sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: 2014, ano de ação para Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 27 DE DEZEMBRO DE 2013:


Barack Obama prometeu para 2014 um «ano de ação». O clima de impasse em Washington DC fez de 2013 um «ano perdido» na agenda do Presidente, mas o segundo mandato ainda conta com três anos inteiros para rasgar no calendário.

2004 foi o ano da revelação (na convenção de Boston) e da primeira eleição nacional (para o Senado). 2005, o ano do arranque no Capitólio e do início da «Obamania». 2006 o do lançamento de um movimento imparável rumo à candidatura à presidência. 2007 marcou a confirmação da viabilidade da sua candidatura como alternativa à super favorita Hillary na nomeação democrata. 2008, o da surpreendente nomeação e da histórica eleição à Casa Branca. 

2009 o da primeira tomada de posse, do Nobel e do evitar de uma nova grande depressão. 2010 marcou o início da recuperação económica, a aprovação do ObamaCare, mas também a perda da maioria democrata no Congresso. 

2011 foi o ano do anúncio da recandidatura e da eliminação de Bin Laden. 2012 o ano da reeleição, mas também o que confirmou um Congresso dividido e paralisado.

2013 teria tudo para ser o ano da relegitimação política de Obama. Com a pujança da reeleição ainda fresca, Barack assumiu um discurso de posse para o segundo mandato mais ideológico do que no primeiro. Até falou do aumento do salário mínimo, escolheu opções arriscadas na defesa de minorias, endereçou questões como os direitos dos «gays» e a urgência de resolver o problema dos imigrantes ilegais. 

Mas os meses que se seguiram anunciaram a desilusão: um Congresso paralisado e os temas fortes da agenda presidencial de novo congelados. O «government shutdown», que durante 16 dias reduziu substancialmente os serviços federais, fez de outubro um mês negro para a Presidência Obama. 

As sondagens continuam a penalizar a maioria republicana na Câmara dos Representantes e não por acaso os americanos chamam apelidaram o atual Congresso de «Do-Nothing». 

A verdade é que Obama termina 2013 com o estigma do falhanço, o que não deixa de ser curioso, se nos lembrarmos que este foi o ano em que a economia dos EUA começou finalmente a disparar (estando já em níveis anteriores à crise de 2008) e que, no plano externo, foi obtido um acordo com o Irão sobre a questão nucleae (algo impensável há poucos meses). 

Mas a batalha legislativa foi claramente perdida pelo Presidente. Em 2014, Obama terá que consumar esse tal «ano de ação» resolvendo os erros na implementação do Obamacare, fazendo aprovar uma lei que restrinja o acesso às armas e avançando em matérias como a redução da dívida, a reforma fiscal, a independência energética e a imigração.

Os estilhaços do «caso Snowden» e as hesitações na gestão da crise síria (com Putin a dar a imagem de que a Rússia passou a mandar mais que os EUA neste tipo de momentos cruciais) deram sinais de algum enfraquecimento americano.

Em 2014, Obama terá desafios fundamentais a vencer: manter os EUA como ás de trunfo da política internacional; dissipar as desconfianças de aliados na sequência das escutas da NSA; manter o Senado no controlo democrata e, se possível, retomar a maioria democrata na House, perdida em 2010; consumar uma saída eficaz e tranquila das tropas americanas no Afeganistão, assegurando uma transição pacífica em Cabul.

Mesmo não obtendo sucesso em todos os pontos, a tarefa de Obama para o novo ano pode ser bem-sucedida. Contra as previsões dos «pundits», é certo, mas isso já aconteceu tantas vezes na última década da carreira curta, mas já tão intensa, do 44.º Presidente dos EUA... 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: economia a crescer, Washington a falhar

TEXTO PUBLICADO A 23 DE DEZEMBRO DE 2013, NO SITE TVI24.PT:


Se havia dúvidas sobre o grau de disfuncionalidade do sistema política na América, o ano de 2013 retirou-as por completo.

Uma consulta pelos últimos indicadores económicos faria prever que este final de ano teria tudo para ser de festa para a Administração Obama: a economia americana (que já crescia de forma consistente há dois anos e meios) está finalmente a disparar, tendo tido, no terceiro trimestre do ano, um crescimento de 4,1%, bem acima dos 3,6% que inicialmente tinham sido previstos pelo próprio Departamento de Comércio norte-americano. 

Estes dados são a prova de que a tendência de recuperação económica nos EUA está para ficar. 

De tal modo que Ben Bernanke já anunciou que a Reserva Federal americana vai começar a reduzir nos estímulos financeiros à economia, interpretando assim uma menor necessidade de alavancar a recuperação.

O consumo das famílias, que represente quase três quartos da economia interna americana, subiu 2% (acima dos 1,4% previstos pelo governo). 

A Administração Obama espera que no último trimestre do ano este crescimento continue, com valores que podem chegar aos 3,8%.

Associada a este crescimento económico sólido, a taxa de desemprego está nos seus valores mais baixos dos últimos cinco anos, nos 7%. Só em novembro, foram gerados 203 mil empregos na América. 

Num clima de normalidade política, isto seria o essencial do quinto ano da presidência Obama: a notícia de que a recuperação económica está para ficar e que a América, em 2014, já terá uma cara diferente, para melhor, do que tiveram os EUA dos anos de crise desde 2008.

Mas já todos sabemos que o clima em Washington está muito longe de ser normal. Nas análises e balanços ao ano político de 2013 na América, a nota dominante é do falhanço de Washington. Um falhanço onde todos caíram, incluindo o Presidente Obama.

«2013 foi o pior ano de Washington DC», decretou Chris Cilizza no Washington Post, em texto de balanço político do ano prestes a terminar. «Os republicanos no Congresso tiveram um ano mesmo muito mau. Porque não mudaram nem um bocadinho».

«O ano começou com a capitulação do Presidente Obama na negociação da «Fiscal Cliff» e seguiu até ao «gvernment shutdown» pelo qual os republicanos devem levar com a maior parte das culpas», observou Cilizza. 

O influente articulista do WP lembrou que «uma maioria de congressistas republicanos até votaram contra uma proposta de canalização de fundos de apoio às vítimas do furacão Sandy», além de terem impedido a aprovação da Reforma da Imigração (anteriormente aprovada no Senado) e até de uma lei que penalizada a violência contra as mulheres. 

O momento ridículo das 21 horas de discurso de «filibuster» de Ted Cruz no Senado contra a Reforma da Saúde e as constantes sabotagens da ala direita contra a tentativa de compromisso do «speaker» John Boehner acrescentam a longa lista com que Chris Cilizza argumenta o «pior ano de Washington».

Barack Obama, que teria créditos económicos e na política externa a mostrar em 2013, sai profundamente afetada politicamente com isto. «Foi perdendo oportunidade atrás de oportunidade de começar a construir o seu legado. 2013 era o melhor ano para iniciar esse caminho», observa Chris Cilizza. 

Ruth Marcus, editorialista do Washington Post, que já foi muito elogiosa do Presidente Obama em alturas em que não foi fácil fazer isso, aponta desta vez: «Que ano tão dececionante em Washington. Tão escassas esperanças se veem para 2014. Para o Presidente Obama, um épico falhanço na implementação do ObamaCare».

Mesmo assim, Ruth Marcus vê uma salvação para a Reforma da Saúde em 2014: «É um imperativo tão elevado que acredito que não cairá por problemas técnicos». 

A editorialista não poupa a atitude republicana no Congresso, apelidando o «government shutdown» de «momento estúpido».

sábado, 21 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o quinto ano da presidência Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 20 DE DEZEMBRO DE 2013:


O quinto ano da era Obama (primeiro do segundo mandato) tem sido apontado, pela «sabedoria convencional», como um dos piores desde que o 44.º Presidente dos EUA assumiu funções na Casa Branca. 

Até os membros do «staff» do Presidente têm assumido em público a ideia de que 2013 foi «uma desilusão» para a agenda política de Barack Obama. 

Quanto aos analistas, a tese dominante é a de que o impasse em Washington fez diminuir a influência do Presidente: «O ano infernal de Obama», decretou o «New Republic». «Pouco parece ser positivo no balanço de 2013 para Obama», refere Elizabeth Ralph, em análise no «Politico». 

Nessa peça, a articulista até coloca 2013 como um dos piores «quintos anos» de presidentes com dois mandatos, a par de Nixon, Reagan, Franklin Roosevelt e James Madison. 

Ainda mais concludente foi a análise do Washington Post: «Obama teve o seu pior ano como Presidente», uma sentença decorrente da tese de que «perdeu espaço para construir o seu legado». O WP vai mais longe e aponta: «Os historiadores vão recordar 2013 como o ano perdido para Barack Obama. Começou com uma grande promessa e termina com um grande desapontamento».

A que se deve tamanha diferença de expetativa entre o início e o fim? 

Houve, sem dúvida, um esvaziar de créditos políticos, que Obama havia ganho no final de 2012, com uma reeleição mais clara do que era previsível e que redundou na eleição de Personalidade do Ano para a Time.

Tudo foi diferente, para piorar, na gestão política do Presidente em 2013. A tal «grande promessa» apontada no início do ano teve definições claras na tomada de posse (21 de janeiro) e no State of the Union (12 de fevereiro).

Mesmo sem uma «Grand Bargain», o fantasma da «Fiscal Cliff» parecia adiado e a bola estava do lado do Presidente, depois da relegitimação eleitoral. 

Mas Washington voltou a mostrar à evidência que não tem um sistema funcional. A dupla crise de outubro («shutdown»/teto da dívida) agravou a ideia de enfraquecimento da Casa Branca como vértice fundamental do sistema político americano. 

Sem ser capaz de jogar o ás de trunfo, Obama foi acusando limitações na concretização da sua agenda: o «gun control» ainda não foi aprovado; a «Energy Bill» e uma Reforma Financeira mais sólida foram de novo adiadas.

A recente aposta em John Podesta para o núcleo duro da Casa Branca terá sido a prova final de que o Presidente não consegue resolver o duelo com os republicanos do Congresso. 

Noutros planos, os estilhaços das revelações de Edward Snowden e da investigação sobre o «caso Bengasi» afetaram a imagem externa da Casa Branca e perturbaram os esforços de Obama em deixar um legado de «reconciliação» da América com o Mundo, um dos trunfos que prometia oferecer como sucessor de George W. Bush. 

Correu tudo mal? Não. 

A recuperação económica tem provas sólidas (desemprego mais baixo dos últimos cinco anos; produção industrial a níveis anteriores da crise de 2007/2008; exportação energética a disparar) e a proposta bipartidária para um «budget deal» pode anunciar um 2014 menos conturbado na execução do governo. 

Barack Obama acabou 2012 em grande e vai terminar 2013 com a sensação de um ano perdido. Tem ainda três anos (só abandona a Casa Branca em janeiro de 2017) para «construir um legado». 

Walter Shapiro, no «American Prospect», vê 2014 como «a última oportunidade para Obama». «Na verdade, ele deve escolher uma via não tradicional. Deve reforçar a tese de ser o Presidente que ultrapassou a crise e deve assumir que não voltará a governar com uma maioria no Congresso. O que Obama tem que fazer é trabalhar com os republicanos moderados que estejam focados na criação de emprego».

Na América, nada é garantido. Mas também nada é impossível.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: um acordo para viabilizar 2014

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 16 DE DEZEMBRO DE 2013:


«O clima em Washington continua a ser de clivagem ideológica, mas os últimos dias mostraram bons sinais para o que poderá acontecer em 2014 no Congresso americano.

A vontade de não se repetir a dupla crise do início de outubro («shutdown» e teto da dívida) tem feito avançar os trabalhos da comissão bipartidária criada para que se evite novo filme em janeiro e fevereiro. 

Uma grande parte dos democratas e uma boa parte dos republicanos tem trabalhado de forma séria para que o sistema político dos EUA não dê aos americanos e ao mundo uma nova demonstração de fraqueza. 

Mais do que a questão do teto da dívida (mero valor que, para todos os efeitos, pode ser subido numa lei preparada em poucas horas e negociada de um dia para o outro), a questão central do impasse em Washington está no orçamento e nos temas quentes que dividem democratas e republicanos: redução do défice e distribuição fiscal. 

O acordo bipartidário obtido no final da semana passada foi um sinal animador. Sobretudo pelos líderes que, dos dois lados da barricada, corporizaram o documento.

Paul Ryan, a grande figura do conservadorismo fiscal dos últimos anos no Congresso americano, foi o principal promotor republicano do acordo. Isso apanhou muitos republicanos de surpresa: «Há muitos pontos que podemos ter em comum com os democratas, se pusermos de parte as divergências em relação ao limite do teto da dívida».

Este tipo de abordagem não era habitual, até há alguns meses, em Paul Ryan. Candidato a vice de Mitt Romney, no ticket presidencial republicano de 2012, o congressista do Wisconsin terá sido um dos líderes da direita que mais se incomodaram com o «sequestro» de Washington no início de outubro. 

Do lado democrata, a vontade de compromisso é mais fácil de mobilizar: primeiro, por questões ideológicas; depois, pela necessidade de fornecer à administração democrata, liderada por Obama, um acordo que viabilize um orçamento para 2014. 

Patty Murray, senadora democrata de Washington, aparece ao lado de Ryan na apresentação da proposta bipartidária. Não foi, ainda, a garantia de que haja orçamento aprovado em breve, mas deu conta de um passo em frente no clima de paralisação legislativa que marcou o ano de 2013, no Capitólio.

A divisão do lado republicano quanto ao acordo bipartidário foi imediata: os líderes conservadores no Senado consideram que as propostas saídas do documento Ryan/Murray implica aumentos excessivos na despesa, que nada têm a ver com o mantra republicano de impedir qualquer aumento de impostos.

Um dos principais opositores do acordo é o próprio líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell (o tal que, em novembro de 2010, após a conquista do controlo republicano na Câmara dos Representantes, que «o principal objetivo dos próximos dois anos é impedir a reeleição do Presidente Obama»...)

John Cornyn, senador republicano do Texas, também não escondeu o incómodo com o envolvimento de Paul Ryan na plataforma bipartidária para um «budget deal»: «Não estou nada contente em que se permitam aumentos de despesa. Acima de tudo, porque se isso tiver mesmo que acontecer, teria que ser em algo mesmo muito importante na Segurança Social e no Medicare». 

Dois pontos importantes no «budget deal» corporizado por Paul Ryan e Patty Murray: os estados serão chamados a aceder a um programa do Tesouro americano que penaliza as empresas que não tenham criados os empregos prometidos após receberem incentivos para isso; a nível de Segurança Social, os trabalhadores contratados antes de 2013 continuarão a contribuir com apenas 0.8% do seu vencimento. 

A secretária do Comércio da Administração Obama, Penny Pritzker, elogia: «Trata-se de um grande acordo. Estou muito otimista, são excelentes notícias». 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o trunfo social e o argumento económico

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 13 DE DEZEMBRO DE 2013:


«Uma criança que nasça numa família nos 20% com menos rendimentos tem menos de uma hipótese em 20 de chegar ao topo da escala social. Acredito que este é o desafio definidor dos nosso tempos: garantir que a economia funciona para cada trabalhador americano»

«Não há provas sólidas de que o salário mínimo mais alto reduza o número de empregos e há investigação a provar que aumenta o rendimento dos trabalhadores mais pobres e melhora o crescimento económico a curto prazo» 

BARACK OBAMA, Presidente dos EUA


Nem tudo têm sido impasses e adiamentos nos anos Obama. 

No arranque do seu segundo mandato, em janeiro passado, o 44.º Presidente do EUA prometeu olhar mais para o combate às desigualdades sociais e assumiu compromisso de tentar subir o salário mínimo.

Não se trata promessa vã: tem a ver com a visão do mundo do atual inquilino da Casa Branca: «Há um défice de oportunidades que está a crescer e essa é uma ameaça maior para o nosso futuro do que o nosso défice orçamental», avisou Obama, em discurso recente sobre o tema.

Esta dualidade (desiguldade de oportunidades/défice orçamental) ajuda a marcar diferenças na luta ideológica da política americana.

Na Casa Branca, continua a estar um Presidente com uma visão inclusiva da sociedade, a acreditar profundamente nas virtudes de um estado que corrija assimetrias e compense os riscos de um liberalismo selvagem. «Uma criança que nasça numa família nos 20% com menos rendimentos tem menos de uma hipótese em 20 de chegar ao topo da escala social. Acredito que este é o desafio definidor dos nosso tempos: garantir que a economia funciona para cada trabalhador americano».

A questão do aumento do salário mínimo, que a Casa Branca tem defendido junto de um Congresso renitente pelo peso da visão republicana, não podia ser mais atual, se olharmos para o tipo de discussão ideológica que vigora neste momento na Europa. «Todos conhecemos os argumentos usados contra a subida do salário mínimo. Dizem que prejudica quem ganha menos, que as empresas contratam menos trabalhadores», expôs Obama, para depois assumir claramente a sua visão do problema: «Não há provas sólidas de que o salário mínimo mais alto reduza o número de empregos e há investigação a provar que aumenta o rendimento dos trabalhadores mais pobres e melhora o crescimento económico a curto prazo». 

Esta posição reforça a ideia de que o argumento económico poderá ser o maior trunfo do conturbado segundo mandato de Obama, tão marcado pelo impasse político no Congresso, neste primeiro ano. 

Os sinais positivos estão aí: taxa de desemprego no ponto mais dos últimos cinco anos (7%), com a criação de 203 mil postos de trabalho fora do setor agrícola em novembro. 

Valores que começam a apontar para níveis anteriores à tempestade financeira de 2008 e que constroem a ideia de que Obama poderá ter como principal legado, no final do seu segundo mandato, devolver a América a a um patamar de estabilidade económica, que lhe permita manter «uma condição liderante neste mundo multipolar».

As celebrações fúnebres de Nelson Mandela, mesmo com os fait-divers do tradutor de linguagem gestual fraudulento e o «selfie» da PM dinamarquesa com Obama e Cameron, reforçaram essa noção de uma América ainda indispensável. 

O Presidente americano ditou os dois momentos mais relevantes de um dos eventos que vão marcar o ano político: com o cumprimento histórico a Raul Castro e com as palavras sobre o legado de Mandela: «Ensinou-nos o poder de agir, mas também das ideias; a importância da razão e dos argumentos; a necessidade de estudar não apenas aqueles com quem concordamos, mas também os outros. Ele mostrou que as ideias não podem ser travadas pelas paredes das prisões».

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: ObamaCare, conquista e falhanço

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 9 DE DEZEMBRO DE 2013:

«Aconteça o que acontecer até janeiro de 2017, o ObamaCare já será uma das principais histórias dos anos Obama: para o bem e para o mal.

A Reforma da Saúde foi uma das ideias mais poderosas da primeira campanha presidencial de Obama e manteve-se como bandeira crucial na reeleição, em 2012. 

Em diversos momentos críticos (dezembro de 2009 no Senado; março de 2010 na Câmara dos Representantes; junho de 2012 no Supremo Tribunal; novembro de 2012 nas urnas; outubro de 2013, dupla crise shutdown/teto da dívida), Obama conseguiu levar a sua avante no tema mais ideológico da sua presidência.

Apresentada como a «maior intervenção federal numa área social dos últimos 70 anos», desde Roosevelt, a Reforma da Saúde alarga a cobertura de cuidados de saúde aos americanos, estendendo programas essenciais iniciadas na «Grande Sociedade» de Johnson e reforçados nos anos Clinton e mesmo nas presidências Bush (Medicare e Medicaid).

Quando a guerra parecia ganha pelos democratas, eis que um acumular de erros e falhas na fase de implementação volta a pôr em causa o sucesso da ideia mais marcante da era Obama.

João Luís Dias, mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, autor do blogue «Máquina Política», observa, em declarações ao «Histórias da Casa Branca»: «O Obamacare está a ser a implementado e é já uma realidade praticamente irreversível. É certo que o arranque do programa foi marcado por uma sucessão de problemas com o site criado pelo governo para adesão ao Obamacare e que Obama falhou ao prometido quando se verificou que muitos norte-americanos não estavam a poder manter o seu seguro de saúde. Contudo, a revogação da lei poderia passar por dois cenários: a eleição de um presidente republicano e de uma maioria do mesmo partido nas duas câmaras do Congresso, em 2017, ou a participação de um número considerável de congressistas democratas numa votação para reverter o veto de Obama. O primeiro cenário é pouco provável e apenas possível daqui três anos e o segundo é totalmente impossível, pelo que é seguro afirmar que o Obamacare está de pedra e cal».

Mas será que os problemas técnicos afetarão os créditos políticos da medida? «Os primeiros são praticamente inevitáveis e sucedem sempre que se implementa um programa desta dimensão e a que se acede através da internet. Estamos a falar de um site complexo e a que acedem centenas de milhões de americanos para garantirem os seus seguros de saúde. A este nível, qualquer mínima folha informática tem repercussões importantíssimas para o cidadão. As últimas informações indicam que a grande maioria dos erros já foram corrigidos e que a capacidade do site já foi significativamente aumentada. Acontece que estes erros foram muito amplificados por se tratar de uma reforma polémica e que divide a opinião pública. Por isso, os críticos do Obamacare aproveitaram os problemas técnicos para danificar politicamente a reforma e atingir os seus proponentes (Obama e os democratas), caracterizando-os (com sucesso) como incompetentes».

Se o acesso à saúde é dos conceitos mais consensuais dos parâmetros políticos europeus, porque será que, na América, tem sido, nos últimos anos, o principal foco de clivagem ideológica entre democratas e republicanos?

«Até 2009, a reforma do sistema de saúde norte-americana era um dos principais pilares do programa eleitoral do Partido Democrata e a maioria dos eleitores dos Estados Unidos favoreciam a opinião democrata sobre o assunto», nota João Luís Dias. «Porém», ressalva o investigador, «a aprovação e a implementação do Obamacare alteraram a situação e este é um tópico em que os republicanos levam vantagem política. Porém, essa vantagem passa mais por uma rejeição do programa democrata do que pela apresentação de uma verdadeira alternativa. É certo que os republicanos já admitem que não se pode voltar ao sistema antigo, em que, por exemplo, eram negados seguros de saúde a pessoas com condições pré-existentes».

sábado, 7 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: Mandela, exemplo nunca alcançado

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 6 DE DEZEMBRO DE 2013:

«Prezo muito a minha liberdade, mas prezo ainda mais a vossa»
Nelson Mandela

«Alcançou mais do que se pode esperar de qualquer homem. Não consigo imaginar a minha vida sem o exemplo de Mandela»
Barack Obama, Presidente dos EUA, sobre Nelson Mandela


Nelson Mandela terá sido «o melhor de todos nós».

O desaparecimento do primeiro negro que presidiu a África do Sul provocou uma comoção global que dificilmente terá paralelo nos tempos de dispersão mediática em que vivemos. 

O que terá levado Mandela a alcandorar-se a «herói universal»? 

Talvez o facto de ter sido «o mesmo, na prisão e no palácio», como bem notou Marina Silva, antiga candidata presidencial brasileira. 

Talvez o facto de, uma vez chegado ao poder depois de ter passado 27 anos na prisão, ter tido a grandeza de perdoar aos carcereiros, não caindo na tentação da vingança.

Talvez o facto de ter mostrado visão estratégica e liderança política, ao perceber que, nomeando as célebres «comissões de verdade e reconciliação», estava a impedir um banho de sangue, legalizando o «perdão» dos crimes do apartheid, desde que quem os tivesse cometido contasse a verdade. 

Em tempos de agressividade e ressentimento, olhar para o legado de Mandela tranquiliza-nos e conforta-nos.

Será um olhar desviado pela memória dos anos finais, sobretudo da grandeza da sua presidência? 

Muitos, nas últimas 24 horas, recordaram o passado de Mandela, antes dos anos da prisão, em que «Madiba» esteve na lista dos «terroristas» marcados pelos EUA. 

Nenhum processo histórico é linear, convém que não nos esqueçamos disso. O próprio Mandela resolveu-nos o dilema ético: «Não sou santo, a menos que a definição de santo seja daquele que que é pecador mas que continua a tentar...»

Barack Obama foi dos primeiros líderes mundiais a reagir à more de Nelson Mandela. E não se tratou de uma casualidade: o 44.º inquilino da Casa Branca terá sido o político que melhor soube herdar a inspiração de Mandela.

Assumiu-a na sua história política, mas é o próprio Obama a admitir que dificilmente chegará ao nível de Madiba. «Não consigo imaginar a minha vida sem o exemplo de Mandela», recordou ontem o Presidente dos EUA. 

No discurso de aceitação do Nobel da Paz, em dezembro de 2009, Obama citou Mandela como um dos «grandes líderes que receberam esta distinção», assumindo que, por comparação, ainda tinha conseguido poucos feitos, perante o que Mandela já lograra.

As semelhanças na retórica inspiradora são notórias e foram alvo de análise profunda, sobretudo na primeira eleição presidencial de Barack, em 2008. 

Os analistas de expressão facial também detetam algumas parecenças entre Mandela e Obama. Mas daí até se extrapolar para a herança política vai um enorme passo.

Há dados históricos objetivos: Mandela foi o primeiro negro presidente da África do Sul; Obama o primeiro negro líder dos EUA. Demograficamente, com uma grande diferença: a África do Sul tem uma esmagadora maioria negra; nos EUA, apenas 11% dos eleitores têm essa cor de pele. 

Será fácil cair na tentação de declarar que, enquanto a figura de Mandela é hoje adorada em todo o Mundo, Obama carrega, neste momento, o fardo da desilusão e da impopularidade. 

Convém, por isso, pôr os dados em perspetiva: Mandela, como presidente, teve também muitos falhanços (não conseguiu travar a propagação da SIDA; as desigualdades raciais e sociais na África do Sul são cada vez maiores). 

Mas há uma noção, mais subjetiva e profundamente generalizada, de que Mandela atingiu uma autoridade moral e uma e uma capacidade de consenso que Obama assumidamente ambiciona e procura, mas que, no exercício da presidência, tem vindo a falhar nos últimos cinco anos.

Também por isso, Mandela será, para o Presidente doa EUA, um exemplo nunca alcançado. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Histórias da Casa Branca: Jeb Bush e Paul Ryan à espreita

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 2 DE DEZEMBRO DE 2013:


As dificuldades políticas da Administração Obama (com as falhas na implementação do ObamaCare a atingirem níveis de compreender, tendo em conta os cuidados deste Presidente com a comunicação) aumentam o apetite republicano para a corrida presidencial de 2016.

Mas o caminho a seguir pela direita americana para esse duelo presidencial, que definirá o sucessor de Barack Obama na Casa Branca a partir de janeiro de 2017, está longe de ser claro. 

A menos de três anos das eleições, isso quer dizer, na prática, que falta um ano para que a corrida às nomeações presidenciais comece a sério, com os candidatos já assumidos e declarados no terreno. 

Olhando para o agitado calendário eleitoral na América, isso significa que logo a seguir às «midterms» de novembro de 2014, daqui a 11 meses portanto, arranca a sério a corrida mais louca do Mundo. 

Como já demos conta em crónicas anteriores destas «Histórias da Casa Branca», Chris Christie, o polémico governador da Nova Jérsia, está bem posicionado para assumir uma posição relevante nesta corrida. 

Se avançar mesmo para uma candidatura presidencial, tem tudo para chamar a si os setores mais moderados do GOP e mesmo algumas áreas independentes e democratas, que se declaram desiludidas com o governo Obama e olham com atenção para as propostas corajosas do governador republicano de um estado tradicionalmente democrata. 

Mas as características heterodoxas de Christie deixam um enorme espaço por preencher no campo mais conservador e radical do Partido Republicano. 

Está ainda por provar que o Tea Party venha a ter, em 2016, a mesma capacidade de influência da escolha do nomeado que teve em 2012 (Romney não era do Tea Party, mas teve uma oposição inesperada de Rick Santorum até mais tarde e foi obrigado a modelar o seu discurso durante a campanha). 

Desta vez, a ala radical prepara-se para apoiar nomes como os senadores Marco Rubio (Florida), Ted Cruz (Texas) ou Rand Paul (Kentucky). 

No caso de Rand, há já uma base profundamente mobilizada, que apoiou o seu pai, Ron Paul, crónico candidato libertário, nas últimas duas décadas. 

Só os resultados das eleições para o Congresso em 2014 definirão, verdadeiramente, como se comporão as forças das diferentes sensibilidades da direita americana para 2016. 

Mas há dois nomes que, caso pretendam avançar para a corrida à nomeação republicana, poderão ter um caminho relativamente neutro, entre os «tea party darlings» e a moderação de Chris Christie: Jeb Bush, antigo goverador da Florida e filho e irmão de antigos presidentes; e Paul Ryan, congressista do Wisconsin, líder do comité de orçamento e candidato a vice no ticket presidencial de Mitt Romney, em 2012. 

Jeb tem um problema: a ideia de um terceiro Bush na Casa Branca causaria muitos anticorpos. Mas tem uma vantagem: chamar-se Bush também dá muitos apoios e financiamentos.

O antigo governador da Florida é forte eleitoralmente num estado decisivo para a eleição presidencial e detém imagem de respeitabilidade junto do eleitorado democrata. Se quiser avançar, corre o risco de ganhar. 

Paul Ryan é um caso bem diferente. Saiu um pouco chamuscado da experiência de 2012, ficando demasiado conotado com a derrota de Romney, pelo protagonismo excessivo que assumiu na fase decisiva da corrida contra a reeleição de Obama.

Mas a sua plataforma fiscal é querida no eleitorado de base dos conservadores e demonstra uma juventude que a direita americana procura há muito. Se conseguir apoios fora da área do conservadorismo fiscal, pode bater-se pela nomeação.

As eleições sem incumbente (Obama não poderá concorrer a terceiro mandato) costumam ser particularmente interessantes, porque abertas nos dois campos. 

As posições vão começar a ser marcadas já nos próximos meses e os nomes já estão em cima da mesa.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: a nova relação EUA/Irão depois de Genebra

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 27 DE NOVEMBRO DE 2013:


A eleição de Rohani gerou uma nova etapa nas relações EUA/Irão. Durante a era Ahmadinejad, vigorou a ameaça da escalada nuclear. 

A aproximação operada nos últimos meses, originada pelas lideranças políticas de Washington e Teerão, era vista com reservas por várias chancelarias.

O Acordo de Genebra pode ter mudado tudo. O Irão aceita recuar na dimensão do programa nuclear, a troco de alívio nas sanções.

Ricardo Alexandre, jornalista e autor do livro «Irão, o País Nuclear», considera que o que saiu de Genebra «foi um acordo que merece sempre ser designado com letra maiúscula».

«Apresenta vantagens diferentes para as partes, mas de extrema importância para todos e, especialmente, para o mundo», acrescenta o jornalista, em declarações ao «Histórias da Casa Branca». 

«Para o Irão porque alivia as sanções internacionais que estão a sufocar economicamente o país, para as potências ocidentais porque conseguiram, pela via diplomática, forçar o entendimento, com uma dose de pressão política importante», nota Ricardo Alexandre, para depois acrescentar: «Para o presidente Rohani é também um triunfo importante, já que se isto tiver efeitos práticos na vida das pessoas terá mais força internamente para enfrentar as vozez conservadoras - que não serão poucas - que se têm oposto a esta progressiva aproximação a um patamar de relacionamento possível com o ocidente e, em particular, com os Estados Unidos.»

O ponto de viragem que permitiu que a tensão EUA/Irão, sempre com a ameaça nuclear sob pano de fundo, se aliviasse foi a eleição de Rohani: «Uma vitória do candidato apoiado por Ahmadinejad teria impossibilitado este acordo e já teríamos transformado numa não-solução toda aquela conturbada região. Com o que se tem conseguido diplomaticamente, aquela região do Médio Oriente (tendo em conta a influência do Irão) sobre o Hamas na Palestina e sobre o Hezzbollah no Líbano e na Síria sobre a população xiita, apesar de continuar a ser uma região altamente problemática, ainda não atingiu aquilo que designei anteriormente por não-solução. E quando falo em não-solução penso na inevitabilidade de uma guerra generalizada e de consequências devastadoras para a segurança da região e do mundo», nota Ricardo Alexandre.

O comportamento eleitoral no Irão mostrou que nem tudo está a tender para o mais negativo: «O mundo ainda tem gente sensata que impede com que cheguemos a esse patamar», observa Ricardo Alexandre. 

As reações ao Acordo de Genebra foram de satisfação e otimismo. Do lado americano, mas também no regime iraniano. O líder supremo da República Islâmica do Irão, Ali Khamenei, «ayatollah» que corporiza o vértice mais duro e anti-americano, primeiro mostrou reservas quanto às intenções de negociação do presidente Rohani, mas acabou por se mostrar publicamente apoiante do acordo obtido na Suíça.

Em contrapartida, Israel faz o papel de «Cassandra». Netanyahu ficou furioso com a forma como a Administração Obama se empenhou nas negociações e sentenciou: «O que se concluiu em Genebra não é um acordo histórico, mas um erro histórico». 

Para o autor de «Irão, o País Nuclear», «Khamenei mostra ser mais inteligente que o primeiro-ministro de Israel. Quem defende democracias ocidentais modernas e justas não defende uma república islâmica e, portanto, não legitima nem defende certas práticas da república islãmica e da sua liderança, mas Netanyahu seria bem inteligente se tivesse optado por um comentário mais cauteloso, ao jeito de quem espera para ver, tentando junto das potências 5+1 para que consigam que o Irão cumpra aquilo que ficou acordado. Israel é ou não um país nuclear? O que é que já submeteu a inspeções da AIEA? Compreendo no entanto o problema de segurança que rodeia Israel, embora discorde da forma como está a aprofundar o seu próprio isolamento.»

Quanto à posição de Obama, Ricardo Alexandre não tem dúvidas: «A Administração Obama foi crucial na obtenção deste acordo e vai capitalizar politicamente com isso».

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o acordo que pôs Washington e Teerão a sorrir

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 25 DE NOVEMBRO DE 2013:


Já por aqui tínhamos escrito que a aproximação entre Washington e Teerão, iniciada desde a eleição de Rohani como presidente do Irão, e reforçada com o discurso de Barack Obama na última Assembleia Geral das Nações Unidas, tinha tudo para ser a grande história diplomática dos últimos anos.

O histórico acordo consumado, neste fim-de-semana, em Genebra, confirmou que essa aproximação não era meramente retórica e baseava-se numa plataforma de interesse mútuo.

A Administração Obama e o governo Rohani viram uma relação de «win-win» em chegarem a acordo: os EUA e as restantes potências internacionais asseguram que o Irão não chegará a ter armas nucleares; os iranianos conseguem legitimar o seu «programa nuclear para fins pacíficos», garantindo assim propósitos internos, não recuando demasiado (o que seria para Rohani particularmente delicado, perante os seus opositores mais radicais em Teerão) e, acima de tudo, aliviam um conjunto de pesadas sanções económicas a que estevam sujeitos.

Informações de fortes norte-americanas, libertadas na imprensa internacional desde a madrugada de sábado para domingo, confirmam que havia «negociações bilaterais secretas, desde o verão, entre responsáveis políticos norte-americanos e iranianos». 

Essa indicação confirma, sobretudo, duas coisas: a eleição de Rohani, em junho passado, foi o ponto de viragem; um acordo era algo desejado pelas administrações de Washington e Teerão, numa fase em que ambas passam por dificuldades políticas internas. 

Barack Obama, a passar por um dos momentos mais sombrios da sua presidência (com níveis de popularidade nalguns estudos abaixo dos 40 por cento), volta a mostrar que tem na frente externa um dos seus pontos mais fortes.

O Presidente defendeu sempre o diálogo com Teerão como forma de responder a um dos principais objetivos da política externa norte-americana: travar a «grande ameaça nuclear iraniana». A arte negocial de John Kerry terá feito o resto.

Desse ponto de vista, esta foi uma enorme vitória para Obama, independentemente de se concordar ou discordar ou daquela concessão a Teerão. 

O primeiro grande sinal veio dos eleitores iranianos que, contra todas as previsões, elegeram em junho passado o candidato mais moderado.

Para a capacidade de liderança externa da Administração Obama, o Acordo de Genebra foi também uma excelente notícia. 

Numa altura em que se começa a duvidar da durabilidade do «poderio americano no Mundo» (sobretudo com a resolução de Putin na crise síria), os EUA voltaram a ser o ás de trunfo numa negociações que incluiu também os chefes da diplomacia de França (Lauren Fabius), Rússia (Serguei Lavrov), Reino Unido (William Hague), Alemanha (Guido Westerwelle), além, é claro, de John Kerry e Mohammad Javaz Zerif, os responsáveis diplomáticos de EUA e Irão. 

A plataforma de Genebra juntou, assim, todos os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, incluindo a China, e até teve a aprovação pública do «ayatollah» Ali Khamenei, que numa fase inicial se havia oposto a negociações com os EUA, mas viu em Genebra a legitimação internacional do programa nuclear iraniano, visto em Teerão como «decisivo» para a sobrevivência do regime.

A grave situação económica do Irão (com elevado desemprego, sobretudo na faixa etária abaixo dos 35 anos) obrigava Teerão a obter algo parecido com isto. Um alívio nas sanções era uma urgência para Teerão.

Israel ficou furioso com o que saiu de Genebra. O governo de Netanyahu vê neste acordo uma ajuda das potências internacionais, sobretudo dos EUA, da continuação do atual regime iraniano e exigia o fim de qualquer programa nuclear em Teerão.

Na grande política internacional, a arte está em conceder e, mesmo assim, sair vitorioso. 

Obama e Rohani que o digam.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: JFK, meio século depois

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT,A 22 DE NOVEMBRO DE 2013:


22 de novembro de 1963. Faz hoje 50 anos. Meio século pode ser muito tempo na vida de uma pessoa (foi mais, por exemplo, do que os anos que viveu JFK), mas para um mito que dura para a eternidade é apenas um intervalo na história.

John Fitzgerald Kennedy, primeiro católico a ser eleito Presidente dos Estados Unidos, foi o presidente mais carismático da história da América. 

Costuma dizer-se em Portugal que «mais vale ser carismático do que competente». O dilema não podia assentar melhor no antigo senador democrata do Massachussets, mais jovem Presidente eleito da história americana (Thedodore Roosevelt era mais novo quando tomou pela primeira vez, mas chegou à Casa Branca sem eleição). 

O carisma era a característica mais notória em JFK. Pela juventude. Pelo poder de atração que exercia. Pela história familiar única que apresentava (filho de embaixador americano em Londres, irmão de um herói de guerra morto nos céus da Europa, ele próprio também herói de guerra, clã proveniente da Irlanda, com influência política e riqueza abastada na Nova Inglaterra). 

Além do carisma, a marca de JFK passou pela vontade de rutura.

A forma como, sendo católico, desafiou o paradigma dominante dos protestantes na política e na sociedade americana (um dos melhores discursos da sua vida foi quando, assumindo-se católico, exaltou a separação da igreja com o estado como marca definidora da América, perante sala repleta de políticos e pastores protestantes) foi decisiva nessa capacidade de inovar. 

Foi, aos 35 anos, um dos mais jovens senadores da história do Capitólio. E, aos 43, desafiou o favoritismo de Nixon, na altura o político mais respeitado da América, batendo-o por uma unha negra e graças a uma campanha magistralmente dirigida pelo irmão, Bobby, que cinco anos depois viria a ser, também ele, candidato democrata e, também ele, assassinado a tiro.

O assassinato de há 50 anos, na Dealey Plaza , em Dallas, está como imagem-choque na cabeça de todos os que têm na história americana parte da sua memória afectiva. A cabeça ensanguentada do Presidente a prostrar-se para a frente, já sem vida. A postura corporal de Jackie, num misto de pânico e medo por ser atingida também.

A morte de John Kennedy, faz hoje meio século, foi o início do fim da inocência americana. Os EUA viviam, naquele preciso momento, em estado de graça com o seu jovem Presidente. 

O cenário idílico escondia os «cisnes negros» que aí viriam: aquele fora, apenas, o primeiro assassinato a tiro de um líder carismático americano em apenas cinco anos. A 4 de abril do ano seguinte, 1964, seria a vez de Martin Luther King. Na noite de 5 para 6 de junho de 1968, data das primárias democratas na Califórnia, Bobby Kennedy, irmão de JFK, conheceria o mesmo destino.

Jack Kennedy era a contradição levada ao extremo: o seu sucesso político baseou-se na sedução e na ilusão de felicidade e esperança; na verdade, teve vida marcada pelos obstáculos de uma saúde muito precária (que o levou a passar longas temporadas hospitalizado).

A presidência Kennedy parecia anunciar a aurora do sonho americano: os EUA impunham-se perante a outra superpotência rival, a URSS comunista e lançavam-se à conquista da Lua (numa das muitas ironias que a política tem, seria Nixon, em 1969, a colher os louros do caminho espacial iniciado por JFK).

Dramaticamente, o que o assassinato de há meio século anunciou foi que a história da América é, essencialmente, uma história de violência.

Ficou o mito e uma boa parte dele foi pasto para líderes americanos que se seguiram. Um deles é o atual inquilino da Casa Branca: chama-se Barack Obama e, tal como Jack foi o primeiro católico, conseguiu romper barreiras e tornou-se no primeiro negro Presidente dos EUA. 

«God bless the United States of America».

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o que está a falhar no ObamaCare

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 18 DE NOVEMBRO DE 2013:


«A Reforma da Saúde foi uma das ideias mais fortes e mais polémicas da campanha Obama-2008 e dos mandatos do atual Presidente.

Trata-se da batalha mais ideológica de um Presidente que tem sido acusado pela base democrata de não estar a ser suficientemente combativo na esfera das ideias políticas.

Mesmo assim, o «ObamaCare» (expressão usada para definir a Reforma da Saúde de Obama, ainda que o verdadeiro nome da lei seja Affordable Care Act) terá sido o exemplo de maior sucesso legislativo no Congresso, entre as principais leis promovidas pela Casa Branca, desde que Obama é Presidente. 

Depois de longa batalha, foi aprovada no Congresso em março de 2010. No natal de 2009 passara no Senado, três meses depois obteve votos suficientes de uma Câmara dos Representantes, então ainda de maioria democrata.

Com as «midterms» de novembro de 2010, o furacão republicano que passou a controlar a House obteve vitórias eleitorais com base na promessa de travar a implementação do ObamaCare.

Nos três anos que já se seguiram, uma boa parte dos congressistas republicanos continuaram com essa conversa, apoiando-se na oposição à Reforma da Saúde para se manterem populares juntos do eleitorado, agitando o medo do «aumento de impostos» que o ObamaCare supostamente traria. 

Essa ideia é poderosa, num país com horror ao aumento do «longo braço» do governo federal. 

Mas o que é contraditório nesta dura e prolongada guerra Obama «vs» republicanos na Reforma da Saúde é que, apesar da aparente maioria de americanos contra a ideia do governo de Washington promover um megaprograma a nível nacional em torno de uma questão que muitos defender ser da esfera da autoridade legislativa estadual é que o Presidente Obama tem ganho as batalhas decisivas: o ObamaCare foi aprovado no Senado na véspera de Natal de 2009; passou na Câmara dos Representantes em março de 2010; foi confirmado no Supremo Tribunal americano em junho de 2012; relegitimado politicamente, com a reeleição de Obama; mantido, contra todo o fogo republicano colocado durante a dupla crise «shutdown»/teto da dívida que paralisou Washington durante 16 dias.

A Reforma da Saúde tem resistido a todas as certidões de óbito políticas que lhe fizeram nos últimos anos, mas está a ter como principal obstáculo aquele que seria talvez o que menos se esperaria: a forma como a própria Administração Obama a está a implementar.

Os pedidos de desculpa do Presidente Obama aos americanos que viram descontinuados os seguros de saúde que já tinham, depois de terem feito a aplicação online para aderiram ao banco público do ObamCare dão conta do problema que se gerou. 

Durante mês e meio, o cenário no site oficial do ObamaCare (healthcare.gov) foi de caos: erros, informação errónea, aplicações feitas erradamente. «As pessoas estão frustradas e eu também estaria», admitiu Obama.

Apenas 27 mil pessoas tinham conseguido fazer a aplicação corretamente, até ao final da semana passada. O inglês Piers Morgan, no twitter, gracejou: «Houve mais americanos a assinarem o meu pedido de deportação do que a aderirem ao ObamaCare».

Em entrevista ao «This Week» da ABC, a senadora democrata Kirsten Gillibrand, de Nova Iorque, uma das principais apoiantes da Reforma da Saúde de Obama, admitiu: «O Presidente devia ter sido mais específico. O ponto é: se lhe estão a oferecer um plano de saúde terrível, que implica a sua bancarrota pessoal no minuto em que ficar doente, então esse plano nunca deverá ser oferecido às pessoas».

As falhas enfraqueceram a posição da Casa Branca na batalha pela Reforma da Saúde. Os republicanos endureceram as críticas e fizeram passar na Câmara dos Representantes uma lei que obriga a legalizar os planos de saúde já existentes, «blindando-os» ao ObamaCare, com o apoio de 39 congressistas democratas.»