domingo, 18 de setembro de 2011

Histórias da Casa Branca: Perry derrapa no teste presidencial


O discurso anti-Washington valeu a Rick Perry um arranque muito forte, mas o governador do Texas começa a dar mostras de não estar preparado para aguentar o embate de uma campanha presidencial


Perry derrapa no teste presidencial

Por Germano Almeida


Rick Perry ainda pode exibir o estatuto de ‘frontrunner’ das primárias republicanas, mas começam a surgir dúvidas sobre a capacidade do governador do Texas poder passar no teste presidencial.

O salto da política texana para a exigentíssima corrida à presidência dos Estados Unidos não é coisa pouca. E mesmo sendo Rick o governador há mais tempo em funções na América, a verdade é que as suas credenciais como governador popular no Texas podem não ser suficientes para que consiga aguentar o embate nacional.

O Texas é o segundo maior estado da América, em área geográfica (só atrás do Alasca). E é o segundo estado mais relevante na corrida presidencial (só atrás da Califórnia).

Neste início de campanha, Rick tem feito valer as suas credenciais na criação de emprego e os indicadores económicos no seu estado. Mas estará Perry preparado para se adaptar às regras do jogo presidencial?

«Esquema de Ponzi», Rick?
Os últimos dias mostraram que os temas económicos podem não ser assim tão favoráveis ao campo republicano na eleição de 2012.

O terceiro debate das primárias republicanas, que marcou a estreia de Rick Perry, pôs a nu algumas das fragilidades do governador do Texas. De forma inteligente, Mitt Romney até recordou que os bons indicadores económicos da governação de Perry têm muito mais a ver com o petróleo que o Texas tem -- e não tanto por eventuais méritos de Rick como governador.

Com um discurso perigosamente excessivo, Perry não conseguiu demarcar-se da comparação disparatada que havia feito sobre Segurança Social americanas ser equiparável a um «esquema de Ponzi» (algo que Mitt Romney habilmente recordou) e mostrou-se pouco interessado em apresentar soluções para viabilizar um sistema que, ao contrário do que acontece com o programa de Saúde de Obama, é muito popular na América -- 87 por cento dos eleitores defendem que a Segurança Social deve ser protegida, sendo que muitos deles são eleitores-tipo do Partido Republicano, representando as faixas etárias mais velhas.

Mais moderado, com melhor preparação do que Perry em todos os temas essenciais para uma corrida presidencial e definindo cada vez mais o seu posicionamento como o candidato mais capaz de disputar o centro com Obama, Mitt Romney (que apresentou o seu próprio plano económico, numa antecipação ao American Jobs Act de Obama) pode ter tido neste debate a oportunidade de recuperar terreno, depois do entusiasmo que Perry conseguiu arrancar junto da base conservadora, nas semanas que se seguiram ao anúncio da sua candidatura.


Mitt Romney: mesmo depois de perder a liderança da corrida para Rick Perry, o ex-governador do Massachussets continua a parecer o republinano mais bem preparado para defrontar Barack Obama na eleição geral

Por enquanto, as sondagens ainda dão Perry à frente da corrida republicana, mas Romney vai reduzindo a distância – e, sobretudo, o que dá para perceber é que, entre o leque dos candidatos que estão no terreno, a questão será mesmo entre Rick e Mitt.

Sondagem publicada pela CBS News e pelo New York Times, realizada entre 10 e 15 de Setembro (apanhando já os eventuais efeitos do terceiro debate republicano) dá Rick Perry com 23 pontos, com Mitt Romney nos 16. Michele Bachmann cai para os sete por cento, os mesmos de Newt Gingrich, tendo Ron Paul apenas cinco. Rick Santorum e Jon Huntsman, definitivamente fora do círculo de eventuais nomeados, quebram nos dois e um por cento, respectivamente.

Mas o governador do Texas ainda não passou pelas principais provas de fogo: o eleitorado que, por enquanto, lhe está a dar apoio, ainda não se apercebeu que Perry já foi democrata (até ao início dos anos 90) e que até apoiava Al Gore, nas primárias de 1988; ainda não avaliou o facto do Texas ser dos estados da América com piores indicadores em questões como a Educação ou o combate à pobreza; ainda não pensou bem na questão de que um combate presidencial não é uma mera eleição no Texas e exige um tipo de linguagem mais abrangente e menos primária.

O apagamento de Bachmann
Enquanto isso, Michele Bachmann, a estrela da primeira fase da corrida, vai-se afundando no seu radicalismo, e aparece a mais de dez pontos dos dois primeiros – algo que poderá inspirar Sarah Palin a avançar mesmo lá para Outubro, assumindo-se como a única esperança do Tea Party.

É a vantagem deste longo e estranho sistema de escolha de candidatos presidenciais na América: os fenómenos de moda, com o passar do tempo, desvanecem-se e a dureza da batalha faz com que prevaleça uma espécie de selecção natural, o que aumenta a probabilidade de a escolha final se revelar a mais adequada.

domingo, 11 de setembro de 2011

Histórias da Casa Branca: Resiliência - Uma década depois do 11 de Setembro


Laura e George W. Bush, Michelle e Barack Obama: a unidade dos norte-americanos em torno do que significa o 11 de Setembro é a prova de que os EUA continuam a ser uma grande Nação. Apesar das divisões e apesar do fantasma do 'declínio'


Resiliência - Uma década depois do 11 de Setembro

Por Germano Almeida


«Dez anos mais tarde, deixámos muito claro que a América não se encolhe nem se esconde atrás dos muros da desconfiança. Os terroristas que nos atacaram não conseguiram destruir o carácter do nosso povo, a resiliência do nosso país e a eternidade dos nossos valores»

BARACK OBAMA, mensagem dedicada ao décimo aniversário do 11 de Setembro de 2001


Há precisamente dez anos, o Mundo entrava em estado de choque. A única superpotência, que até então vivia na ilusão de ser inatacável, revelava uma surpreendente vulnerabilidade.

Num atentado terrorista de dimensões inimagináveis, vimos o que nunca pensámos ser possível ver: o coração financeiro de Manhattan tornou-se num cenário apocalíptico, depois do embate de dois aviões comerciais, sequestrados por comandos terroristas da Al-Qaeda, que provocou, minutos depois, a derrocada das Torres Gémeas, ícones do poder financeiro de Nova Iorque.

Na mesma manhã, o Pentágono era atacado, com a queda de um terceiro avião desviado pelos terroristas. O Capitólio e, eventualmente, a Casa Branca eram os restantes alvos dos planos de Osama Bin Laden, um filho de um milionário saudita que tinha fugido para o Afeganistão e havia sido apontado, nos anos anteriores ao terror de 11 de Setembro de 2001, como o preparador de ataques a alvos americanos (camiões armadilhados explodiram diante das embaixadas dos EUA na Tanzânia e no Quénia, em Agosto de 1998, e uma lancha suicida lançou-se, em Outubro de 2000, contra o navio de guerra USS Cole, que estava ancorado no Iémen).

Mas o voo 93 da United Airlines, o quarto avião sequestrado pelos terroristas da Al Qaeda, viria a cair na Pensilvânia.

As duas faces da retaliação
Feridos no seu orgulho, depois de terem sido atacados de forma inimaginável, os Estados Unidos tinham que reagir. Não seria, sequer, admissível outro cenário.

A questão estava na forma, na sustentação e no enquadramento internacional.

As ligações de Bin Laden e da Al Qaeda ao Afeganistão tornaram a frente afegã no primeiro passo quase inevitável. Quatro semanas depois do 9/11, os EUA voltavam à guerra.

Foi o início de um longo e pesadíssimo caminho, que, uma década depois, ainda não acabou.

A argumentação em torno da guerra afegã tinha fundamentos sólidos, mas a guerra do Iraque foi uma trágica consequência do oportunismo dos ‘neocons’ que passaram a dominar ideologicamente o ex-Presidente Bush.

O resto da história é conhecido: anos e anos a acumular faraónicos gastos de guerra (mais de 4 biliões de dólares) e baixas civis (perto de 130 mil no somatório das frentes afegã e iraquiana).

O desgaste político das guerras terá, aliás, sido o princípio do fim para George W. Bush e os republicanos, abrindo caminho a uma mudança inesperada.

Barack Obama foi eleito como o «herói anti-guerra», mas ainda antes de tomar a Casa Branca avisara: «A guerra do Iraque foi estúpida, a guerra no Afeganistão é necessária».

Bin Laden, entretanto ultrapassado como ícone do terrorismo perante a pulverização da Al Qaeda em ramificações pouco ortodoxas, foi mesmo eliminado: não por Bush, mas por Obama.

Como bem notou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, David Miliband, «Bin Laden foi notícia, mas não fez história».

Obama, que no Cairo fez discurso inspirador em sinal de clara aproximação ao mundo muçulmano, assistiu à Primavera Árabe e concluiu: «Uma nova geração está a mostrar que o futuro pertence àqueles que querem construir e não destruir».


A reconstrução

«Deixar o Ground Zero em ruínas teria sido impossível neste país. Ruínas não é connosco»
ERIKA DOSS, historiadora de arte, autora do livro «Memorial Mania»

A América, que no plano político continua profundamente dividida, continua a ser um caso à parte em momentos como este.

A forma absolutamente extraordinária como os nova-iorquinos conseguiram recuperar do trauma só se explica pela noção de orgulho que sentem pela «cidade que nunca dorme», para muitos aquela que é mesmo «the best city in the world», a ‘melhor cidade do Mundo’.

Rudy Giuliani -- que estava de saída da presidência da Câmara de Nova Iorque quando, subitamente, se deu no centro do momento mais crítico da História recente americana -- costumava dizer, quando ainda era mayor de NYC que tinha «o melhor emprego do Mundo» porque trabalhava para a cidade que amava e ainda lhe pagavam para isso.

Nas memórias, ainda muito dolorosas, dos dez anos do 11 de Setembro, falou-se de coragem, inquietação e medo. E sobreveio, acima de tudo, a resiliência dos norte-americanos. Nos momentos de extrema dificuldade, lá estão eles a provar que continuam a ser um grande povo.

Talvez seja essa a maior lição do dia infame que aconteceu há uma década.

sábado, 10 de setembro de 2011

Histórias da Casa Branca: Obama levanta a voz ao Congresso


Afinal, Obama não desistiu da sua faceta de lutador e desafiou o Congresso a aprovar o seu plano de criação de emprego e de relançamento da Economia. A apresentação do American Jobs Act marcou uma intervenção muito incisiva de Obama, que não se cansou de repetir: «You should pass this bill. Right away»


Obama levanta a voz ao Congresso

Por Germano Almeida



«O propósito do American Jobs Act é simples: pôr mais pessoas a trabalhar e mais dinheiro no bolso de quem já tem trabalho. Criará mais empregos para os operários de construção civil, mais empregos para os professores, mais empregos para os veteranos e mais empregos para os desempregados de longa duração. Permitirá uma redução fiscal para as companhias que dêem empregos a quem estava desempregado e cortará impostos da classe média e dos pequenos empresários. Dará confiança a quem investe na economia. Devem aprovar este plano de empregos imediatamente»

BARACK OBAMA, excerto do discurso de apresentação do American Jobs Act, na sessão conjunta do Congresso


Quem, depois das cedências feitas pelo Presidente ao Tea Party no acordo para o aumento do tecto da dívida, considerou que Barack Obama tinha desistido de ser um lutador político nas questões essenciais, tem mesmo que que assistir ao brilhante discurso feito na noite de 8 de Setembro, na sessão conjunta do Congresso, na apresentação do American Jobs Act.

É verdade que Obama demorou semanas (demasiadas?) a reagir à frustração justificada de vários sectores que o apoiam, depois do desastroso acordo que, à última hora, salvou a América do ‘default’.

Mas também é verdade que o Presidente já tinha prometido encontrar vias de compensar a impossibilidade de incluir aumentos de receita por via do agravamento impostos para os mais ricos.

O artigo de Warren Buffet, que acabou por gerar uma discussão internacional sobre a necessidade de os mais ricos participarem na solução da crise das dívidas dos países ocidentais, foi o primeiro sinal de reacção de quem se recusava a aceitar a chantagem do Tea Party.

O American Jobs Act -- plano de criação de empregos e relançamento da Economia que Barack Obama apresentou em sessão conjunta do Congresso (membros da Administração Obama, senadores e deputados da House) – é uma resposta clara e eloquente a quem achava que este Presidente já tinha «capitulado» na sua agenda política para o primeiro mandato.

Barack volta a calçar as luvas
Dirigindo-se ao Congresso de forma directa e incisiva, com uma retórica ao nível dos seus melhores discursos, mas num estilo mais agressivo do que é habitual no Presidente dos EUA, Barack Obama repetiu, por várias vezes, uma frase que retira qualquer interpretação que aponte para «indecisão» ou «fraqueza»: «You should pass this bill. Right away…» (‘devem aprovar este plano. Imediatamente’)

Obama pôde defender o seu plano com esta agressividade, porque sustentou este American Jobs Act em pressupostos que muito dificilmente podem ser contestados por democratas ou republicanos, num 'mix' de cortes fiscais às pequenas empresas (redução em 50% dos 'pay roll taxes', equivalente à Taxa Social Única) com forte investimento público.

Num gigantesco plano de incentivo ao emprego, no valor de 447 mil milhões de dólares (mais de 300 mil milhões de euros), Obama lança soluções para criar, num prazo curto, empregos através da reparação de pontes, estradas e grandes obras públicas, num recurso a uma via ‘keynesiana’ que reforça a ideia de comparação com o tempo de Roosevelt.

Num enfoque no seu principal campo social de apoio (a classe média), Barack prevê, neste American Jobs Act, a criação de milhares de empregos para professores e cortes de impostos para pequenos empresários, como incentivo à reanimação da Economia.

A chave para se perceber a razão de que será difícil para os republicanos vetarem tem a ver a sustentação deste megaplano. «Tudo o que está aqui previsto se paga sem implicar qualquer aumento do défice. Não deve haver controvérsia em torno deste plano», reforçou o Presidente, recordando que as reduções fiscais nele contidas são as mesmas que haviam sido defendidas por 50 congressistas republicanos.

Afinal, ainda há Obama

«O Presidente Kennedy disse uma vez que ‘os nossos problemas são feitos pelo Homem – e por isso podem ser resolvidos pelo Homem'. E o Homem pode ser tão grande como ele quiser. Estes são anos difíceis para o nosso país. Mas nós somos Americanos. Somos mais duros do que os tempos em que vivemos e somos maiores do que os nossos políticos têm sido. Então, abracemos este momento. Vamos ao trabalho e mostremos ao Mundo, mais uma vez, porque é que os Estados Unidos da América continuam a ser a maior Nação à face da Terra»

BARACK OBAMA, excerto do discurso de apresentação do American Jobs Act, na sessão conjunta do Congresso


Se há um plano que possa representar o paradigma do que é a acção política de Obama é este American Jobs Act: nele, Barack aponta o caminho para a recuperação económica, focando-se naquilo que sempre considerou ser o «motor da América» (a classe média, quem trabalha e quem gera emprego), mas sempre com uma preocupação bipartidária, na forma como recupera ideias de democratas e republicanos.

«Este plano está feito para poder ser apoiado por um republicano do Texas e por um democrata do Massachussets», sublinhou Obama, no seu estilo agregador, ao citar os opostos (o Texas é dos estados mais conservadores, o Massuchussets talvez o mais liberal).

A juntar a tudo isto, Obama também olha, neste plano, para os veteranos de guerra, mostrando o seu lado de Presidente que percebe as questões profundas da América, com uma frase poderosa: «Quem combateu pelos EUA não merece ter que combater por um emprego quando regressa a casa. Isso não é a América».

Insistindo num discurso muito crítico sobre «as tácticas políticas de Washington», Obama reforçou que «quem está a sofrer com a crise económica não quer saber dessas tácticas. O que espera de nós são soluções».

E recuperou um certo discurso proteccionista, que chegou a adoptar em fases cruciais da campanha presidencial, ao referir que «não há razões para a América não fazer melhor que a China». «Do mesmo modo que importamos Kias e Hyundais, quero ver tipos na Coreia do Sul a comprar Fords e Chevys e Chryslers»., apontou o Presidente.

O lado que Obama mostra, e que tantas vezes gera desconforto na sua base natural de apoio, de perceber o outro campo voltou a ser utilizado quando Barack falou da necessidade de «reformar o Medicare e o Medicaid para tornar estes programas viáveis, mesmo que isso não agrade a muitos congressistas democratas».

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Histórias da Casa Branca: A marca de Obama na frente externa


Os tempos não estão para sorrisos para Barack Obama, mas na frente externa o Presidente tem tomado as decisões certas: resolver as guerras e focar a atenção para a Economia


A marca de Obama na frente externa

Por Germano Almeida


«Se olharmos só para o plano interno, na melhor das hipóteses, Obama será um Presidente que conseguiu uma lenta e demorada recuperação económica, num período de incrível dificuldade. Mas a política externa pode ser uma história completamente diferente. Nessa frente, Obama não só poderá ser um bom Presidente, mas poderá mesmo ser recordado como um grande Presidente»

Michael Tomasky, colunista no New York Review of Books e na American Prospect


Cada Presidente americano tem, no seu legado, uma dupla realidade para avaliar: a política interna e a frente externa.

É sabido que, quase sempre, o que decide as eleições presidenciais na América tem a ver com a primeira vertente – e, sobretudo, com o estado da Economia americana no momento de cada eleição.

Assim se explica que Bush pai tenha falhado a reeleição, em 1992, meses depois de ter ganho a primeira Guerra do Golfo para um jovem governador que tinha dirigido com bons resultados económicos um pequeno estado do Sul – Bill Clinton.

Os três primeiros anos de Barack Obama na Casa Branca têm sido marcados por uma grande disparidade nessas duas frentes: se, no plano doméstico, os problemas têm sido imensos (e poderão prolongar-se por mais alguns anos, no caso de a sua reeleição ser contrabalançado por uma maioria republicana no Congresso), a verdade é que, na frente externa, a marca Obama tem sido muito mais fácil de ficar gravada.

Visto muito mais como um «candidato do Mundo para Presidente ideal da América» do que como um Presidente consensual no seu próprio país (ideia que a pareceu ser possível quando da eleição, mas que se desvaneceu em poucos meses após a sua chegada à Casa Branca), Barack Obama tem conseguido apontar o caminho certo em várias frentes da política externa.

O Nobel
Na mentalidade da ‘real America’, ser popular no resto do Mundo não significa um crédito acrescido para a política interna. Essa aparente contradição ficou bem notória em Outubro de 2009, quando a inesperada atribuição do Prémio Nobel da Paz ao então recém-Presidente Obama deixou incrédula uma boa parte da América.

Para muitos, a escolha da Academia norueguesa foi precipitada – e baseou-se mais num «wishful thinking» do que num julgamento de feitos ainda não conseguidos.

Dois anos depois, o que se percebe é que o grande problema de Obama tem sido o momento económico de quase pânico que se vive no mundo Ocidental: perante os receios de novas recessões, como olhar para as questões internacionais, se a preocupação imediata é ter ou não ter emprego?

As guerras
Historicamente, o descontentamento com a guerra do Afeganistão e do Iraque ajudou à eleição de Obama. Mas, uma vez na Casa Branca, Barack passou a ter dois enormes problemas para resolver.

Quase três anos depois, há pelo menos a noção de ‘accountability’: Obama prometeu iniciar uma retirada faseada das tropas americanas do Iraque e do Afeganistão. Pode contestar-se a actual situação no terreno, em ambos os casos, mas a verdade é que o Presidente cumpriu essas duas promessas.

E, nesses dois momentos, recordou que «é tempo de a América focar-se no essencial, que é a recuperação económica», permitindo que iraquianos e afegãos «construam o seu próprio futuro».

O nuclear
Defensor, desde o discurso de Praga, de um Mundo sem armas nucleares, Obama passou à prática essa visão com a assinatura do novo Tratado START, com a Rússia, assinado na capital checa, precisamente um ano depois desse discurso.

A ratificação, por larga margem, com o apoio de vários senadores republicanos foi uma excepção bipartidária no clima de crispação que se tem vivido em Washington.

A Primavera Árabe
O discurso do Cairo, feito numa fase inicial da sua Presidência, quando o vento soprava de feição para a ‘Obamania’, foi visto por muitos como a inspiração inicial para o que estava para acontecer, meses depois, no Mundo árabe.

Entendamo-nos: seria abusivo afirmar que a revolta de tunisinos, egípcios, sírios ou líbios teve como principal catalisador as palavras do Presidente americano na capital do Egipto.

A recente declaração do embaixador dos EUA em Portugal, Allan Katz, de que a Primavera Árabe aconteceu por ter sido exactamente uma década depois do 11 de Setembro dá conta de como é perigoso fazer esse tipo de extrapolações em área tão imprevisível.

Mas a nova etapa aberta nas relações internacionais – e sobretudo na forma como os EUA olhavam para o mundo muçulmano, em geral, e para os países árabes, em particular – alargou horizontes a populações que tinham tido, nos anos pós-11 de Setembro, durante a era Bush, uma posição de base anti-americana.

Com o poder na América a lançar-lhes um claro sinal de distensão, o foco do descontentamento no mundo árabe passou a estar nos problemas económicos e na falta de liberdade impostos por ditadores como Ben Ali, Mubarak ou Kadhafi (apesar das diferenças entre eles e de proximidades recentes de Washington com todos…)

O aventureirismo das «acções preventivas» da Doutrina Bush, fundadas na teoria do ‘neocons’, terminou na fase final da anterior administração, mas teve na eleição da Barack Obama o seu ponto de viragem.

O regresso ao realismo, em muitos pontos mais próximo com Bush pai do que com Bill Clinton, consumou-se com a sintonia do Presidente com a ‘surge’ de David Petraeus para o Afeganistão.

Findo o período do unilateralismo, os EUA de Obama marcaram o «regresso da América» como principal ponto de referência no equilíbrio geopolítico.

A Líbia
O exemplo da Líbia é paradigmático do realismo de Obama na política externa. Não caindo no erro de Bush pai na Somália, ou de Clinton na Jugoslávia, Obama retardou ao limite a luz verde da intervenção militar contra Kadhafi – e plasmou, com requinte, esse difícil equilíbrio no discurso de explicação da intervenção militar americana em Tripoli: a partir do momento em que a fúria de Kadhaffi se virou contra o seu próprio povo, passou a ser legítimo usar a força.

O terrorismo
Nem todos os indicadores de opinião são negativos para Obama. Aquele que é mais positivo tem mesmo a ver com a forma o Presidente tem lidado com a ameaça terrorista: de acordo com sondagem Gallup, 62 por cento dos americanos aprovam, só 32 por cento reprovam.

O sucesso da Operação Geronimo, que redundou na eliminação de Bin Laden, terá ajudado a melhorar uma tendência que, ao longo deste mandato presidencial, tem sido sempre positiva.

A frente externa não costuma decidir eleições presidenciais na América. Mas é a prova de que nem tudo tem sido frustrante na herança do primeiro mandato presidencial de Obama.

sábado, 3 de setembro de 2011

Histórias da Casa Branca: Consegue provar que Obama tem sido um mau Presidente?


A tese dominante é a de que a Presidência Obama está a falhar no fundamental, mas talvez não seja possível demonstrar como fazer melhor num quadro político e económico carregado de adversidades


Consegue provar que Obama
tem sido um mau Presidente?


Por Germano Almeida


«Não sei o que Deus terá ainda de fazer para chamar a atenção dos políticos. Já tivemos um tremor de terra e um furacão»

Michele Bachmann, congressista do Minnesota, candidata à nomeação presidencial republicana, num comício do Tea Party na Florida


Já toda a gente sabe que os tempos têm sido muito difíceis para a Administração Obama.

Os números do desemprego, do défice e, sobretudo, os receios crescentes de que pode estar a vir aí uma ‘double dip recession’, com contornos ainda mais graves do que a tempestade financeira de 2008/2009, fazem com que pareça existir uma conjugação de factores a apontar para uma sentença de que esta será uma Presidência falhada. Certo? Errado.

Quem ouvir a argumentação zangada dos candidatos à nomeação presidencial republicana ficará com a ideia de que Barack Obama tem sido um péssimo Presidente.

E se atentarmos a frases como a que está em destaque na abertura deste texto, proferida por Michele Bachmann (a radical congressista do Minnesota insinua que o tremor de terra na Virgínia e o furacão Irene terão sido… sinais de Deus a penalizar Obama), então percebemos que os ataques ao Presidente dos EUA há muito que já passaram a esfera da racionalidade política.


Michele Bachmann: quando o discurso político dos principais candidatos republicanos cai no domínio da irracionalidade, resta a Obama acreditar que os americanos vão continuar a preferir o seu estilo conciliador

Neste clima de gritaria republicana contra Obama, pode não ser fácil analisar os dados com clareza.

Mas é precisamente por isso que vale a pena olhar com atenção para esta pergunta: há provas que sustentem a tese de que Obama tem sido um mau Presidente? Seria possível fazer melhor neste quadro de extraordinárias dificuldades políticas e económicas?

Para lá da gritaria
Pode ser um exercício quase contranatura nestes tempos de sentenças imediatas, sobretudo quando, na América, vemos agora um batalhão de candidatos à nomeação republicana a rotular Obama dos mais diversos defeitos.

Só que, em política, muitas vezes o que parece não é. Jonathan Alter, colunista da Newsweek e autor do livro ‘The Promise - President Obama, Year One’, aponta, em artigo com o sugestivo título: ‘You Think Obama’s been a bad President? Prove it!’: «Não estou interessado em ouvir ataques ‘ad hominem’ a Obama ou nas generalizações sobre o ‘desapontamento’ que muita gente diz sentir. Quero saber, trabalhando sobre uma base substantiva, porque é que Obama merece estar empatado com Perry e Romney e só uns pontos à frente de Ron Paul e Michele Bachmann, de acordo com sondagem recente da Gallup. Será que o facto de o desemprego se manter a nove por cento faz, por si só, condenar um Presidente, seja ele quem for e faça ele o que faça?»

Alter desafia-nos, por isso, a ver as coisas para lá do que parecem à superfície. E recorda: «Como toda a gente, também eu tenho a minha lista de erros a apontar a Obama, desde ter falhado numa posição mais forte sobre os bancos em 2009 até ter recusado a revogação das Bush Tax Cuts quando os democratas ainda controlavam o Congresso. Talvez não devesse criar expectativas quando falou no «Verão da recuperação» e no discurso «Winning the Future», enquanto a economia não começasse a dar sinais de retoma. Mas será que estas falhas de cálculo são suficientes para que ele não deva ser reeleito?»

No artigo, Alter expõe muito bem a contradição em que tem vivido a Presidência Obama: pelas mesmas decisões, tem recebido críticas à esquerda e à direita – por motivações opostas.

Os estímulos económicos de 2009, a Reforma da Saúde, a Reforma Financeira ou os acordos estabelecidos com os republicanos para o aumento do tecto da dívida são alguns dos exemplos mais visíveis do ‘equilibrismo político’ em que tem oscilado a Presidência Obama.

O estilo conciliador, que o levou a obter uma enorme maioria presidencial a 4 de Novembro de 2008, parece agora virar-se contra Obama. O seu mantra tem sido o de ouvir os dois lados, pôr-se na pele do adversários, absorver diferenças e traçar equilíbrios políticos.

Só que o mantra dominante está mais perto do discurso populista dos republicanos.

Mais xadrez, menos poker
Na campanha de 2008 e no primeiro ano e meio de Presidência, Obama fez valer as suas qualidades de jogador de xadrez: juntou paciência, estratégia e arrojo para resolver dilemas como o ObamaCare ou a Dodd-Frank Bill.

Mas depois de perder o controlo político do Congresso, tudo se complicou. Em crises como a da negociação do aumento do tecto da dívida, o Presidente tentou jogar poker com um Congresso que lhe é incrivelmente hostil. E saiu-se mal.

Ficou célebre a revelação do congressista republicano Eric Cantor, uma das estrelas do Tea Party, ao revelar que, numa das reuniões tensas em que acabou por sair intempestivamente, Obama lançou: ‘Eric, don’t call my bluff…’

Não é um desabafo típico do Barack-que-nunca-perde-o-controlo-da-situação. Mas representa bem o clima de polarização a que se chegou na política americana.

A eleição de Obama não alterou, por si só, uma sensibilidade ideológica dominante na América e que aponta para culpar o poder federal. A quebra de consensos em Washington fez aumentar ainda mais o desagrado do americano comum pela falta de capacidade do poder central em resolver a crise económica – e isso tem reflexos tremendos na popularidade do Presidente, por muito que seja ele o que mais tem feito por evitar este clima.

É relativamente fácil elencar a montanha de dificuldades políticas que atravessa Obama. Mas já é mais difícil demonstrar que era possível fazer melhor.

O dilema justifica continuação nos próximos dois textos.