quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Histórias da Casa Branca: clima gelado com Putin

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 9 DE AGOSTO DE 2013:

Barack Obama vai de férias até 18 de agosto e em Washington até há quem diga que este é um bom momento para parar para pensar. 

Definitivamente, os últimos meses não foram positivos para o Presidente. O revés mais recente foi o clima de tensão com Moscovo, a propósito do «caso Snowden».

Os Estados Unidos nunca terão chegado a admitir verdadeiramente a possibilidade de a Rússia conceder asilo temporário a Edward Snowden.

A 18 de julho, o antigo analista da NSA, fugido à justiça americana, pediu abrigo diplomático a Moscovo. 

Os russos hesitaram, deram até um primeiro sinal de que iriam rejeitar a pretensão (cientes dos problemas diplomáticos que tal decisão implicaria), mas acabaram por aceder ao pedido de Snowden, no passado dia 2 de agosto. 

Jay Carney, porta-voz da Casa Branca, teve uma reação mais direta do que é costume nestas ocasiões: «Estamos extremamente desiludidos com a decisão do governo russo apesar dos nossos pedidos muito claros e legais, em público e em privado, para que Snowden fosse expulso para os Estados Unidos, onde deveria responder às acusações que lhe são dirigidas. O senhor Snowden não é um delator, é acusado de ter revelado informações classificadas e indiciado em três atas de acusação criminais. Deveria ser enviado para os Estados Unidos o mais depressa possível, onde lhe será movido um processo com todos os direitos de defesa». 

Nos meios políticos e diplomáticos de Washington, a reação dificilmente podia ser pior. Os líderes norte-americanos ficaram furiosos com Vladimir Putin e tomaram aquela decisão como uma afronta.

Washington está a levar as revelações de Snowden como uma séria ameaça à segurança não só dos EUA como também de outros países, entre os quais a Rússia. 

A decisão (radical) de anular a cimeira Obama-Putin terá partido do próprio Presidente dos EUA e é o sinal mais visível do «congelamento» das relações Washington-Moscovo.

«Guerra Fria» de volta? Para Barack Obama, isso já estava a acontecer, mas só na mentalidade russa: «Putin dá mostras de ter uma mentalidade que ficou encravada nos tempos da Guerra Fria», acusou o Presidente, num tom pouco habitual na sua retórica diplomática, no show de Jay Leno. 

O caso não é para menos. Obama tem sido pressionado, nos últimos dias, por democratas e republicanos, a endurecer a conversa com Moscovo. 

Uma das figuras que mais tem pressionado o Presidente a virar, em defintivo, as costas a Putin é o senador John McCain, adversário direto de Obama nas eleições de 2008 e uma das principais referências da política americana em questões externas. 

Do lado democrata, a visão também aponta para um divórcio com Moscovo: «Se Putin estivesse a cooperar connosco, levaríamos mais em conta as suas especificidades e sensibilidades. Assim, o que ele pensa não tem assim tanta importância», explica, pragmático, Elliot Engel, congressista democrata de Noba Iorque, membro do Comité de Relações Externas.

Mas a tensão com a Rússia não é o único foco de preocupações de Obama.

Em véspera de ir de férias, o Presidente até marcou uma conferência de Imprensa (algo que não fazia há três meses), sentindo-se na necessidade de reforçar a posição da Casa Branca em temas como o risco do «government shutdown» (a 30 de setembro há novo «deadline» no Congresso e, na verdade, ninguém parece ter a solução para o impasse) ou o atraso na Reforma da Imigração (depois da aprovação fácil no Senado, a lei demora na Câmara dos Representantes). 

Só sinais negativos para o Presidente? Nem por isso. A entrevista televisiva a Jay Leno voltou a mostrar que Barack Obama continua a ser uma «estrela pop»: teve uma grande audiência junto do público mais jovem e as suas ideias recolher impressões positivas.

Será suficiente?

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

20 anos

22 de agosto de 1993. Faz hoje 20 anos. Estava a voltar de duas semanas de férias com os meus pais e as minhas irmãs em Lagos, no Algarve, enquanto o António de Sousa, que ainda não conhecia pessoalmente, fazia a Volta a Portugal para «A Bola». 

Um mês antes, no final de julho de 1993, um golpe de sorte, misturado com uma certa ousadia inconsciente de quem tinha acabado de fazer 15 anos, proporcionou-me a oportunidade profissional que sonhava na altura: começar no jornalismo na área do futebol. Ainda por cima, em «A Bola».

Nos dois anos anteriores, em 1991 e 1992, começara a construir um desejo profundo de ser jornalista ligado ao futebol, na sequência de dezenas de intervenções que fiz, numa base semanal, na Antena 1, no mítico programa «Livre e Direto».

Dava às sextas à noite, primeiro entre as 22.30 e a meia-noite, depois passou para o horário 21-23h. Coordenado pelo Costa Martins e pelo António Pedro, era o único espaço da rádio portuguesa que permitia a participação dos ouvintes. Os fóruns e as antenas abertas só apareceriam uns anos depois.

No «Livre e Direto» participavam outros jornalistas que vim a conhecer e que mal sabia que, tempos mais tarde, se tornariam meus amigos: o Carlos Daniel, o Fernando Eurico, o Rui Almeida, o Óscar Coelho, o Rui Cerqueira, o Sérgio Teixeira, o Fernando Maciel, o Eduardo Gonçalves. 

Uma visita aos antigos estúdios da RDP, na Cândido dos Reis, em setembro de 1992, guiada pelo Carlos Daniel, tinha-me feito decidir: «Quero mesmo ser jornalista». 

No verão seguinte, o destino deu-me o empurrão que precisava.

No final de uma semana na Escola de Futebol Humberto Coelho, para onde ia com frequência durante as férias escolares, uma equipa de treinadores/monitores da escola (composta por antigas glórias como Bastos Lopes, Seninho, Nené, «Zé Gato» e o próprio Humberto Coelho) defrontava, num dos campos de treino do Estádio Nacional, no Jamor, a equipa de futebol da redação de «A Bola» em Lisboa.

E o tal golpe de sorte, doseado com uma ousadia inconsciente, foi ter ido ter, no final da partida entre amigos, com o Afonso de Melo, já na altura uma referência, cujas crónicas devorava nas páginas do jornal. «Adoro os seus textos sobre Águeda e a forma como consegue juntar futebol com o gosto pela escrita e pela literatura. Gostava, um dia, de conseguir escrever assim».

Ainda suado do encontro que os antigos futebolistas venceram facilmente (4-1, creio), o «ponta-de-lança» da equipa de «A Bola» achou piada ao miúdo e, vendo o Joaquim Rita, então chefe de redacção do jornal e capitão da equipa que acabara de ser derrotada pelos antigos craques a sério, chamou: «Ó chefe, chegue aqui, por favor. Apresento-lhe um futuro jornalista que acabei de conhecer…»

Parece uma cena de filme, mas foi exatamente assim que começou a minha história no jornalismo, que hoje completa 20 anos.

Nos cinco minutos que demora percorrer a distância entre aquele campo de treinos do Jamor e os balneários do Estádio Nacional tracei o início de um percurso que, até hoje, marcou todas as escolhas da minha vida profissional.

O meu arranque de carreira ficou para sempre ligado ao futebol: não só nas palavras, na escrita, mas também na vivência. Todo o meu imaginário infantil e de adolescência teve a ver com o mundo do futebol e poder ter começado a minha carreira profissional desta forma foi um privilégio. Uma sorte.

Ainda hoje, duas décadas depois, não consigo dizer o que passou exatamente pela cabeça do Afonso para afirmar naquele momento, com tanta certeza, que eu iria ser jornalista.

Muito menos saberei explicar a resposta do Joaquim Rita, que, tal como o Afonso, não me conhecia de lado nenhum: «E vai ser mesmo! Moras no Porto, não é? Então, quando saíres daqui da Escola Humberto Coelho e voltares a casa, ligas-me lá para o jornal e eu indico-te a pessoa com quem terás que falar para começares a fazer umas coisitas para «A Bola». Mas atenção que os estudos estão em primeiro lugar!»

Estávamos a chegar aos balneários, despedimo-nos com essa indicação que, para mim, parecia demasiado boa para ser verdadeira: o então chefe de redação de «A Bola» tinha-me dito, a mim, um puto de 15 anos que não conhecia de lado nenhum, que iria começar a escrever para o jornal desportivo que marcou gerações de portugueses.

Tentei refrear expetativas, afinal de contas podia ter sido só uma gentileza sem futura consequência. Mas mal voltei ao Porto fiz o telefonema e, do outro lado da linha, ouvi a confirmação: «Ah, Germano, lembro-me claro! Aponta o número da redação do Porto. Vais falar com o António de Sousa e o João Freitas, que são os responsáveis pela redação, mostras o que já escreveste e começas a fazer umas coisitas».

O sonho, afinal, parecia que não terminava ali. Dias depois fui à redação do Porto de «A Bola», na altura na Rua Pinto Bessa, a dois passos da estação de Campanhã, com uns textos para mostrar, escritos em casa sobre jogos de futebol transmitidos na TV. «O António de Sousa está na Volta a Portugal, mas eu fico com isso e vou dando uma olhadela. Pode fazer aos domingos uns jogos da Divisão de Honra, damos cada vez mais espaço. Na segunda quinzena de agosto, volte cá e resolvemos isso», apontou-me o João Freitas.

Era mais um passo em frente. Sentia que o sonho ia mesmo transformar-se em realidade. Fui para o Algarve com mil ideias na cabeça e uma ansiedade enorme de que tudo se confirmasse quando regressasse ao Porto.

Nunca numas férias tive tanta vontade que o tempo passasse mais rápido.

E o calendário chegava, finalmente, a 22 de agosto de 1993. Faz hoje duas décadas, entrei pela segunda vez na sala em Pinto Bessa, mas desta vez já para começar a trabalhar. Foi o meu primeiro dia no jornalismo.

O António de Sousa, regressado da Volta, já tinha recebido informações sobre mim do Joaquim Rita e do João Freitas. E já tinha lido uns textos que eu lá tinha deixado, antes de ir para o Algarve. «Gostei do que li, mas tem que ter a noção que ainda não mostrou nada. É um grande jornal, temos que ser cautelosos, tem que ir com calma. Vai começando a fazer uns joguitos, umas notícias, a colaborar nos dias em que as aulas lhe permitirem. O mais importante são os estudos. Pode começar já hoje, se quiser».

Queria, é claro.

Estávamos em 1993. «A Bola», na altura, era a «Bíblia». O que lá se escrevia parecia ter o dom de transformar-se em letra de lei e o jornal ainda reunia uma aura especial, fruto de décadas de liderança e de uma influência impressionante na formação de gerações de portugueses.

Ainda hoje se diz isso, mas à época dizia-se com muito mais propriedade e frequência: «Aprendi a ler com A Bola».

O jornal saía quatro vezes por semana (às segundas, quintas, sábados e domingos) e era publicado em formato «broadsheet» (assim em tamanho grande, como os grandes jornais americanos e ingleses ainda o fazem).

Durante alguns anos, muito depois da passagem a tablóide, sonhava com alguma regularidade que «A Bola» tinha voltado a ser publicada nesse formato.

O «Record» também saía quatro vezes por semana. A «Gazeta dos Desportos», vejam lá, ainda existia (e até haveria de testar, uns meses depois, um regresso ao «broadsheet» que, infelizmente, acabaria por ser apenas a última etapa antes do fecho).

O «Norte Desportivo» estava em fase de regresso, depois de uns anos sem ir para as bancas. O «Primeiro de Janeiro» ainda estava aí para as curvas. 

As televisões davam um ou dois jogos de futebol por semana, quando davam. Não havia SportTV. A SIC iniciara emissões dez meses antes, a TVI estava ainda em fase experimental e só haveria de começar a emitir regularmente em outubro desse ano de 1993.

Ah! E, claro, talvez mais relevante do que isto tudo, para percebermos como há 20 anos as coisas eram diferentes: não havia internet e muito pouca gente (quase ninguém) tinha telemóvel.

Numa frase, era outro mundo. Era mesmo.

Neste planeta distante em que vivíamos em 1993, o tempo corria mais devagar. O tempo jornalístico. O tempo de leitura. E, sobretudo, o tempo de produção. 

Uma notícia podia preparar-se e guardar-se ao longo de, pelo menos, um dia. A reação só chegaria no dia seguinte ou até mais tarde (convém explicar que, durante ano e meio, entre agosto de 1993 e fevereiro de 1995, trabalhei num’ «A Bola» quadrissemanária e não diária).

Recordo, no verão de 1994, uma Volta Aérea a Portugal com uma máquina de escrever pesada, com a qual escrevia as peças que enviava, por faxe, para a redação.

Um jornalista, naquela realidade, tinha mais importância do que tem hoje. Havia menos oferta. Menos contraditório da parte de quem lia. Muito raramente, lá chegava uma carta de um leitor a elogiar ou a criticar, com uma eventual correção ou sugestão do que havia sido publicado dias ou semanas antes.

Sem o imediatismo da net, dos comentários online, das publicações de Facebook, a distância entre o emissor e o recetor era enorme. Parecia que o que se escrevia era sagrado. 

Hoje não é assim e ainda bem que não é assim. Há mais proximidade. Na relação com quem nos lê, há maior possibilidade de correção, de enriquecimento do que já se tem.

Mas é também verdade que o jornalismo perdeu uma certa aura, um mistério que a distância e o segredo lhe conferiam. A magia que, em miúdo, sentia pela rádio foi-se perdendo com as versões na net dos programas. As vozes que ouvia, afinal, têm uma cara que dá para ver à distância de um clique.

Os jornais, então, passaram por muito nestes 20 anos. Cortes, reduções de meios, menos gente, menos independência, uma concorrência difícil de combater com o imediatismo da net.  

No «flashback» de 20 anos de carreira, guardo muitas recordações boas e uma ou outra má. O mais importante é que as coisas positivas são, de longe, muito superiores em número, em significado e em intensidade. De longe. 

Nestas duas décadas, assisti por dentro à passagem para diário e à mudança de formato para tablóide do jornal «A Bola» (em fevereiro de 1995). À criação do primeiro jornal desportivo online, o Maisfutebol (em junho de 2000). Ao aparecimento em força dos sites dos media tradicionais (1999, 2000, 2001, 2002), ao surgimento dos blogues (2003), dos vídeos na net (2003, 2004), do YouTube (2005), das versões dos jornais para tablet/ipad/smartphone (2010 até agora).

Em 1993, havia três canais generalistas e estava a aparecer um quarto. A TV por cabo só apareceu em força, com a sua multiplicidade de canais e escolhas, nos anos seguintes.

Nestes 20 anos, tive várias oportunidades de carreira. A umas disse «sim» e soube agarrar; a outras, por algum motivo, tive que dizer «não».

Assim de repente, e correndo o risco de estar a ser injusto para alguém que me esteja a escapar (e, se assim for, peço desde já desculpa), agradeço sobretudo ao Joaquim Rita, ao Afonso de Melo, ao António de Sousa e ao João Freitas (responsáveis pela minha entrada em «A Bola» em agosto de 1993); ao Luís Sobral, por me ter convidado a ser um dos fundadores do Maisfutebol, em junho de 2000; ao João Bonzinho, por me ter desafiado a voltar a «A Bola» em maio de 2003; ao Tiago Craveiro, pelo convite para ser diretor de comunicação da Liga, em novembro de 2010; ao Vítor Serpa, pela terceira incursão em «A Bola», em junho de 2012; e de novo ao Luís Sobral, pelo regresso ao Maisfutebol, em novembro de 2012.

Nestes 20 anos, passei sete na primeira vez em A Bola (1993-2000); três na primeira vez no Maisfutebol (2000-2003); outros sete na segunda vez em A Bola (2003-2010); um ano e meio na Liga (novembro 2010-maio 2012), com o prazer de ter trabalhado com enormes profissionais, com o dr. Fernando Gomes à cabeça; cinco meses na terceira vez em A Bola (maio-outubro 2012); e tenho o privilégio de estar há oito meses na segunda passagem pelo Maisfutebol, agora também com uma rubrica no site da TVI24.

Nestas voltas que a vida dá em duas décadas, fiz o que, de outro modo, certamente, nunca faria: estive num Mundial (Alemanha-2006), na primeira fase de um Europeu (Suíça em 2008), numa final da Intercontinental (Japão-2004), numa Confederações (Alemanha-2005) e em inúmeros jogos europeus e estágios de clubes, alguns deles no estrangeiro (recordo sobretudo Clairefontaine, 2001, da primeira vez no Maisfutebol, e Marienfeld, 2008, da segunda vez em A Bola).

Pude escrever dois livros sobre aquele que é, a par do futebol, o meu tema preferido, a política americana («Histórias da Casa Branca», maio 2010, e «Por Dentro da Reeleição», abril 2013, ambos publicados na Prime Books, pelo Jaime Cancella de Abreu).

Com os livros, fui incluindo na minha profissão a minha outra grande paixão. E guardo entre os melhores momentos destes 20 anos as apresentações na companhia de referências de sempre: General Loureiro dos Santos, Ricardo Alexandre, Francisco Sena Santos, Carlos Daniel, Álvaro Costa.

Pude acompanhar, nos EUA, a fase decisiva da reeleição de Barack Obama e tenho, hoje, redobradas certezas que fiz a escolha certa.

Este é essencialmente um texto sobre o passado, mas a experiência nos Estados Unidos e a análise de muitos anos acumulados sobre a realidade americana fizeram-me olhar cada vez mais para o futuro e menos para o passado.

Nada melhor, por isso, do que comemorar estes 20 anos de carreira em dia de plena transição para um novo site do Maisfutebol, numa versão mais profunda e interativa.

Ser jornalista é, nos tempos que correm, uma profissão de risco. O risco de perder o emprego. O risco de não voltar a ter emprego. O risco de ser pressionado. O risco de estar numa atividade em vias de extinção enquanto forma de ganhar a vida. Tantos outros riscos.

Essa é uma visão possível das coisas. A outra é sentir, como sempre senti, que mais do que uma profissão, ser jornalista é uma condição. Um modo de estar na vida, uma forma especial de olhar para o que nos rodeia. De analisar, de procurar. Custa muito. É cansativo. Dá cabo da paciência, às vezes. Mas para quem, como eu, continua a encará-la como um privilégio continua a ser a mais bela profissão do Mundo.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Histórias da Casa Branca: do «show» político à agenda presidencial

TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 2 DE AGOSTO DE 2013:

O segundo mandato de Barack Obama passa por um momento difícil do ponto de vista comunicacional.

Com as prioridades políticas assumidas pelo Presidente em claro impasse (reforma da Imigração, «gun control», redução da dívida), as atenções têm estado mais viradas para o «caso Snowden» e para as consequências do pedido de falência da Detroit.

Convém pôr tudo isto em perspetiva. Antes de se decretar a «maldição dos segundos mandatos» (houve quem se lembrasse do que passaram Presidentes como Clinton ou Bush filho depois de terem sido reeleitos), será prudente perceber que Obama assumiu um horizonte temporal que só termina mesmo em janeiro de 2017.

Que o primeiro meio ano de segundo mandato não correu como o Presidente desejaria, isso é fácil de concluir: a prioridade dada à aprovação de restrição no acesso às armas mostrou as fragilidades da Casa Branca conseguir impor ao Congresso uma necessidade que a própria opinião pública estava a exigir.

Mas sejamos claros: o «gun control», sendo um ponto importante na visão do Mundo de Barack Obama, não é um dado fundamental da equação para o segundo mandato.

Antes de abandonar a Casa Branca, o Presidente quer ter tempo para deixar a sua marca em três aspectos fundamentais: melhorar as condições de vida da classe média (desde sempre, o foco central da sua ação política); impor a América como o principal «player» de um mundo em profundas e imprevisíveis mutações nos próximos anos; lançar os EUA na liderança em áreas cruciais para as próximas décadas, como a independência energética e as energias «limpas».

É certo que Obama já não tem muito tempo do ponto de vista do calendário político: as eleições intercalares são daqui a pouco mais de um ano; as eleições presidenciais de 2016, que definirão o seu sucessor na Casa Branca, já começam a sobressaltar os dois campos partidários, em torno dos possíveis pretendentes às respectivas nomeações.

Mas já todos sabemos que, na política americana, as coisas são assim. «The show must go on», mas enquanto o relógio mediativo corre furiosamente, um Presidente tem que saber definir uma rota para conseguir criar o legado com que pretende ser recordado.

No caso de Obama, a marca principal foi deixada no principal argumento para a reeleição: a defesa da classe média, nas suas componentes mais concretas (redução do peso fiscal, aumento do acesso ao emprego, transparência de regras com as «big corporations»).

A visão que o Presidente tem construído para o segundo mandato reforça o foco na política interna em detrimento da preocupação com o multilateralismo.

Em casos como os da Síria, ou do Egito, isso até nos remete para uma mudança demasiado vincada na perspetiva americana do (não) uso do seu poder bélico.

O retomar do processo de paz israelo-palestiniano, três anos depois de um ciclo que, visto dos dias de hoje, está completamente desatualizado (em 2010, ainda Mubarak e Assad estavam na fotografia em Washington, imaginem só), ajuda-nos a perceber que os EUA continuam a ser o ator indispensável nas grandes questões mundiais.

É a primeira prova de fogo do secretário de Estado John Kerry e é a demonstração mais clara da política realista da Administração Obama: a América continuar a querer liderar, mas só nas situações que considera fundamentais e estratégicas.

Nestes tempos de realismo, a América de Obama quer ser, acima de tudo, o ás de trunfo que desbloqueie um Mundo em processo de mutação e que mostra mais contradições do que certezas. Menos «europeu» e «atlântico», mais «asiático» e «pacífico», mas com os EUA a manterem-se como atores indispensáveis.

Quem não perceber isto e pensar que a Administração Obama está paralisada com o «gridlock» crónico de Congresso, está a falhar o essencial.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Histórias da Casa Branca: a Emenda Amash e o sistema bipartidário

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 27 DE JULHO DE 2013:


«A Casa Branca está a fazer tudo para evitar que o Congresso aprove uma proposta de emenda que tenciona limitar os poderes da National Security Agency (NSA).

A proposta, que não deverá passar na Câmara dos Representantes, surge na sequência das revelações surpreendentes de Edward Snowden, o antigo funcionário da CIA e NSA, que denunciou um suposto «Big Brother» promovido pela administração americana, através do programa PRISM.

Justin Amash, de apenas 33 anos, é um advogado republicano, da ala libertária (que nos últimos anos foi personificada em Ron Paul).

Com um forte historial de propostas relacionadas com as liberdades individuais e os direitos dos cidadãos contra o poder excessivo do Estado, Amash, congressista republicano eleito pelo terceiro distrito do Michigan nas intercalares de novembro de 2010, tem sido um dos representantes mais incómodos para a Casa Branca.

Justin sabe que o mais provável é que a sua intenção não seja aprovada. Mas tem também a noção de que o momento é propício a lançar o tema para a discussão política e mediática: «Quando foi a última vez que um Presidente emitiu um comunicado urgente contra uma emenda? As elites de Washington têm medo da liberdade. Têm medo de vós», escreveu na sua conta no Twitter, em reação a um comunicado da Administração Obama, que apelava aos membros da Câmara dos Representantes a «rejeitar a Emenda Amash» por considerá-la uma «abordagem radical» que «não resulta de uma discussão aberta e informada».

Enquanto a Casa Branca exortava, por escrito, os representantes a votarem «não», o general Keith Alexander, diretor da NSA, fazia «lobby» junto dos congressistas, para os convencer a travarem a pretensão de Amash.

Mesmo que, por algum imprevisto, a Câmara dos Representantes deixasse passar esta proposta, o Senado não o deixaria certamente fazer, tendo em conta a já assumida oposição da comissão dos serviços secretos, de liderança bipartidária (com a democrata Dianne Feinstein, da Califórnia, e o republicano Saxby Chambliss, da Geórgia).

Em causa está um dos principais focos de tensão do sistema americano. Esta questão do poder da NSA está a reforçar a ideia de que, mesmo num clima de tamanha hostilidade política da oposição republicana à administração democrata que, há dois mandatos, controla a Casa Branca, a verdade é que num tema destes o «establishment» bipartidário em Washington põe-se do mesmo lado.

A explicação é clara: o complexo de poder nos EUA precisa de um sistema de autoproteção. E isso implica um certo segredo. O tema, em situações normais, não se colocaria no centro da discussão partidária

A questão é que o «caso Snowden» ajudou a levantar a ponta do véu e poderá ter alterado os dados deste jogo de sombras. Congressistas como Justin Amash têm como combustível da sua ação política mostrar aos cidadãos que o Estado lhes «esconde» e «engana».

Líder do «Liberty Caucus», Justin Amash, de religão grega ortodoxa, é um dos mais jovens congressistas em Washington. Pelo seu registo de votações, nunca se posicionará como membro do «mainstream» republicano.

Mas talvez, nos próximos anos, o até agora confortável sistema bipartidário em Washington venha a ser sacudido por mais «Emendas Amash». Mesmo que sem sustentação para serem aprovadas, elas mostram sinais de óbvio desconforto sobre um sistema que, mês após mês, ano após ano, legislatura após legislatura, acusa problemas de funcionamento e auto-regulação e ameaça caminhar para a disfunção crónica.

O Presidente Obama e a sua agenda política bloqueada que o digam.»