sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: Obama abre período dos vetos

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 27 DE FEVEREIRO DE 2015:
 

O clima de hostilidade entre os republicanos e o Presidente Barack Obama parece ter entrado numa nova fase.

O veto de Obama ao «Keystone XL Pipeline», projeto que os republicanos no Congresso pretendiam tornar lei, autorizando a construção de um oleoduto de 1.900 quilómetros entre o Canadá e o golfo do México, foi sinal claro do Presidente de querer recuperar o controlo do jogo em Washington DC.

Em contagem decrescente, gerindo com pinças os últimos trunfos que ainda tem a jogar na Casa Branca, Obama deixou em definitivo a estratégia de «reconciliação», percebendo que perdeu tempo demais em alguns momentos-chaves dos primeiros seis anos, a tentar algo que, na verdade, tinha um desfecho negativo previamente marcado: o de chamar os republicanos à razão.

Apesar do «gridlock» (paralisação) ser a noção dominante quando se tenta avaliar o ambiente político da capital norte-americana, é curioso verificar que, nos primeiros seis anos da sua presidência, apenas por duas vezes Barack Obama usou o seu poder de veto presidencial -- um registo que o coloca como o Presidente norte-americano que menos vetos utilizou desde Millard Filmore (se não contarmos James Garfield, que foi assassinado muito pouco tempo depois de tomar posse).

Para mais, os dois primeiros vetos de Obama foram por questões de procedimento e por uma legislação sem grande relevo político. O registo de Obama em vetos presidenciais (três, contando já com o «não» à construção do pipeline) é muito inferior ao seu antecessor, George W. Bush, que assinou 12 vetos, ou ao do anterior democrata na Casa Branca, Bill Clinton (37).

Em 225 anos de presidências americanas, houve 37 presidentes em 44 a usar o veto: isso aconteceu por 2.564 vezes. Um dos maiores defensores dessa autoridade presidencial foi Franklin D. Roosevelt: fê-lo por 635 vezes.

Julian Zelizer, professor em Princeton, comentou ao Washington Post: «Esta relutância de Obama em usar o veto teve, no início, a ver com o contexto em que foi eleito presidente. Ele quis governar com o maior consenso possível».

Estes dados talvez nos ajudem a perceber como tem sido, sobretudo, do lado republicano esse clima de constante agressividade e paralisação. 

Enquanto na câmara alta dominavam os democratas, Harry Reid, líder da então maioria no Senado, foi fazendo, nos primeiros seis anos da era Obama, a triagem das propostas que os republicanos aprovavam na Câmara dos Representantes, poupando assim o Presidente de carregar em demasia na lista de vetos políticos.

Mas com a vitória republicana em novembro passado, que deu ao GOP também o controlo do Senado e não só da Câmara dos Representantes, tudo mudou. «É território novo para o Presidente», nota Steve Israel, congressista democrata de Nova Iorque. «Ninguém quer que ele seja o Presidente do «não». Queremos que ele continue a ser o presidente da classe média. Cada veto é uma lembrança aos americanos de que o Presidente defende os interesses das pessoas, enquanto os republicanos defendem interesses contra os americanos».

O caso do pipeline mostra bem essa divisão.

Os republicanos defendem-no, advogando que criará dezenas de milhares de postos de trabalho, aumentando o poder energético dos EUA; o Presidente, porém, alinha na corrente que considera que os custos ambientais do «pipeline» são muito superiores aos benefícios que este possa criar. E, na verdade, Obama tem levado à prática, nos últimos anos, um plano de independência energética que tem dado frutos (com a exploração do 'shale oil', sobretudo).

Nova arma política

Com a perda política do Senado, Barack Obama percebeu que tinha no veto o último reduto para travar um projeto em relação ao qual está em desacordo absoluto.

No sistema de poder de «checks and balances» dos EUA, mesmo o veto do Presidente não é medida definitiva. Pode ser invalidado por dois terços dos votos das duas câmaras do Congresso.

Mesmo controlando Casa dos Representantes e Senado, os republicanos não chegam a ter esses dois terços, pelo que a decisão de Obama é suficiente para travar, para já, o oleoduto Keystone XL.

Mas tudo indica que vai haver mais.

Um dos próximos pode ser a legislação que pretende restringir a transferência de prisioneiros para fora de Guantánamo. Obama acredita que a continuidade das operações na prisão de Guantánamo enfraquece a segurança nacional dos EUA e fará tudo para travar uma lei que dificulte ainda mais o fecho de «Gitmo». 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: Hillary Clinton a adiar o inevitáveL

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 20 DE FEVEREIRO DE 2015:


Se do lado republicano a corrida à nomeação presidencial de 2016 está mais do que lançada -- entre o favoritismo de Jeb Bush, a surpresa de Scott Walker e os trunfos de Chris Christie, Marco Rubio, Mike Huckabee ou Rand Paul – no campo democrata o avanço de Hillary Clinton é tão grande que se assiste neste momento a uma espécie de… pousio. 
  
As sondagens continuam a dar um avanço à ex-senadora por Nova Iorque entre 50 a 65 pontos sobre todos os possíveis concorrentes à nomeação do Partido Democrata. Números que, nos estados decisivos, mostram valores consistentes. 
  
Deste modo, e por muitas voltas que este longo processo ainda possa dar, não se vê outro desfecho para o campo democrata que não seja a nomeação de Hillary. 
  
As presidenciais na América são sempre tão complicadas e imprevisíveis que até parece estranho que seja assim. 
  
Gerir um avanço tão grande pode também não ser fácil. O processo pede emoção, novidade. 
  
No «Weekly Standard», o analista Jay Cost, autor do recente livro «A Republic No More: Big Government and the Rise of American Political Corruption», nota: «Hillary Clinton está à espera de não ter concorrência para a nomeção. Quando é que, na era das primárias, isto aconteceu? Nunca. É algo simplesmente sem precedentes. Ela tem forças, sem dúvidas, mas foi batida há oito anos por um jovem senador do Illinois. E é batível hoje também. Mas isto sugere que as reservas democratas, hoje em dia, são tão pouco interessantes que não oferecem aos votantes uma escolha real.» 
  
Será a única candidata democrata? Claro que não. 
  
Elizabeth Warren (que em dezembro passado reuniu secretamente com Hillary, tendo as primárias certamente sido o prato forte da conversa) e Bernie Sanders podem disputar o eleitorado mais à esquerda; Jim Webb prepara «ataque» pela direita; Joe Biden e Martin O’Malley estão atentos. 
  
Mas, na verdade, ninguém acredita que qualquer destes nomes tenha alguma hipótese de tirar a nomeação a Hillary. 
  
Com vantagem tão inequívoca, a 11 meses do arranque das primárias e a 20 meses da eleição geral, como geri-lo? 
  
Bom, a primeira resposta de Hillary a este dilema parece ter sido… adiar. 
  
Há uns meses, os indicadores de pessoas próximas da ex-secretária de Estado apontavam mais ou menos esta altura (março/abril 2015) para a oficialização da candidatura. 
  
Em boa medida, ela já está no terreno: a provável nomeada tem-se desdobrado em entrevistas e em conferências por universidades e até reagiu, como se de uma candidata oficial se tratasse, ao discurso de Obama sobre o Estado da União. 
  
O lado do financiamento também está a rolar: há super PAC’s de apoio ao movimento «Ready for Hillary» com muitos milhões já angariados e há toda uma máquina oleada e que, em boa parte, foi herdade de três campanhas presidenciais recentes: Obama 2008, Hillary 2008 e Obama 2012. 
  
O que falta, então, para que Hillary Clinton se assuma como candidata? O «timing» ideal. Apenas. Os últimos sinais apontam para um adiamento até ao verão, aí por junho, julho. 
  
Seja como for, a organização está em marcha: John Podesta, antigo chefe de gabinete de Bill Clinton e responsável pela equipa de transição entre os mandatos presidenciais de George W. Bush e Barack Obama, já trabalha como responsável máximo pela «operação Hillary». 
  
David Axelrod, que fez esse trabalho para Obama, aplaude a escolha: «Podesta é o homem ideal para tomar o controlo das operações». 

É uma questão de esperar mais uns meses por Hillary: mas ela vai mesmo aparecer.  

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: Rand Paul, estranha forma de rebeldia

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 18 DE FEVEREIRO DE 2015:


A corrida à nomeação republicana está a começar com o favoritismo de Jeb Bush, a entrada forte deScott Walker nos estados de arranque, a confirmação de Mike Huckabee no Iowa (amor antigo do ex-governador do Arkansas) e algumas surpresas (como a popularidade de Ben Carson, as dificuldades de Chris Christie e Marco Rubio ou a desistência precoce de Mitt Romney). 
  
Mas há um candidato, que se posicionou cedo, que mostra um caminho mais sólido, não tão dependente das circunstâncias do momento, embora esteja longe de habitar no olimpo dos favoritos à nomeação:  Rand Paul
  
Randal Howard «Rand» Paul, 52 anos, senador pelo Kentucky desde 2011, nasceu em Pittsburgh, Pensilvânia. 
  
Filho de Ron Paul (antigo congressista que tentou três candidaturas presidenciais, sempre com proposta libertária, na margem direita do Partido Republicano), Rand herdou a base mobilizada (mesmo que sempre com estigma de fação e nunca de maioria dominadora) que apoiou durante décadas a visão do pai. 
   
Em traços gerais, o que os apoiantes de Ron Paul defendem é uma América que se cinja aos princípios gerais da constituição, que impeça o crescimento do governo, que mantenha um estado nos limites mínimos, que deixe aos cidadãos liberdade quase total (daí o rótulo «libertário», que nos EUA é associado à direita do «mainstream» republicano»). 
  
Ora, se esse discurso até há uns anos empurrava Ron Paul para fora do eixo dominante de quem decidia as nomeações presidenciais na direita americana, a verdade é que boa parte destas propostas passaram a ser quase «mainstream» no discurso do Partido Republicano. 
  
Talvez por isso, Rand mantém-se no «core» do partido e nem sequer pensa em sair para as margens, como fez o pai. 
  
Médico de formação, especializado em oftalmologia, Rand deu os primeiros passos na política envolvido nas campanhas do pai (para o Congresso e nas primárias presidenciais de 1988 e 2008). 
  
Em 2012, Ron ainda tentou uma terceira campanha presidencial, numa altura em que o filho já era senador pelo Kentucky. 
  
Ron nunca chegou a vencer um estado significativo nas primárias republicanas, mas andou lá perto. A base está lá e com Rand ela até pode ser um pouco alargada. 
  
Tal como o pai, Rand é crítico da intervenção estatal alargada e, nos últimos anos, aumentou o tom dessas críticas em temas como a vigilância da NSA, o programa de drones (e a possibilidade que mate americanos) ou a redução de impostos (ideia que lhe dá créditos no campo republicano). 
  
Mas Rand, também à imagem do que foi o pai nas últimas décadas, não alinha em todas as bandeiras dominantes do discurso do seu partido. 
  
Ao contrário do que defenderam líderes republicanos como Marco Rubio ou Ted Cruz, Rand Paul apoiou a aproximação a Cuba, promovida pelo Presidente Obama. 

E fundamentou-a assim, em artigo na «Time»: «Cresci numa família que desprezava, não apenas o comunismo, mas o coletivismo, socialismo e qualquer «ismo» que privava os direitos individuais e respetivos direitos naturais (...) Penso que uma política de isolacionismo de Cuba é errada e não tem funcionado. Apoio o envolvimento, a diplomacia e o comércio com Cuba, China, Vietname e muitos países com menos credenciais em direitos humanos, porque acredito que as pessoas sujeitas a regimes sem direitos, quando experimentam os benefícios do capitalismo vão querer mais liberdade. Os apoiantes do embargo com Cuba falam com paixão exacerbada, mas calam-se estranhamente quando lhe perguntam em que é diferente Cuba da Rússia, da China ou do Vietname. É uma posição inconsistente e incoerente defender relações comerciais com outros países comunistas, mas não com a China». 

A questão cubana até gerou forte polémica entre Rand Paul e Marco Rubio, via twitter. E pode marcar boa parte da discussão da batalha republicana nos próximos meses.  

O que diferencia, no essencial, Rand Paul do pai Ron? Um maior enfoque do filho na classe média e nos segmentos que lhe podem dar a vitória. Jeremy Peters, no «New York Times», nota: «Enquanto luta por um apoio largo a nível nacional, Rand tenta juntar mundos diferentes. Há aqueles que são mais jovens, aqueles que tenderiam a votar democrata... Há o «establishment», elementos centro-direita do Partido Republicano. E há os mais fervorosos libertários, mais próximos do movimento Ron Paul». 

Mesmo com abordagem mais «mainstream» que o pai, há uma estranha forma de rebeldia em Rand Paul. Dificilmente se imagina este oftalmologista na Casa Branca, mas talvez consiga baralhar as contas na corrida à nomeação presidencial republicana para 2016.   

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: as novas guerras de Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 13 DE FEVEREIRO DE 2015:

Treze anos depois de George W. Bush ter pedido ao Congresso autorização para levar os Estados Unidos para a guerra no Iraque (2002), um Presidente dos Estados Unidos voltou a solicitar autorização para uso da força.

Barack Obama cumpriu a intenção revelada na noite do discurso do Estado da União e enviou esse pedido aos líderes do Capitólio.
 
Ao contrário de outros temas lançados pelo Presidente no State of The Union, e que mereceram total oposição da bancada republicana, será dada autorização a Obama para transformar oficialmente em «guerra» as ações que, há vários meses, os EUA têm vindo a fazer em zonas do Iraque e da Síria controladas pelo autodenominado «Estado Islâmico» ( que não é «Estado» nem respeita os princípios «Islâmicos»).

A guerra contra a ameaça do jiadismo sunita está para durar e reúne consenso raro na capital política americana.

O uso da força bélica norte-americana para travar ameaças exteriores tem mais defensores do lado republicano que democrata, mas o Presidente, que nos temas internacionais tem mantido visão realista sobre o uso da força mas também da prevalência da noção de excecionalidade do poder americano, está mais do que à vontade na decisão de bombardear jiadistas que decapitam reféns de forma arbitrária. A execução da jovem Kayla Mueller, friamente confirmada pelo Estado Islâmico, por email, junto da família da norte-americana de 26 anos, voltou a a recordar-nos isso.
 
A teoria do «eterno retorno» pode ter-se confirmado neste «mantra» dos Presidentes dos EUA usarem esse pedido ao Congresso para levarem a América para a guerra.

Mas Obama tem razão quando, na comunicação que fez aos americanos explicando esta campanha contra o ISIS, que «não é um novo Iraque, nem sequer um novo Afeganistão». Não é mesmo.

A coligação internacional liderada por Washington, desde que em setembro passado o Presidente Obama revelou plano para «travar, eliminar e destruir o ISIL», tem feito bombardeamentos aéreos diários, mas até agora o cenário de «boots on the ground» de tropas ocidentais em zonas dominadas pelo «Daesh» (nome árabe para o «Estado Islâmico») não só não se verificou como não se prevê que venha a verificar-se num prazo curto.

A derrota do ISIS em Kobani (cidade chave na fronteira da Síria com a Turquia) mostrou que o EI não é invencível mesmo nos seus redutos. Deveu-se, como bem destacou o secretário de Estado John Kerry, à coragem e à determinação dos guerrilheiros «peshmerga» curdos, e nem sequer exigiu e intervenção direta da infantaria turca.

E se as decapitações dos jornalistas americanos Jim Foley e Steven Sotlof foi, há cinco meses, o ponto de viragem na opinião pública e nos meios políticos dos EUA que levaram ao envolvimento diretos dos Estados Unidos na luta contra a nova ameaça extremista sunita, o horror da morte do piloto jordano, queimado vivo por radicais do EI, foi novo «turning point» nesta fase: levou a um agravar dos bombardeamentos contra o ISIS e reforçou o envolvimento da Jordânia e de outros países da região.

Como bem recordou o rei Abdullah II da Jordânia, «na verdade esta não é uma guerra do Ocidente contra o ISIS. É uma guerra do mundo árabe e muçulmano contra o ISIS. Somos nós as primeiras e principais vítimas».

A «million dollar question» nesta fase é: será que a autorização que Obama obterá da Congresso vai implicar mudança dramática na estratégia, com o envio de tropas americanas para o terreno?

Não há, nesta altura, condições de responder claramente a isso. Mas, pelo menos para já, parece que não. A escalada jordana pós caso do piloto queimado vivo, do mesmo modo que a vitória curda em Kobani, provam que, naquela região, a chave poderá estar no apoio logístico e bélico dos EUA, Reino Unido e França, mas com intervenção direta no campo de batalha de forças locais.

De todo o modo, parece claro também que há uma nova etapa a iniciar-se: mesmo sem um envio maciço (esqueçam números na ordem dos dezenas ou centenas de milhares de soldados, como chegou a acontecer no Iraque e no Afeganistão), é de admitir que operações especiais para eliminar líderes do ISIS ou mesmo tomar pontos estratégicos impliquem o envio de unidades norte-americanas altamente especializadas.

As leis criadas no pós-9/11 deram aos Presidentes dos EUA uma muito maior autonomia na «gestão da guerra». Obama usou esses poderes especiais quando decidiu, em setembro de 2014, iniciar a operação contra o Estado Islâmico, mas passados os 60 dias previstos pela lei, teve que recorrer a esta autorização junto do Congresso, que lhe confere um raio de ação ainda mais alargado.

Prémio Nobel da Paz apenas nove meses depois de ter tomado posse, Barack Obama nunca quis ser «Presidente de guerra», como o seu antecessor gostava de intitular. Mas também nunca fugiu às responsabilidade de quem lidera o país que ainda é, de muito longe, a maior potência militar deste Mundo complicado em que vivemos.

Pode haver quem critique a aparente contradição de um Prémio Nobel da Paz já ter decidido bombardear, em diferentes momentos e situações da sua presidência, sete países diferentes (é verdade: Afeganistão, Iémen, Iraque, Paquistão, Somália, Líbia e Síria).

Mas é preciso olhar para lá das evidências: os EUA têm uma política externa mais contínua, de administração de administração, do que à primeira vista possa parecer. Em quase todos os casos, dos sete países acima mencionados, tratou-se de terminar campanhas e não, propriamente, de as começar.

Análise mais profunda identifica que Obama foi o Presidente que acabou a errada aventura americana no Iraque; terminou a guerra no Afeganistão (uma das mais longas da história americana, 13 anos).

Acima de tudo, Barack Obama tem sido o Presidente das «guerras de necessidade»: a necessidade de travar a ameaça da Al Qaeda (Afeganistão, Paquistão, Iemen e Somália) e, agora, a urgência de travar a ameaça do jiadismo sunita do ISIS (Síria, para lá do Iraque, onde os americanos já estavam).

Mais do que um «Presidente de guerra», estamos a assistir ao evoluir das «novas guerras de Obama».

 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: Scott Walker, «outsider» com perfil ganhador

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 10 DE FEVEREIRO DE 2015:

Os olhos mediáticos têm estado postos em Jeb Bush como mais provável nomeado presidencial republicano para 2016, ou ainda na desistência de Mitt Romney ou nas hipóteses do carismático Chris Christie.
 
Mas um dos principais protagonistas da corrida republicana, pelo menos nos estados de arranque, poderá ser Scott Walker, o jovem e popular governador republicano do Wisconsin.
 
À primeira vista, pode ser considerado «outsider» (não tem, de facto, a dimensão nacional de Jeb e Chris).
 
Mas Scott Walker tem perfil ganhador: é jovem, tem credenciais executivas (os republicanos gostam mais de governadores do que se legisladores), lidera estado competitivo eleitoralmente (relevante tanto para as contas republicanas como democratas), é conservador mas não exagera na dose anti-democrata (ao contrário do tom dominante, demasiado à direita, de outros candidatos republicanos).
 
A juntar a isto tudo, Scott Walker está a ter aposta forte nos estados de arranque, algo que, na dinâmica de uma nomeação presidencial na América, pode ser muito importante: lidera a corrida no Iowa (estado onde Jeb Bush está a revelar dificuldades) e disputa o primeiro lugar no New Hampshire com o favorito à nomeação.
 
Dados suficientes para olhar Scott Walker como um candidato credível, com algumas hipóteses de sonhar com a nomeação.
 
Scott Kevin Walker, 47 anos, é o 45.º governador do Wisconsin.
 
Reeleito com grande vantagem nas eleições intercalares de novembro passado, depois de primeira eleição para o governo do estado em 2010, mostra-se eleitoralmente forte num «swing state» que tem sido, nas últimas eleições presidenciais, uma espécie de barómetro de quem possa vir a eleito para a Casa Branca.
 
Nasceu no Colorado, estudou na Universidade Marquette, em Milwaukee, mas numa típica história americana, acabou por não terminar a licenciatura, optando por trabalhar na IBM. Mais tarde, obteve um emprego na área do marketing da Cruz Vermelha americana.
 
A história política de Scott começou bem cedo: com 18 anos, foi voluntário da campanha de Tommy Thompson para governador do Wisconsin; aos 22 anos, concorreu ao parlamento estadual, num distrito de Milwaukee, mas perdeu.
 
Já lá vão duas décadas e meio mas, na verdade, foi a única corrida competitiva que Scott Walker perdeu até hoje. Num percurso político já bastante completo para quem ainda está longe dos 50, o governador do Wisconsin tem-se mostrado um republicano com boa capacidade de disputar eleitorados flutuantes, algo que poderá ser crucial nos momentos chave da decisão dos republicanos em relação a quem será o nomeado presidencial para 2016.
 
Depois dessa primeira derrota em 1991, Scott Walker somou vitórias: eleito para a assembleia estadual do Wisconsin em 93 (concorrendo por um distrito mais conservador, Wauwatosa), acabou por se reeleger facilmente mais quatro vezes, até 2002.
 
Entre 2002 e 2010, ganhou a vaga deixada em aberto por Tom Ament para County Executive em Milwaukee, boa rampa de lançamento para o cargo de governador do Wisconsin, que obteve em 2010.
 
Pelo meio, em 2006, ainda tentou uma primeira corrida a governador do seu estado, mas viria a desistir ainda antes das primárias do seu partido.
 
Como governador de estado do Midwest, com características «mistas» (forte implantação democrata no mercado laboral, mas forte componente conservadora na mentalidade e nos hábitos), Scott tem essencialmente optado por uma via de incentivos fiscais às empresas e aos negócios, com fortes cortes de impostos a quem investe e dá empregos.

Será que mantém o avanço no Iowa e, com ele, se lança como principal ameaça à nomeação de Jeb Bush?

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: Obama confirma viragem à esquerda

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 5 DE FEVEREIRO DE 2015:


Não foi só a proposta de Reforma Fiscal no discurso do Estado da União: este Obama versão «Robin Hood», que pretende tirar um pouco aos super-ricos para financiar programas sociais e aliviar fiscalmente os mais desfavorecidos e a classe média para estar para durar.

É um Presidente solto das amarras de tentar «consensos» que já percebeu ser impossíveis de alcançar com a oposição republicana e que, em contra-relógio para os últimos 23 meses na Casa Branca, tenta aproveitar os últimos cartuchos para concretizar o essencial do segundo mandato: uma América mais coesa socialmente, com uma classe média fortalecida pelo crescimento económico.

A proposta de orçamento que Obama apresentou ao Congresso, num total de quatro biliões de dólares («four trillion budget» na expressão em inglês), está desenhada para oferecer aos americanos uma ideia de «have-it-all»: na sequência do que defendeu a 20 de janeiro no State of The Union, o Presidente quer aproveitar a recuperação económica para colocar mais dinheiro no bolso do «americano comum».

Como? Essencialmente, pela via fiscal. Nesta proposta de orçamento vemos mais cortes fiscais para a classe média, mais despesa em programas governamentais e cortes em áreas que permitem manter o défice controlado.

Este equilíbrio paga-se, na proposta da Casa Branca, com taxas maiores para os contribuintes mais ricos e para as empresas financeiras que se dão melhor.

Tendo em conta a reação dos líderes republicanos ao Estado da União, as esperanças de que isto passe no Congresso são muito reduzidas. John Boehner, «speaker» da Câmara dos Representantes, congressista republicano do Ohio, em entrevista ao «60 Minutes» da CBS, foi claro: «Estou contra a subida do salário mínimo. Isso tira empregos, não dá empregos. Sou contra taxar os mais ricos. Não é essa a América que funciona».

Na mesma entrevista, Mitch McConnell, novo líder do Senado, republicano do Kentucky em sexto mandato, teve alguma dificuldade em rebater os bons números económicos expostos pelo Presidente no State of The Union (5,6% de desemprego, 3% de crescimento económico e três milhões de empregos criados em 2014, 11 milhões de empregos no setor privado nos últimos seis anos): «Sim, são boas notícias, mas o problema é que as políticas do Presidente não puseram a maior parte dos americanos melhor. Puseram esses tais 1% dos mais ricos que ele fala melhor».

Se parece haver acordo na ideia de que é preciso tornar real para o grosso dos americanos a melhoria económica já concretizada, o desacordo quanto à forma de o obter é total: o Presidente vai ao limite insistir na ideia da redistribuição fiscal e no aumento dos programas sociais; os republicanos querem manter-se no «mantra» de estarem contra qualquer subida de impostos.

O combate ideológico está ao rubro em Washington DC.

No plano externo, há três sinais a ter em conta nas mais recentes decisões do Presidente: ao telefonar a Alexis Tsipras no dia seguinte à vitória do Syriza, reforçando depois em entrevista que «a austeridade não fez bem à Europa» e que «não se pode continuar a apertar os países que estão numa depressão profunda».

Na frente ucraniana, deu claro sinal ao nomear Ashton Carter como novo secretário da Defesa. Ahston, que irá passar no Senado com forte apoio dos dois partidos, defende envio de armamento americano aos combatentes ucranianos, para travar o avanço dos rebeldes pró-russos.

Perante o agravar do horror das ações do Estado Islâmico (decapitação de dois japoneses e piloto jordano queimado vivo), Obama reforçou: «São atos bárbaros e hediondos. Os EUA e aliados vão destruir o Estado Islâmico». Enquanto isso, John Kerry, secretário de Estado norte-americano, elogiava a «coragem e resistência» dos combatentes curdos que provocaram derrota fundamental ao Estado Islâmico na martirizada cidade de Kobani.

Viragem à esquerda no combate político com o Congresso republicano, numa plataforma de cumprimento do que prometeu à classe média e às minorias, segmentos que lhe deram a reeleição. Posição clara no combate ao horror do «Daesh» e a à ameaça russa no Leste da Europa.

Barack Obama ainda conta e está a olhar para o relógio, para aproveitar o tempo que tem para deixar um legado.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Histórias da Casa Branca: o adeus definitivo de Mitt Romney

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 2 DE FEVEREIRO DE 2015:


E a resposta de Mitt Romney foi.. «não!»
 
Uma das principais dúvidas deste arranque de corrida presidencial norte-americana para 2016 tinha a ver com a decisão do nomeado republicano de 2012: será que Romney tinha vontade, energia e dimensão para uma terceira corrida à Casa Branca?
 
Ainda antes da nomeação de 2012, Mitt tinha tentado em 2008, mas acabou por perder a nomeação republicana para John McCain, seu amigo pessoal, que viria a apoiar.
 
Em novembro de 2012, o antigo governador do Massachussets (estado tendencialmente liberal, que vota fortemente democrata nas eleições presidenciais e no Congresso) teve boas hipóteses de chegar à Casa Branca.

As eleições presidenciais foram feitas numa altura em que o Presidente Obama tinha sérios problemas de popularidade. E até à véspera da eleição, as sondagens nacionais ainda davam uma pequena vantagem ao pretendente republicano. Só que, no original esquema de votação das presidenciais na América, a soma estadual sempre favoreceu Obama, que se manteve fortíssimo nos territórios decisivos (Iowa, Ohio, Florida, Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Colorado).

Forte no eleitorado endinheirado, mas estranhamente fraco em segmentos em 2012 até mostravam algum desgaste com a governação Obama (classe média e latinos), Romney falhou a oportunidade de uma vida.

Logo a seguir a essa derrota, e à clara reeleição de Obama, abriu-se discussão interna no Partido Republicano: o que fazer para conquistar a Casa Branca em 2016? O que falhara em 2012?

Rapidamente se apontou a necessidade de renovar líderes, colocando a urgência de dar protagonismo a figuras como Marco Rubio (filho de cubanos) ou Ted Cruz.

Só que essa «renovação» no Partido Republicano não deu os frutos desejados: nomes como Rubio, Paul Ryan ou Ted Cruz não passam, nas sondagens, dos 8/10 pontos.

Perante a necessidade de se encontrar uma figura capaz de ter algumas esperanças de bater Hillary Clinton na eleição geral, nos últimos meses as correntes mais ligadas ao «establishment» da direita americana (leia-se, republicanos que não simpatizem com o Tea Party...) viraram atenções para dois nomes essencialmente: Jeb Bush, ex-governador da Florida, que depois de recusar candidatura em 2012 tem feito tudo para ser o favorito republicano em 2016, e Mitt Romney.

Também nesta corrente «tradicional» pode englobar-se o governador da Nova Jérsia, Chris Christie, que tal como Jeb para já ter decidido que vai avançar, mas não demonstra tanta capacidade para chegar à nomeação.

Porquê Mitt outra vez? Porque, apesar de derrota em 2012 para Obama, o antigo governador do Massachussets manteve uma boa base de financiadores (aspeto fundamental para sobreviver à loucura de 20 meses em campanha) e por ser apontado como um candidato capaz de chegar ao centro e mesmo a algum eleitorado democrata.

Nos últimos dias, Mitt Romney parecia até já estar em campanha: reagiu ao discurso de Obama no Estado da União, falou sobre propostas para atacar o problema da pobreza na América, parecia querer piscar o olho ao eleitorado «flutuante».

Só que, depois de muito refletir, Mitt acabaria por dizer «não» a uma terceira corrida: Romney achou que «é tempo de dar espaço e oportunidade a novos líderes do partido».

A ideia faz sentido, embora uma boa parte das hipóteses que Romney teria se fundassem na tese de que esses tais «novos líderes» não mostram, pelo menos para já, dimensão e capacidade para chegar à Casa Branca em 2016 (tendo do outro lado uma super candidata como Hillary Clinton).

A verdadeira razão para o «não» de Mitt terá tido a ver com a leitura que o «possível-candidato-que-desta-vez-não foi» de que o seu espaço político (o «establishment» do Partido Republicano e o setores moderados) tem-se mostrado amplamente favorável a uma nomeação de Jeb Bush.

Outro fator que pode ter pesado na decisão de Mitt foi... Ann: a companheira de quatro décadas, que já terá estado contra a corrida do marido em 2012 e que o terá feito prometer, depois da derrota para Obama: «Honey, no more campaigns...» ( querido, não há mais campanhas...)

E agora, sem Romney? Parece haver ainda mais espaço para Jeb Bush (que vai liderando as preferências republicanas com perto de dez pontos de avanço sobre os rivais), mas pode haver também aqui uma segunda oportunidade para que Chris Christie (uma espécie de Jeb mais rebelde e carismático) possa sonhar com a nomeação.

Depois do anúncio de que não iria tentar uma terceira corrida presidencial, Mitt Romney já reuniu com Chris Christie. Será interessante ver alguém beneficiará, na época de primárias, do apoio do nomeado republicano em 2012.

Este empresário de sucesso, nascido em Detroit há quase 68 anos, filho de família política com forte tradição no Partido Republicano (o pai, George, foi governador do Michigan e chegou a tentar a nomeação republicana em 1968, que perdeu para Nixon; a mãe, Lenore, esteve muito perto de ser uma das primeiras mulheres a ser eleitas para o Senado dos EUA), deu o adeus definitivo ao sonho de ser Presidente dos EUA.

O que tem em credibilidade e apoios faltou-lhe em carisma e capacidade de mobilização: dois predicados essenciais para chegar à Casa Branca.