sábado, 29 de outubro de 2011

Histórias da Casa Branca: Herman Cain, o 'sabor do mês' dos republicanos


Herman Cain, 65 anos, ex-CEO da Godfather's Pizza, é o improvável 'frontrunner' da corrida à nomeação presidencial do GOP. Não é para levar a sério, mas mostra a total desorientação a que chegou o Partido Republicano, entre o radicalismo do Tea Party e as hesitações de Mitt Romney


Herman Cain é o ‘sabor do mês’ dos republicanos

Por Germano Almeida


Os problemas de popularidade da Administração Obama parecem facilitar o caminho às escolhas do Partido Republicano. Certo? Errado.

A pouco mais de dois meses do arranque das primárias, o rótulo de «esquizofrénica» começa a adequar-se cada vez mais à forma como tem evoluído a corrida à nomeação presidencial do GOP.

Exagero? Vejamos, então. No início, Mitt Romney parecia reunir enorme favoritismo: por ser o candidato mais moderado (e por isso mais capaz de discutir os votos do centro, dos independentes e dos eleitores democratas desiludidos com Obama), por ter muito dinheiro angariado para a campanha (vinha já com a embalagem da candidatura de 2008) e pelas credenciais apresentadas em estados importantes para a eleição geral.

Mas rapidamente se percebeu que Mitt não é bem-amado pela base conservadora, que prefere candidatos com um discurso mais radical e mais agressivo em relação a Obama e aos democratas.


Mitt Romney continua a ser o candidato mais bem colocado para derrotar Obama, mas a base conservadora do GOP, decididamente, não gosta dele

Abriu-se, por isso, o caminho para dois ‘caprichos’ da Direita americana (tantas vezes superficial e irresponsável): primeiro Michelle Bachmann, energizada pelo fenómeno do Tea Party, uma espécie de Sarah Palin do Midwest, a pregar contra o aborto e a insinuar «sinais de Deus» que teriam avisado contra os perigos da reeleição de Obama…

Os «quinze minutos de fama» da congressista do Minnesota ainda se prolongaram até ao fim do Verão, mas a nítida falta de preparação política desta ‘tea party darling’ foi-lhe custando uma descida gradual nas sondagens – até se diluir nos actuais três a seis por cento.

A noção de que o nomeado dificilmente sairia de um nome da Direita radical que já estivesse no terreno criou espaço ao avanço de Rick Perry. E os sinais, cada vez mais claros, de que Sarah Palin não ia mesmo passar das palavras à acção (limitando-se, assim, a comentar as presidenciais 2012 pela Fox, em vez de arriscar uma candidatura), levaram Perry a tentar a sua sorte.

O fortíssimo arranque do governador do Texas parecia lançá-lo para a condição de favorito: em poucos dias, saltou para o primeiro lugar das sondagens, com o seu estilo de ‘cowboy’ implacável para com a herança de Obama, que contrastava com as hesitações de Romney.

Mas os debates foram fatais para Perry. A sucessão de ‘gaffes’, imprecisões e frases comprometedoras fez assustar os eleitores republicanos – e Rick caiu de mais de 30 por cento para o terceiro lugar da corrida republicana.

Os restantes nomes serão apenas notas de rodapé, quando se fizer a história desta corrida republicana: Newt Gingrich avançou no ano errado, Rick Santorum está no filme errado, Ron Paul no partido errado (devia voltar aos libertários), Jon Hunstsman e Tim Pawlenty foram vítimas da radicalização do Tea Party, que infectou a dinâmica da corrida, nos primeiros meses (Pawlenty já desistiu, Hunstsman deve fazê-lo nas próximas semanas).

Herman quê?
E é nesta sucessão de imprevistos, falhanços e candidatos mal preparados que se explica esta surpresa completa: a actual liderança de Herman Cain.

Este empresário de 65 anos, antigo ‘chairman’ da Reserva Federal de Kansas City, é uma espécie de ‘sabor do mês’ nesta bizarra corrida à nomeação presidencial republicana.

Com uma experiência política escassa e pouco tranquilizadora, Herman Cain destacou-se como radialista na Geórgia e como CEO da Godfather’s Pizza. Casado, com dois filhos, formado em Matemática, Herman Cain tem um percurso que em nada indicaria uma eventual nomeação presidencial republicana.

A verdade é que lidera, neste momento, as sondagens nacionais – e nalguns casos com um avanço significativo sobre Romney e Perry.

Como é que isto aconteceu? Basicamente, porque depois de Romney, Bachmann, Perry e Palin, os eleitores republicanos decidiram experimentar Cain como 'sabor do mês'.

É muito improvável que seja um 'frontrunner' para levar a sério (e convém não esquecer que, sendo Herman Cain afro-americano, um duelo com Obama implicaria um confronto presidencial absolutamente inédito entre dois negros). Mas enquanto dura mais este número no 'circo do GOP', Cain vai marcando pontos, no seu discurso terra-a-terra, muito virado para a Economia, apostando na sua proposta 9-9-9, baseada numa taxação equivalente para as empresas, rendimentos dos contribuintes e património.

Inesperada ajuda à reeleição
As curvas e contracurvas da corrida republicana têm sido uma inesperada ajuda às contas para a reeleição de Obama.

Quando muitos ainda continuam a insistir na narrativa de que «perante tantos problemas, Obama dificilmente conseguirá ser reeleito», eis que as sondagens mostram exactamente o contrário.

De acordo com o Real Clear Politics, a média das pesquisas feitas a nível nacional no último mês coloca Obama dez pontos à frente de Rick Perry (49-39), um ponto e meio à frente de Mitt Romney (45.7-44.2), nove pontos à frente de Herman Cain (49-40), 13 pontos acima de Newt Gingrich (50-37), seis pontos à frente de Ron Paul (47-41) e com 15 por cento de vantagem sobre Michelle Bachmann (52-37).

Também nos estados-chave, Obama tem conseguido uma importante recuperação, quando falta pouco mais de um ano para a grande eleição: lidera a corrida no Ohio, na Florida, na Pensilvânia e no Wisconsin – e até surge à frente de Mitt Romney no Arizona, o estado de John McCain e que tem votado consistentemente nos candidatos presidenciais republicanos.

A explicação residirá em duas grandes questões ainda não resolvidas pelo campo republicano. Por um lado, continua a não estar claro quem será o candidato com melhores condições para obter uma nomeação vencedora para a batalha final.

E há ainda o lado político desta corrida: com o Tea Party a deixar escapar o controlo da discussão pública sobre a crise, a redefinição do discurso dos principais candidatos está a parecer artificial – e não responde directamente às inquietações do americano médio (como vão aguentar os pequenos negócios e pagar os empréstimos com tantos cortes na despesa e com um Congresso conservador que insiste em recusar aumentos de impostos para os mais ricos?).

Com o avançar da corrida às presidenciais de Novembro 2012, a plataforma de Obama para a classe média pode recuperar os níveis de popularidade.

Os próximos meses vão ser interessantes na política americana.

sábado, 15 de outubro de 2011

Histórias da Casa Branca: Barack dá sinais de vida


Enfrentar um duplo combate (a crise económica e a paralisia política de Washington) é o 'mantra' do primeiro mandato de Barack Obama. Mas o Presidente ainda não se tornou num 'has been'. A reeleição está em aberto


Barack dá sinais de vida

Por Germano Almeida


Ainda não é a crónica de uma recuperação anunciada, mas é, certamente, a confirmação de que Barack Obama, afinal, ainda não passou à história.

A poucas semanas de se completar o terceiro aniversário da sua improvável eleição como 44º Presidente dos Estados Unidos da América, Obama mantém-se com o estigma de ser um Presidente marcado pela crise, pelo clima de paralisia política em Washington e por uma certa desilusão sentida em vários sectores que o apoiaram entusiasticamente na histórica caminhada para a Casa Branca.

No meio de tantos problemas, será interessante verificar dois dados recentes. O primeiro tem a ver com os níveis de aprovação. Comparado com outros governantes mundiais, Obama não tem números assim tão negativos.

Se olharmos para França, por exemplo, vemos que Sarkozy está em muito piores lençóis: não só não deverá conseguir a reeleição em 2012, como até corre o risco de não passar à segunda volta (neste momento, está atrás da filha de Le Pen).

O outro dado prende-se com a impressionante capacidade que Obama continua a revelar para angariar fundos de campanha: 70 milhões de dólares só no último trimestre, um valor que reforça a perspectiva da campanha Obama-2012 ser a primeira na história política dos EUA a passar a barreira dos mil milhões de dólares.

A grande questão para Obama, já toda a gente percebeu, tem a ver com a forma como a Economia americana se irá comportar nos próximos meses.

Os sinais não são nada animadores -- mas Barack coloca fortes trunfos no American Jobs Act, apresentado há um mês em sessão conjunta no Congresso.

No caso de o seu ambicioso plano de empregos não passar, por nova teimosia cega da maioria republicana, quem deve ficar mal politicamente é o campo conservador – e não o Presidente.

Enfrentar um duplo combate (a crise económica e a paralisia política de Washington) é o mantra de Obama. Mas o lado guerreiro do Presidente parece voltar a emergir. Barack já não será um ‘wannabe’ – mas ainda não é um ‘has been’.

Reeleição em aberto
No lado democrata, e apesar das tremendas dificuldades políticas por que passa a Administração Obama, ninguém contesta, de forma real, a nomeação do actual Presidente.

Mesmo com níveis de popularidade teimosamente a rondar os 40 por cento, Barack continua a dar sinais de pujança como candidato presidencial: lidera os duelos com os eventuais adversários republicanos nas mais recentes sondagens da NBC e da Time, revelando, de forma consistente, a capacidade de atrair um número de eventuais eleitores numa eleição presidencial superior à quantidade de americanos que aprovam a sua governação.

Pode parecer um contrasenso, mas a explicação residirá na base da contestação que, por estes dias, mancha a credibilidade de Washington: se é certo que Obama é um Presidente com um sério problema de popularidade, bem piores estão os níveis do Congresso (apenas 12 por cento de aprovação!), controlado pelos republicanos.

Os sinais de alerta gerados por movimentos como os Ocuppy Wall Street apontam, obviamente, para uma certa desilusão com Obama (uma boa parte daqueles manifestantes votaram, certamente, em Barack há três anos). Mas são, sobretudo, uma prova da falência do sistema de Wall Street, que, é bom recordar, dominou também o argumentário da campanha de Obama como candidato presidencial.

A Reforma Financeira patrocinada pela Presidente não conseguiu mudar o essencial, mas a DoddFrankBill, aprovada numa fase em que o Congresso ainda era controlado pelos democratas, foi, pelo menos, mais longe do que os candidatos republicanos que querem tomar o lugar de Obama defendem.

Sobre o que pensam os entusiastas do Tea Party, é melhor nem falar: quando os movimentos sociais de descontentamento apontam para uma maior regulação e reivindicam menos espaço dos poderosos da banca e finanças, percebemos que muito do que se andou a gritar na América nos últimos dois anos por quem se diz defender «a Constituição e os princípios dos EUA» está desfasado do que está, neste momento, verdadeiramente em jogo.

Talvez por isso, Obama se mantenha com fortes hipóteses de se reeleger daqui a um ano: mesmo sendo um Presidente com pouca margem, condenado a governar em tempos sombrios, uma boa fatia do eleitorado americano alterna entre o descontentamento ao Presidente com uma provável disposição de lhe dar uma segunda oportunidade.

A pouco mais de um ano de eleição presidencial na América, a história do duelo de 2012 ainda está por escrever. Desengane-se quem pensa o contrário.