TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 30 DE OUTUBRO DE 2013:
«A reeleição de Obama foi há quase um ano, as eleições intercalares para o Congresso são já em novembro de 2014.
O calendário político na América não tem férias e dentro de poucos meses vai começar a sério a corrida presidencial para 2016.
Na prática, ela já começou. Quando a eleição é aberta nos dois campos, é normal que esse período seja alargado.
Há vários dados que ainda não foram lançados e que marcarão as decisões finais: será que a dupla crise vai forçar os republicanos a recentrarem-se, obrigando a um recuo do Tea Party?; como se comportará o sistema de Washington nos próximos «deadlines» em janeiro e fevereiro; que implicações eleitorais existirão daqui a um ano nas «midterms»?; vão os republicanos manter o controlo da House?; conseguem os democratas conservar a vantagem que têm no Senado?
Sem que estas dúvidas se desfaçam (e isso demorará um ano a acontecer), qualquer tipo de antecipações sobre quem será o sucessor de Obama não passam de meros jogos de adivinhação.
Mas há tendências que já se desenham. Do lado democrata, a questão é mesmo uma: vai ou não Hillary candidatar-se? Se o fizer, só um terramoto eleitoral a impedirá de ser a próxima nomeada presidencial do seu partido.
As sondagens são claras: Hillary tem entre 35 e 50 (!) pontos de vantagem sobre os seus possíveis concorrentes.
Em 2007, nas primárias para 2008, ela também tinha uma grande vantagem sobre Obama? Certo. Mas, ainda assim, as situações não são comparáveis. Por um lado, será muito difícil que um fenómeno tão inesperado e «out of the box» como a Obamania se repita para 2016. Depois, a diferença entre Hillary e Obama nunca passou dos 30 pontos percentuais.
Desta vez, a vantagem da antiga secretária de Estado é gigantesca. As últimas sondagens dão-lhe mais de 60% das intenções de voto entre os democratas, sendo que outros possíveis candidatos como Joe Biden (vice-presidente), Elizabeth Warren (senadora pelo Massachusets), Martin O'Malley (governador do Maryland) ou Andrew Cuomo (governador de Nova Iorque) não atingem, sequer, os dois dígitos.
Sim, é verdade: na política americana o nível de imprevisibilidade é enorme. Mas um cenário como este torna a corrida presidencial democrata um caso praticamente fechado, desde que Hillary queira mesmo tentar uma segunda candidatura, depois da perda, à reta da meta, para Barack Obama, em 2008.
A coisa muda completamente de figura quando olhamos para o campo republicano.
A direita americana atravessa uma séria crise de identidade. Basicamente, não sabe para que lado se há-de virar.
As derrotas recentes (presidenciais de há um ano; recuo na dupla crise do início de outubro) tornariam prudente um recentramento político, que poderá beneficiar as pretensões presidenciais de nomes como Jeb Bush (ex-governador da Florida, irmão e filho de antigos presidentes) ou Chris Christie (o governador da Nova Jérsia, politicamente incorreto e que pensa pela própria cabeça).
Mas a força do Tea Party continua a ser imensa. E há pelo menos três nomes da direita mais acirrada que já preparam a corrida para 2016: os senadores Ted Cruz, do Texas (o novo «tea party darling», desde que discursou 21 horas seguidas contra o ObamaCare), Marco Rubio, da Florida (filho de cubanos), e Rand Paul, do Kentucky (filho de Ron Paul, o eterno candidato libertário).
Duma ala ainda mais dura poderão surgir Rick Perry (governador do Texas), Rick Santorum (o único que desafiou verdadeiramente a nomeação de Romney) ou Sarah Palin (vice de McCain em 2008).
Pelo meio, surgem um nome com características mistas, entre a moderação e o radicalismo: Paul Ryan, que foi candidato a vice de Romney. Pode até ser que, entre a confusão que reina no Partido Republicano, o congressista do Wisconsin apareça como a solução mais consistente.»
O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: terão os republicanos aprendido a lição?
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 23 DE OUTUBRO DE 2013:
«O extremista em Washington é Barack Obama»
DICK CHENEY, vice-presidente dos EUA entre 2001 e 2009, «falcão» da direita americana
«Só quando políticos como Chris Christie ou Jeb Bush e não Ted Cruz ou Marco Rubio tomarem conta do partido é que o Tea Party vai recuar e os republicanos vão voltar a ter um comportamento normal»
NORMAN ORNSTEIN, investigador político na American Enterprise Institute
Washington vive ainda em plena fase de rescaldo da maior crise sistémica que atravessou na última década e meia.
Mais de duas semanas de «government shutdown» não se apagam de um dia para o outro.
Barack Obama, que teve no plano do jogo político a maior vitória do segundo mandato até agora, já aponta baterias para a Reforma da Imigração (uma das principais promessas da reeleição) e para a implementação do ObamaCare.
Tendo em conta o acordo amplamente bipartidário aprovado no Congresso (com os votos de quatro quintos do Senado e dois terços da Câmara dos Representantes), tudo parecia indicar que o Presidente passaria a ter condições políticas para concretizar a sua agenda até ao final do mandato.
Mas, na política americana, as coisas nunca são exatamente o que parecem.
Um dos trunfos que a reeleição de Obama parecia ter tido era uma maior disponibilidade do lado republicano, no segundo mandato, para temas como a Reforma da Imigração. A ascensão do jovem senador Marco Rubio, da Florida, no Partido Republicano era outro motivo de crença num segundo mandato com um ambiente mais distendido.
Mas os sinais mais recentes são muito pouco animadores nesse aspeto. Marco Rubio, cujas pretensões presidenciais para 2016 aconselhariam a um caminho para o centro político, foi um dos 18 senadores republicanos que votaram contra o acordo bipartidário que salvou a América do «default».
«O Presidente minou, nestes 16 dias, ao não querer negociar com a House republicana, as condições políticas para uma aprovação da Reforma da Imigração. Essa reforma é agora mais difícil do que era há três semanas», avisou Rubio, momentos depois da aprovação no Congresso.
O alerta está dado: o Presidente não terá uma lua-de-mel dos republicanos, nem mesmo depois de tamanha derrota do GOP nesta dupla crise.
Mesmo tendo sido um acordo mais alargado do que muitos temeram, os grandes fantasmas que ensombram Washington foram apenas adiados.
A 15 de janeiro, o governo Obama volta a deixar de ter financiamento pleno; a 7 de fevereiro, o teto da dívida volta a ser atingido.
Moral da história: este filme pode ser repetido e é necessária, por isso, uma mudança de comportamento por parte dos republicanos.
Terá a direita americana aprendido a lição?
Norman Ornstein, investigador político no American Enterprise Institute, não tem ilusões: «Só quando políticos como Chris Christie ou Jeb Bush e não Ted Cruz ou Marco Rubio tomarem conta do partido é que o Tea Party vai recuar e os republicanos vão voltar a ter um comportamento normal».
Todas as declarações de «tea party darlings» como Ted Cruz, Sarah Palin, Marco Rubio ou Rand Paul apontam para essa risco.
O «supercomité» bipartidário que saiu do acordo de 16 de outubro tem por missão proteger o sistema de futuros «shutdowns» e eventuais incumprimentos decorrentes do atingir do teto da dívida.
Mas, mais uma vez, a América continua dependente de artificialismos do sistema para adiar o essencial.
A «grand bargain» que é necessária entre democratas e republicanos, de modo a chegar consensos em torno de temas como a redução da dívida e a distribuição fiscal só poderá alcançada se os dois lados estiverem dispostos a fazer cedências.
E isso, manifestamente, está longe de ser possível neste momento em Washington.»
«O extremista em Washington é Barack Obama»
DICK CHENEY, vice-presidente dos EUA entre 2001 e 2009, «falcão» da direita americana
«Só quando políticos como Chris Christie ou Jeb Bush e não Ted Cruz ou Marco Rubio tomarem conta do partido é que o Tea Party vai recuar e os republicanos vão voltar a ter um comportamento normal»
NORMAN ORNSTEIN, investigador político na American Enterprise Institute
Washington vive ainda em plena fase de rescaldo da maior crise sistémica que atravessou na última década e meia.
Mais de duas semanas de «government shutdown» não se apagam de um dia para o outro.
Barack Obama, que teve no plano do jogo político a maior vitória do segundo mandato até agora, já aponta baterias para a Reforma da Imigração (uma das principais promessas da reeleição) e para a implementação do ObamaCare.
Tendo em conta o acordo amplamente bipartidário aprovado no Congresso (com os votos de quatro quintos do Senado e dois terços da Câmara dos Representantes), tudo parecia indicar que o Presidente passaria a ter condições políticas para concretizar a sua agenda até ao final do mandato.
Mas, na política americana, as coisas nunca são exatamente o que parecem.
Um dos trunfos que a reeleição de Obama parecia ter tido era uma maior disponibilidade do lado republicano, no segundo mandato, para temas como a Reforma da Imigração. A ascensão do jovem senador Marco Rubio, da Florida, no Partido Republicano era outro motivo de crença num segundo mandato com um ambiente mais distendido.
Mas os sinais mais recentes são muito pouco animadores nesse aspeto. Marco Rubio, cujas pretensões presidenciais para 2016 aconselhariam a um caminho para o centro político, foi um dos 18 senadores republicanos que votaram contra o acordo bipartidário que salvou a América do «default».
«O Presidente minou, nestes 16 dias, ao não querer negociar com a House republicana, as condições políticas para uma aprovação da Reforma da Imigração. Essa reforma é agora mais difícil do que era há três semanas», avisou Rubio, momentos depois da aprovação no Congresso.
O alerta está dado: o Presidente não terá uma lua-de-mel dos republicanos, nem mesmo depois de tamanha derrota do GOP nesta dupla crise.
Mesmo tendo sido um acordo mais alargado do que muitos temeram, os grandes fantasmas que ensombram Washington foram apenas adiados.
A 15 de janeiro, o governo Obama volta a deixar de ter financiamento pleno; a 7 de fevereiro, o teto da dívida volta a ser atingido.
Moral da história: este filme pode ser repetido e é necessária, por isso, uma mudança de comportamento por parte dos republicanos.
Terá a direita americana aprendido a lição?
Norman Ornstein, investigador político no American Enterprise Institute, não tem ilusões: «Só quando políticos como Chris Christie ou Jeb Bush e não Ted Cruz ou Marco Rubio tomarem conta do partido é que o Tea Party vai recuar e os republicanos vão voltar a ter um comportamento normal».
Todas as declarações de «tea party darlings» como Ted Cruz, Sarah Palin, Marco Rubio ou Rand Paul apontam para essa risco.
O «supercomité» bipartidário que saiu do acordo de 16 de outubro tem por missão proteger o sistema de futuros «shutdowns» e eventuais incumprimentos decorrentes do atingir do teto da dívida.
Mas, mais uma vez, a América continua dependente de artificialismos do sistema para adiar o essencial.
A «grand bargain» que é necessária entre democratas e republicanos, de modo a chegar consensos em torno de temas como a redução da dívida e a distribuição fiscal só poderá alcançada se os dois lados estiverem dispostos a fazer cedências.
E isso, manifestamente, está longe de ser possível neste momento em Washington.»
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: guerra civil na direita americana
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 21 DE OUTUBRO DE 2013:
«Os esforços que está a fazer para ser Presidente estão a causar sérios danos ao país»
Harry Reid, líder da maioria democrata, sobre o comportamento de Ted Cruz, senador republicano do Texas, mentor da oposição do Tea Party ao acordo bipartidário que desbloqueou o «shutdown» e aumentou o teto da dívida
«Não acredito que esteja a dizer isto, mas sim, desejo que os democratas passem a controlar a Câmara dos Representantes em 2014»
Taegan Goddard, autor do blogue «Political Wire», conservador moderado, conselheiro de Donald Riegle, antigo senador republicano do Michigan
O pior foi adiado em Washington, mas a dupla crise das últimas três semanas deixou marcas profundas na direita americana.
A derrota é assumida por todos, mas a forma de lidar com ela já é bem diferente.
Nunca como agora se notaram as clivagens entre quem considera inevitável negociar com o Presidente e com os democratas, aceitando as regras do jogo e percebendo que «as eleições têm consequências», e quem deseja passar por cima dos resultados eleitorais.
Simplificando: o Partido Republicano sai derrotado e dividido desta dupla. A ambiguidade de John Boehner, «speaker» do Congresso, nos últimos dias, deu conta da quadratura do círculo que era obrigado a fazer, para manter o unido o «caucus» republicano: o congressista do Ohio não queria, de forma alguma, ser responsável por levar a América para o abismo, mas sabia, ao mesmo tempo, a ameaça que os radicais do seu partido constituíam, presos ao dogma de «travar o ObamaCare».
Taegan Goddard, conservador moderado, autor do blogue «Political Wire», conselheiro de Donald Riegle (antigo senador republicano do Michigan), não poupa nas críticas ao comportamento de oposição cega que tem dominado a acção dos republicanos no Congresso, durante ao anos Obama: «Não acredito que esteja a dizer isto, mas sim, desejo que os democratas passem a controlar a Câmara dos Representantes em 2014», escreveu no seu blogue.
Para Taegan Goddard, esta tem sido uma estratégia falhada para os interesses do conservadorismo americano: «Um ano depois do duelo presidencial Obama-Romney, 2013 foi um ano perdido para o Partido Republicano. Melhorou o seu problema de imagem? Não. Resolveu as dificuldades que tem em eleitorados como as mulheres ou as minorias sociais? Não. Tem uma posição mais forte do que tinha há um ano, em outubro de 2012? Não?»
Não será exagerado anunciar o clima de guerra civil na direita americana.
Além de dar a Obama um triunfo de que necessitava para recuperar fôlego político até ao final do segundo mandato (o Presidente já anunciou que vai agora concentrar-se na Reforma da Imigração), os estilhaços do acordo bipartidário acentuaram diferenças insanáveis no seio do GOP.
Os republicanos moderados, com uma visão mais tradicionalista do jogo de Washington, foram forçados a recuar nos últimos anos, tamanha era a ferocidade do Tea Party. Mesmo a nomeação presidencial de Mitt Romney foi «infetada» por influências do lado mais radical dos republicanos, que forçaram o antigo governador do Massachussets a guinar à direita em muitas das suas posições.
Essa visão perdeu quase todas as batalhas políticas dos últimos anos: Obama foi eleito Presidente por duas vezes; o ObamaCare foi aprovado e relegitimado.
É certo que, em 2010, o Tea Pary conseguiu ocupar uma boa percentagem dos lugares republicanos no Congresso.
Mas a forma como os americanos penalizaram o comportamento irresponsável dos radicais nesta crise (todas as sondagens apontam para que a culpa dos prejuízos de 16 dias de paralisação governamental foi da ala extremista) coloca um grande dilema à direita americana: o que fazer para as eleições intercalares de 2014, negociar com o Presidente ou namorar com o Tea Party?»
«Os esforços que está a fazer para ser Presidente estão a causar sérios danos ao país»
Harry Reid, líder da maioria democrata, sobre o comportamento de Ted Cruz, senador republicano do Texas, mentor da oposição do Tea Party ao acordo bipartidário que desbloqueou o «shutdown» e aumentou o teto da dívida
«Não acredito que esteja a dizer isto, mas sim, desejo que os democratas passem a controlar a Câmara dos Representantes em 2014»
Taegan Goddard, autor do blogue «Political Wire», conservador moderado, conselheiro de Donald Riegle, antigo senador republicano do Michigan
O pior foi adiado em Washington, mas a dupla crise das últimas três semanas deixou marcas profundas na direita americana.
A derrota é assumida por todos, mas a forma de lidar com ela já é bem diferente.
Nunca como agora se notaram as clivagens entre quem considera inevitável negociar com o Presidente e com os democratas, aceitando as regras do jogo e percebendo que «as eleições têm consequências», e quem deseja passar por cima dos resultados eleitorais.
Simplificando: o Partido Republicano sai derrotado e dividido desta dupla. A ambiguidade de John Boehner, «speaker» do Congresso, nos últimos dias, deu conta da quadratura do círculo que era obrigado a fazer, para manter o unido o «caucus» republicano: o congressista do Ohio não queria, de forma alguma, ser responsável por levar a América para o abismo, mas sabia, ao mesmo tempo, a ameaça que os radicais do seu partido constituíam, presos ao dogma de «travar o ObamaCare».
Taegan Goddard, conservador moderado, autor do blogue «Political Wire», conselheiro de Donald Riegle (antigo senador republicano do Michigan), não poupa nas críticas ao comportamento de oposição cega que tem dominado a acção dos republicanos no Congresso, durante ao anos Obama: «Não acredito que esteja a dizer isto, mas sim, desejo que os democratas passem a controlar a Câmara dos Representantes em 2014», escreveu no seu blogue.
Para Taegan Goddard, esta tem sido uma estratégia falhada para os interesses do conservadorismo americano: «Um ano depois do duelo presidencial Obama-Romney, 2013 foi um ano perdido para o Partido Republicano. Melhorou o seu problema de imagem? Não. Resolveu as dificuldades que tem em eleitorados como as mulheres ou as minorias sociais? Não. Tem uma posição mais forte do que tinha há um ano, em outubro de 2012? Não?»
Não será exagerado anunciar o clima de guerra civil na direita americana.
Além de dar a Obama um triunfo de que necessitava para recuperar fôlego político até ao final do segundo mandato (o Presidente já anunciou que vai agora concentrar-se na Reforma da Imigração), os estilhaços do acordo bipartidário acentuaram diferenças insanáveis no seio do GOP.
Os republicanos moderados, com uma visão mais tradicionalista do jogo de Washington, foram forçados a recuar nos últimos anos, tamanha era a ferocidade do Tea Party. Mesmo a nomeação presidencial de Mitt Romney foi «infetada» por influências do lado mais radical dos republicanos, que forçaram o antigo governador do Massachussets a guinar à direita em muitas das suas posições.
Essa visão perdeu quase todas as batalhas políticas dos últimos anos: Obama foi eleito Presidente por duas vezes; o ObamaCare foi aprovado e relegitimado.
É certo que, em 2010, o Tea Pary conseguiu ocupar uma boa percentagem dos lugares republicanos no Congresso.
Mas a forma como os americanos penalizaram o comportamento irresponsável dos radicais nesta crise (todas as sondagens apontam para que a culpa dos prejuízos de 16 dias de paralisação governamental foi da ala extremista) coloca um grande dilema à direita americana: o que fazer para as eleições intercalares de 2014, negociar com o Presidente ou namorar com o Tea Party?»
sábado, 19 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: um «thriller» a não repetir
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24, A 18 DE OUTUBRO DE 2013:
«Ganhem uma eleição»
Barack Obama, Presidente dos EUA, em recado para os republicanos que tentaram usar a dupla crise «shutdown»/teto da dívida para travar o ObamaCare
«Temos que assegurar ao povo americano que não vamos fazer isto outra vez»
John McCain, senador do Arizona, nomeado presidencial republicano em 2008
«Já se pode governar?»
E.J. Dionne, em título brilhante de artigo publicado no Washington Post
O «sequestro» em Washington acabou melhor do que muitos temeram, mas há o perigo de este ser um «thriller» com repetição em janeiro e fevereiro.
O Tea Party ameaça voltar à carga e mesmo depois da forma clara como o Congresso aprovou o acordo que desbloqueou, para já, o duplo impasse, foram várias as figuras da direita mais radical que prometeram não desistir da luta contra o ObamaCare.
Só que os riscos de se cair na ravina foram tão reais que foi mais fácil perceber de que lado estava a razão.
Bill Schneider, em entrevista ao tvi24.pt em dezembro passado, explicou que «o sistema americano só funciona com grandes crises». Mais uma vez, isso confirmou-se.
Obama, que já passou tantas vezes por situações limite desde que é Presidente, podia ter cantado vitória (saiu muito reforçado), mas preferiu lançar sérios avisos no discurso do «day after»: «Temos que parar de resolver estas coisas na penúltima hora. Quem não gostar de uma determinada política, então que ganhe uma eleição. Parem de se focar nos lobbistas, nos bloggers, nos comentadores de rádio e nos ativistas profissionais que ganham a vida com o conflito e foquem-se no que a maioria do povo americano nos mandatou, que é fazer crescer a economia».
As divisões internas estão lançadas no Partido Republicano. John McCain, senador há 25 anos, estava indignado: «Foi dos capítulos mais vergonhosos que já vi este Congresso fazer. Um episódio agonizante, que finalmente terminou. Temos de assegurar ao povo americano que isto não volta a acontecer».
Na mesma linha, Lindsey Graham, senador republicano da Carolina do Sul, profundamente conservador mas feroz crítico do Tea Party, observava, incrédulo, à CNN, na noite da votação: «Nunca percebi como é que isto podia acabar bem para nós. Era uma luta contra o ObamaCare, mas o tipo que dá nome a essa lei ainda é o Presidente. Se em janeiro voltarmos a esta crise, somos todos loucos».
A questão central é essa: evitou-se o pior, mas ter-se-á aprendido com isto? Muitos republicanos comentaram, admitindo a derrota, que seria demasiado mau repetir esta crise daqui a uns meses.
Harry Reid, que poderá colher quase tantos louros como o Presidente e até foi chamado de «king of the Hill» (numa alusão à forma como conseguiu uma das maiores maiorias que o Capitólio agregou nos últimos anos), nem conseguia festejar depois de 16 dias de aflição: «É uma grande vitória, mas sejamos honestos: isto não pode voltar a repetir-se. Foi muito sofrimento, por muito tempo, para todos».
«Será que já se pode governar?», pergunta E.J. Dionne no Washington Post: «Nunca mais deveremos governar-nos assim. Não podemos criar crises absolutamente inúteis que fazem a nossa grande democracia parecer pateta aos olhos do resto do mundo. Não podemos dar ao governo chinês argumentos para um mundo desamericanizado».
Muito dependerá, nos próximos meses, da forma como Ted Cruz, Marco Rubio e Rand Paul (os três senadores mais influentes da ala extremista do Partido Republicano) digerirem a derrota.
No meio de tantos avisos sérios, impossível não sorrir com a piada de Conan O'Brien: «No day after do acordo, o Presidente disse que se ia concentrar na Imigração. Vai começar por deportar Ted Cruz».
Haja humor depois das três semanas mais stressantes da política americana desde que Obama foi reeleito.»
«Ganhem uma eleição»
Barack Obama, Presidente dos EUA, em recado para os republicanos que tentaram usar a dupla crise «shutdown»/teto da dívida para travar o ObamaCare
«Temos que assegurar ao povo americano que não vamos fazer isto outra vez»
John McCain, senador do Arizona, nomeado presidencial republicano em 2008
«Já se pode governar?»
E.J. Dionne, em título brilhante de artigo publicado no Washington Post
O «sequestro» em Washington acabou melhor do que muitos temeram, mas há o perigo de este ser um «thriller» com repetição em janeiro e fevereiro.
O Tea Party ameaça voltar à carga e mesmo depois da forma clara como o Congresso aprovou o acordo que desbloqueou, para já, o duplo impasse, foram várias as figuras da direita mais radical que prometeram não desistir da luta contra o ObamaCare.
Só que os riscos de se cair na ravina foram tão reais que foi mais fácil perceber de que lado estava a razão.
Bill Schneider, em entrevista ao tvi24.pt em dezembro passado, explicou que «o sistema americano só funciona com grandes crises». Mais uma vez, isso confirmou-se.
Obama, que já passou tantas vezes por situações limite desde que é Presidente, podia ter cantado vitória (saiu muito reforçado), mas preferiu lançar sérios avisos no discurso do «day after»: «Temos que parar de resolver estas coisas na penúltima hora. Quem não gostar de uma determinada política, então que ganhe uma eleição. Parem de se focar nos lobbistas, nos bloggers, nos comentadores de rádio e nos ativistas profissionais que ganham a vida com o conflito e foquem-se no que a maioria do povo americano nos mandatou, que é fazer crescer a economia».
As divisões internas estão lançadas no Partido Republicano. John McCain, senador há 25 anos, estava indignado: «Foi dos capítulos mais vergonhosos que já vi este Congresso fazer. Um episódio agonizante, que finalmente terminou. Temos de assegurar ao povo americano que isto não volta a acontecer».
Na mesma linha, Lindsey Graham, senador republicano da Carolina do Sul, profundamente conservador mas feroz crítico do Tea Party, observava, incrédulo, à CNN, na noite da votação: «Nunca percebi como é que isto podia acabar bem para nós. Era uma luta contra o ObamaCare, mas o tipo que dá nome a essa lei ainda é o Presidente. Se em janeiro voltarmos a esta crise, somos todos loucos».
A questão central é essa: evitou-se o pior, mas ter-se-á aprendido com isto? Muitos republicanos comentaram, admitindo a derrota, que seria demasiado mau repetir esta crise daqui a uns meses.
Harry Reid, que poderá colher quase tantos louros como o Presidente e até foi chamado de «king of the Hill» (numa alusão à forma como conseguiu uma das maiores maiorias que o Capitólio agregou nos últimos anos), nem conseguia festejar depois de 16 dias de aflição: «É uma grande vitória, mas sejamos honestos: isto não pode voltar a repetir-se. Foi muito sofrimento, por muito tempo, para todos».
«Será que já se pode governar?», pergunta E.J. Dionne no Washington Post: «Nunca mais deveremos governar-nos assim. Não podemos criar crises absolutamente inúteis que fazem a nossa grande democracia parecer pateta aos olhos do resto do mundo. Não podemos dar ao governo chinês argumentos para um mundo desamericanizado».
Muito dependerá, nos próximos meses, da forma como Ted Cruz, Marco Rubio e Rand Paul (os três senadores mais influentes da ala extremista do Partido Republicano) digerirem a derrota.
No meio de tantos avisos sérios, impossível não sorrir com a piada de Conan O'Brien: «No day after do acordo, o Presidente disse que se ia concentrar na Imigração. Vai começar por deportar Ted Cruz».
Haja humor depois das três semanas mais stressantes da política americana desde que Obama foi reeleito.»
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: a vitória do bom senso
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 17 DE OUTUBRO DE 2013:
«Foi por horas, mas o desastre foi evitado. Após 16 dias de paralisação, o governo americano voltou a funcionar em pleno e o teto da dívida foi aumentado por três meses e meio, numa aprovação que impediu, por uma unha negra, uma situação que teria consequências dramáticas.
O «sequestro» de Washington está, para já, resolvido. Mas é só mesmo para já. O acordo feito ontem à tarde no Senado adia a questão orçamental até 15 de janeiro e o atingir do teto da dívida até 7 de fevereiro.
Volta a ser uma solução provisória, mas acabou por ser muito melhor do que se imaginou.
A proposta bipartidária teve uma aprovação de 81 contra 18 no Senado, e de 285 contra 144 na Câmara dos Representantes.
A dupla crise acabou por dar num dos momentos de maior consenso bipartidário dos anos Obama, com quatro quintos da câmara alta e dois terços da câmara baixa a concordarem que isto tinha que terminar.
Barack Obama, que para muitos tinha colocado em risco o resto do segundo mandato com esta dupla crise, venceu a toda a linha: ajudou a evitar o pior, manteve-se sempre concertado politicamente com a linha negocial que estava a ser seguida pelos líderes democratas no Congresso e voltou a ter em Nancy Pelosi, na Câmara dos Representantes, e sobretudo em Harry Reid, no Senado, dois aliados fiéis e eficazes, para contrapor uma oposição cega e, mais uma vez, irresponsável, da ala dura do Partido Republicano.
Os dados mostram como o Presidente sai como o grande vencedor: apesar dos riscos enormes que até ontem o sistema viveu, chantageado pela paralisação do Tea Party, Obama não cedeu no essencial (ao contrário do que tinha acontecido na crise do verão de 2011), tendo prevalecido a sua tese de que não era legítimo o que o outro lado estava a exigir.
Se é verdade que o ObamaCare continua a não ser uma lei popular, a questão é que, de tal modo isso foi usado de forma ilegítima pelos radicais durante esta crise, que o resultado foi este: duas semanas depois da paralisação, o número de americanos que defendem a implementação em vez de ter diminuído, aumentou.
Em vez de ter comprometido o que resta da sua presidência, Obama teve a vitória que precisava para ganhar um novo impulso: depois disto, passou a ter a certeza de que a Reforma da Saúde, em vez de ser «desfinanciada», será implementada.
Por outro lado, os serviços federais voltaram a ter o financiamento que necessitavam do Congresso e a questão da dívida, sendo profunda e complexa, não será um fantasma a ensombrar mercados e credores dos EUA, pelo menos até ao início de fevereiro.
Se nos lembrarmos que Obama chegou a ter a hipótese de aceitar um acordo bem mais frágil, que apenas apontava para um adiamento por seis semanas das duas questões e exigia mais alteração ao ObamaCare, temos que concluir que o Presidente e Harry Reid tiveram a estratégia certa.
Está tudo resolvido? Não, claro que não. Apesar do acordo ter sido mais largo no tempo e no alcance do que se previa até ontem, a verdade é que voltou a ser um adiamento no essencial. Mais um.
A Administração Obama só aprovou dois orçamentos no primeiro mandato. Vive desde o fim de 2009 neste jogo de adiamentos. Os grandes duelos ideológicos aumento de impostos/redução da despesas, com o fantasma da dívida («Fiscal Cliff») como pano de fundo mantêm-se por resolver.
Está lançada a purga no Partido Republicano. Será aceitável continuar a recusar o ObamaCare, depois do Presidente ter ganho todas as batalhas de legitimação nos últimos três anos e meio?
Entre os 18 senadores republicanos que votaram contra o acordo, estão três pretendentes presidenciais para 2016: Ted Cruz (Texas), Marco Rubio (Florida) e Rand Paul (Kentucky).
Por enquanto, os radicais perderam. Mas eles não vão desistir. Sentem ter «uma missão», em nome de «Deus e do povo americano».
«Foi por horas, mas o desastre foi evitado. Após 16 dias de paralisação, o governo americano voltou a funcionar em pleno e o teto da dívida foi aumentado por três meses e meio, numa aprovação que impediu, por uma unha negra, uma situação que teria consequências dramáticas.
O «sequestro» de Washington está, para já, resolvido. Mas é só mesmo para já. O acordo feito ontem à tarde no Senado adia a questão orçamental até 15 de janeiro e o atingir do teto da dívida até 7 de fevereiro.
Volta a ser uma solução provisória, mas acabou por ser muito melhor do que se imaginou.
A proposta bipartidária teve uma aprovação de 81 contra 18 no Senado, e de 285 contra 144 na Câmara dos Representantes.
A dupla crise acabou por dar num dos momentos de maior consenso bipartidário dos anos Obama, com quatro quintos da câmara alta e dois terços da câmara baixa a concordarem que isto tinha que terminar.
Barack Obama, que para muitos tinha colocado em risco o resto do segundo mandato com esta dupla crise, venceu a toda a linha: ajudou a evitar o pior, manteve-se sempre concertado politicamente com a linha negocial que estava a ser seguida pelos líderes democratas no Congresso e voltou a ter em Nancy Pelosi, na Câmara dos Representantes, e sobretudo em Harry Reid, no Senado, dois aliados fiéis e eficazes, para contrapor uma oposição cega e, mais uma vez, irresponsável, da ala dura do Partido Republicano.
Os dados mostram como o Presidente sai como o grande vencedor: apesar dos riscos enormes que até ontem o sistema viveu, chantageado pela paralisação do Tea Party, Obama não cedeu no essencial (ao contrário do que tinha acontecido na crise do verão de 2011), tendo prevalecido a sua tese de que não era legítimo o que o outro lado estava a exigir.
Se é verdade que o ObamaCare continua a não ser uma lei popular, a questão é que, de tal modo isso foi usado de forma ilegítima pelos radicais durante esta crise, que o resultado foi este: duas semanas depois da paralisação, o número de americanos que defendem a implementação em vez de ter diminuído, aumentou.
Em vez de ter comprometido o que resta da sua presidência, Obama teve a vitória que precisava para ganhar um novo impulso: depois disto, passou a ter a certeza de que a Reforma da Saúde, em vez de ser «desfinanciada», será implementada.
Por outro lado, os serviços federais voltaram a ter o financiamento que necessitavam do Congresso e a questão da dívida, sendo profunda e complexa, não será um fantasma a ensombrar mercados e credores dos EUA, pelo menos até ao início de fevereiro.
Se nos lembrarmos que Obama chegou a ter a hipótese de aceitar um acordo bem mais frágil, que apenas apontava para um adiamento por seis semanas das duas questões e exigia mais alteração ao ObamaCare, temos que concluir que o Presidente e Harry Reid tiveram a estratégia certa.
Está tudo resolvido? Não, claro que não. Apesar do acordo ter sido mais largo no tempo e no alcance do que se previa até ontem, a verdade é que voltou a ser um adiamento no essencial. Mais um.
A Administração Obama só aprovou dois orçamentos no primeiro mandato. Vive desde o fim de 2009 neste jogo de adiamentos. Os grandes duelos ideológicos aumento de impostos/redução da despesas, com o fantasma da dívida («Fiscal Cliff») como pano de fundo mantêm-se por resolver.
Está lançada a purga no Partido Republicano. Será aceitável continuar a recusar o ObamaCare, depois do Presidente ter ganho todas as batalhas de legitimação nos últimos três anos e meio?
Entre os 18 senadores republicanos que votaram contra o acordo, estão três pretendentes presidenciais para 2016: Ted Cruz (Texas), Marco Rubio (Florida) e Rand Paul (Kentucky).
Por enquanto, os radicais perderam. Mas eles não vão desistir. Sentem ter «uma missão», em nome de «Deus e do povo americano».
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: a humilhação de Boehner e um acordo frágil
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI.24, A 16 DE OUTUBRO DE 2013:
«A contagem decrescente para se atingir o teto da dívida já mostra menos de um dia para que se possa evitar o desastre.
As últimas 24 horas constituíram a prova final da chantagem do Tea Party.
Cada vez mais pressionado para resolver a dupla crise (o «shutdown» está a provocar paralisações em áreas que apoiam os republicanos), John Boehner, o «speaker» da Câmara dos Representantes apresentou uma proposta que permitiria o aumento do teto da dívida e desbloquearia o «shutdown», mas tudo acabou numa autêntica humilhação.
Boehner expôs as linhas gerais da proposta (que implicava uma melhor definição da implementação do ObamaCare, mas não o adiaria) e, horas depois, teve que a retirar, tamanha foi a oposição que teve da ala direita do seu próprio partido.
Sem votos para garantir a aprovação, Boehner teve que recuar. Um golpe dramático, quando estamos tão perto do «deadline» do teto da dívida.
«A Câmara dos Representantes está agora oficialmente ingovernável. Numa derrota embaraçosa, Boehner desistiu da proposta que subiria o teto da dívida, acabaria com o shutdown e asseguraria alterações de pormenor no ObamaCare.
Os membros da House ligados à Heritage Foundation (ndr: instituição financiada pelo Tea Party) tiraram-lhe o tapete, considerando a proposta como «demasiado fraca» em relação à Reforma da Saúde de Obama», explica Benji Sarlin, na MSNBC.
E agora? Sem um acordo de fundo saído da Câmara dos Representantes, a última hipótese vem do Senado. Harry Reid e Mitch McConnell, os líderes de democratas e republicanos na câmara alta, estão a trabalhar em contra-relógio.
De acordo com o «Politico», há sinais de que esse acordo pode «estar por horas», mas tudo indica que venha a ser uma solução frágil, que basicamente adie a questão por algumas semanas ou meses, apenas para evitar que a América entre em «default». E mesmo em relação ao Orçamento, cuja falta de aprovação está na base do «shutdown», continua a haver mais dúvidas do que certezas.
A intenção de Obama e Boehner foi a de se atingir um acordo generalizado que resolvesse, de uma assentada, a questão do teto da dívida e o «shutdown». Mas a «bomba-relógio» ainda não desativada, e que tem data limita para esta quinta, dia 17, não é boa conselheira para acordos alargados.
Barack Obama tenta não perder a calma, por muito difícil que isso neste momento possa ser: «Acho que o meu registo, nestes anos de presidência, prova que estive sempre disposto a negociar com os republicanos. Aberto ao compromisso. Às vezes, a um ponto em que os democratas até ficaram zangados comigo, mas dei sempre prioridade aos interesses do país. O problema que temos neste preciso momento é que no outro lado, uma fação extremista, uma minoria que manifestamente não representa os republicanos, domina o Partido Republicano. E os republicanos mais razoáveis que estariam interessados em negociar sentem dificuldades».
Mais pragmatismo por parte do Presidente seria difícil, nesta entrevista dada a Diana Williams, à ABC: «O que não temos visto é uma vontade do outro lado de se envolver seriamente, de modo a que seja possível exercer a governação».
Em crises semelhantes (mas não tão graves nos riscos e na duração) no verão de 2011 e no final de 2012, muitos anteciparam uma «capitulação do governo Obama». A questão é o Presidente, mesmo assim, foi reeleito e parece que a legitimidade popular lhe dá uma proteção extra.
O problema é que a disfuncionalidade do sistema está cada vez mais visível.
Michael Lind, em artigo profundamente crítico no «Salon.com», acusa o Tea Party de estar fazer de todo o sistema «refém de exigências irresponsáveis». E aponta a urgência de se acabar com «o teto da dívida e a minoria de bloqueio («filibuster»), duas armas aritificiais do Congresso para paralisar a ação governativa do Presidente».
«A contagem decrescente para se atingir o teto da dívida já mostra menos de um dia para que se possa evitar o desastre.
As últimas 24 horas constituíram a prova final da chantagem do Tea Party.
Cada vez mais pressionado para resolver a dupla crise (o «shutdown» está a provocar paralisações em áreas que apoiam os republicanos), John Boehner, o «speaker» da Câmara dos Representantes apresentou uma proposta que permitiria o aumento do teto da dívida e desbloquearia o «shutdown», mas tudo acabou numa autêntica humilhação.
Boehner expôs as linhas gerais da proposta (que implicava uma melhor definição da implementação do ObamaCare, mas não o adiaria) e, horas depois, teve que a retirar, tamanha foi a oposição que teve da ala direita do seu próprio partido.
Sem votos para garantir a aprovação, Boehner teve que recuar. Um golpe dramático, quando estamos tão perto do «deadline» do teto da dívida.
«A Câmara dos Representantes está agora oficialmente ingovernável. Numa derrota embaraçosa, Boehner desistiu da proposta que subiria o teto da dívida, acabaria com o shutdown e asseguraria alterações de pormenor no ObamaCare.
Os membros da House ligados à Heritage Foundation (ndr: instituição financiada pelo Tea Party) tiraram-lhe o tapete, considerando a proposta como «demasiado fraca» em relação à Reforma da Saúde de Obama», explica Benji Sarlin, na MSNBC.
E agora? Sem um acordo de fundo saído da Câmara dos Representantes, a última hipótese vem do Senado. Harry Reid e Mitch McConnell, os líderes de democratas e republicanos na câmara alta, estão a trabalhar em contra-relógio.
De acordo com o «Politico», há sinais de que esse acordo pode «estar por horas», mas tudo indica que venha a ser uma solução frágil, que basicamente adie a questão por algumas semanas ou meses, apenas para evitar que a América entre em «default». E mesmo em relação ao Orçamento, cuja falta de aprovação está na base do «shutdown», continua a haver mais dúvidas do que certezas.
A intenção de Obama e Boehner foi a de se atingir um acordo generalizado que resolvesse, de uma assentada, a questão do teto da dívida e o «shutdown». Mas a «bomba-relógio» ainda não desativada, e que tem data limita para esta quinta, dia 17, não é boa conselheira para acordos alargados.
Barack Obama tenta não perder a calma, por muito difícil que isso neste momento possa ser: «Acho que o meu registo, nestes anos de presidência, prova que estive sempre disposto a negociar com os republicanos. Aberto ao compromisso. Às vezes, a um ponto em que os democratas até ficaram zangados comigo, mas dei sempre prioridade aos interesses do país. O problema que temos neste preciso momento é que no outro lado, uma fação extremista, uma minoria que manifestamente não representa os republicanos, domina o Partido Republicano. E os republicanos mais razoáveis que estariam interessados em negociar sentem dificuldades».
Mais pragmatismo por parte do Presidente seria difícil, nesta entrevista dada a Diana Williams, à ABC: «O que não temos visto é uma vontade do outro lado de se envolver seriamente, de modo a que seja possível exercer a governação».
Em crises semelhantes (mas não tão graves nos riscos e na duração) no verão de 2011 e no final de 2012, muitos anteciparam uma «capitulação do governo Obama». A questão é o Presidente, mesmo assim, foi reeleito e parece que a legitimidade popular lhe dá uma proteção extra.
O problema é que a disfuncionalidade do sistema está cada vez mais visível.
Michael Lind, em artigo profundamente crítico no «Salon.com», acusa o Tea Party de estar fazer de todo o sistema «refém de exigências irresponsáveis». E aponta a urgência de se acabar com «o teto da dívida e a minoria de bloqueio («filibuster»), duas armas aritificiais do Congresso para paralisar a ação governativa do Presidente».
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: anda tudo nervoso em Washington
TEXTO PUBLICADO A 14 DE OUTUBRO DE 2013, NO SITE TVI24.PT:
«Faltam três dias para os EUA atingirem o teto da dívida, o governo federal americano está parcialmente fechado há duas semanas e ainda não há acordo para resolver esta dupla crise que está a sequestrar Washington.
Anda tudo nervoso em DC e, à medida que o relógio avança, o tom dos discursos agrava-se dos dois lados.
Obama e os democratas mantêm a sua posição: há que resolver isto o mais depressa possível e recuar na implementação do ObamaCare não é uma opção.
Boehner e os republicanos dão sinais de quererem terminar já este «shutdown», mas acusam a maioria democrata no Senado de ter recusado todas as propostas que saíram da Câmara dos Representantes.
O problema é que, apesar dos dois lados saberem da gravidade da situação, nenhum parece disposto a ceder no fundamental.
Leon Panetta, secretário da Defesa na parte final do primeiro mandato de Obama e antigo diretor da CIA, não poupa na sentença: «Os EUA estão mais fracos com estas crises».
Em entrevista ao «Meet the Press», na NBC, Panetta lamentou: «Estou verdadeiramente surpreendido que, 17 anos depois da paralisação da presidência Clinton, que senti por dentro, a lição não tenha sido aprendida».
Leon fala com conhecimento de causa: ele era o diretor do Orçamento da Administração Clinton durante o «shutdown» de 1995/96, que totalizou 28 dias. «Tantos anos depois, parece que democratas e republicanos estão no mesmo ponto».
A avaliação de Panetta está longe de ser exagerada, ou constituir mero desabafo. Com o calendário a aproximar-se do «deadline», anda mesmo tudo muito nervoso em Washington.
Lindsey Graham, senador republicano da Carolina do Sul, conservador mas feroz crítico da irracionalidade do Tea Party, exibe a sua fúria contra todos os principais atores desta dupla crise.
Ninguém escapa: o Presidente, John Boehner, Harry Reid, os democratas no Congresso, os republicanos no Congresso. «O Presidente é um líder patético. Só se envolveu verdadeiramente nisto nos últimos dias. Sempre que estamos perto de atingir um acordo junto dos nossos amigos democratas, eles mudam o jogo, por alguma razão. Os nossos amigos republicanos na Câmara dos Representantes não conseguem juntar votos suficientes para enviar alguma coisa aqui para o Senado, de modo a que o governo reabra finalmente. Portanto, é a disfunção a todos os níveis», aponta o senador, de 58 anos, citado pelo «Politico».
A autocrítica de Graham, um dos senadores mais respeitados do GOP, ao seu partido é clara: «Extravasámos o nosso papel aqui, isso parece-me claro. Devemos ser culpabilizados por isso. Agora, os democratas também não estiveram bem. A resposta deles, sobretudo do senador Harry Reid (ndr: líder da maioria democrata no Senado) foi fechar tudo. E quando tentamos negociar, eles mudam o jogo. É frustrante».
A Administração Obama reforça a estratégia de jogar diretamente com a opinião pública, chamando a esta situação o «Tea Party Shutdown».
Nos últimos dias, o Presidente voltou a olhar para a frente externa, congratulou-se com o Prémio Sakharov dado a Malala Yousafzai e recebeu na Casa Branca, em conjunto com Michelle e a filha mais velha, Malia, a jovem paquistanesa, de 16 anos, que enfrentou os taliban.
A Casa Branca tem sublinhado os prejuízos para a economia e para mais de um milhão de funcionários públicos americanos da paralisação em setores como o turismo, a cultura, o controlo alimentar, o apoio a jovens mães com dificuldades financeiras e até subsídios a veteranos de guerra e serviços judiciários, que começam a ser afetados, neste «shutdown» que hoje faz duas semanas.
«É tempo de mandar o Congresso para o inferno», resumiu Richard Kopf, juiz federal, no seu blog.
Empresas privadas, que financiam largamente o Partido Republicano, estão a pressionar os congressistas republicanos a terminarem com isto.»
«Faltam três dias para os EUA atingirem o teto da dívida, o governo federal americano está parcialmente fechado há duas semanas e ainda não há acordo para resolver esta dupla crise que está a sequestrar Washington.
Anda tudo nervoso em DC e, à medida que o relógio avança, o tom dos discursos agrava-se dos dois lados.
Obama e os democratas mantêm a sua posição: há que resolver isto o mais depressa possível e recuar na implementação do ObamaCare não é uma opção.
Boehner e os republicanos dão sinais de quererem terminar já este «shutdown», mas acusam a maioria democrata no Senado de ter recusado todas as propostas que saíram da Câmara dos Representantes.
O problema é que, apesar dos dois lados saberem da gravidade da situação, nenhum parece disposto a ceder no fundamental.
Leon Panetta, secretário da Defesa na parte final do primeiro mandato de Obama e antigo diretor da CIA, não poupa na sentença: «Os EUA estão mais fracos com estas crises».
Em entrevista ao «Meet the Press», na NBC, Panetta lamentou: «Estou verdadeiramente surpreendido que, 17 anos depois da paralisação da presidência Clinton, que senti por dentro, a lição não tenha sido aprendida».
Leon fala com conhecimento de causa: ele era o diretor do Orçamento da Administração Clinton durante o «shutdown» de 1995/96, que totalizou 28 dias. «Tantos anos depois, parece que democratas e republicanos estão no mesmo ponto».
A avaliação de Panetta está longe de ser exagerada, ou constituir mero desabafo. Com o calendário a aproximar-se do «deadline», anda mesmo tudo muito nervoso em Washington.
Lindsey Graham, senador republicano da Carolina do Sul, conservador mas feroz crítico da irracionalidade do Tea Party, exibe a sua fúria contra todos os principais atores desta dupla crise.
Ninguém escapa: o Presidente, John Boehner, Harry Reid, os democratas no Congresso, os republicanos no Congresso. «O Presidente é um líder patético. Só se envolveu verdadeiramente nisto nos últimos dias. Sempre que estamos perto de atingir um acordo junto dos nossos amigos democratas, eles mudam o jogo, por alguma razão. Os nossos amigos republicanos na Câmara dos Representantes não conseguem juntar votos suficientes para enviar alguma coisa aqui para o Senado, de modo a que o governo reabra finalmente. Portanto, é a disfunção a todos os níveis», aponta o senador, de 58 anos, citado pelo «Politico».
A autocrítica de Graham, um dos senadores mais respeitados do GOP, ao seu partido é clara: «Extravasámos o nosso papel aqui, isso parece-me claro. Devemos ser culpabilizados por isso. Agora, os democratas também não estiveram bem. A resposta deles, sobretudo do senador Harry Reid (ndr: líder da maioria democrata no Senado) foi fechar tudo. E quando tentamos negociar, eles mudam o jogo. É frustrante».
A Administração Obama reforça a estratégia de jogar diretamente com a opinião pública, chamando a esta situação o «Tea Party Shutdown».
Nos últimos dias, o Presidente voltou a olhar para a frente externa, congratulou-se com o Prémio Sakharov dado a Malala Yousafzai e recebeu na Casa Branca, em conjunto com Michelle e a filha mais velha, Malia, a jovem paquistanesa, de 16 anos, que enfrentou os taliban.
A Casa Branca tem sublinhado os prejuízos para a economia e para mais de um milhão de funcionários públicos americanos da paralisação em setores como o turismo, a cultura, o controlo alimentar, o apoio a jovens mães com dificuldades financeiras e até subsídios a veteranos de guerra e serviços judiciários, que começam a ser afetados, neste «shutdown» que hoje faz duas semanas.
«É tempo de mandar o Congresso para o inferno», resumiu Richard Kopf, juiz federal, no seu blog.
Empresas privadas, que financiam largamente o Partido Republicano, estão a pressionar os congressistas republicanos a terminarem com isto.»
Histórias da Casa Branca: falemos, então, sobre o teto da dívida
TEXTO PUBLICADO A 11 DE OUTUBRO DE 2013, NO SITE TVI24.PT:
«O relógio está a contar e, como notou Obama, num sinal de desespero nada normal para o Presidente com fama de ser o mais «cool» entre todos os que já ocuparam a Casa Branca, parece que muitos políticos com responsabilidades em Washington ainda não perceberam que estamos a pouquíssimo tempo de atingirmos o precipício.
Desta vez, não é só o «precipício orçamental» que, na última passagem de ano, assustou o sistema de poder em Washington.
Dez meses depois da quase queda na ravina orçamental (evitada horas depois de se ter pisado o «deadline»), desta vez o sistema está mesmo sob sequestro.
Democratas e republicanos no Congresso foram agravando divergências, em vez de trabalhar em consensos.
O Presidente, que no primeiro mandato se mostrou especialmente aberto ao compromisso com o outro lado («reach across the aisle»), avisou na tomada de posse do segundo que era tempo de concretizar.
Obama, estudioso do legado dos antecessores, sabe perfeitamente que os presidentes em segundo mandato trabalham em «contra-relógio» para deixarem a sua marca.
Ora, o que é dramático neste duplo impasse em Washington («government shutdown» e teto da dívida a apenas seis dias de ser atingido) é que que o objetivo de quem está a criar este «sequestro» não é evitar o pior, mas antes causar o maior dano possível à presidência de Obama.
Do ponto de vista do jogo político, isso chega a ser quase irracional.
Os estudos de opinião são claros: todos estão a perder com esta dupla crise. O Partido Republicano está em mínimos históricos de popularidade (sondagem Gallup fala em apenas 28% dos americanos a vê-lo de forma favorável), mas Obama para lá caminha (taxa de aprovação do Presidente nos 37%, muito pouco acima do mínimo do verão de 2011, após a cedência feita a Boehner, para evitar o «default»).
A proposta de Bohner de adiar por seis semanas o «deadline» do teto da dívida, a fim de dar tempo até 22 de novembro a democratas e republicanos de chegarem a um acordo orçamental (tentando assim resolver as duas crises no próximo mês e meio) foi recusada por Obama e democratas.
Mas só o facto de ter havido conversa já indica que a Casa Branca está disposta a fazer algum tipo de cedência.
Paul Krugman, em brilhante artigo no «New York Times», chamou aos congressistas do Tea Party «rebels without a clue». Eles não têm sequer uma pista do mal que estão ao fazer ao sistema e dos riscos que estão a criar para a América e para o Mundo.
É neste enquadramento político quase esquizofrénico, em que todos perdem com uma crise cuja dimensão ninguém tem coragem para antecipar verdadeiramente, que os EUA se encontram.
«Bomba atómica», chamou-lhe Warren Buffett. «Muito pior que a falência do Lehman Brothers», avisou Obama. «Caos», «derrocada», «terramoto muito pior que 2008», previram analistas em Wall Street.
No Capitólio, John Boehner (por estes dias um dos homens em posição mais incómoda no mundo da política), vai repetindo que não desejou este «government shutdown» e tenta garantir que fará tudo para evitar o «default».
Mas como, se não se consegue libertar das amarras dos seus congressistas mais radicais?
O «speaker» do Congresso, que dias depois da reeleição de Obama assumira que os resultados das eleições de novembro de 2012 confirmaram a legitimidade do ObamaCare, e manteve sempre a posição de que não pretendia um «government shutdown», está a perder a toda a linha.
Sem liderança efetiva com quem possa negociar do lado republicano, o que pode fazer Barack Obama? Dramatizar.
O Presidente tem subido o tom do alerta e, recusando-se a parar por completo o seu mandato, avançou para a nomeação de Janet Yellen para o Fed.
Os próximos dias vão ser de tensão máxima em Washington.»
«O relógio está a contar e, como notou Obama, num sinal de desespero nada normal para o Presidente com fama de ser o mais «cool» entre todos os que já ocuparam a Casa Branca, parece que muitos políticos com responsabilidades em Washington ainda não perceberam que estamos a pouquíssimo tempo de atingirmos o precipício.
Desta vez, não é só o «precipício orçamental» que, na última passagem de ano, assustou o sistema de poder em Washington.
Dez meses depois da quase queda na ravina orçamental (evitada horas depois de se ter pisado o «deadline»), desta vez o sistema está mesmo sob sequestro.
Democratas e republicanos no Congresso foram agravando divergências, em vez de trabalhar em consensos.
O Presidente, que no primeiro mandato se mostrou especialmente aberto ao compromisso com o outro lado («reach across the aisle»), avisou na tomada de posse do segundo que era tempo de concretizar.
Obama, estudioso do legado dos antecessores, sabe perfeitamente que os presidentes em segundo mandato trabalham em «contra-relógio» para deixarem a sua marca.
Ora, o que é dramático neste duplo impasse em Washington («government shutdown» e teto da dívida a apenas seis dias de ser atingido) é que que o objetivo de quem está a criar este «sequestro» não é evitar o pior, mas antes causar o maior dano possível à presidência de Obama.
Do ponto de vista do jogo político, isso chega a ser quase irracional.
Os estudos de opinião são claros: todos estão a perder com esta dupla crise. O Partido Republicano está em mínimos históricos de popularidade (sondagem Gallup fala em apenas 28% dos americanos a vê-lo de forma favorável), mas Obama para lá caminha (taxa de aprovação do Presidente nos 37%, muito pouco acima do mínimo do verão de 2011, após a cedência feita a Boehner, para evitar o «default»).
A proposta de Bohner de adiar por seis semanas o «deadline» do teto da dívida, a fim de dar tempo até 22 de novembro a democratas e republicanos de chegarem a um acordo orçamental (tentando assim resolver as duas crises no próximo mês e meio) foi recusada por Obama e democratas.
Mas só o facto de ter havido conversa já indica que a Casa Branca está disposta a fazer algum tipo de cedência.
Paul Krugman, em brilhante artigo no «New York Times», chamou aos congressistas do Tea Party «rebels without a clue». Eles não têm sequer uma pista do mal que estão ao fazer ao sistema e dos riscos que estão a criar para a América e para o Mundo.
É neste enquadramento político quase esquizofrénico, em que todos perdem com uma crise cuja dimensão ninguém tem coragem para antecipar verdadeiramente, que os EUA se encontram.
«Bomba atómica», chamou-lhe Warren Buffett. «Muito pior que a falência do Lehman Brothers», avisou Obama. «Caos», «derrocada», «terramoto muito pior que 2008», previram analistas em Wall Street.
No Capitólio, John Boehner (por estes dias um dos homens em posição mais incómoda no mundo da política), vai repetindo que não desejou este «government shutdown» e tenta garantir que fará tudo para evitar o «default».
Mas como, se não se consegue libertar das amarras dos seus congressistas mais radicais?
O «speaker» do Congresso, que dias depois da reeleição de Obama assumira que os resultados das eleições de novembro de 2012 confirmaram a legitimidade do ObamaCare, e manteve sempre a posição de que não pretendia um «government shutdown», está a perder a toda a linha.
Sem liderança efetiva com quem possa negociar do lado republicano, o que pode fazer Barack Obama? Dramatizar.
O Presidente tem subido o tom do alerta e, recusando-se a parar por completo o seu mandato, avançou para a nomeação de Janet Yellen para o Fed.
Os próximos dias vão ser de tensão máxima em Washington.»
domingo, 13 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: o ObamaCare deixou de ser o ponto
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 9 DE OUTUBRO DE 2013:
«Ganhar uma guerra é tão desastroso quanto perdê-la»
Agatha Christie
«É tempo dos governadores republicanos recuperarem a mensagem conservadora em DC. O verdadeiro Partido Republicano não se tem feito ouvir em Washington»
Bobby Jindal, governador republicano da Luisiana
Nenhum sistema político é perfeito mas, como sabiamente nos ensinou Churchill, «a democracia é o pior de todos os sistemas com exceção de todos os outros».
O «sequestro» que se vive, há mais de uma semana, em Washington, mostra isso de forma trágica.
Que haja diferenças ideológicas entre democratas e republicanos, isso é compreensível. Num clima de normalidade, até seria desejável.
O problema é que o jogo político no Capitólio, nas duas câmaras, mas sobretudo na House of Representatives, deixou de ter uma formulação lógica.
A política, que com mais ou menos expedientes criticáveis terá sempre que ser um jogo de cedências, ficou, na América, refém de dogmas ideológicos da direita radical.
Na verdade, a oposição ao «ObamaCare» deixou de ser o ponto.
A questão é mais funda e complexa: tem a ver com uma sobreposição perversa de artificialismos usados por quem tem a maioria na Câmara dos Representantes para travar uma agenda que o Presidente viu legitimada a 6 de novembro de 2012.
Eugene Robinson, no «Washington Post», sublinha a perplexidade: «Enquanto os republicanos insistem na sua cegueira patética, o ObamaCare é um facto. Não há caminho para trás. O ponto de não retorno foi alcançado quando milhões de americanos «crasharam» os sites do Affordable Care Act tentando comprar seguros de saúde. Os republicanos podem tentar continuar esta batalha, mas já perderam a guerra. A Reforma da Saúde é lei».
John Boehner, o ambíguo «speaker» da Câmara dos Representantes, assumira o mesmo, dias depois da reeleição de Obama: «O povo americano falou e os resultados são claros. O ObamaCare está aprovado e é para implementar», referiu, na altura, o congressista republicano do Ohio.
Ainda ninguém sabe muito bem como e quando vai acabar esta crise. Mas o que já parece certo é que ela criará divisões ainda mais fundas no Partido Republicano.
Agatha Christie avisou que «ganhar uma guerra é tão desastroso quanto perdê-la». Numa primeira impressão, poderia parecer que os republicanos estariam a ganhar esta batalha tão feroz em DC.
Afinal de contas, conseguiram, com a maioria numa só câmara, paralisar um sistema que, há 11 meses, havia voltado a eleger Barack Obama, odiado pela fação mais radical da direita americana.
Sucede que uma crise com esta dimensão deixará estilhaços. E criará consequências no coração do partido de Lincoln, Teddy Roosevelt, Nixon e Reagan.
Nos últimos anos, o lado pragmático dos republicanos foi sendo demasiado tolerante para com o Tea Party, temendo os avanços eleitorais que esse movimento extremista (e com uma génese não política) teve nas intercalares de 2010.
Só que, a um ano das eleições para o Congresso, muitos republicanos mais moderados estão assustados com as consequências deste «sequestro».
O caso não é para menos: por cada dia que passa, este congelamento parcial custa perdas significativas para as economias estaduais e inquietações em milhões de americanos.
É verdade que o líder republicano na Câmara dos Representantes tem feito um esforço para passar legislação que, pelo menos, garanta que os funcionários públicos que foram mandados para casa venham a receber os dias que estão a ser obrigados pelo próprio governo federal a não trabalhar.
Mas quando se fizer o balanço deste «sequestro», há congressistas republicanos que vão ter muitas dificuldades em prestar contas aos seus eleitores.
A América pode ter muitos defeitos. Mas quando toca a apurar responsabilidades, continua a ser um exemplo.»
«Ganhar uma guerra é tão desastroso quanto perdê-la»
Agatha Christie
«É tempo dos governadores republicanos recuperarem a mensagem conservadora em DC. O verdadeiro Partido Republicano não se tem feito ouvir em Washington»
Bobby Jindal, governador republicano da Luisiana
Nenhum sistema político é perfeito mas, como sabiamente nos ensinou Churchill, «a democracia é o pior de todos os sistemas com exceção de todos os outros».
O «sequestro» que se vive, há mais de uma semana, em Washington, mostra isso de forma trágica.
Que haja diferenças ideológicas entre democratas e republicanos, isso é compreensível. Num clima de normalidade, até seria desejável.
O problema é que o jogo político no Capitólio, nas duas câmaras, mas sobretudo na House of Representatives, deixou de ter uma formulação lógica.
A política, que com mais ou menos expedientes criticáveis terá sempre que ser um jogo de cedências, ficou, na América, refém de dogmas ideológicos da direita radical.
Na verdade, a oposição ao «ObamaCare» deixou de ser o ponto.
A questão é mais funda e complexa: tem a ver com uma sobreposição perversa de artificialismos usados por quem tem a maioria na Câmara dos Representantes para travar uma agenda que o Presidente viu legitimada a 6 de novembro de 2012.
Eugene Robinson, no «Washington Post», sublinha a perplexidade: «Enquanto os republicanos insistem na sua cegueira patética, o ObamaCare é um facto. Não há caminho para trás. O ponto de não retorno foi alcançado quando milhões de americanos «crasharam» os sites do Affordable Care Act tentando comprar seguros de saúde. Os republicanos podem tentar continuar esta batalha, mas já perderam a guerra. A Reforma da Saúde é lei».
John Boehner, o ambíguo «speaker» da Câmara dos Representantes, assumira o mesmo, dias depois da reeleição de Obama: «O povo americano falou e os resultados são claros. O ObamaCare está aprovado e é para implementar», referiu, na altura, o congressista republicano do Ohio.
Ainda ninguém sabe muito bem como e quando vai acabar esta crise. Mas o que já parece certo é que ela criará divisões ainda mais fundas no Partido Republicano.
Agatha Christie avisou que «ganhar uma guerra é tão desastroso quanto perdê-la». Numa primeira impressão, poderia parecer que os republicanos estariam a ganhar esta batalha tão feroz em DC.
Afinal de contas, conseguiram, com a maioria numa só câmara, paralisar um sistema que, há 11 meses, havia voltado a eleger Barack Obama, odiado pela fação mais radical da direita americana.
Sucede que uma crise com esta dimensão deixará estilhaços. E criará consequências no coração do partido de Lincoln, Teddy Roosevelt, Nixon e Reagan.
Nos últimos anos, o lado pragmático dos republicanos foi sendo demasiado tolerante para com o Tea Party, temendo os avanços eleitorais que esse movimento extremista (e com uma génese não política) teve nas intercalares de 2010.
Só que, a um ano das eleições para o Congresso, muitos republicanos mais moderados estão assustados com as consequências deste «sequestro».
O caso não é para menos: por cada dia que passa, este congelamento parcial custa perdas significativas para as economias estaduais e inquietações em milhões de americanos.
É verdade que o líder republicano na Câmara dos Representantes tem feito um esforço para passar legislação que, pelo menos, garanta que os funcionários públicos que foram mandados para casa venham a receber os dias que estão a ser obrigados pelo próprio governo federal a não trabalhar.
Mas quando se fizer o balanço deste «sequestro», há congressistas republicanos que vão ter muitas dificuldades em prestar contas aos seus eleitores.
A América pode ter muitos defeitos. Mas quando toca a apurar responsabilidades, continua a ser um exemplo.»
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: fujam da «tempestade perfeita»
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 7 DE OUTUBRO DE 2013:
«Há uma tempestade perfeita a formar-se em Washington. Já todos a pressentiram, mas parece que ninguém quer assumir as culpas, se ela acontecer.
Ao «government shutdwon», que já dura há uma semana (com um custo estimado de 300 milhões de dólares por dia), junta-se, numa perturbadora contagem decrescente, o atingir do teto da dívida.
O Departamento do Tesouro aponta o «deadline» de 17 de outubro: é já daqui a dez dias.
Nos anos Obama, por duas vezes a América viveu a vertigem de poder chegar a um ponto de não poder pagar os seus compromissos: no verão de 2011 e no último dia de 2012.
Nessas duas vezes, o pior foi evitado à última e depois de concessões junto da maioria republicana na Câmara dos Representantes.
Essas duas crises deixaram mossas nas relações (que nunca foram particularmente fáceis) de Obama com o líder republicano no Congresso (John Boehner).
Boehner, um congressista do Ohio, não está numa posição fácil. Pretende manter as credenciais conservadoras, de quem representa a América profunda, do «midwest» rural e tradicionalista. Mas também sabe que muito pouco o liga ao radicalismo cego do Tea Party.
A verdade é que a nova «tempestade perfeita» que se forma em Washington não dá azo a meias medidas ou mais adiamentos. Há escolhas muito difíceis que, nos próximos dias, os principais atores políticos na América vão ter que fazer: o Presidente estará na disposição de adiar a implementação do ObamaCare (a sua maior conquista ideológica), em nome de evitar uma catástrofe económica e política?; Boehner estará em condições de aceitar um acordo com os democratas e com a Casa Branca, que evite o incumprimento, sem ser imediatamente demitido pela ala radical do seu partido, que tem os votos suficientes para, pela primeira vez, despedir um «speaker» a meio de uma legislatura?
É fácil de imaginar que anda tudo muito nervoso na Casa Branca e no Capitólio. Há pouco tempo para negociar e demasiado em jogo para que se continue a arriscar.
Obama tem aumentado o tom da crítica em relação ao «radicalismo de um fação de um só partido, que controla uma só câmara e que não tem o direito de chantagear e paralisar todo um sistema e todo um governo, com prejuízo para milhões de americanos, gente real, com problemas reais».
A Casa Branca está a jogar todas as fichas na pressão da opinião pública, acreditando que os radicais do Tea Party se sintam na necessidade de recuar. Mas o passado recente é muito preocupante em relação ao sucesso dessa estratégia.
O ódio da ala direita do Partido Republicano a Obama e, sobretudo, à Reforma da Saúde, aprovada em março de 2010 (com um Congresso, na altura, de controlo democrata) é tão grande que parece sobrepor-se aos receios que muitos republicanos também têm em levar a América para o «default».
Ted Cruz, o famigerado senador do Texas que falou 21 horas seguidas contra o ObamaCare, resume assim esse radicalismo: «Nada pode ser pior do que essa lei. Faremos tudo para travá-la».
Obama também tem jogado com as «consequências desastrosas que o incumprimento teria em Wall Street e nos mercados». «Seriam talvez piores do que a crise de 2008», avisou o Presidente. Obama exorta os republicanos da Câmara dos Representantes a «terminarem com esta farsa e votarem o orçamento», para que o sistema volte a funcionar.
Mas, por estes dias, a noção de «normalidade» há muito que deixou de existir na política americana.
No meio de tantas inquietações, há esperança: muitos republicanos já mostraram que estão dispostos a votar com os democratas, de modo a que, pelo menos, se permita o aumento do teto da dívida, num acordo que contorne a questão do ObamaCare.
É que o jogo do «passa culpas», habitual em política, pode tornar-se uma coisa absolutamente secundária se, daqui a dez dias, o pior ainda não tiver sido evitado.»
«Há uma tempestade perfeita a formar-se em Washington. Já todos a pressentiram, mas parece que ninguém quer assumir as culpas, se ela acontecer.
Ao «government shutdwon», que já dura há uma semana (com um custo estimado de 300 milhões de dólares por dia), junta-se, numa perturbadora contagem decrescente, o atingir do teto da dívida.
O Departamento do Tesouro aponta o «deadline» de 17 de outubro: é já daqui a dez dias.
Nos anos Obama, por duas vezes a América viveu a vertigem de poder chegar a um ponto de não poder pagar os seus compromissos: no verão de 2011 e no último dia de 2012.
Nessas duas vezes, o pior foi evitado à última e depois de concessões junto da maioria republicana na Câmara dos Representantes.
Essas duas crises deixaram mossas nas relações (que nunca foram particularmente fáceis) de Obama com o líder republicano no Congresso (John Boehner).
Boehner, um congressista do Ohio, não está numa posição fácil. Pretende manter as credenciais conservadoras, de quem representa a América profunda, do «midwest» rural e tradicionalista. Mas também sabe que muito pouco o liga ao radicalismo cego do Tea Party.
A verdade é que a nova «tempestade perfeita» que se forma em Washington não dá azo a meias medidas ou mais adiamentos. Há escolhas muito difíceis que, nos próximos dias, os principais atores políticos na América vão ter que fazer: o Presidente estará na disposição de adiar a implementação do ObamaCare (a sua maior conquista ideológica), em nome de evitar uma catástrofe económica e política?; Boehner estará em condições de aceitar um acordo com os democratas e com a Casa Branca, que evite o incumprimento, sem ser imediatamente demitido pela ala radical do seu partido, que tem os votos suficientes para, pela primeira vez, despedir um «speaker» a meio de uma legislatura?
É fácil de imaginar que anda tudo muito nervoso na Casa Branca e no Capitólio. Há pouco tempo para negociar e demasiado em jogo para que se continue a arriscar.
Obama tem aumentado o tom da crítica em relação ao «radicalismo de um fação de um só partido, que controla uma só câmara e que não tem o direito de chantagear e paralisar todo um sistema e todo um governo, com prejuízo para milhões de americanos, gente real, com problemas reais».
A Casa Branca está a jogar todas as fichas na pressão da opinião pública, acreditando que os radicais do Tea Party se sintam na necessidade de recuar. Mas o passado recente é muito preocupante em relação ao sucesso dessa estratégia.
O ódio da ala direita do Partido Republicano a Obama e, sobretudo, à Reforma da Saúde, aprovada em março de 2010 (com um Congresso, na altura, de controlo democrata) é tão grande que parece sobrepor-se aos receios que muitos republicanos também têm em levar a América para o «default».
Ted Cruz, o famigerado senador do Texas que falou 21 horas seguidas contra o ObamaCare, resume assim esse radicalismo: «Nada pode ser pior do que essa lei. Faremos tudo para travá-la».
Obama também tem jogado com as «consequências desastrosas que o incumprimento teria em Wall Street e nos mercados». «Seriam talvez piores do que a crise de 2008», avisou o Presidente. Obama exorta os republicanos da Câmara dos Representantes a «terminarem com esta farsa e votarem o orçamento», para que o sistema volte a funcionar.
Mas, por estes dias, a noção de «normalidade» há muito que deixou de existir na política americana.
No meio de tantas inquietações, há esperança: muitos republicanos já mostraram que estão dispostos a votar com os democratas, de modo a que, pelo menos, se permita o aumento do teto da dívida, num acordo que contorne a questão do ObamaCare.
É que o jogo do «passa culpas», habitual em política, pode tornar-se uma coisa absolutamente secundária se, daqui a dez dias, o pior ainda não tiver sido evitado.»
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Histórias da Casa Branca: um sistema disfuncional
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 3 DE OUTUBRO DE 2013:
«É o ponto mais crítico de uma história de cinco anos de hostilidade cega dos republicanos contra Obama.
O «government shutdown», que paralisou uma boa parte dos serviços federais nos EUA, mostra, com uma ponta de comédia e forte carga trágica, como o sistema político e legislativo em Washington é disfuncional.
A paralisação não é nova. Reagan enfrentou-a duas vezes, mas apenas por algumas horas. Clinton também a viveu por duas vezes, e aí já foi mais grave, num total de 28 dias com o complexo governamental americano bloqueado.
Reagan e Clinton são apontados como dois dos melhores presidentes americanos das últimas décadas e foram reeleitos facilmente. Isto quer dizer que a base desta situação não tem a ver com quem exerce os cargos políticos, mas com um sistema disfuncional.
O problema é que os anos Obama têm um contexto que se torna mais difícil de resolver e com um potencial de perigo bem mais elevado.
Como muito bem nota Paul Krugman, em artigo no «New York Times» com um título brilhante («Rebels without a clue», rebeldes sem uma pista), «a economia americana é hoje bem mais débil do que era nos anos Clinton».
Se esses «rebeldes» a que Krugman se refere (a ala radical do Partido Republicano no Congresso, particularmente bem representada na sequência da eleição de 90 membros do Tea Party nas «midterms» de 2010) assumissem ao menos que não têm uma causa, isso até lhes dava um ceto «glamour». O drama é que não têm sequer ideia do que estão a fazer.
«Esta crise é provocada por uma fação, de um só partido, numa só câmara do Congresso. Essa fação quer travar uma lei que já está aprovada. Não faz sentido que isso provoque a paralisação de todo o sistema», acusa, cansado, Barack Obama.
Cada dia de «government shutdown» poderá custar cerca de 250 milhões de dólares, entre os serviços que não se prestam e receitas que não se geram. Num momento em que a tendência ainda era de recuperação lenta e frágil, os analistas estimam que uma paralisação de um mês custaria uma queda de 1,5% no PIB americano. Uma tragédia: não só para os americanos, mas também para a Europa, que ainda sofre diretamente com o que acontece do outro lado do Atlântico.
Em política, nunca é avisado apontar inocentes e vilões.
Mas, desta vez, as coisas são fáceis de explicar, mas dramaticamente difíceis de solucionar.
Sem Orçamento aprovado, a Administração Obama precisava da aprovação do Congresso para um «orçamento temporário» que pagasse os serviços federais até ao fim deste ano.
Com uma ligeira maioria democrata no Senado, mas enfrentando uma imensa maioria republicana na Câmara dos Representantes, Obama sabia que o risco que corria.
A exigência dos republicanos, dominados pelo Tea Party, mostra a insanidade desta discussão. A troco de um orçamento que urge aprovar, eles exigiram ao Presidente um adiamento por um ano da implementação do ObamaCare.
Ora, a Reforma da Saúde foi aprovada no Congresso há três anos e meio. Confirmada pelo Supremo Tribunal americano em junho de 2012. E relegitimida politicamente há 11 meses com a reeleição de Obama.
Fazer essa exigência nesta altura do campeonato não é jogar limpo. Desta vez, Obama não vai ceder.
Clare McCaskill, senadora democrata do Missouri, desabafou, horas antes da América entrar em «shutdown»: «Toda a gente aqui perdeu o juízo: os republicanos, os democratas, o Presidente. Toda a gente».
Se a crise não se resolver nos próximos dias, há uma tempestade perfeita em formação.
Ao «apagão orçamental» pode juntar-se o atingir do teto da dívida. O próximo dia 17 de outubro marca esse «deadline». E aí a coisa é mais complicada. Uma América em «default» e com os serviços federais, é um cenário muito feio de imaginar.
Convém que, por uma vez, os líderes em Washington tenham juízo.»
«É o ponto mais crítico de uma história de cinco anos de hostilidade cega dos republicanos contra Obama.
O «government shutdown», que paralisou uma boa parte dos serviços federais nos EUA, mostra, com uma ponta de comédia e forte carga trágica, como o sistema político e legislativo em Washington é disfuncional.
A paralisação não é nova. Reagan enfrentou-a duas vezes, mas apenas por algumas horas. Clinton também a viveu por duas vezes, e aí já foi mais grave, num total de 28 dias com o complexo governamental americano bloqueado.
Reagan e Clinton são apontados como dois dos melhores presidentes americanos das últimas décadas e foram reeleitos facilmente. Isto quer dizer que a base desta situação não tem a ver com quem exerce os cargos políticos, mas com um sistema disfuncional.
O problema é que os anos Obama têm um contexto que se torna mais difícil de resolver e com um potencial de perigo bem mais elevado.
Como muito bem nota Paul Krugman, em artigo no «New York Times» com um título brilhante («Rebels without a clue», rebeldes sem uma pista), «a economia americana é hoje bem mais débil do que era nos anos Clinton».
Se esses «rebeldes» a que Krugman se refere (a ala radical do Partido Republicano no Congresso, particularmente bem representada na sequência da eleição de 90 membros do Tea Party nas «midterms» de 2010) assumissem ao menos que não têm uma causa, isso até lhes dava um ceto «glamour». O drama é que não têm sequer ideia do que estão a fazer.
«Esta crise é provocada por uma fação, de um só partido, numa só câmara do Congresso. Essa fação quer travar uma lei que já está aprovada. Não faz sentido que isso provoque a paralisação de todo o sistema», acusa, cansado, Barack Obama.
Cada dia de «government shutdown» poderá custar cerca de 250 milhões de dólares, entre os serviços que não se prestam e receitas que não se geram. Num momento em que a tendência ainda era de recuperação lenta e frágil, os analistas estimam que uma paralisação de um mês custaria uma queda de 1,5% no PIB americano. Uma tragédia: não só para os americanos, mas também para a Europa, que ainda sofre diretamente com o que acontece do outro lado do Atlântico.
Em política, nunca é avisado apontar inocentes e vilões.
Mas, desta vez, as coisas são fáceis de explicar, mas dramaticamente difíceis de solucionar.
Sem Orçamento aprovado, a Administração Obama precisava da aprovação do Congresso para um «orçamento temporário» que pagasse os serviços federais até ao fim deste ano.
Com uma ligeira maioria democrata no Senado, mas enfrentando uma imensa maioria republicana na Câmara dos Representantes, Obama sabia que o risco que corria.
A exigência dos republicanos, dominados pelo Tea Party, mostra a insanidade desta discussão. A troco de um orçamento que urge aprovar, eles exigiram ao Presidente um adiamento por um ano da implementação do ObamaCare.
Ora, a Reforma da Saúde foi aprovada no Congresso há três anos e meio. Confirmada pelo Supremo Tribunal americano em junho de 2012. E relegitimida politicamente há 11 meses com a reeleição de Obama.
Fazer essa exigência nesta altura do campeonato não é jogar limpo. Desta vez, Obama não vai ceder.
Clare McCaskill, senadora democrata do Missouri, desabafou, horas antes da América entrar em «shutdown»: «Toda a gente aqui perdeu o juízo: os republicanos, os democratas, o Presidente. Toda a gente».
Se a crise não se resolver nos próximos dias, há uma tempestade perfeita em formação.
Ao «apagão orçamental» pode juntar-se o atingir do teto da dívida. O próximo dia 17 de outubro marca esse «deadline». E aí a coisa é mais complicada. Uma América em «default» e com os serviços federais, é um cenário muito feio de imaginar.
Convém que, por uma vez, os líderes em Washington tenham juízo.»
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