quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: a visão de Hillary sobre o «poder americano»

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 27 DE NOVEMBRO DE 2014:


Depois da derrota pesada dos democratas nas intercalares do passado dia 4, os olhos dos apoiantes de Barack Obama viraram-se para Hillary Clinton.
 
A mais que provável nomeada do Partido Democrata para 2016 continua com números muito bons nas sondagens (50 a 60 pontos de avanço na corrida para a nomeação, entre 5 a 15 pontos de vantagem na luta final contra qualquer pretendente republicano), mas há quem receie que possa vir a sofrer de um certo «contágio negativo», nos próximos dois anos, caso a impopularidade da Administração Obama se agrave nos últimos dois anos de governação.
 
Hillary Clinton, que embora só deva anunciar a sua segunda candidatura à Casa Branca algures em 2015, já se comporta no terreno como se fosse a super favorita: seja em conferências, em declarações reagindo a momento de relevo da política americana (como quando Obama anunciou medidas executivas unilaterais para avançar com a Reforma da Imigração) ou em entrevistas como a que deu, no verão passado, a Jon Stewart, no «Daily Show».
 
Nessa conversa, vista por vários milhões de americanos, Hillary elaborou uma visão que é crítica da disfuncionalidade do Congresso, mas globalmente apoiante das prioridades do Presidente.
 
«Estou preocupada com o facto dos mais jovens não terem as mesmas oportunidades que eu, ou Bill, ou o Jon tivemos. A ideia de que quem estuda e trabalha muito terá sorte na vida. Infelizmente, vejo que milhões de jovens não têm essa ideia, essa garantia. E isso para nós, enquanto país, é grave», comentou Hillary.
 
«Acreditávamos que havia uma escada social. Essa escada foi cortada», reforçou.
 
Mas será isso culpa deste Presidente e desta Administração? Ora, é aí que Hillary se define, mostrando que vê Obama como «um Presidente que tem feito o melhor pela América, mas que tem sofrido, em muitos pontos, a paralisação de um Congresso que, simplesmente, não funciona».
 
O grau de confiança dos americanos nos políticos é cada vez mais baixo. O Presidente tem apenas 40% de aprovação, e isso é um problema, mas o Congresso, com forte pendor republicano, tem quase quatro vezes menos, somando pouco mais de 10% de aprovação.
 
O que tem falhado, então? Hillary arriscou uma tese: «É uma combinação de um Congresso que não funciona e que não permite que o ramo executivo faça o seu trabalho. O sistema político americano, com a sua teia de procedimentos e garantias, não se atualizou devidamente aos tempos modernos. Tem tempos diferentes e perde com isso. A burocracia política não ajuda».
 
Hillary pretende mostrar como a América ainda pode fazer a diferença: desde que saiba explicá-la. «Este sistema tem funcionado nos últimos 200 e tal anos e vai continuar a funcionar. Mas tem que se atualizar.»
 
A mais que provável nomeada presidencial democrata para 2016 coloca as coisas em perspetiva: «O mundo de hoje já não funciona de líderes para líderes. No meu tempo de estudante era assim, hoje já não é. Quando o Mundo era dividido entre dois blocos, e em que se apoiava uma superpotência ou outra, as coisas eram mais simples de compreender. Hoje as variáveis são muito maiores. O poder já não é só entre líderes. Acontece de baixo para cima. Nas redes sociais, noutrs foruns. Para os mais jovens, os EUA a libertarem a Europa, a derrotarem os nazis... isso é pré-história para eles! Temos que voltar a conseguir explicar que os EUA têm uma grande História. Não somos perfeitos, de forma alguma. Mas temos uma História que nos deve orgulhar. Temos é que saber contá-la melhor... a nós próprios, antes de tudo, e depois aos outros».
 
Hillary assume, com esta visão, um certo «declínio do poder americano», ideia que nos anos Obama começou a vigorar, mas insistiu numa visão otimista: «Lembro-me que Vaclav Havel, uma grande figura da cultura e da política europeia, primeiro presidente da República Checa libertada do comunismo, tinha como grande ídolo Lou Reed. A América sempre marcou gerações e culturas. Isso tem que continuar a acontecer». 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: de Obama para Hillary, a transição está em marcha

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 24 DE NOVEMBRO DE 2014:

«Ela não vai concordar comigo em tudo. E, sabe, uma das vantagens de concorrer a presidente é que podemos tomar as nossas próprias posições. E Hillary Clinton poderá vir a ser uma grande presidente». 
Barack Obama, entrevista a George Stephanopoulos, na ABC


«Ao abdicar das suas responsabilidades, a Câmara dos Representantes para esta ação executiva, seguindo os precedentes de Presidentes de ambos os partidos há várias décadas. Apoio a decisão do Presidente Obama»
Hillary Clinton, «statement» de reação ao plano de ação executiva anunciado por Obama para a Imigração


A relação entre Barack Obama e Hillary Clinton é a pedra angular para se perceber a dinâmica do Partido Democrata na última década.

Para se perceber os méritos e insucessos do partido do burro nos últimos dez anos, temos que olhar para as escolhas e hesitações do atual Presidente e da ex-Secretária de Estado e mais-do-que-provável nomeada presidencial para 2016.

O histórico duelo que ambos protagonizaram nas primárias para a nomeação presidencial de 2008 ditou a eleição do primeiro presidente negro da América e impediu (ou, pelo menos, adiou) a eleição da primeira mulher.

Depois de batalha intensa e, por momentos, agreste, Barack Obama surpreendeu ao escolher Hillary Clinton para Secretária de Estado do seu primeiro mandato.

E, contra muitas previsões, o «armistício» entre Obama e os Clinton foi sólido e frutuoso: os primeiros quatro anos da era Obama tiveram no plano internacional alguns dos seus melhores momentos e isso teve muito a ver com a competência de Hillary Clinton. (a exceção foi Bengasi e o assassinato do embaixador americano na Líbia).

Quanto a Bill, depois de palavras infelizes nas primárias de 2008 a tentar desvalorizar triunfos de Obama em estados com muitos eleitores negros, teve redenção brilhante na Convenção de Charlotte, em setembro de 2012, dando empurrão decisivo à reeleição de Obama, com argumentário convincente dos méritos do primeiro mandato.

A opção de Hillary (anunciada bem antes da reeleição de Obama) de não participar na segunda administração terá muito a ver com a preparação de terreno para a sua campanha presidencial de 2016. Mas explica-se, também, por uma leitura que fez de que seria necessário ter espaço para se demarcar do Presidente em alguns pontos.

Não todos, como nos últimos dias se verificou: dias depois de derrota tremenda dos democratas nas intercalares, com forte grau de responsabilização da impopularidade do Presidente, Hillary não hesitou em  apoiar a jogada de Obama de se sobrepor ao «gridlock» do Congresso republicano, avançando para a Reforma da Imigração pela via das ações executivas unilaterais.

É certo que, há uns meses, Hillary não se coibiu, em entrevista à «The Atlantic», de se distanciar de Obama em questões como a guerra na Síria e mesmo na política de alianças com Israel.

Mas mesmo na frente externa, a provável nomeada do Partido Democrata tem-se mantido fiel à visão do Presidente, depois de quatro anos de total sintonia, quando serviu na primeira Administração Obama: conceitos de «retirada» e «contenção» nas guerras do Iraque e Afeganistão; uso de drones e evitamento a todo o custo de «boots on the ground»; travagem do Estado Islâmico pela via dos ; parceria exigente com Israel, com críticas pelos excessos na última ofensiva terrestre a Gaza, mas apoio político a Telavive.

No tabuleiro político interno, Barack Obama entrou, claramente, na reta final da sua presidência. A ação executiva unilateral sobre Imigração foi sinal claro de que o Presidente continuar a ser «player» influente, embora retraído por um Congresso politicamente hostil.

E, na entrevista que deu a George Stephanopoulos, à ABC, Obama deu dois sinais claros: tem consciência das limitações políticas que terá nos últimos dois anos e fará tudo para as contornar, de modo a cumprir a agenda política que fez aprovar na reeleição (Imigração, Energia, Reforma Fiscal, contenção da dívida e défice); vê como inevitável que os democratas comecem a virar-se para Hillary Clinton, no sentido de segurarem a Casa Branca para lá de 2016.

«Os norte-americanos querem conduzir um automóvel que não tenha o mesmo cheiro (…) Querem um novo começo. Não querem conduzir um carro com tantos quilómetros como eu», admitiu Obama nessa entrevista.

«Hillary Clinton pode ser uma candidata formidável e uma grande presidente. Estou muito interessado em assegurar que tenha um sucessor democrata na Presidência», apontou Obama.

A transição de Obama para Hillary está, por isso, em marcha no universo democrata. Mas isso ainda não significa o fim da história para Barack Obama. Esse fim já foi decretado tantas vezes e, bem vistas as coisas, o anúncio foi sempre precipitado.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: Obama acelera para a ação executiva

«Os americanos estão fartos de paralisação. O que querem mesmo é um propósito comum. Um grande objetivo (…) A América é um país de imigração. Isto não é uma amnistia. Amnistia é o sistema atual, que não funciona (…) Precisamos de mais do que «politics as usual» na imigração. Precisamos de bom senso e visão» 
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, discurso sobre Imigração 
  
  
Os sinais tinham sido dados poucos dias depois da derrota nas intercalares e foram confirmados esta noite (já madrugada em Portugal): Barack Obama anunciou uma série de medidas que assinará por ação executiva, com vista a evitar a deportação de quase cinco milhões de imigrantes ilegais. 
  
Perante a vitória total dos republicanos nas «midterms», o Presidente percebeu que era hora de agir. 
  
A 26 meses de deixar a Casa Branca, Barack Obama quer mesmo deixar a sua marca em três ou quatro grandes temas: e um deles é, certamente, a Imigração. 
  
O tema foi crucial para a reeleição de Obama há dois anos (a preferência maciça de latinos e outras minorias étnicas e sociais foi fundamental para que o então candidato democrata derrotasse Mitt Romney) e um segundo mandato sem que esta questão fosse enderaçada seria, certamente, um mandato falhado. 
  
As medidas anunciadas por Obama apontam para que mais de quatro milhões de americanos sem autorização legal possam ficar a salvo de deportação. 
  
Por diferentes razões: desde que tenham filhos nascidos na América; pelo alargamento dos «dreamers» (jovens entre os 16 e os 31 anos que escolheram a América para trabalhar e viver apesar de não terem documentação concluída). 
  
A comunicação do Presidente foi muito focada na questão humana de evitar a deportação, não tanto na facilitação da legalização. Obama subiu o tom do discurso, dando-lhe uma dimensão quase moral, lembrando várias vezes que «os EUA são um país de imigração» e que «este país construiu-se e cresceu com imigrantes». 
  
O Presidente focou-se muito também na questão das famílias que podem ficar desfeitas com as deportações. «Nós não somos isso como país», apontou. 
  
Os republicanos ficaram furiosos. Newt Gingrich, na CNN, atirou minutos depois de Obama acabar de falar: «Foi um discurso profundamente desonesto. Quem é ele para dizer que foi «paciente»? Ele só tem que respeitar a lei e a Constituição dos EUA». 
  
Ted Cruz, senador do Texas, um dos líderes da ala Tea Party, acusou Obama de «agir como um monarca»: «A Constituição desenha um sistema de «checks and balances» para a nação e ações executivas para amnistiar imigrantes ilegais decretadas unilateralmente podem minar seriamente a «rule of law». 
  
A reação política dos opositores de Obama foi feroz mas, na verdade, uma análise ao registo dos antecessores de Obama na Casa Branca mostra que é relativamente comum que os Presidentes dos EUA tomem ações executivas unilaterais, sem passar pelo Congresso. 
  
«Vários antecessores meus o fizeram, fossem democratas ou republicanos», reforçou Obama, no discurso desta noite. 
  
De forma significativa, o Presidente fez até questão de citar o seu antecessor (e adversário político) George W. Bush sobre o tema: «A imigração não é uma questão política, é uma questão humana». 
  
A verdade é que o modo escolhido pelo Presidente para endereçar a questão é polémico: sondagem feita pela CNN aponta que 48% dos americanos se opõem a ação executiva unilateral sobre o tema, para 38% que apoia. No entanto, uma forte maioria dos americanos ouvidos concorda com a visão do Presidente sobre a necessidade de facilitar a cidadania para milhões de imigrantes ilegais. 
  
Conclusão de tudo isto: Obama terá sustentação eleitoral e popular para se bater por esta ideia, mas terá perdido as condições políticas para resolver esta questão do modo mais saudável com um Congresso republicano que lhe é cada vez mais hostil. 
  
«Tentei, mas não consegui ter condições para passar uma lei no Congresso. Tornou-se necessário avançar para estas medidas, mas continuo empenhado em encontrar consenso com o Congresso em torno desta questão», insistiu o Presidente. 
  
«Obama escolheu a confrontação em vez da conciliação», sintetiza Michael Shear no New York Times. 
  
O tema está lançado para o centro da discussão pública e mediática nos EUA. Nos minutos seguintes à comunicação do Presidente, manifestações pró e contra agitaram as redondezas da Casa Branca. 
  
Esta sexta, Barack Obama estará numa escola em Las Vegas, onde os hispânicos têm fortíssima representação, para desenvolver o seu plano para «consertar um sistema de Imigração que não funciona». 
  
A guerra Obama/republicanos promete ter novos capítulos em Washington, nos próximos 26 meses. 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: Obama/McConnell, há esperanças para esta relação?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 18 DE NOVEMBRO DE 2014:

Quando, há precisamente quatro anos, os republicanos tomaram o controlo da Câmara dos Representantes, ainda que mantendo desvantagem para os democratas no Senado, Mitch McConnell, líder da então minoria do Partido Republicano na câmara alta, anunciava, de forma agressiva: «O primeiro objetivo dos congressistas republicanos agora eleitos, nos próximos dois anos, é impedir um segundo mandato de Barack Obama na Casa Branca». 
  
Esse tal «primeiro objetivo» acabaria por falhar redondamente: dois anos depois, em novembro de 2012, Barack Obama viria mesmo a ser reeleito e com diferença mais folgada do que as sondagens previam. 
  
É interessante relembrar estes dois factos da história recente da alta política americana, para pôr um pouco mais em perspetiva o cenário que se criou em Washington depois das eleições do dia 4. 
  
A vitória republicana nas intercalares de 2014 foi ainda mais penalizadora para o Presidente Obama, agora no seu sexto ano na Casa Branca, do que o triunfo republicano em 2010, na altura com Obama ainda a cumprir o seu segundo ano como Presidente. 
  
Desta vez, o partido que se opõe (e muito...) a Barack Obama tomou também o controlo do Senado, pelo que passou a mandar nas duas câmaras do Congresso. 
  
Se o processo legislativo já era basicamente dominado pelos republicanos (questões como o orçamento, a dívida, ou matérias fiscais partem da Câmara dos Representantes e mesmo o que é proposto pelo Senado tem que depois «baixar» à House), agora é mesmo tudo: no Senado, nos primeiros seis anos de Obama controlado pelos democratas, decidem-se matérias de política externa e confirmam-se nomeações presidenciais para o executivo e para o Supremo Tribunal. 
  
Trocado por miúdos: o Presidente só tem duas formas de evitar que os seus últimos dois anos de mandato sejam condenados à paralisação completa. 
  
A primeira é tentar negociar com a oposição no Congresso. A segunda é insistir na via das «ações executivas presidenciais», que não exigem aprovação do Congresso. 
  
Se, em matérias como o orçamento, o teto da dívida ou a «Fiscal Cliff» já teve grandes momentos de tensão negocial com o «speaker» John Boehner (congressista republicano do Ohio), vai ter que reforçar as pontes de diálogo com o novo «ás de trunfo» do Senado: o experiente, hábil e duro senador republicano do Kentucky, Mitch McConnell, no Capitólio há 30 anos e recém-eleito pela sexta vez. 
  
Ora, o mesmo McConnell que há dois anos jurava ter como primeira preocupação cortar todas as vazas a Obama pode, agora, ser fator de desbloqueamento do «gridlock» no Congresso. 
  
Impossível? Nem por isso. 
  
Em política, tudo pode ser moldado ou adaptado, em função das circunstâncias. 
  
Barack Obama já se mostrou disposto a avançar para «ações executivas» em questões como a Imigração (estará prestes a anunciar plano de dez medidas sobre o tema, de modo a pôr fim aos bloqueios no Congresso sobre tema tão decisivo para a agenda política do seu segundo mandato). 
  
Mas o Presidente também sabe que não é politicamente viável passar dois anos inteiros a governar com ações executivas, assinadas diretamente da sua mesa na Sala Oval, ignorando olimpicamente o Congresso republicano. 
  
Um comportamento desses colocaria Obama ainda mais na berlinda e aumentaria os argumentos agressivos dos republicanos (agora com legitimidade reforçada pelo triunfo eleitoral nas intercalares) contra o Presidente. 
  
As cartas estão lançadas. A reeleição de Obama mostrou que um triunfo republicano para o Congresso não significa, automaticamente, sucesso nas eleições presidenciais dois anos depois. 
  
O desejo republicano de voltar à Casa Branca (já a espreitar 2016 estão nomes como Jeb Bush, Rand Paul, Scott Walker, Ted Cruz, Chris Christie ou Paul Ryan) poderá exigir um outro tipo de abordagem a partir de agora. 
  
Está lançada a discussão sobre a necessidade dos republicanos aderirem a algumas ideias do Presidente no que toca à legalização dos imigrantes (sob pena de, em 2016, o nomeado republicano perder largamente em segmentos como os latinos). 
  
Edward Isaac Dovere e Manu Raju observam, em artigo conjunto no Politico Magazine: «Agora, Obama e os seus conselheiros consideram possíveluma nova vida com o congresso totalmente controlado pelos republicanos. E olham para o futuro líder da nova maioria no Senado como a pessoa que pode ajudar a um legado a criar no segundo mandato presidencial. Não é que Obama e os seus adjuntos na Casa Branca tenham esquecido a história com McConnell. Mas o novo líder do Senado parece ter melhores condições do que outros para assumir esse papel». 
  
Barack Obama/Mitch McConnell: haverá esperanças para esta relação? 
  
Germano Almeida é jornalista do Maisfutebol, autor dos livros «Histórias da Casa Branca» e «Por Dentro da Reeleição» e do blogue «Casa Branca» 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: Obama não quer ser «pato coxo»

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 13 DE NOVEMBRO DE 2014:


A «onda republicana» do passado dia 4 de novembro foi ainda maior do que as sondagens e os analistas previam. 
  
Sendo as «midterms» uma soma de várias eleições diferentes, com realidades muito diversas de estado para estado, uma leitura nacional torna-se complicada. Mas a tendência, desta vez, foi tão clara que é quase obrigatório apontar o maior perdedor das intercalares: o Presidente dos EUA. 
  
Barack Obama vai encarar os seus últimos dois anos na Casa Branca num cenário político totalmente hostil: terá as duas câmaras do Capitólio com controlo republicano (forte maioria na House of Representatives, pequena maioria no Senado, embora os democratas disponham de votos suficientes para minorias de bloqueio) e ainda é preciso lembrar que, nos governos de estado, os republicanos aumentaram largamente a sua vantagem, passando a liderar em alguns territórios que os democratas encaravam como seus, sobretudo na Costa Leste. 
  
Fim de linha para Barack Obama? Não exatamente. 
  
Que as coisas poderão ficar ainda mais complicadas para o Presidente, isso parece uma evidência. Basta olhar para os números tão antipáticos para os democratas. 
  
Mas há que antecipar que clima político poderá existir em Washington nos próximos dois anos. 
  
Do lado republicano, a grande vitória do passado dia 4 fez aumentar a expetativa em relação a um possível sucesso do nomeado presidencial do partido para 2016. 
  
Os pretendentes começam a fazer fila: Scott Walker, governador reeleito no Wisconsin (estado que votou largamente em Obama em 2008 e 2012), passou a ser um forte candidato, juntando-se a nomes como Jeb Bush, Chris Christie, Rand Paul, Ted Cruz ou Marco Rubio (os últimos três sentam-se no Senado) ou até Paul Ryan, congressista que foi «vice» de Mitt Romney, em 2012. 
  
Ora, estes candidatos representam diferentes abordagens na oposição a Obama e na visão do que deve ser a América. 
  
Os próximos dois anos deverão ser tudo menos pacíficos no lado republicano e há, por isso, uma carta decisiva no baralho do GOP: Mitch McConnell, o experiente senador do Kentucky, eleito pela sexta vez para o cargo, que será o líder na nova maioria no Senado. 
  
O que deve fazer Obama perante esta nova realidade? 
  
Tudo indica que fará, essencialmente, três coisas: 
  
1) reforçar a frente externa, mostrando que quer deixar uma marca do seu poder americano neste mundo cada vez mais complicado (combate ao Estado Islâmico, contenção de Putin e de ameaça russa, posicionamento americano na Ásia, confirmado por estes dias com a grande viagem que o Presidente fez ao continente e que redundou em acordo com a China); 
  
2) procurar consenso em dois ou três temas (possivelmente reforma fiscal, aumento do salário mínimo e política energética, que tem tido bons resultados no caminho de independência americana em relação à Rússia e ao Médio Oriente) 
  
3) avançar para ações executivas (decisões do Presidente que não precisam de ir ao Congresso) em temas como a Imigração ou a Saúde, onde parece não haver hipótese de acordo mínimo com os republicanos e que Barack Obama entende serem fundamentais para a agenda do seu segundo mandato. 
  
Precisamente sobre este ponto, a «Fox News» avançou ontem com a indicação de que Obama se prepara para avançar com medidas executivas (sem passar pelo Congresso) para impor as suas ideias sobre Imigração. 
  
O Presidente não está disposto a ser «lame duck» (pato coxo) perante Capitólio totalmente republicano e deverá anunciar, no início da próxima semana, um plano de dez medidas que deverá incluir a suspensão da deportação de milhões de imigrantes ilegais. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: um Presidente ainda mais só

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 5 DE NOVEMBRO DE 2014


A onda republicana não só se confirmou como até foi maior do que muitos previram. 
  
Barack Obama fará os seus dois últimos anos de mandato «sozinho» na Casa Branca, perante um Congresso, agora sim, total e assumidamente hostil. 
  
O Partido Republicano venceu, a toda a linha, as eleições intercalares: alargou em 12 assentos a vantagem que já tinha na Câmara dos Representantes (passa a ter 243 lugares, para apenas 175 dos democratas), arrecadou o controlo do Senado (em proporção idêntica à vantagem de que os democratas dispunham); venceu largamente em número de votos e até aumentou a vantagem que tinha nos governadores de estados (obtendo triunfos em estados que costumam ser democratas nas presidenciais, como Illinois, Maryland ou Maine). 
  
Os democratas perderam a maioria simples que tinham na câmara alta e -- mesmo estando já relativamente preparados para levar com uma derrota que, do ponto de vista do ciclo eleitoral, era previsível (os presidentes a meio do segundo mandato costumam sofrer da chamada «maldição dos sextos anos») – não esperariam perdas como a de Mark Udall (senado pelo Colorado), Bill Braley (senado pelo Iowa), Kay Hagan (senado pela Carolina do Norte), ou os tais do governadores em estado fortemente «azuis» e que passam agora para mãos republicanas. 
  
Um olhar pelo mapa eleitoral da América, depois das eleições da madrugada de terça para quarta, retira qualquer dúvida: os EUA estão a virar à direita, pelo menos nas escolhas locais e estaduais (e ainda de representação estadual ao nível federal, no Capitólio). 
  
Há, no entanto, alguns pormenores que devem ser tidos em conta e que atenuam a dimensão da derrota democrata: a taxa de participação destas eleições não chegou a 40% (sendo que nas presidenciais, não sendo muito alta, tem passado os 50%). 
  
E isso pode explicar uma boa parte do «recuo democrata»: é que as «maiorias Obama» nas presidenciais 2008 e 2012 foram formadas essencialmente por quatro segmentos (mulheres, jovens, negros e latinos). 
  
Ora, no geral, estes segmentos foram muito menos às urnas, na terça à noite. 

O fator mobilização (neste caso, falta dela, para os democratas) empurrou os republicanos para vitória maior do que se imaginara. Mas não explica tudo, claro. 
  
A insatisfação popular perante o modo como Barack Obama lidou, nos últimos meses, com temas como a luta contra o Estado Islâmico, a crise do Ébola ou a tensão na fronteira com os imigrantes ilegais foi o motor da queda democrata e da subida republicana. 
  
Cientes disso, muitos candidatos do partido de Obama fugiram autenticamente da companhia do Presidente, durante a campanha. O impulso era compreensível, mas… terá sido inteligente? A questão é que, sem a base de apoio de Obama (que a máquina que elegeu e reelegeu o Presidente ainda é capaz de energizar), os democratas ficaram mesmo desapoiados na linha de combate. 

Consequência: depois dos americanos terem ido a votos, o Presidente ficou sozinho na Casa Branca.  

domingo, 2 de novembro de 2014

Histórias da Casa Branca: o que mostram e escondem as «midterms»

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 2 DE NOVEMBRO DE 2014:


Que efeitos poderá nos últimos dois anos da Presidência Obama uma previsível vitória republicana nas eleições de terça para o Congresso? 
  
Do ponto de vista simbólico, a tomada do Senado pelos republicanos (possível, mas ainda não certa), poderá ser mais um revés para as condições políticas do Presidente. 
  
Mas se a principal consequência for o «congelamento» de propostas cruciais para a agenda político do segundo mandato de Obama, como a reforma da imigração ou mesmo um progresso bloqueio da aplicação do ObamaCare, então concluiremos que o ambiente em Washington não mudará em nada de fundamental. 
  
Mais: até pode acontecer que na terça se assista a uma grande vitória dos republicanos na House e à mudança de mãos partidárias do Senado, com os democratas a perderem a pequena vantagem de que dispõem, e depois, daqui a dois anos, na corrida à Casa Branca, volte a ser um democrata a vencer a presidência. 
  
Contradição eleitoral? Não necessariamente. O último ciclo homólogo (intercalares 2010, presidenciais 2012) mostrou exatamente essa oscilação: «tsunami» eleitoral republicano há quatro anos nas «midterms», reeleição inesperadamente folgada do democrata Barack Obama dois anos depois. 
  
Tendo em conta os problemas de popularidade do Presidente (média de 40% de aprovação), uma penalização eleitoral do partido de Obama em eleições a meio de mandato será um fenómeno político natural: e as sondagens apontam mesmo para aí. 
  
Mas, curiosamente, ao mesmo tempo que as pesquisas detetam forte probabilidades de dupla vitória republicana esta terça (Câmara dos Representantes e Senado), as «forecasts» para as presidenciais de novembro de 2016 (dois anos, na política americana, não é assim tanto tempo…) indicam que a mais do que provável nomeada democrata presidencial, Hillary Clinton, tem bom avanço sobre qualquer pretendente republicano. 
  
Em dois anos, como é óbvio, muito pode mudar. Na política americana, então, ainda mais. Mas o quadro parece estar traçado: o momento, esta terça, será dos republicanos, mas isso está longe de condenar as hipóteses de Hillary para 2016. 
  
Bem pelo contrário: nessa cadência de dois anos, entre eleições gerais e intercalares, a alternância republicanos/democratas tem sido quase regra. 
  
Foquemo-nos, então, no que está em causa esta terça: todos os 435 lugares da House of Representatives irão a votos (nesta altura, os republicanos controlam 234 lugares, os democratas 201). 
  
No Senado, como cada vaga tem duração de seis anos, há um terço dos 100 lugares em disputa. A atual distribuição aponta para 53 democratas, 45 republicanos e ainda dois independentes que costuma alinhar com os democratas. 
  
Quer isto dizer o GOP precisa de arrecadar pelo menos seis assentos no Senado aos democratas, para que os 114.º Congresso dos EUA passa a ter total controlo dos republicanos e não este cenário de «governação partilhada». 

A leitura nacional destas eleições é especialmente difícil de assumir: basta atentar às diferenças de posição em temas cruciais entre candidatos do mesmo partido (tanto democratas como republicanos), em função da realidade estadual. 
  
Há, de facto, um traço comum, do lado dos candidatos democratas de «fugir» do contágio que o Presidente implicar. Mas mesmo isso deve ser encarado como um fenómeno normal numa eleição intercalar. 
  
Morte política de Obama depois de provável derrota democrata na terça? Esqueçam. 
  
Quem se lembra de 1994 percebe a resposta: Bill Clinton parecia ter terminado a sua presidência em apenas dois anos e, em 1996, viria ganhar facilmente contra o republicano Bob Dole, partindo para segundo mandato conturbado em escândalos mas extremamente bem-sucedido em sucessos políticos no plano interno e externo. 
  
Obama talvez já não vá a tempo disso, mas ainda é cedo para decretar o fim do 44.ª Presidente dos EUA.