terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Histórias da Casa Branca: entre o compromisso e o decreto

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 24 DE FEVEREIRO DE 2014:

«Hoje, depois de quatro anos de crescimento económico, os lucros empresariais e os preços das casas raramente estiveram tão altos e quase nunca mostraram resultados tão bons. Mas a média dos salários não foi alterada. A desigualdade aumentou. A mobilidade estancou. A realidade, nua e crua, é que mesmo em plena recuperação, demasiados americanos trabalham mais horas do que nunca para apenas conseguirem aguentar. E demasiados estão ainda sem trabalho»
Barack Obama, Presidente dos EUA, Estado da União 2014

«Oportunidade é o que nós somos. E o projeto da nossa geração é restaurar esse projeto»
Barack Obama, Presidente dos EUA, Estado da União 2014

«Se Barack Obama cumprir a ameaça de governar por decreto, deixa de ser um Presidente respaldado pela lei»
Paul Ryan, congressista republicano do Wisconsin

«Ninguém nos EUA que trabalhe a tempo inteiro deve ter de criar uma família na pobreza»
Barack Obama, Presidente dos EUA, Estado da União 2014


As cartas para os próximos meses da política americana começam a ficar marcadas e reforçam as posições dos três pilares que sustentam o sistema. 

No caso de Barack Obama, o discurso do Estado da União de 28 de janeiro passado apontou aquelas que serão as grandes linhas dos últimos dois anos de mandato: aposta no aumento do salário mínimo, combate às desigualdades sociais, desafio final à Câmara dos Representantes republicana de poder governar por decreto se não houver aprovações das reformas prometidas para o segundo mandato. 

Esta atitude presidencial pode compreender-se pelo desfasamento entra a legitimidade que Obama recebeu pelas duas vitórias eleitorais obtidas em 2008 e 2012 e a falta de respaldo político no Congresso.

Mas a verdade é que governar por decreto presidencial não se enquadra no espírito do sistema americano. 

Nas semanas que se seguiram ao State of The Union, foram vários os dirigentes republicanos a insurgirem-se contra a nova atitude do Presidente (já concretizada, no caso do aumento de 7,7 para 10 dólares por hora do salário mínimo dos funcionários americanos, assinado por Obama, sem ir ao Congresso, no passado dia 12 de fevereiro).

Paul Ryan, que votou contra o acordo para o aumento do teto da dívida até março de 2015, teve uma das reações mais violentas, quase ameaçando Obama de se tornar num Presidente «fora do respaldo da lei», se enveredar pelo caminho do governação por decreto.

A verdade é que o «tandem» Casa Branca/Congresso não será assim tão inevitável, nos próximos tempos. Obama quer acelerar na parte ideológica; os republicanos no Capitólio (sobretudo os membros da Câmara dos Representantes), precisam de ter margem para a reeleição em novembro.

Nas «midterms» que se realizam daqui a meio ano, vão a jogo os 435 deputados da House e um terço do Senado. As sondagens apontam para uma renovação da maioria republicana na Câmara dos Representantes, enquanto na câmara alta tudo está em aberto: os democratas podem manter vantagem, mas não é de excluir que os republicanos recuperem o controlo. 

O Presidente seguirá mais ou menos à distância este processo eleitoral. Do lado democrata, não há uma grande vontade de chamar Obama para o terreno, porque em muitos estados temas como o ObamaCare estão longe de serem populares. 

Perante este quadro, Obama tem dado prioridade a uma reorganização interna da Casa Branca, de modo a tornar a ação executiva mais eficaz. Para isso, chamou John Podesta, uma velha raposa de Washington, que era do «inner circle» de Bill Clinton e já havia sido responsável pelo gabinete de transição, em dezembro de 2008, entre a saída de Bush e a tomada de posse de Obama. 

Histórias da Casa Branca: diferentes tons de republicanismo

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 21 DE FEVEREIRO DE 2014: 

«Gostava que houvesse apenas um Partido Republicano para que soubéssemos com quem temos que negociar»
Joe Biden, vice-presidente dos EUA)


«O acordo que os republicanos fizeram para o teto da dívida foi um embuste. É por coisas destas que o Congresso tem só 13% de aprovação»
Ted Cruz, senador republicano do Texas, afeto ao Tea Party)


O impasse político em Washington parece já ter tido piores dias: o acordo feito no Congresso para aumentar o teto da dívida afasta o risco de «shutdown» durante um ano, garantindo «tréguas políticas» entre o Presidente e a oposição durante os meses de campanha para as intercalares e a preparação para o Orçamento de 2015. 

Muito cedo para que a Casa Branca declare vitória, é claro: basta ouvirmos o que dizem os republicanos no Congresso sobre temas fundamentais para a agenda do segundo mandato de Obama, como a Reforma da Imigração ou a Energy Bill.

Mas a questão do funcionamento essencial do sistema parece ter ficado assegurada na reta final da presidência Obama. 

Em política, a pragmática, por vezes, sobrepõe-se à ideologia. O Presidente precisa de ter instrumentos para governar. Os republicanos sabem que teriam mais a perder do que a ganhar se assumissem a paralisação completa do sistema. 

Quer dizer: nem todos. Alguns dos líderes mais visíveis da fação Tea Party ficaram furiosos com o acordo alcançado, primeiro na Câmara dos Representantes, e dias depois também no Senado. 

Ted Cruz, pretendente presidencial para 2016, senador republicano do Texas afeto ao Tea Party, acusa: «Acho que a última semana mostrou bem as razões pelas quais o Congresso só tem 13% de aprovação dos americanos. Vimos tudo o que está mal em Washington. Os membros do Congresso, republicanos incluídos, fizeram um autêntico embuste para aprovar aquele acordo vergonhoso».

Esta visão zangada sobre um acordo que apenas garantiu condições mínimas de funcionamento do sistema até março de 2015 explica-se, obviamente, por ter sido feita por quem perdeu o jogo. 

Já depois da aprovação na House, com o voto de 28 congressistas republicanos entre os quais os líderes da bancada conservadora (John Boehner, Eric Cantor e Kevin McCarthy), Cruz tentou de tudo para que a maioria democrata no Senado não fosse suficiente para selar o aumento do teto da dívida.

Só com a intervenção de 12 senadores republicanos da ala moderada foi possível travar o «filibuster» (minoria de bloqueio) que já estava a montar-se.

A meio ano das eleições intercalares para o Congresso, os dados parecem cada vez mais claro: do lado republicano, segurar a maioria na House e atacar o controlo do Senado passa, desta vez, pela moderação e não pela radicalização (que funcionou em 2010, altura de maior descontentamento contra o Presidente). 

Onde fica Paul Ryan (atual «frontrunner» das sondagens para a nomeação presidencial republicana de 2016) nisto? A meio caminho, claramente. 

O congressista do Wisconsin tinha dado sinais de querer entrar no jogo do compromisso, já depois da reeleição. Mas à última hora votou contra o aumento do teto da dívida, preferindo o «mantra» do conservadorismo fiscal levado ao limite, em vez das vantagens da negociação.

É com estes diferentes tons de republicanismo que o Presidente Obama vai ter que lidar até ao final do seu segundo mandato. Os resultados das «midterms» de novembro poderão conferir-nos os dados que faltam nesta equação tão complicada de gerir.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Communication Advisory: a gestão de ganhos de Hillary Clinton

TEXTO PUBLICO NO SITE «COMMUNICATION ADVISORY», A 19 DE FEVEREIRO DE 2014:

«Em comunicação política, é cada vez mais comum falar-se de «gestão de danos».

A esfera pública está tão propensa a que se perca o controlo da mensagem que uma parte importante de uma campanha, ou da estratégia comunicacional de um mandato político de relevo, passa por evitar erros e ter a capacidade de os minimizar.
Quando se trata de uma campanha presidencial americana, então, essa necessidade surge como ainda mais prioritária, tão alargado é o campo de risco e são os fatores de distração.
O calendário político na América está cada vez mais apertado nas folgas e prolongado nos momentos decisivos.
Entre posicionamento de candidaturas, recolha espontânea de opiniões do eleitorado, anúncios de intenções, recolha de fundos, avanço de candidatos, época de primárias partidárias e a campanha eleitoral propriamente dita, uma corrida presidencial nos EUA passou a demorar, pelo menos, dois anos.
Quer isto dizer que o tiro de partida para a sucessão de Barack Obama na Casa Branca está quase a ser dado.

O que é que dizem as sondagens de primeiras impressões para 2016? 
Dizem-nos, essencialmente, duas coisas:

que do lado republicano tudo está ainda em aberto, com um amplo e diverso leque de possíveis candidatos (Paul Ryan, Jeb Bush, Chris Christie, Marco Rubio, Ted Cruz, Mike Huckabee e mais alguns) e que no campo democrata só um «terramoto» poderá impedir Hillary Clinton de ser a escolhida.
Na imprevisibilidade que costuma dominar a arena da alta política americana, este dado é absolutamente surpreendente. E até há quem desconfie: «Estará mesmo tudo decidido a favor de Hillary para a nomeação democrata de 2016?»
Por muito que seja prudente colocar reservas quanto à solidez dessa ideia, quanto mais a analisamos, mais percebemos todos os dados jogam a favor da antiga Primeira Dama dos EUA (1993-2001) e chefe da diplomacia americana no primeiro mandato de Obama (2009-2013).
Todas as sondagens dão Hillary Clinton com pelo menos 60% de intenção de voto dos democratas, sendo que algumas a colocam próxima dos... 80%. Todos os possíveis adversários do seu campo (Joe Biden, Elizabeth Warren, Andrew Cuomo, Martin O'Malley) ficam abaixo dos dois dígitos, a 60 pontos ou mais da superfavorita.
Há quem recorde a perda, na reta da meta, para Obama em 2008. Certo. Mas em disputas eleitorais os números contam: e muito. Há oito anos, Hillary partiu para a jornada de 2008 com uma vantagem de 20/30 pontos sobre Barack Obama e John Edwards.
Viria a perder, de forma surpreendente, para Obama, mas um fenómeno como a caminhada do atual Presidente não se repete com frequência. E insisto: a diferença inicial era de 20/30 pontos.
Uma vantagem como a que Hillary tem, de 60/70 pontos, não é reversível num espaço de dois anos.
Mais do que uma candidatura de vitória, a antiga senadora por Nova Iorque fará, assim, uma «gestão de ganhos» até 2016.
É claro que é uma enorme vantagem: mas, por vezes, a ansiedade de quem está assim tão à frente pode ser má conselheira. Há muito mais a perder e não é fácil controlar os ímpetos eufóricos de quem rodeia a candidata.

Traços gerais da campanha Hillary-2016: herdar o melhor dos anos Obama (Reforma da Saúde, consolidação da recuperação económica), apostar numa maior capacidade de consenso com o «outro lado» (claramente o ponto mais fraco do atual Presidente).
Hillary Clinton perdeu, por muito pouco, o comboio da História em 2008. As apostas favorecem-na para 2016. Mas nunca fiando.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Histórias da Casa Branca: acordo até março de 2015

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 17 DE FEVEREIRO DE 2014:


O fantasma do incumprimento americano está afastado até março de 2015. 

O acordo pelo aumento do teto da dívida, atingido nos últimos dias nas duas câmaras do Congresso, foi a prova de que o «shutdown» de outubro passado levou a algum recuo no «gridlock» republicano. 

Não foi, obviamente, a resolução total do clima de constante impasse que se vive em Washington. Mas reforçou a ideia de que a fase final dos anos Obama poderá ser marcada por uma maior efetividade na relação Casa Branca/Congresso. 

Primeiro o acordo surgiu na House. Com o apoio de quase todos os democratas e de 28 republicanos, incluindo o «speaker» John Boehner, o líder da maioria Eric Cantor e da «majority whip», Kevin McCarthy, o aumento do teto da dívida passou com 221 votos a favor, para 201 contra (199 republicanos e dois democratas). 

Outros republicanos de relevo na House, como Peter King (Nova Iorque), Dave Camp (Michigan) ou o luso-descendente Devin Nunes (Califórnia), também votaram a favor.

Do lado democrata, a líder da minoria na House, Nancy Pelosi, segurou bem as tropas: apenas dois congressistas do partido do presidente votaram contra o aumento do teto da dívida (Jim Mathseon, do Utah, e John Barrow, da Geórgia).

Logo a seguir, o Senado passou resolução idêntica, mas para qe tal acontecesse, foi fundamental que 12 senadores republicanos travassem uma proposta de «filibuster» (minoria de bloqueio) avançada pelo radical Ted Cruz, senador do Texas e um dos «tea party darlings». 

O risco de «default» está, assim, adiado muito para lá das «midterms» de novembro. Sinal de inteligência eleitoral por parte de uma boa parte dos republicanos. 

No entanto, a marca de fratura no Partido Republicano continua bem clara: no Senado, Ted Cruz quase conseguia levar avante mais um bloqueio; na Câmara dos Representantes, Paul Ryan, congressista do Wisconsin e outro dos «presidential hopefuls» da direita americana para 2016, votou contra o acordo feito na House.

O Presidente Obama é, em primeira instância, o grande vencedor dos últimos dias: com pelo menos mais um ano de estabilidade garantida na execução orçamental, poderá aproveitar os bons indicadores económicos confirmados em janeiro (6,6% de desemprego, valor mais baixo dos últimos cinco anos, e crescimento económico de 3,2%).

Bem mais difícil é a posição do «speaker» Boehner. Em 2011, o congressista republicano do Ohio garantira que o seu partido «só iria aceitar um aumento do teto da dívida a troco de cortes de triliões de dólares na despesa». Ora, mais uma vez, o teto da dívida aumentou sem essa contrapartida.

Politicamente, a gestão do «braço de ferro» do «shutdown», que em outubro passado parecia ter atirado a Presidência Obama para um novo buraco, está a ser claramente ganha por Obama e pelos democratas. 

A Casa Branca já reagiu, através do seu porta-voz, Jay Carney, destacando que foi «mais um passo positivo num caminho de melhor ambiente político em Washington». 

A próxima data crítica em termos de escolhas financeiras do Congresso é só a 30 de setembro, precisamente um ano depois de idêntico momento, que levaria ao «shutdown». 

Mas no final de setembro de 2014 estaremos a apenas um mês das intercalares, em plena campanha eleitoral. E não é de prever que os republicanos voltem a arriscar levar com a culpa de uma nova paralisação.

Obama ganhou um ano de governabilidade e, agora sim, os focos da política americana estarão apontados, nos próximos meses, para a agenda do Presidente e para as eleições intercalares. 

Normalidade em Washington? Na América, é sempre melhor esperar para ver.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Histórias da Casa Branca: que republicano pode travar Hillary?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 13 DE FEVEREIRO DE 2014:

Nas primeiras semanas de janeiro, a TIME colocava como tema de capa a pergunta: «poderá alguém parar Hillary?».

Nesta fase de primeiras movimentações para a corrida às nomeações partidárias para as presidenciais de 2016, será mesmo essa a pergunta a dominar os espíritos dos republicanos.

Reince Priebus, «chairman» do Comité Nacional Republicano, abriu hostilidades em declaração na passada segunda-feira: «Quando chegar a altura certa, teremos um camião de argumentos a utilizar contra Hillary», garantiu esta espécie de líder informar do partido.

Priebus não especificou, mas, tendo em conta o discurso dos republicanos nos últimos anos (sobretudo durante a fase de Hillary como secretária de Estado na primeira Administração Obama) estaria a referir-se ao «caso Bengazhi» e, eventualmente, também aos argumentos pró-Reforma da Saúde que a mais que provável nomeada presidencial democrata para 2016 teve enquanto candidata nas primárias de 2008. 

Até há cerca de um mês, Chris Christie, o rotundo governador da Nova Jérsia, era apontado pelo «mainstream media» como o republicano mais bem colocado para desafiar Hillary: mesmo não recolhendo os favores da Direita mais radical, as suas credenciais eleitorais num estado tão «liberal» como a Nova Jérsia apontava-lhe boas condições para disputar com Hillary as batalhas decisivas da eleição geral.

Mas o caso da «George Washington Bridge» enfraqueceu mesmo «big Chris»: «Depois desse caso, a porta ficou aberta para aquele que poderá vir a ser o maior leque de potenciais candidatos do campo republicano. E essa porta, já sendo larga, pode vir a ser ainda maior», observa Rick Wilson, estratega republicano, em artigo publicado no «Politico Magazine». 

O «caso da ponte» tem abalado a aura vencedora de Christie, mas a verdade é que, na política americana, o tempo tem uma capacidade curativa maior do que parece.

A quase dois anos do arranque das primárias, Chris tem ainda uma margem muito significativa para recuperar do choque político. 

Maior duelo do que Hillary/Christie, seria um embate entre a antiga Primeira Dama e Jeb Bush, ex-governador da Florida, filho e irmão de antigos presidentes.

Numa direita dividida entre moderados e clássicos calados pelo furor do Tea Party durante os anos Obama, muito vêem em Jeb Bush a solução mais sólida para 2016.

O saldo político do seu governo na Flórida dá-lhe boas credenciais: trabalhou com democratas em temas como a educação e mostra ter uma abordagem político mais consensual do que teve o irmão George W quando foi governador do Texas e, sobretudo, quando foi Presidente.

Clinton contra Bush? Já vimos isso em 1992 e um jovem governador do Arkansas conseguiu bater o Presidente em funções, um experiente George Bush pai que acabara de ganhar a primeira guerra do Golfo, mas corria à reeleição com um historial económico pericilitante. 

Ainda antes da oficialização das candidaturas, mas já com alguns números e tendências a serem estudadas, Christie e Bush parecem ser os pretendentes mais credíveis para conseguirem bater a «superestrela» Hillary Clinton.

Mas há muitas outras hipóteses a considerar: se os republicanos quiserem assumir a rutura geracional (em 2008 nomearam o septuagenário John McCain, em 2012 o sexagenário Mitt Romney), podem virar-se para Marco Rubio (41 anos, senador da Florida), Rand Paul (senador do Kentucky, filho de Ron Paul, que tem uma base de apoio muito mobilizada) ou Scott Walker (governador do Wisconsin).

A direita «Tea Party» pode tentar impor Ted Cruz (senador do Texas) ou Sarah Palin (antiga governadora do Alaska), mas são apenas nomes para baralhar a corrida, não terão hipóteses de nomeação. 

E, é claro, há Paul Ryan. Candidato a vice no ticket de Mitt Romney em 2012, o líder do Comité de Orçamento do Congresso, eleito pelo Wisconsin, aparece a liderar a corrida em sondagem ABC/Washington Post e tem dado mostras de moderar discurso que foi excessivamente conservador durante a campanha de 2012.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Histórias da Casa Branca: o jogo da ideologia

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 10 DE FEVEREIRO DE 2014:


O recente discurso sobre o Estado da União confirmou que é nos EUA que o debate ideológico mais se sente.

A política americana continua a ser a principal arena de combate de ideias. No melhor e no pior. 

Barack Obama lançou a carta do aumento do salário mínimo para os funcionários públicos americanos e o prolongamento do alcance do subsídio de desemprego, depois de meses de discussão entre democratas e republicanos sobre a necessidade de diminuir as desigualdades sociais numa América com cerca de 40 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza. 

Rapidamente, as «rising stars» da direita pura e dura americana (Marco Rubio, Ted Cruz, Rand Paul) levantaram a voz contra a iniciativa do Presidente. Rand Paul comentou: «Não sou contra a existência de subsídio de desemprego. Mas considero que ele limita a economia e a longo prazo os efeitos são nefastos». 

Acusado pela fação liberal de não ter ido suficientemente longe nos temas mais gratos à esquerda americana no primeiro mandato, Barack Obama prometeu, logo no discurso de posse do segundo (21 de janeiro 2013), dar prioridade a bandeiras como os direitos dos homossexuais, o combate às desigualdades ou a reforma da Imigração. 

O sistema político americano assenta num pressuposto muito forte: o do bipartidarismo. 

Como só democratas e republicanos têm acesso ao jogo do poder real (candidatos a Presidente, governadores de estado, controlo das duas câmaras do Congresso), há uma tendência para que vozes demasiado à esquerda (comunistas, anarquistas, anti-sistema) ou demasiado à direita (libertários, racistas) sejam residuais e não consigam o acesso ao «mainstream».

E a verdade é que, com diferenças fundamentais na visão do Mundo sobre o poder americano, a relação com as minorias ou as políticas fiscais, estes dois grandes pólos (democratas e republicanos) têm mostrado, nas últimas décadas um certo consenso de governação nas linhas principais: redução das assimetrias sociais, incremento 

O problema é que, nos últimos anos, esse pressuposto foi abalado, nos últimos anos, com um certo enfraquecimento do núcleo tradicional do Partido Republicano.

O mau exemplo dos anos finais de George W. Bush (com o domínio dos «neocons» e o desastre da campanha do Iraque) e, sobretudo, a eleição presidencial de Barack Obama abriram caminho ao «assalto» da direita radical, que passou a dominar o discurso mediático e mesmo político dos conservadores.

Os efeitos têm sido perturbadores: o sistema político americano, já de si excessivamente ponderado pelos «contrapesos», passou a ser simplesmente disfuncional. 

Sem um bom senso de uma relação de rivais políticos como existia por exemplo entre o republicano Reagan (na Casa Branca) e o democrata Tip O'Neill (speaker democrata do Congresso), nos idos de 80, a era Obama tem sido marcada pela paralisação legislativa e os prejuízos não são só para o Presidente e para os democratas.

Muitos republicanos moderados e/ou tradicionais estariam na disposição de negociar com o Presidente este propostas como as que Obama lançou no State of The Union. Em relação à Imigração, então, o constrangimento é evidente: Obama terá conseguido a reeleição pelo largo apoio que teve junto de latinos que quiseram apoiar eleitoralmente essa ideia política do Presidente. 

Mas John Boehner, «speaker» republicano da House, já veio dizer, após o State of The Union, que «é muito improvável que o Congresso aprove uma Reforma da Imigração durante o ano 2014». 

A luta de classes está lançada no jogo ideológico da política americana. O Presidente tem legitimidade eleitoral e política para fazer valer as suas posições, mas ainda não descobriu maneira de convencer os seus adversários disso. 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Histórias da Casa Branca: Hillary tem o ás de trunfo na mão

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 6 DE FEVEREIRO DE 2014:

Faltam 23 meses para o arranque das primárias, mas já toda a gente percebeu que a corrida às presidenciais de 2016 já começou.

Do lado democrata, há um ás de trunfo: Hillary Rodham Clinton.

Se em 2008 a grande história se chamou Barack Hussein Obama (mesmo que o atual Presidente tivesse perdido a nomeação democrata para Hillary ou a eleição geral para John McCain, a corrida foi feita em torno dele), em 2016 Hillary tem tudo para ser a história da campanha.

Caso avance, não se vê como Hillary possa perder a nomeação.

No arranque das primárias de há seis anos, a então senadora por Nova Iorque tinha entre 20 e 30 pontos de avanço sobre Obama e Edwards. Desta vez, parte em todas as sondagens com uma vantagem de... 60 pontos sobre os eventuais concorrentes.

Recente sondagem ABC/Washington Post dá 73% de preferências para Hillary, para apenas 12% do atual vice-presidente Joe Biden e 8% da senadora Elizabeth Warren, do Massachussets.

No final de dezembro, estudo idêntico da Quinnipiac dava 66% a Hillary e colocava todos os outros putativos candidatos democratas abaixo dos dois dígitos.

Estes indicadores são demasiado evidentes para que a conclusão se torne inevitável: ok, ainda faltam quase dois anos para o «caucus» do Iowa.

Mas uma vantagem de 60 pontos, consistente em diferentes estudos, dão a Hillary estatuto de imbatível, mesmo na arena tão imprevisível da política americana.

Além da diferença esmagadora, há também leitura política a fazer. Quem poderá vir a ter Hillary Clinton na corrida à nomeação democrata?

Joe Biden, que aparece em segundo nas sondagens, terá já 74 anos em 2016. Seria, se fosse eleito, o mais velho presidente eleito pela primeira vez. Por outro lado, os índices de popularidade do Presidente Obama não são muito animadores para que o seu número dois na atual Administração tente capitalizar a herança dos anos Obama em 2016.

Elizabeth Warren é uma espécie de «consciência de esquerda» de Barack Obama. Apoiante de sempre do Presidente, tem sido uma das figuras da ala liberal e teve vitória importante no Massashussets, recuperando, em 2012, o lugar no Senado que fora de Ted Kennedy e que o republicano Scott Brown obtivera em 2010.

Mas a verdade é que Elizabeth não tem visibilidade nacional suficiente para ser uma candidata presidencial com hipóteses reais para 2016. O mesmo se poderá dizer, por exemplo, de Martin O'Malley, governador do Maryland, ou mesmo de Andrew Cuomo, governador de Nova Iorque.

Negócio fechado a favor de Hillary? Parece que sim. Tem vantagem esmagadora nas sondagens. Tem currículo impressionante (Primeira Dama entre 1993 e 2001; senadora entre 2001 e 2009; secretária de Estado entre 2009 e 2013). Teve comportamento exemplar com Barack Obama, depois de ter perdido as primárias por um detalhe.

Os 18 milhões de votos que amealhou em 2008 serão mais do que suficientes para que, desta vez, a nomeação seja um passeio. Há já um movimento «Ready for Hillary», que soma financiamento relevante (mais de quatro milhões de dólares) e beneficia de grande parte da base de apoio das campanhas Hillary-2008, Obama-2008 e Obama-2012.

A super pac «Priorites USA Action», herdeira das duas campanhas presidenciais de Obama está, também, a fazer campanha por Hillary.

Como figura polarizadora que é, Hillary tem também já uma super pac contra: chama-se mesmo «Stop Hillary 2016», mas não tem um décimo da dimensão dos movimentos a favor da candidatura da ex-secretária de Estado.

Odiada por setores republicanos, Hillary tem como principal problema as ondas de choque do «caso Benghazi», que em setembro de 2012 vitimou quatro diplomatas americanos, entre os quais o embaixador dos EUA na Líbia.

Mas o saldo político da passagem pelo Departamento de Estado é claramente favorável a Hillary e até lhe dá apoios à direita.

Depois das intercalares, talvez lá para o início de 2015, a América deve receber a confirmação do arranque da campanha Hillary Clinton 2016.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Histórias da Casa Branca: o regresso da América

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 3 DE FEVEREIRO DE 2014:


«Aqui estão os resultados dos nosso esforços: o mais baixo desemprego dos últimos cinco anos. O mercado imobiliário a regressar em força. O setor industrial a somar novos empregos, pela primeira vez desde os anos 90. Produzimos mais petróleo do que aquele compramos ao resto do Mundo. É a primeira vez que isso acontece em cerca de 20 anos. O nosso défice foi cortado a metade. E pela primeira vez numa década, os líderes empresariais um pouco por todo o Mundo declararam que a China já não é o melhor sítio para investir: é a América»

BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, discurso do Estado da União, 28 de janeiro 2014


O recente discurso de Obama no Estado da União não serviu apenas para sublinhar a ideia forte de que «2014 será um ano de ação» para a sua Presidência. 

Entre os avisos aos congressistas republicanos e o piscar de olho aos liberais com o aumento do salário mínimo dos funcionários públicos, o Presidente associou a recuperação económica obtida nos últimos quatro anos com o que considera ser o regresso da América à condição de motor da economia mundial. 

«Acredito que este pode ser um ano de confirmação para a América. Depois de cinco anos de sacrifícios e determinação, os Estados Unidos são na melhor posição para enfrentar o século XXI, quando comparados com qualquer outro país», exortou. 

Entre o final dos anos Bush e o início da era Obama, habituámo-nos a ler e ouvir sobre o «declínio do poder americano». 

O fracasso das operações no Iraque e no Afeganistão, e sobretudo o rebentar da crise financeiro com epicentro no sistema financeiro americano, deram corpo à ideia. 

Mais recentemente, episódios como a crise síria resolvida por Putin ou o shutdown em Washington que paralisou o governo americano por duas semanas, alimentaram a noção de que a presidência Obama enfraqueceu a liderança americana no Mundo.

O Presidente tem tentado combater essa ideia e a maior vitória que tinha conseguido até agora tinha sido a sua reeleição, em novembro de 2012. 

Mais de um ano depois, este discurso sobre o Estado da União (considerado pelo conservador Newt Gingrich como «um dos melhores da sua presidência») ajudou a sublinhar um caminho que o Presidente pretende trilhar até ao final do segundo mandato: a América está «a recuperar», o pior «já passou», os indicadores económicos começam a ter valores «anteriores ao início da crise».

É preciso, agora, tornar real, «para as pessoas», a melhoria económica que os indicadores já mostram (daí a aposta no aumento do salário mínimo, trunfo que o Presidente só pôde jogar junto do funcionalismo público, mas que apelou para as empresas privadas repliquem). 

Obama sabe perfeitamente que a base dos seus problemas de execução governativa se mantém: a maioria republicana na Câmara dos Representantes vai certamente manter tom do bloqueio e, com o aproximar das intercalares de 2014, fará tudo para não oferecer ao Presidente e aos democratas trunfos eleitorais para novembro.

Mas à «vontade de reconciliação» que dominou a sua retórica do primeiro mandato, Obama sucedeu um pragmatismo que aponta para a disposição de «assinar ordens executivas», sem ter que passar no crivo do Congresso.

É questionável se o Presidente tem mais a ganhar do que a perder com esse caminho. A tradição legislativa do sistema político em Washington tem no Congresso o seu pilar essencial. E só em situações excecionais vê com bons olhos que o Presidente use os seus poderes passando por cima do Capitólio.

Como candidato presidencial, em 2007 e 2008, Barack Obama foi muito crítico de medidas idênticas na parte final da presidência George W. Bush.

Mas é também verdade que uma boa parte da agenda com que Obama obteve a reeleição continua bloqueada pelo «gridlock» político de Washington. A reforma da Imigração será uma prioridade dos próximos meses e caso não tenha novidades concretas no Congresso, pode vir a ter um empurrão decisivo diretamente da Casa Branca.