sexta-feira, 31 de julho de 2015

Histórias da Casa Branca: Obama em África, moral e risco


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 31 DE JULHO DE 2015:

«Tratar as mulheres como cidadãs de segunda classe é uma má tradição. Mantém-vos na retaguarda. É uma desculpa para a agressão sexual e para a violência doméstica. Não há razão para que raparigas sofram mutilação genital. Não há lugar, em sociedades civilizadas, para forçar crianças a casar. Estas tradições podem ter séculos; mas não têm lugar no século XXI». 
Barack Obama no Quénia, julho de 2015 
  
  
«Não se deve ser presidente para sempre. Não entendo porque as pessoas querem ficar tanto tempo - sobretudo quando têm tanto dinheiro! Eu acho que sou bom presidente. E se me recandidatasse, podia vencer. Mas não posso. E lei é lei e ninguém está acima dela. Nem o presidente». 
Barack Obama na Etiópia, julho de 2015 
  
    
Há quem não goste de ver um presidente dos Estados Unidos pregar os valores que considera certos num país estrangeiro, com o homólogo local ao lado, a ouvir de soslaio. 
  
Mas também há quem ache que África continua a ter demasiados países com leis e hábitos antiquados e que as mentalidades têm que mudar pelo exemplo. 
  
Seja qual for a posição que tomemos, a verdade é que Barack Obama voltou a provar, na visita a África, que está decidido, nesta reta final, a dizer o que pensa e a bater-se pelo que acredita, mesmo que isso possa provocar críticas ou desconfortos. 
  
Na emotiva passagem pelo Quénia, Obama reencontrou parentes próximos, foi a lugares que diziam muito ao pai falecido e com quem pouco conviveu. 
  
Mas a marca que ficou da primeira visita de um presidente norte-americano a Nairobi e Adis Abeba vai muito para lá da parte sentimental para o primeiro presidente afro-americano dos EUA. 
  
Obama marcou posição, arriscou, deixou claro que os valores que os EUA representam não comportam a cumplicidade com práticas de agressão sexual, intolerâncias para com os homossexuais, violência contra as mulheres ou trabalho infantil. 
  
O homólogo queniano, ainda um pouco surpreendido por não ter na «photo op» com Obama um momento de simples consagração, viu-se forçado a rebater, lembrando que «a tradição de países como o Quénia é diferente». 
  
Na Etiópia, Obama foi mais longe: não se limitou a expor as diferenças no plano ideológico e civilizacional em temas como direitos das minorias. Falou de práticas políticas, de hábitos de democracia. De  como é saudável evitar «eternização do poder», de como é importante saber sair. 

Fez, na verdade, o que muito poucos líderes mundiais, nas últimas décadas, tiveram coragem de fazer em África. 
  
  
«Podemos não ser capazes de deter todo o mal no mundo, mas eu sei que a forma como nos tratamos uns aos outros é inteiramente nossa. Eu acredito que apesar de todas as nossas imperfeições, estamos cheios de decência e bondade, e que as forças que nos separam não são tão fortes como aquelas que nos unem». 
Barack Obama em 2015 
  
«Negociaria com inimigos. Faria isso. E a razão por que o faria é que a noção de que não falar com determinados países é uma forma de os punir – que tem sido o guia diplomático da administração Bush – é ridícula» 
Barack Obama em 2007, durante debate nas primárias democratas, que viria a ganhar 
  
«Não fazemos a paz com os amigos. Fazemos a paz falando com os nossos adversários, para evitar que eles se tornem nossos inimigos» 
Barack Obama, em entrevista a Jon Stewart, sobre acordo com o Irão 
  
«Se não escolhermos de forma sensata, acredito que as futuras gerações vão julgar-nos de forma severa, por termos deixado perder este momento.» 
Barack Obama  sobre a necessidade aprovar a «Climate Bill» 
  
«Se olharmos para os números dos americanos mortos no 11 de Setembro, foram menos pouco mais de dois mil. Se olharmos para os números de americanos assassinados pela violência de armas, são dezenas de milhares.»   
BARACK OBAMA  sobre a frustração de ainda não ter aprovado lei que restrinja o risco de violência com armas 


Os últimos tempos deixaram mais claro o que pretende Obama enquanto Presidente dos EUA em final de mandato. 
  
Já sem os condicionamentos de quem tinha que procurar a reeleição, e sabendo por experiência que a sua taxa de aprovação não sobe dos 50% e não baixa dos 40% independentemente de vitórias ou derrotas políticas que tenha, Barack Obama posiciona-se, no segundo mandato, como «presidente ideológico», com opinião própria e uma visão do seu poder que aponta para um líder que quer deixar um legado de «exemplo»: na prática política, na abertura ao Mundo, na promoção dos direitos das minorias.  

Mesmo quando assume frustração por ainda não ter avançado o suficiente no «gun control», Obama está a assumir uma posição arriscada, enquanto presidente um país onde o direito ao posse de arma é uma ideia tão forte.  

A história política de Barack Obama já teve muitos altos e baixos. Mas a menos de ano e meio da sua saída da Casa Branca, temos tido exemplos repetidos de que o melhor ainda pode estar para vir. 
  

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Histórias da Casa Branca: o que fazer com este Trump na sala?




TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 24 DE JULHO DE 2015:


É sabido que a eleição presidencial norte-americana é «a mais louca corrida do Mundo». 
  
São dois anos de avanços e recuos, surpresas e solavancos, com vários pretendentes a declararem-se dos dois lados da barricada, qual deles o mais distinto. 
  
É normal, por isso, que na fase de arranque, a meses das primeiras votações nos estados que iniciam as primárias partidárias, haja ainda uma certa confusão, tanto no discurso como na evolução das sondagens. 
  
No verão de 2007, por exemplo, a meses das primárias de 2008, quase todos apostavam em Hillary Clinton e Rudy Giuliani como favoritos às nomeações e, como se sabe, foram Barack Obama e John McCain quem acabou por obtê-las.  
  
Até aí, tudo bem: faz parte da dinâmica da corrida e mostra a capacidade que as eleições na América têm de mostrar surpresa e novidade. 
  
Mas o que se passa neste momento no campo republicano vai muito para além disso. 
  
A entrada de Donald Trump perturbou definitivamente o evoluir da situação – e os estragos podem ainda estar só a começar. 
  
Caitlin Huey-Burns, no Real Clear Politics, chamou-lhe «o elefante na sala republicana». 
  
Num leque alargadíssimo de 16 nomes (hão de cair alguns nos próximos meses, mas parece já certo que esta época de primárias baterá recordes de adesão de candidaturas do lado da direita) Trump tem, como é óbvio, todo o direito de tentar a sua sorte. 
  
Ainda por cima, tendo o multimilionário fortuna pessoal tão considerável, e estando disposto a gastar uma parte nesta sua aventura presidencial. 
  
O problema é o resto: tudo o resto. O comportamento. A verborreia. A arrogância. As acusações disparatadas em jeito de franco-atirador. 
  
Donald desdenhou o passado militar de John McCain («admiro os que não são capturados, não vejo qual o heroísmo que existe em ser capturado»). 
  
Foi simplista e factualmente errado com os mexicanos, dizendo que estão a «invadir os EUA com traficantes e violadores».   
  
Arrasou o registo de Rick Perry como governador do Texas (depois de Rick dizer que Trump devia retirar-se da corrida). 
  
Escancarou perante os seus apoiantes o número de telemóvel pessoal de Lindsey Graham (o senador da Carolina do Sul, também candidato às primárias republicanas, chamou-lhe ‘jackass’, estúpido, ignorante), num ato de pura irresponsabilidade. 
  
Chamou Hillary de «pior secretária de Estado de sempre» e Jeb Bush de «fraco na imigração». 
  
Seria de esperar que, nas sondagens, Trump se mantivesse numa bolsa própria, com números relativamente baixos, sendo um candidato tão «sui generis». 
  
Como, de forma divertida, Jon Stewart disse no «Daily Show», mais do que «republican», Donald é… «trumpablican» (ele que até já esteve do lado dos democratas). 
  
O que quase ninguém previu é que, nesta fase, Donald Trump estaria… em primeiro lugar nas sondagens, com vantagem considerável sobre os eventuais nomeados (Jeb Bush, Scott Walker, Marco Rubio). 
  
Trump não devia ser levado a sério: a forma como insistiu durante anos no disparate do local de nascimento de Obama diz tudo sobre a credibilidade das suas posições. Mas que está a influenciar a corrida republicana, isso é já um facto concreto. 

Como lidar com isto? 
  
Do insulto à minimização 
  
Os adversários de Trump têm lidado de forma diversa com o problema (sim, ele existe). 
  
Ted Cruz, quase tão colado à direita radical como Donald, é o único que tenta aproximar-se do multimilionário, repetindo a ideia de que «Trump levantou questões importantes, que merecem ser debatidas». 
  
Lindsey Graham, senador respeitado e experiente mas com números pouco animadores nas sondagens, é o candidato republicano que mais tem apontado baterias a Trump. 
  
Mas não é o único: Rick Perry tem tentado descolar da imagem de demasiado à direita e estará a aproveitar o «disparate Trump» para ganhar visibilidade e credibilidade. 
  
Jeb Bush e Scott Walker, os candidatos com mais potencial para ultrapassar Trump na hora decisiva, têm optado pela estratégia da minimização: quase ignoram o fator Trump, esperando que ele, simplesmente, se desvaneça. 
  
É provável que seja mesmo isso que vá acontecer. 
  
Por muito que, nesta altura, as sondagens apontem números muito bons para Donald Trump, a forma explosiva como ele tem conduzido a campanha tem tudo para dar para o torto com o decorrer do tempo. 
   
Jeb à espera que a tempestade passe 
  
Nos «media», os devaneios de Trump começaram por ser «pitorescos», depois passaram a ser «preocupantes», agora voltam a ser rotulados de «não credíveis». 
  
O Huffington Post, num ato com o seu tom de originalidade, anunciou que passará a incluir as notícias sobre Trump na secção de entretenimento. 
  
Falta saber como sobreviverá o Partido Republicano a tudo isto. 
  
Se Jeb Bush, até agora muito alheado ao tema, não conseguir rapidamente recuperar a posição de favorito nas sondagens nacionais, pode ter um problema de «elegibilidade». 
  
Como Lindsey Graham bem apontou em entrevista recente, «as tiradas de Trump estão a impedir os republicanos de se focarem nos temas certos». 
  
Com 16 pretendentes à nomeação, esta fase inicial está a ser dominada por quem está a fazer mais barulho e por quem, pelas piores razões, atrai as luzes mediáticas. 
  
É um daqueles casos de «quanto pior melhor», que não resistirá ao «choque da realidade». 
  
Hillary, que do lado democrata parece perder algum fôlego perante a subida de Bernie Sanders (embora sem pôr em causa a noção de «inevitabilidade» da nomeação de Clinton), vai assistindo a toda esta «cena Trump» com um sorriso. 
  
Em novembro de 2016, pode ser ela a principal beneficiária. 
   

terça-feira, 21 de julho de 2015

Histórias da Casa Branca: esqueçam a «maldição dos segundos mandatos»


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT A 21 DE JULHO DE 2015:
Barack Obama tomou posse para segundo mandato como Presidente dos EUA faz hoje dois anos e meio -- a 21 de janeiro de 2013. 
A «reta final» da presidência do primeiro negro na Casa Branca há muito que tem vindo a ser anunciada, mas a verdade é que ainda falta exatamente ano e meio para que Obama abandone o mais alto cargo político eleito a nível mundial. 
 
Não sendo já muito tempo para quem foi eleito para um total de oito anos, a verdade é que ainda são quase 550 dias. Dá para fazer muita coisa.
 
Tendo em conta a estratégia adotada pelo Presidente dos EUA nos últimos meses, sobretudo depois da derrota dos democratas nas intercalares de novembro de 2014, é de prever que os próximos 18 meses venham a ser aproveitados ao limite para que a marca que Obama deseja deixar na Casa Branca fique bem presente.
 
A política americana é uma caixinha de surpresas.
 
Obama teve fases muito difíceis na sua presidência. Sobretudo durante aqueles meses iniciais, com a economia americana a perder 750 mil postos de trabalho por mês, o PIB a recuar 9%, o Congresso (mesmo democrata, na altura) a torcer o nariz a grandes planos de estímulo económico (não está nos genes daquela sociedade avessa ao peso do Estado).
 
Mesmo depois da reeleição (momento que parecia ter clarificado as águas, perante o triunfo claro de Obama sobre Romney nas urnas), a verdade é que o Presidente quase nunca passou dos 50% de aprovação – e teve a sua agenda política declarada morta demasiadas vezes.
 
A derrota avassaladora dos democratas nas «midterms» de novembro (em ambiente em que os próprios candidatos democratas pareciam fugir do «contágio Obama», não querendo muitos deles sequer fazer campanha ao lado do Presidente) foi, para muitos, a sentença de «morte política» do sucessor de George W. Bush na Casa Branca.
 
Os últimos sete meses, no entanto, estão a provar o oposto: Obama soma vitória sobre vitória, está a conseguir impor a sua agenda, revela uma taxa de cumprimento das suas promessas eleitorais absolutamente invejável num tempo em que os políticos são olhados, nas democracias, como «mentirosos» ou «sem palavra».
 
Cumprir as promessas, coisa estranha
 
Esqueçam a «maldição dos segundos mandatos» (ideia dominante na história dos Presidentes americanos que, após a reeleição, são afetados por uma estranha incapacidade de cumprirem o que prometeram).
 
Para Barack Obama, o «pós reeleição» está a ser ainda melhor (bem melhor até) do que os primeiros quatro anos.
 
E com essa… coisa estranha nos tempos que correm, que é ver um líder de um grande país a cumprir no exercício das suas funções o que prometeu antes de ser sujeito ao escrutínio eleitoral.
 
A lista é impressionante:
 
-- acordo com Raul Castro para o restabelecimento de relações com Cuba, com benefícios nas trocas comerciais dos dois países, libertações de presos e reabertura de embaixadas (a bandeira de Cuba voltou ontem a ser hasteada em Washington, 54 anos depois);
 
-- acordo com o Irão, no sentido da travagem da ameaça nuclear e desanuviamento de tensões políticas e melhoria de relações comerciais (alargado a outras potências, com efeitos na redução dos preços do petróleo);
 
-- confirmação do ObamaCare no Supremo, em nova garantia de que a Reforma da Saúde será implementada e durável;
 
-- confirmação do «Equal Marriage» como lei federal a aplicar em todos os estados; acordo comercial com o Pacífico, com resistências democratas e apoios republicanos;
 
-- caminho para maior apoio financeiro a quem trabalha horas a mais; primeira visita de um Presidente americano em funções a uma prisão federal, em forte sinal de avanço para uma reforma do sistema prisional (a realidade atual nas prisões americanas é alvo de críticas duras de relatório de direitos humanos)
 
-- discurso notável em Charleston, terminando a cantar o «Amazing Grace», em recordação das vítimas de atentado com arma de fogo em igreja negra
 
-- proposta de Reforma Fiscal de apoio à classe média, taxando os 1% mais ricos, em análise no Congresso
 
-- medidas executivas unilaterais (após inviabilização de um acordo no Congresso) de proteção aos imigrantes ilegais, para evitar deportação imediata de perto de cinco milhões de cidadãos sem cidadania americana que residem e trabalham nos EUA
 
Algumas destas medidas políticas podem não ser consensuais.

Mas a sua globalidade mostra um Presidente em clara estratégia de concretização, que está a ser capaz de ser «efetivo», depois de uma primeira fase em que foi adiando algumas das suas prioridades, de modo a assegurar o essencial: evitar que os EUA caíssem numa nova Grande Depressão e criar alicerces para a recuperação económica.
 
Os resultados estão à vista: os Estados Unidos criam emprego há 65 meses seguidos, estando agora com uma taxa de desemprego de 5.3%, pouco mais de metade do que era em meados de 2009, no pico da tempestade financeira (10%).
  
Dado inesperado: o Estado Islâmico
 
Nem tudo correu bem a Obama nestes primeiros dois anos e meio do segundo mandato.
 
A ascensão do Estado Islâmico ainda não foi devidamente travada e a operação internacional que os EUA lideram desde setembro de 2014 tem tido recuos inesperados.
 
O calendário aponta-nos, para já, esta certeza: Obama não tem qualquer plano para um envio maciço de tropas americanas para o terreno. O caminho deverá continuar uma conjugação de bombardeamentos cirúrgicos, ataques com drones, apoio às monarquias árabes da região (aliadas dos EUA na luta contra os jiadistas sunitas) e o reforço de «know-how» e equipamento do exército regular iraquiano.
  
O que esperar deste ano e meio final?
 

Com a corrida à sua sucessão a acelerar (16 candidatos do lado republicano, Hillary super favorita no campo democrata), Barack Obama tem agora 18 meses para fechar em grande.
 
Na verdade, terá mais um ano: a partir do verão de 2016, as atenções mediáticas e políticas vão virar-se quase em exclusivo para a eleição presidencial, quando se foram investidos os nomeados dos dois partidos, nas convenções.
 
Há sempre a hipótese de Obama estar já a preparar uma surpresa em larga escala, do estilo que fez com Cuba, em dezembro passado. E há sempre um grau de imprevisibilidade no Mundo complicado em que vivemos.
 
Mas com os dados que existem hoje, é de esperar que Obama mantenha o foco na recuperação económica (e, com o petróleo baixo nos próximos meses, tudo indica que haverá condições para que os dados possam ser ainda melhores em 2016), na aprovação de medidas legislativas que melhorem a classe média e aumentem os direitos dos imigrantes e das minorias.
 
À falta de melhor, haverá o acordo com a Europa (TTIP) para concluir e anunciar, já perto de novembro de 2016.
 
Faz hoje dois anos e meio, Barack Obama, a tomar posse para segundo mandato, prometeu ser um Presidente defensor das minorias, dos direitos de todos os cidadãos e com foco especial na classe média trabalhadora.
 
A realidade está a provar que está ser mesmo isso e até mais.
 
Quem diria? 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Histórias da Casa Branca: «Iran Deal», controverso mas já histórico



Um acordo aplaudido por quase todo o Mundo, com duas exceções muito claras: Israel e a oposição republicana a Obama nos EUA. 
  
O «Iran Deal», alcançado em Viena na passada terça, só foi possível graças à vontade política de Barack Obama e Hassan Rouhani (com riscos muito concretos para os presidentes dos EUA e Irão nas opiniões públicas internas dos respetivos países). 
  
Obama não teve medo dos fortíssimos interesses pró-Israel na política e na sociedade norte-americana. Rouhani não receou as fortíssimas resistências anti-americanas no regime iraniano. 
  
Ambos mostraram algo que tem faltado no processo europeu e neste lamentável episódio grego: liderança e visão estratégica. 
  
E, é claro, só foi possível graças à empatia pessoal que se gerou nos últimos meses (aprimorada em Lausanne durante semanas e concretizada na maratona de 18 dias em Viena) entre os chefes da diplomacia americana e iraniana, John Kerry e Javad Zarif, dois políticos experientes, dois homens do Mundo e com mundo, duas formas próprias de serem tolerantes e abertos ao compromisso. 
  
Como muito bem notou Bernardo Pires de Lima, na noite do referendo grego, em comentário no «Visão Global» da Antena 1,  «é incrível como a relação entre Kerry e Zarif seja muito mais empática do que a dos ministros europeus. E o dossiê nuclear iraniano mexe com temas ainda mais sensíveis do que a questão grega e a crise europeia».
 
 
Zarif não tem dúvidas: «O Mundo mudou. Este foi um avanço importante perante a ameaça e a coerção. E há vários «primeiros» neste acordo: o Irão foi o primeiro país a ver reconhecido pelo Conselho de Segurança da ONU o seu programa de urânio enriquecido, depois do mesmo conselho ter insistido durante oito anos para que abandonássemos o programa». 

  
Israel está contra... 
  
Netanyahu já veio dizer que se tratou de um «erro histórico». Mas a História, muito provavelmente, dará razão a Obama e Rouhani e mostrará que o chefe do governo de Telavive está enganado. 
  
«Infelizmente, eles precisam de crises e de guerras para continuarem a esconder as suas políticas desumanas contra os povos do Líbano, Palestina e outros na região. Por isso, um acordo que promove a paz não lhes interessa», comenta o ministro iraniano Javad Zarif, citado pela Reuters. 
  
Federica Mogherini, responsável pela política externa da UE, destacou a «coragem» dos negociadores. Javad Zarif sublinhou o «momento histórico, mas ainda não perfeito» (receando o que se possa passar, nas próximas semanas, no Congresso americano). Obama acabou de destacar a dimensão deste acordo, apelando à ratificação clara do que foi alcançado. 
  
«Isto mostra que a nossa força aumenta quando estamos juntos, não quando nos isolamos», apontou o Presidente dos EUA. E garantiu:  «Este acordo não se baseia em confiança: baseia-se em verificação». 
  
«Este acordo oferece-nos uma oportunidade de avançar. Devemos aproveitá-lo», exortou Obama. 

Mesmo assim, Obama sabe que terá forte oposição no Congresso. Vários líderes republicanos já se mostraram contra e mesmo na bancada democrata não será fácil obter consenso. 

O Presidente espera obter «o maior apoio possível» do Congresso, mas deixou já claro que não está na disposição de deixar cair o que foi aprovado em Viena. Donde, se o Capitólio disser 'não', o Presidente vetará esse não e manterá o que foi assinado na capital austríaca. 


Mesmo com algumas dúvidas, os democratas devem votar 'sim'. Dianne Feinstein, senadora da Califórnia, líder do comité de investigação e inteligência do Senado, aponta: «Este acordo aumenta a segurança nacional e promove laços diplomáticos com países com quem temos tido problemas nos últimos anos. Foi um esforço notável do Presidente e do secretário Kerry». 
  
O acordo com o Irão garante que o programa nuclear será feito para fins pacíficos e compreende a diferença entre «bomba atómica» e «energia atómica». 
  
Nos 18 dias anteriores ao acordo final, Kerry e Zarif dormiram muito pouco. 
  
Mas valeu a pena – os ministros americano e iraniano provaram que continua a valer a pena apostar em negociações e na diplomacia, dando um bom desfecho a um processo de dois anos, com avanços surpreendentes e alguns recuos, mas que só foi possível de arrancar graças a dois acontecimentos eleitorais improváveis: a reeleição de Obama em novembro de 2012 e, sobretudo, a eleição do moderado Rohani em Teerão, em junho de 2013. 
  
A ameaça crescente do Estado Islâmico tornou EUA e Irão aliados improváveis perante inimigo comum. Jonathan Karl, jornalista da ABC News, perguntou a Obama se «fica tranquilo» ao ver Bashar Al-Assad, na Síria, a considerar que «este acordo foi uma grande vitória para o Irão». 
  
Por muito estranho que isso parecer, a verdade é que este foi mais um momento de aproximação de interesses entre Washington, Damasco e Teerão, sempre com a ameaça do ISIS em pano de fundo. 
  
O endurecimento da posição israelita afastou Obama de Netanyahu e isso, curiosa ironia da política e da diplomacia, permitiu também que os iranianos passassem a olhar o Presidente dos EUA com mais confiança e admiração. 
  
A política é feita de escolhas. Barack Obama e Hassan Rouhani fizeram-nas e colheram os frutos com este acordo improvável e histórico. 
  
Sabendo que este acordo iria provocar forte resistência em Telavive, e já depois de Netanyahu falar em «capitulação» da posição americana em relação ao Irão, Obama ligou ao líder do governo israelita e deixou uma garantia: «Ao primeiro desrespeito dos iranianos, as sanções são imediatamente repostas». 
  
Para Obama, este acordo tem duas vantagens inatacáveis: retira, num prazo considerável, a capacidade dos iranianos produzirem armas nucleares, mas retoma a capacidade da economia e da sociedade iraniana de recuperarem e florescerem, depois da depressão dos últimos anos, criada pelas sanções. 
  
... os republicanos também 
  
A vontade política de Obama de chegar a um acordo com Teerão, de modo a travar o programa nuclear iraniano, custou ao Presidente ser quase desrespeitado por um grupo de senadores republicanos com escassa visão do Mundo e que se consideraram mais representados pelo primeiro-ministro israelita do que pelo próprio Presidente dos EUA. 
  
O ponto mais crítico dessa divergência foi a carta assinada em março passado por um grupo de mais de quatro dezenas de senadores, liderados pelo republicano Tom Cotton, do Arkansas, quando da presença de Netanyahu wm Washington (com o primeiro-ministr o a comparar, em pleno Capitólio, o regime do Irão ao Estado Islâmico), Na altura, Obama demarcou-se da visita de Netanyahu e a visão de Washington e Telavive sobre um acordo com o Irão tornou-se inconciliável. 

Os candidatos às primárias republicanas rejeitam em absoluto que Viena tenha sido vitória americana: Jeb Bush falou em «acordo perigoso e vistas curtas»; Rick Perry acusou Obama de ser «um tipo muito ingénuo, incapaz de ligar os pontos»; Chris Christie disse que este acordo é «a maior mentira do segundo mandato de Obama». 
   
Rússia e China envolvidas 
  
Mas, na hora da verdade, depois do que saiu de Viena, fica claro quem tinha razão. E reafirmou a ideia da liderança americana no plano internacional, com o envolvimento dos 5+1: Rússia, China, Reino Unido, França, Alemanha, mais a União Europeia. 
  
Isso mesmo: a Rússia de Putin, adversária e inimiga potencial em questões como a Ucrânia, assinou este acordo e fez parte direta dele. 
  
Consequências imediatas para o «Iran Nuclear Deal»: baixa dos preços do petróleo, com o aumento da posição de Teerão; reforço da cooperação EUA/Irão na luta contra o ISIS; levantamento das sanções que gerava fortes problemas económicos à população iraniana; garantia de que, na próxima década e meia, o Irão não fabricará uma bomba atómica, a troco do reconhecimento da legitimidade do seu programa de urânio enriquecido como sendo para fins pacíficos.. 
  
Não é coisa pouca. 
  
Pode ser que ainda haja quem considere que Barack Obama é  «um líder fraco, com retórica oca e que como presidente não conseguiu grande coisa». 
  
Mas perante mais este avanço histórico (que se junta à Reforma da Saúde, à recuperação económica, ao acordo ambiental com a China e aos acordos comerciais com Pacífico e Europa, às medidas pela Imigração, Equal Marriage, Equal Pay, subida do salário mínimo e aumento do valor das horas extra ou o alargamento do acesso à net em todo o território americano), talvez isso aconteça apenas por distração ou desconhecimento. 
   

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Histórias da Casa Branca: Walker desafia Bush, Hillary quer salários altos

Scott Walker, 47 anos, governador do Wisconsin, é desde esta segunda oficialmente candidato à presidência dos EUA. 

Um «tweet» inadvertidamente libertado pela sua campanha já o tinha antecipado na sexta, mas, na verdade, até a data do anúncio já era conhecida há semanas. 

O mais importante, mesmo, é apontar Walker como o mais forte «challenger» ao favoritismo de Jeb Bush para a nomeação republicana. 

Líder das sondagens no Iowa, bem posicionado no segundo estado de arranque, o New Hamphire, Scott Walker pode aproveitar o calendário das primárias para perturbar a dinâmica da corrida republicana. 

Sem a dimensão nacional de Jeb Bush, Chris Christie ou até Marco Rubio, Scott Walker foi conseguindo, nos últimos 12 meses, posicionar-se como candidato a ter em conta na corrida republicana. 

É um governador muito popular no Wisconsin (estado importante para a batalha final, por ser um dos que ora vota democrata, ora vota republicano), Walker teve uma primeira vitória local ao «queimar» a candidatura do outro republicano «presidenciável» do Wisconsin: Paul Ryan. 

A reeleição para o governo do Wisconsin, em novembro passado, fez de Scott Walker um dos maiores vencedores da noite histórica que os republicanos obtiveram nas «midterms» de 2014. 

A partir daí, a sua candidatura presidencial de 2016 passou a ser inevitável. 

Estudou na Universidade Marquette, mas não acabou o curso. 

A «não licenciatura» de Scott até já passou a ser tema nas intermináveis discussões nos programas de comentário político nas televisões americanas. E, de facto, contrasta com a elevada preparação académica de vários candidatos (até dos menos prováveis, como o polémico e radical Ted Cruz, que tem no currículo duas «Ivy League», Princeton e Harvard). 

O que é certo é que essa não foi, até agora, uma falha decisiva no currículo de Scott. Será que na corrida à Casa Branca poderá revelar-se comprometedora? 

A plataforma eleitoral de Scott tem muito a ver com o registo da sua governação no Wisconsin: cortes fiscais para os pequenos negócios, de modo a incentivar o emprego; oposição ao aborto, mesmo em casos de violação e aborto. 
Walker tem posição muito crítica da política externa de Obama, acusando o Presidente de ser «muito fraco» perante a ameaça do Estado Islâmico. 

Conservador em tudo, embora tentando não se colar ao rótulo «Tea Party» que compromete, à partida, a viabilidade de candidaturas como as de Ted Cruz, Rick Santorum, Rick Perry, Bobby Jindal ou Mike Huckabee (já para não falar em Donald Trump…) 

Não ameaça, para já, o favoritismo de Jeb Bush (que tem bom avanço nas sondagens nacionais e nos estados com mais delegados). Mas pode encurtar o «momento louco» de Donald Trump. 


Hillary e a Economia: dar mais dinheiro à classe média 
  
No mesmo dia em que do lado republicano avançou um dos candidatos mais fortes, Hillary Clinton torna público o seu plano económico. 
  
Nos últimos dias, a super favorita à nomeação democrata foi libertado as ideias fortes desse plano: dar mais poder económico à classe média, através do aumento dos salários mais baixos, usando assim instrumentos federais para que as famílias americanas sintam mais no bolso o crescimento verificado nos anos Obama. 
  
«Concorro à presidência para tornar a nossa economia funcional para todos os americanos. Para os bem-sucedidos e para os que lutam. Para todos os que caíram, para todos os que foram derrubados, para os que se recusam a cair. Não concorro para alguns americanos, mas para todos», escreveu Hillary no Facebook oficial da sua candidatura.    
  
Classe média, justiça salarial, direitos das mulheres e das crianças, tudo englobado numa visão partilhada da sociedade americana: «Temos que que nos assegurar que as mulheres e as famílias consigam sigam em frente – incluindo a garantia de que mais mulheres se possam juntar à força de trabalho, tenham acesso a cuidados de saúde para os seus filhos, obtenham salários idênticos em relação aos homens para igual trabalho e tenham licenças pagas para estarem com os filhos», apontou Clinton. 
  
«Toda a gente que trabalha no duro e faz a sua parte deve ver esse esforço refletido no seu salário. Para aumentar os salários, temos que investir em forte crescimento, assegurar que os ganhos vão não apenas para os que estão no topo e temos que abrir caminhos para bons empregos para cada vez mais americanos. Precisamos de uma economia que funcione para toda a gente». 
  
Insistindo naquela que foi a ideia forte do seu primeiro comício, Hillary apontou: «A democracia não pode ser só para os bilionários e para as corporações. A prosperidade e o crescimento fazem parte do contrato americano». 
  
Hillary fará assim, no seu plano económico, a sua tese de uma economia americana que não está condenada a salários baixos e à desigualdade, advogando a ideia de que o crescimento terá que ter consequências no poder de compra da classe média. 
  
Para a provável nomeada presidencial democrata, uma das formas de garantir que isso acontece é mesmo pelas políticas federais – e é isso que ela promete fazer se chegar à Casa Branca.