domingo, 17 de fevereiro de 2013

Histórias da Casa Branca: o «regresso» da Europa

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 15 DE FEVEREIRO DE 2013: 

Barack Obama chegou a ser rotulado de «primeiro Presidente do Pacífico». O «shift» anunciado nos anos iniciais da era Obama apontava para uma América mais virado para a Ásia e muito menos para a Europa.

Mas, como em tantas outras coisas na política internacional, nem sempre o que parece é. 

A menção surpreendente, no discurso do Estado da União, da intenção de criar uma plataforma comercial com EUA/Europa nos próximos dois anos foi a maior prova de que Obama ainda vê neste lado do Atlântico o seu maior aliado. 

Não nos enganemos: os Estados Unidos, sob esta administração e nas próximas, vão olhar cada vez mais para o que se passa na Ásia-Pacífico. 

Mas a ascensão da China, que em alguns sectores começa a ameaçar a hiperpotência americana, leva a que os EUA olhem de forma mais séria para um acordo global com os europeus, de modo a alargar o seu mercado.

A crise europeia fez alterar os dados da equação, mas a verdade é que as relações EUA-União Europeia continuam a mostrar-se como o «tandem» mais rico no plano das relações comerciais no Mundo.

É certo que, nos primeiros anos do seu primeiro mandato, a Administração Obama foi torcendo o nariz num maior envolvimento na solução da crise europeia. A explicação era prosaica: havia que dar prioridade a resolver a crise que, no seio da própria americana, ainda se mostrava particularmente violenta.

Com a América a crescer a dois por cento, com três anos seguidos de criação de emprego, o Presidente Obama ainda não chegou ao ponto que desejaria, mas sabe que o pior já passou. 

Pode, agora, começar a mudar um pouco a agulha, diversificando objetivos, para lá da salvação da crise interna. 

A forma como escolheu abrir o seu discurso do dia 12 é um bom exemplo desta estratégia. 

O Presidente recordou que a América está a sair de uma década de guerra. A economia está a recuperar de forma sólida e até os preços das casas estão a subir, sendo que o pico da crise começou no sector imobiliário. 

Com uma oposição republicana ainda em convulsão interna, a discutir por onde deve ir para enfrentar a sério o ataque à Casa Branca em 2016, o Presidente sente a bola do seu lado.

Muitos notaram um Obama, na posse e no State of The Union, mais liberal e assumir-se, finalmente, «um dos presidentes mais à esquerda das últimas décadas», como tanto gostam de o definir os republicanos. 

Mas além de assumir as bandeiras do combate à pobreza, do controlo de armas e da criação de empregos pela via de programas federais (vias nitidamente democratas), Barack Obama revelou também o seu lado abrangente, ao «apostar» que vários governadores, sejam eles democratas ou republicanos, vão querer colocar o seu estado entre os que vão beneficiar dos programas de criação de emprego que a sua administração se prepara para lançar. 

Obama reforçou, no State of The Union, a sua visão de uma América que, independentemente da dívida que é preciso reduzir e da crise que é preciso resolver, terá que se lançar, de forma clara, na estrada das novas tecnologias, da inovação, do conhecimento, como forma de criar «novos empregos» e «continuar a liderar pelo exemplo e pelo arrojo». 

Ao assumir a bandeira da Reforma da Imigração encostou os republicanos à parede (o GOP não pode continuar alheio às minorias) e ao defender que as alterações climáticas já são quase uma evidência e até podem constituir oportunidade de criação de novos empregos (com a aposta nas renováveis e nas «energias limpas»), desmonta um dos «mantras» dos republicanos com um «argumento de bom senso e não de luta partidária». 

O regresso do «big government»? Obama garante que não e prefere o termo «smart government». As diferenças de conceito prometem marcar a discussão com os republicanos nos próximos meses. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Histórias da Casa Branca: o Presidente distribui o jogo

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 13 DE FEVEREIRO DE 2013:

O discurso sobre o Estado da União confirmou um Obama com grande vontade de aproveitar os primeiros dois anos do seu segundo mandato para completar uma agenda mais liberal e combativa.

A tomada de posse marcara um tom mais agressivo do que o esperado em relação à oposição republicana. Já se esperava que o discurso de terça à noite reforçasse esta ideia. Mas talvez não se imaginasse que Obama avançasse com propostas como a de aumentar o salário mínimo. 

«A América é a nação mais rica do Mundo. Não é aceitável que, neste país, um americano que trabalhe a tempo inteiro continua a correr o risco de cair na pobreza», exortou o Presidente. Os congressistas democratas da ala mais ficaram eufóricos. Vários membros republicanos da Câmara dos Representantes e do Senado engoliram em seco. 

Barack Obama quer vestir a pele, no segundo mandato, de um Presidente próximo da base ideológica que o reelegeu. 

Mas Obama optou por uma abordagem mais abrangente do que a que teve na tomada de posse. Retomou frases que usou várias vezes no espírito conciliatório do primeiro mandato, ao observar: «Nunca podemos ter a pretensão de que cem por cento daquilo que desejamos e acreditamos vai vencer. Os dois lados têm ser capazes do compromisso. Temos que avançar para leis que não são democratas, nem republicanas. São de bom senso». 

Foi um Barack Obama com uma clara noção de que a mão, no eterno jogo de cartas da política americana, está do seu lado. Parte para o segundo mandato com 53 por cento de aprovação (mais oito pontos do que tinha no Estado da União de 2012) e vê um Partido Republicano ainda atordoado com a derrota clara nas presidenciais de novembro. 

A escolha de Marco Rubio para fazer a reação oficial dos republicanos comprova a clara aposta do GOP em piscar o olho às minorias, sobretudo aos latinos. Não por acaso, o jovem senador da Florida, favorito republicano à nomeação presidencial para 2016, fez duas respostas seguidas: uma inglês, outra em espanhol. 

O Presidente confirmou quatro grandes prioridades já enunciadas na sua segunda inauguração: Reforma de Imigração («é este o tempo para a fazer e espero receber, nos próximos meses, uma lei bipartidária proposta por este Congresso»); alterações climáticas («não é prudente continuarmos a achar que a supertempestade Sandy, os incêndios e as secas são meras coincidências»); independência energética («os EUA estão a produzir petróleo em níveis máximos nos últimos 15/20 anos») e Reforma Fiscal, com uma profunda insistência numa solução para a Fiscal Cliff que proteja a classe média. 

Mas o momento mais alto da hora e pouco de discurso de Barack Obama no Capitólio foi a referência ao «gun control». «Passaram dois meses sobre Newtown. Não foi a primeira vez que uma tragédia destas nos afetou. Mas, desta vez, foi diferente». 

O Presidente contou o caso de Haidya Pendleton, uma menina de Chicago que esteve em Washington na tomada de posse, a 21 de janeiro, e que uma semana depois foi morta a tiro num parque, perto da casa de Obama, no Illinois. 

Com a presença dos pais da falecida Haidya, o momento foi marcado por uma grande emoção, vendo-se lágrimas nos olhos de muitos congressistas dos dois partidos. Para o Presidente, «este é o momento de a América encontrar um grande consenso sobre o controlo de armas». 

Já sem o estigma de ter que salvar a América da Grande Depressão (que limitou os primeiros anos da sua presidência), e com uma década de guerra a terminar para os Estados Unidos (ontem mesmo foi anunciada a retirada de mais 34 mil efetivos americanos do Afeganistão), 
Barack Obama mostrou vontade de seguir em frente, como prometia o slogane da sua reeleição.

O próximo ano e meio será decisivo para sabermos se Obama conseguirá mesmo deixar um legado. 

Histórias da Casa Branca: um Presidente mais agressivo

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 12 DE FEVEREIRO DE 2013:

«Na tomada de posse, a 21 de janeiro, Barack Obama enunciou uma agenda mais ideológica do que se esperava para o segundo mandato. 

E muitos até estranharam que o Presidente tenha extravasado o registo abrangente que uma inauguração geralmente comporta, para avançar para assuntos com uma carga política muito acentuada (controlo de armas, imigração, alterações climáticas, direitos das minorias).

No discurso sobre o Estado da União desta terça-feira, Obama deverá reforçar essa carga ideológica e vai aproveitar o «cara a cara» com o Congresso de maioria republicana para sinalizar: «Eu sou o Presidente e as eleições têm consequências». 

O discurso de posse já tinha enunciado as prioridades. O «State of the Union» deverá reforçar um Obama a marcar o tom político nos próximos anosPode parecer um aviso redundante, mas tendo em conta o comportamento do partido rival do Presidente, acreditem que não é: «Continua a haver um número surpreendente de republicanos que parecem pensar que as eleições não interessam, que estão prontos para bloquear a agenda popular que os americanos mostraram apoiar em novembro. A mudança não vai acontecer atrás das portas, nos corredores de Washington. Só poderá acontecer com persistência, com pressão, por parte do Presidente sobre o Congresso republicano e pelo envolvimento permanente de milhões de americanos», comenta Ben LaBelt, antigo assessor de imprensa da campanha de Barack Obama.

A 21 de janeiro, o Presidente já tinha enunciado as suas quatro grandes prioridades políticas para o segundo mandato: reforma da imigração; redução do défice; alterações climáticas e independência energética; «gun control».

No seu quinto State of The Union como 44.º Presidente dos EUA, Barack Obama deverá entrar nas zonas específicas destes grandes temas. 

Os seus assessores libertaram, nas últimas horas, mais alguns pormenores: o Presidente manterá o tom politicamente agressivo para com os seus oponentes republicanos (sem se importar de, com isso, ser rotulado de «mais liberal e esquerdista» do que foi nos primeiros quatro anos na Casa Branca) e vai exortar os congressistas de DC a olharem mais para um aumento de impostos para os mais ricos e menos para cortes na despesa (um dilema que Presidente e Congresso irão enfrentar com particular enfoque nos próximos meses). 

Num recente encontro na Virgínia com congressistas democratas, Obama lançou uma ideia forte que poderá repetir no discurso desta noite: a da necessidade de uma «economia que resulte para todos». 

O Presidente quer aproveitar o Estado da União 2013 para lançar as bases políticas de uma próxima fase de conjunto de medidas que impulsionem os empregos («jobs, jobs, jobs»), ao mesmo tempo que lancem o caminho para a redução da dívida, obrigatória para que se tornear a Fiscal Cliff. 

No último semestre (nos meses que antecederam e sucederam à reeleição), a América continua a criar emprego, mas a um ritmo mensal lento (média de 150 mil postos de trabalho), e ainda insuficiente para recolocar os EUA com uma taxa de desemprego abaixo dos 7 por cento. 

O senador Marco Rubio, da Florida, fará a reacção oficial republicana, imediatamente a seguir à intervenção do Presidente perante os congressistas. Um claro sinal de que a imigração e o controlo do défice serão dois temas dominantes para esta noite.» 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Histórias da Casa Branca: este é o momento para a Reforma de Imigração

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 8 DE FEVEREIRO DE 2013:

A Reforma da Imigração é uma das prioridades do segundo mandato de Barack Obama. 

Essa ideia já tinha ficado clara durante a campanha de reeleição e foi especialmente reforçada pelo Presidente no seu discurso de inauguração, do passado dia 21 de janeiro. 

Nesse discurso, Obama deu sinais de interpretar a relegitimação política obtida a 6 de novembro como uma luz verde de uma clara maioria de americanos para que avance em aspetos mais ideológicos da sua agenda política. 

Num pacote onde também entram questões como o «gun control», os direitos das minorias ou as alterações climáticas, o tema talvez mais significativo do ponto de vista social e político é o da imigração.

A forma como o Partido Republicano perdeu, em toda a linha, para Barack Obama a batalha demográfica da «nova América» forçou a Direita americana (ou, pelo menos, uma boa parte dela) a abrir uma profunda reflexão interna em torno deste tema crucial para os Estados Unidos. 

A máquina de propaganda do Presidente Obama (que, mesmo depois da reeleição, continua ativada e sempre em cima da atualidade) tem apostado, nos últimos dias, nas redes sociais, nesta ideia forte: «Quase todas as famílias dos EUA vieram para a América de outro sítio qualquer. A menos que seja um nativo americano, veio, certamente, de outro lado. Somos mais parecidos uns com os outros do que parecemos. Ajude-nos a corrigir o nosso sistema de imigração, que está obsoleta e é injusto».

O apelo está a pegar. As pesquisas mostram um apoio à vontade do Presidente de avançar para uma Reforma de Imigração nunca antes visto nos EUA.

Um estudo ABC/Washington Post mostra que 49 por cento dos americanos apoia as ideias de Obama nesta matéria, enquanto apenas 43% se revelam contra.

Mais significativo ainda, 55 por cento dos americanos mostram-se compreensivos perante a necessidade de «conceder cidadania a quem esteja nos EUA indocumentado». 

Obama está, precisamente, a ir pelo caminho do bom senso nesta questão, evitando uma excessiva clivagem ideológica. A estratégia faz todo o sentido quando 85 por cento dos americanos se declaram a favor de barreiras fronteiriças mais duras.

Isso não colide com a visão do Presidente sobre este problema. Em traços gerais, o que Obama defende é uma solução pragmática e mais humana para os imigrantes ilegais que já vivam nos EUA (e muito em especial para os filhos deles, que na verdade não são imigrantes, porque já nasceram na América).

Mas o Presidente sempre defendeu um controlo forte das fronteiras, para evitar que o problema da imigração ilegal se agrave.

Há dados novos na posição do Partido Republicano sobre este tema crucial para o «código genético» da América. 

A escolha de Marco Rubio para protagonista da reação oficial do GOP na noite do discurso de Barack Obama sobre o Estado da União, a 12 de fevereiro, comprova que os republicanos pretendem entrar a sério nesta discussão.

«Rising star» da Direita americana, talvez o favorito à nomeação presidencial republicana para 2016, o senador Marco Rubio, da Florida, é filho de cubanos e tem, também por razões familiares uma abordagem tolerante em relação à problemática da imigração. 

Eric Cantor, líder da maioria republicana na Câmara dos Representantes, marcou o tom da atual posição oficial da direita: «Um dos princípios fundadores deste país é o de que os filhos não devem ser punidos pelos erros cometidos pelos seus pais». 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Histórias da Casa Branca: mais América, menos Mundo

TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 7 DE FEVEREIRO DE 2013:

A poucos dias do seu primeiro discurso sobre o Estado da União no segundo mandato, Barack Obama vai dando sinais de querer ser, nos próximos quatro anos, cada vez mais um «Presidente dos americanos» e menos um «Presidente americano para mudar o Mundo».

Se uma boa parte da promessa de «mudança dos EUA e do Mundo» de 2008 teve que ficar na gaveta, a reeleição mostrou que ele ainda vai a tempo de a fazer, pelo menos nalguns aspetos, no seu próprio país. 

Os anunciados cortes na Defesa mostram que os próximos anos vão mostrar uma América mais recatada na cena mundial. 

Não confundamos as coisas: os EUA vão continuar a ser maior superpotência do Mundo. A questão é que cada decisão sobre política externa que fizerem será cada vez mais pensada e ponderada, em função das possibilidades orçamentais. 

Na verdade, isso já começou a acontecer na parte final dos anos Bush e nos primeiros anos da era Obama. 

A intervenção na Líbia teve a originalidade de colocar os EUA empenhados, mas sem liderar. E a «contenção» na Síria prova que o conceito americano de «tolerância» para com os abusos de ditadores tenderá a aumentar. 

Barack Obama acredita que a América continua destinada a liderar, mas tem uma interpretação restritiva da «excecionalidade americana». 

Quer que os EUA continuem a ser inovadores no plano tecnológico e do conhecimento. Quer que as universidades americanas se mantenham uma referência nos «rankings» internacionais.

Mas o Presidente, agora reforçado politicamente com a reeleição, vai apontar o principal das suas baterias em temas que interessam, sobretudo, aos americanos. 

Quer fazer dos EUA a maior potência energética do Mundo até 2020. Dito assim, parece um mero «slogan» de campanha, sem grande significado prático. Sucede que é bem mais do que isto.

Nos últimos anos, a Administração Obama deu passos importantes para colocar a América no caminho da independência energética.

A base da presença excessiva dos americanos em cenários de guerra nas última décadas tem a ver com os interesses estratégicos que os EUA quiseram preservar no Golfo Pérsico e no Médio Oriente. 

Mas os dados mudaram nos últimos anos. Mesmo continuando a ser os principais produtores de petróleo, os países daquela região têm, hoje, novos concorrentes. 

Perante o reerguer da Rússia como importante produtor de petróleo e gás natural, os EUA fizeram aposta forte no aumento da produção própria. 

A percentagem de dependência do petróleo estrangeiro é cada vez menor. E aposta nas reservas de gás de xisto, aumentada com descobertas recentes, é cada vez maior.

A «independência energética» será um conceito cada vez mais defendido por Obama nos próximos quatro anos.

No tabuleiro mais político, Barack Obama sabe que tem pouco mais do que um ano para concretizar o que pretende.

Energizado pela vitória de 6 de novembro e pelo bom discurso de posse, terá que aproveitar o ambiente favorável de 2013 para apostar numa reforma de imigração ambiciosa (com aliados improváveis, como o senador John McCain e mesmo algumas figuras da direita cristã, como o senador Lindsay Graham) e na obtenção de um consenso social alargado, que ultrapasse barreiras políticas e ideológicas, em torno da questão do controlo de armas. 

Um Obama mais «americano» e menos «internacional»? Só será surpresa para quem não o acompanha há vários anos.