível» 
HILLARY CLINTON, provável nomeada presidencial democrata, reação ao «mailgate» 


E, subitamente, a tempestade abateu-se sobre a superfavorita. 
  
Hillary Clinton, muito à frente nas sondagens para a nomeação democrata e sempre em vantagem (ainda que por menos) nos duelos com os republicanos, enfrentou, nos últimos dias, a sua primeira grande crise, na caminhada, ainda não oficializada mas praticamente assumida, para as presidenciais 2016. 
  
«mailgate» teve efeitos negativos evidentes sobre Hillary (o próprio Presidente Obama assumiu só ter tido conhecimento «pelos media» que Hillary utilizou email pessoal para assuntos de Estado), mas terá tido o mérito de retirar as últimas dúvidas: ela vai mesmo ser candidata. 
  
Se ainda lhe passasse pela cabeça não avançar, a senhora Clinton não se disporia, por certo, a atravessar a turbulência com que foi confrontada nos últimos dias. 
  
Resumindo: d urante os anos como secretária de Estado, no primeiro mandato presidencial de Barack Obama, Hillary terá cometido a imprudência de não utilizar o email com domínio governamental, trocando mails, supostamente com conteúdos relacionados com as suas funções como chefe da diplomacia, através de uma conta pessoal. 

À primeira vista, o caso parece quase bizarro: pelo elevado grau de experiência e profissionalismo que Hillary sempre mostrou em quase meio século de vida pública e pelo aparente amadorismo que esse descuido (que até implicará, possivelmente, a violação da lei) revela. 

Que Hillary errou ao longo deste processo, isso é claro: e isso foi já, de resto, assumido pela própria, na reação que teve, na passada terça. Mas no mesmo ato em que considerou que «se calhar deveria ter usado outra conta de email», a antiga senadora democrata por Nova Iorque deixou também a garantia de ter entregado ao governo «todos os emails relacionados com o trabalho». 

«Quando comecei o trabalho como secretária de Estado, optei pela conveniência de usar o meu email pessoal, oq ue foi autorizado pelo Departamento de Estado, porque pensei que seria mais fácil usar apenas uma conta de email para o meu trabalho e para os meus emails pessoais, em vez de dois. Olhando para trás, teria sido melhor se, simplesmente, eu tivesse usado uma segunda conta de email e um segundo telefone, mas, nessa altura, isso não foi para mim sequer um assunto. Depois, uma larga maioria dos meus emails de trabalho foram para funcionários do governo, para as suas moradas eletrónicas governamentais, o que significa que foram registadas e preservadas imediatamente no sistema informático do Departamento de Estado» 
HILLARY CLINTON, conferência de Imprensa de reação ao «mailgate» 

A necessidade de minimizar danos foi óbvia. 

E o caso não era para menos: chega a ser estranho ver como a mais provável próxima Presidente dos EUA não possa ter antecipado os riscos políticos (para ela e para o Departamento de Estado que dirigia) de não seguir os procedimentos devidos nesta matéria. 

Há que colocar duas coisas em perspetiva: a primeira é que Hillary Clinton representa, literalmente, outra geração de políticos. Nos oito anos que passou na Casa Branca, como Primeira Dama (com uma equipa e uma agenda próprias), ainda não eram usados emails com frequência (Bill Clinton, por exemplo, garante nunca ter tido email pessoal até hoje).  

Por outro lado, o Departamento de Estado é uma realidade à parte no complexo governamental em Washington. Tem uma existência física à parte da Casa Branca e aí poderá estar também uma explicação para que tenha sido possível que o «mundo Hillary», no primeiro mandato de Barack Obama, tenha vivido com regras tão separadas das da esfera do Presidente. 

Dito isto, não há outra forma de pôr a questão: depois de meses e meses de noção de «inevitabilidade de Hillary», este foi o primeiro rombo na estratégia Clinton para, à segunda tentativa, agarrar a nomeação democrata e, depois, a Casa Branca.  

Num total de mais de 60 mil emails, cerca de metade (31.380, contas do Washington Post) nunca serão lidos (estavam com a marca de «emails de cariz pessoal). Os restantes deverão ser tornados públicos (foi esse o pedido da própria Hillary, sendo que o Departamento de Estado está a analisar esse cenário).  

Em 2009, quando Hillary foi para o Departamento de Estado, o tema segurança informática não estava tão em cima da agenda mediática e política como hoje (ainda não tinha havido Snowden nem Estado Islâmico), mas os «ciberataques» já eram uma ameaça real à segurança do poder americano (com China e Rússia  

Mesmo assim, ainda não terá sido desta que Hillary deixou de ser favorita para 2016: o movimento «Ready for Hilary» está mais do que no terreno, com «Super PACs» já muito bem financiadas, e no campo democrata persiste a noção de que não há qualquer «plano B» com hipóteses reais de tirar a nomeação a Clinton. 

«Os democratas no Congresso esperam uma forte campanha de Hillary para os levantar», nota o New York Times, em peça assinada por Nicholas Confessore, Jonathan Martins e Maggier Haberman. 

Dan Balz, no Washington Post, vai mais longe: «Há ausência de competição no campo democrata. Isso nunca foi tão claro como nesta crise dos emails. Mesmo com Hillary enrolada num escândalo a fazer lembrar os velhos tempos de Clinton na Casa Branca, ela conseguiu passar de tal modo a ideia de que é imbatível que qualquer tipo de competição no Partido Democrata é simplesmente inexistente». 
  

quarta-feira, 4 de março de 2015

Histórias da Casa Branca: Jeb, mais «George» que «W»

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 4 DE MARÇO DE 2015:


Mais centrista que o irmão, mas menos sólido que o pai. Mais preparado que «W», mas menos experiente que o pai George. 
  
Serão justas, estas duas frases para Jeb Bush, nesta fase o mais provável nomeado presidencial republicano para 2016? 
  
As curvas e contracurvas da política americana podem estar perto de nos mostrar mais um capítulo a todos os títulos surpreendente: 24 anos depois da eleição geral entre Bill Clinton (então jovem governador democrata do Arkansas) e George H. Bush (Presidente em funções, a tentar reeleição), há boas possibilidades do duelo presidencial norte-americano do próximo ano voltar a pôr frente a frente Clinton «vs» Bush. 
  
Hillary Clinton, mulher de Bill, exibe avanço enorme que a coloca como mais-do-que-favorita do lado democrata. 
  
Com Jeb Bush, irmão do 43.º Presidente dos EUA e filho do 41.º inquilino da Casa Branca, a história é diferente: ao contrário de Hillary (que domina em todas as correntes do seu partido), ainda tem que convencer a base do seu partido (que está ideologicamente mais à direita do que o candidato em matérias como a imigração). E mesmo que consiga vencer essa primeira etapa, terá que ultrapassar o favoritismo de Clinton, que vence neste momento, nas sondagens, qualquer possível candidato republicano. 
  
Mas ainda faltam dez meses para as primeiras votações nas primárias republicanas. E 20 meses para a eleição geral. 
  
Os 5/10 pontos que Hillary mantém de vantagem sobre Jeb Bush são perfeitamente recuperáveis. Não sendo a hipótese mais provável, é de admitir que, em janeiro de 2017, estejamos a assistir à tomada de posse do terceiro Bush Presidente: depois do Bush 41 (George Herbert), do Bush 43 (George Walker), será que o 45.º Presidente dos EUA poderá vir a ser… Jeb Bush? 
  
John Ellis Bush, Jeb para todos, nasceu a 11 de fevereiro de 1953, em Midland, Texas. 
  
Governador da Florida entre 1999 e 2007, liderou dois mandatos com uma plataforma focada em resultados económicos e programas sociais, com destaque para a reforma do sistema estadual de educação. 
  
Na parte fiscal, Jeb teve governação claramente «republicana», ao dar prioridade a cortes de impostos (algo que o irmão, nos oito anos na Casa Branca, tomou como um dogma). Também em temas como a posse de armas ou a pena de morte, Jeb foi governador com posição duras, que agradaram ao seu partido. 
  
Político com credenciais pragmáticas, manteve apoio sólido apoio republicano no seu estado, mas com boa capacidade de penetração em segmentos tradicionalmente mais democratas: teve 61 por cento do voto hispânico e 14 por cento do voto negro, logo na primeira eleição para governador.   
  
Casado com Columba Bush, mexicana e católica (conheceram-se em León no início dos anos 70, quando Jeb dava aulas de inglês no México), pode, como candidato presidencial, vir a ter apoio signficativo do voto latino (absolutamente decisivo na vitória Obama sobre Romney em 2012). 

Em 2012, perante a falta de «chama» da campanha Romney, houve quem propusesse uma nomeação de Jeb, mesmo que em cima da Convenção Republicana de Tampa. Mas, talvez por sentir que ainda era cedo para se falar em «Bush para a Casa Branca», o ex-governador da Florida recusou a tentativa.  

Desta vez, é mais do que claro que Jeb será candidato às primárias: em novembro passado, admitiu ter já comité exploratório. Ou seja: até já tem equipa e está a tratar do financiamnto.  

No «CPAC» da semana passada, espécie de reunião geral das diferentes correntes da direita americana, Jeb Bush tentou convencer os mais renitentes que a sua visão sobre a imigração (claramente mais «compassiva» que a maioria dos republicanos) será um trunfo e não um problema para quem quiser apostar nas suas fichas para 2016.  

Forte em estados importantes para a nomeação, como a Florida e o Texas, Jeb parece estar um pouco mais vulnerável nas disputas de arranque (Iowa, New Hampshire e Carolina do Sul). Scott Walker, governador do Wisconsin, pode ser adversário em segmentos idênticos, mas para já Jeb parece estar a ganhar em toda a linha a disputa dos votos centristas, no duelo com Chris Christie.  

Mitt Romney, na hora de decidir não avançar para 2016, terá sido sensível a opinião maioritária dos financiadores republicanos de que esta seria a hora de Jeb. Será mesmo?