quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: a nova relação EUA/Irão depois de Genebra

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 27 DE NOVEMBRO DE 2013:


A eleição de Rohani gerou uma nova etapa nas relações EUA/Irão. Durante a era Ahmadinejad, vigorou a ameaça da escalada nuclear. 

A aproximação operada nos últimos meses, originada pelas lideranças políticas de Washington e Teerão, era vista com reservas por várias chancelarias.

O Acordo de Genebra pode ter mudado tudo. O Irão aceita recuar na dimensão do programa nuclear, a troco de alívio nas sanções.

Ricardo Alexandre, jornalista e autor do livro «Irão, o País Nuclear», considera que o que saiu de Genebra «foi um acordo que merece sempre ser designado com letra maiúscula».

«Apresenta vantagens diferentes para as partes, mas de extrema importância para todos e, especialmente, para o mundo», acrescenta o jornalista, em declarações ao «Histórias da Casa Branca». 

«Para o Irão porque alivia as sanções internacionais que estão a sufocar economicamente o país, para as potências ocidentais porque conseguiram, pela via diplomática, forçar o entendimento, com uma dose de pressão política importante», nota Ricardo Alexandre, para depois acrescentar: «Para o presidente Rohani é também um triunfo importante, já que se isto tiver efeitos práticos na vida das pessoas terá mais força internamente para enfrentar as vozez conservadoras - que não serão poucas - que se têm oposto a esta progressiva aproximação a um patamar de relacionamento possível com o ocidente e, em particular, com os Estados Unidos.»

O ponto de viragem que permitiu que a tensão EUA/Irão, sempre com a ameaça nuclear sob pano de fundo, se aliviasse foi a eleição de Rohani: «Uma vitória do candidato apoiado por Ahmadinejad teria impossibilitado este acordo e já teríamos transformado numa não-solução toda aquela conturbada região. Com o que se tem conseguido diplomaticamente, aquela região do Médio Oriente (tendo em conta a influência do Irão) sobre o Hamas na Palestina e sobre o Hezzbollah no Líbano e na Síria sobre a população xiita, apesar de continuar a ser uma região altamente problemática, ainda não atingiu aquilo que designei anteriormente por não-solução. E quando falo em não-solução penso na inevitabilidade de uma guerra generalizada e de consequências devastadoras para a segurança da região e do mundo», nota Ricardo Alexandre.

O comportamento eleitoral no Irão mostrou que nem tudo está a tender para o mais negativo: «O mundo ainda tem gente sensata que impede com que cheguemos a esse patamar», observa Ricardo Alexandre. 

As reações ao Acordo de Genebra foram de satisfação e otimismo. Do lado americano, mas também no regime iraniano. O líder supremo da República Islâmica do Irão, Ali Khamenei, «ayatollah» que corporiza o vértice mais duro e anti-americano, primeiro mostrou reservas quanto às intenções de negociação do presidente Rohani, mas acabou por se mostrar publicamente apoiante do acordo obtido na Suíça.

Em contrapartida, Israel faz o papel de «Cassandra». Netanyahu ficou furioso com a forma como a Administração Obama se empenhou nas negociações e sentenciou: «O que se concluiu em Genebra não é um acordo histórico, mas um erro histórico». 

Para o autor de «Irão, o País Nuclear», «Khamenei mostra ser mais inteligente que o primeiro-ministro de Israel. Quem defende democracias ocidentais modernas e justas não defende uma república islâmica e, portanto, não legitima nem defende certas práticas da república islãmica e da sua liderança, mas Netanyahu seria bem inteligente se tivesse optado por um comentário mais cauteloso, ao jeito de quem espera para ver, tentando junto das potências 5+1 para que consigam que o Irão cumpra aquilo que ficou acordado. Israel é ou não um país nuclear? O que é que já submeteu a inspeções da AIEA? Compreendo no entanto o problema de segurança que rodeia Israel, embora discorde da forma como está a aprofundar o seu próprio isolamento.»

Quanto à posição de Obama, Ricardo Alexandre não tem dúvidas: «A Administração Obama foi crucial na obtenção deste acordo e vai capitalizar politicamente com isso».

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o acordo que pôs Washington e Teerão a sorrir

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 25 DE NOVEMBRO DE 2013:


Já por aqui tínhamos escrito que a aproximação entre Washington e Teerão, iniciada desde a eleição de Rohani como presidente do Irão, e reforçada com o discurso de Barack Obama na última Assembleia Geral das Nações Unidas, tinha tudo para ser a grande história diplomática dos últimos anos.

O histórico acordo consumado, neste fim-de-semana, em Genebra, confirmou que essa aproximação não era meramente retórica e baseava-se numa plataforma de interesse mútuo.

A Administração Obama e o governo Rohani viram uma relação de «win-win» em chegarem a acordo: os EUA e as restantes potências internacionais asseguram que o Irão não chegará a ter armas nucleares; os iranianos conseguem legitimar o seu «programa nuclear para fins pacíficos», garantindo assim propósitos internos, não recuando demasiado (o que seria para Rohani particularmente delicado, perante os seus opositores mais radicais em Teerão) e, acima de tudo, aliviam um conjunto de pesadas sanções económicas a que estevam sujeitos.

Informações de fortes norte-americanas, libertadas na imprensa internacional desde a madrugada de sábado para domingo, confirmam que havia «negociações bilaterais secretas, desde o verão, entre responsáveis políticos norte-americanos e iranianos». 

Essa indicação confirma, sobretudo, duas coisas: a eleição de Rohani, em junho passado, foi o ponto de viragem; um acordo era algo desejado pelas administrações de Washington e Teerão, numa fase em que ambas passam por dificuldades políticas internas. 

Barack Obama, a passar por um dos momentos mais sombrios da sua presidência (com níveis de popularidade nalguns estudos abaixo dos 40 por cento), volta a mostrar que tem na frente externa um dos seus pontos mais fortes.

O Presidente defendeu sempre o diálogo com Teerão como forma de responder a um dos principais objetivos da política externa norte-americana: travar a «grande ameaça nuclear iraniana». A arte negocial de John Kerry terá feito o resto.

Desse ponto de vista, esta foi uma enorme vitória para Obama, independentemente de se concordar ou discordar ou daquela concessão a Teerão. 

O primeiro grande sinal veio dos eleitores iranianos que, contra todas as previsões, elegeram em junho passado o candidato mais moderado.

Para a capacidade de liderança externa da Administração Obama, o Acordo de Genebra foi também uma excelente notícia. 

Numa altura em que se começa a duvidar da durabilidade do «poderio americano no Mundo» (sobretudo com a resolução de Putin na crise síria), os EUA voltaram a ser o ás de trunfo numa negociações que incluiu também os chefes da diplomacia de França (Lauren Fabius), Rússia (Serguei Lavrov), Reino Unido (William Hague), Alemanha (Guido Westerwelle), além, é claro, de John Kerry e Mohammad Javaz Zerif, os responsáveis diplomáticos de EUA e Irão. 

A plataforma de Genebra juntou, assim, todos os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, incluindo a China, e até teve a aprovação pública do «ayatollah» Ali Khamenei, que numa fase inicial se havia oposto a negociações com os EUA, mas viu em Genebra a legitimação internacional do programa nuclear iraniano, visto em Teerão como «decisivo» para a sobrevivência do regime.

A grave situação económica do Irão (com elevado desemprego, sobretudo na faixa etária abaixo dos 35 anos) obrigava Teerão a obter algo parecido com isto. Um alívio nas sanções era uma urgência para Teerão.

Israel ficou furioso com o que saiu de Genebra. O governo de Netanyahu vê neste acordo uma ajuda das potências internacionais, sobretudo dos EUA, da continuação do atual regime iraniano e exigia o fim de qualquer programa nuclear em Teerão.

Na grande política internacional, a arte está em conceder e, mesmo assim, sair vitorioso. 

Obama e Rohani que o digam.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: JFK, meio século depois

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT,A 22 DE NOVEMBRO DE 2013:


22 de novembro de 1963. Faz hoje 50 anos. Meio século pode ser muito tempo na vida de uma pessoa (foi mais, por exemplo, do que os anos que viveu JFK), mas para um mito que dura para a eternidade é apenas um intervalo na história.

John Fitzgerald Kennedy, primeiro católico a ser eleito Presidente dos Estados Unidos, foi o presidente mais carismático da história da América. 

Costuma dizer-se em Portugal que «mais vale ser carismático do que competente». O dilema não podia assentar melhor no antigo senador democrata do Massachussets, mais jovem Presidente eleito da história americana (Thedodore Roosevelt era mais novo quando tomou pela primeira vez, mas chegou à Casa Branca sem eleição). 

O carisma era a característica mais notória em JFK. Pela juventude. Pelo poder de atração que exercia. Pela história familiar única que apresentava (filho de embaixador americano em Londres, irmão de um herói de guerra morto nos céus da Europa, ele próprio também herói de guerra, clã proveniente da Irlanda, com influência política e riqueza abastada na Nova Inglaterra). 

Além do carisma, a marca de JFK passou pela vontade de rutura.

A forma como, sendo católico, desafiou o paradigma dominante dos protestantes na política e na sociedade americana (um dos melhores discursos da sua vida foi quando, assumindo-se católico, exaltou a separação da igreja com o estado como marca definidora da América, perante sala repleta de políticos e pastores protestantes) foi decisiva nessa capacidade de inovar. 

Foi, aos 35 anos, um dos mais jovens senadores da história do Capitólio. E, aos 43, desafiou o favoritismo de Nixon, na altura o político mais respeitado da América, batendo-o por uma unha negra e graças a uma campanha magistralmente dirigida pelo irmão, Bobby, que cinco anos depois viria a ser, também ele, candidato democrata e, também ele, assassinado a tiro.

O assassinato de há 50 anos, na Dealey Plaza , em Dallas, está como imagem-choque na cabeça de todos os que têm na história americana parte da sua memória afectiva. A cabeça ensanguentada do Presidente a prostrar-se para a frente, já sem vida. A postura corporal de Jackie, num misto de pânico e medo por ser atingida também.

A morte de John Kennedy, faz hoje meio século, foi o início do fim da inocência americana. Os EUA viviam, naquele preciso momento, em estado de graça com o seu jovem Presidente. 

O cenário idílico escondia os «cisnes negros» que aí viriam: aquele fora, apenas, o primeiro assassinato a tiro de um líder carismático americano em apenas cinco anos. A 4 de abril do ano seguinte, 1964, seria a vez de Martin Luther King. Na noite de 5 para 6 de junho de 1968, data das primárias democratas na Califórnia, Bobby Kennedy, irmão de JFK, conheceria o mesmo destino.

Jack Kennedy era a contradição levada ao extremo: o seu sucesso político baseou-se na sedução e na ilusão de felicidade e esperança; na verdade, teve vida marcada pelos obstáculos de uma saúde muito precária (que o levou a passar longas temporadas hospitalizado).

A presidência Kennedy parecia anunciar a aurora do sonho americano: os EUA impunham-se perante a outra superpotência rival, a URSS comunista e lançavam-se à conquista da Lua (numa das muitas ironias que a política tem, seria Nixon, em 1969, a colher os louros do caminho espacial iniciado por JFK).

Dramaticamente, o que o assassinato de há meio século anunciou foi que a história da América é, essencialmente, uma história de violência.

Ficou o mito e uma boa parte dele foi pasto para líderes americanos que se seguiram. Um deles é o atual inquilino da Casa Branca: chama-se Barack Obama e, tal como Jack foi o primeiro católico, conseguiu romper barreiras e tornou-se no primeiro negro Presidente dos EUA. 

«God bless the United States of America».

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o que está a falhar no ObamaCare

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 18 DE NOVEMBRO DE 2013:


«A Reforma da Saúde foi uma das ideias mais fortes e mais polémicas da campanha Obama-2008 e dos mandatos do atual Presidente.

Trata-se da batalha mais ideológica de um Presidente que tem sido acusado pela base democrata de não estar a ser suficientemente combativo na esfera das ideias políticas.

Mesmo assim, o «ObamaCare» (expressão usada para definir a Reforma da Saúde de Obama, ainda que o verdadeiro nome da lei seja Affordable Care Act) terá sido o exemplo de maior sucesso legislativo no Congresso, entre as principais leis promovidas pela Casa Branca, desde que Obama é Presidente. 

Depois de longa batalha, foi aprovada no Congresso em março de 2010. No natal de 2009 passara no Senado, três meses depois obteve votos suficientes de uma Câmara dos Representantes, então ainda de maioria democrata.

Com as «midterms» de novembro de 2010, o furacão republicano que passou a controlar a House obteve vitórias eleitorais com base na promessa de travar a implementação do ObamaCare.

Nos três anos que já se seguiram, uma boa parte dos congressistas republicanos continuaram com essa conversa, apoiando-se na oposição à Reforma da Saúde para se manterem populares juntos do eleitorado, agitando o medo do «aumento de impostos» que o ObamaCare supostamente traria. 

Essa ideia é poderosa, num país com horror ao aumento do «longo braço» do governo federal. 

Mas o que é contraditório nesta dura e prolongada guerra Obama «vs» republicanos na Reforma da Saúde é que, apesar da aparente maioria de americanos contra a ideia do governo de Washington promover um megaprograma a nível nacional em torno de uma questão que muitos defender ser da esfera da autoridade legislativa estadual é que o Presidente Obama tem ganho as batalhas decisivas: o ObamaCare foi aprovado no Senado na véspera de Natal de 2009; passou na Câmara dos Representantes em março de 2010; foi confirmado no Supremo Tribunal americano em junho de 2012; relegitimado politicamente, com a reeleição de Obama; mantido, contra todo o fogo republicano colocado durante a dupla crise «shutdown»/teto da dívida que paralisou Washington durante 16 dias.

A Reforma da Saúde tem resistido a todas as certidões de óbito políticas que lhe fizeram nos últimos anos, mas está a ter como principal obstáculo aquele que seria talvez o que menos se esperaria: a forma como a própria Administração Obama a está a implementar.

Os pedidos de desculpa do Presidente Obama aos americanos que viram descontinuados os seguros de saúde que já tinham, depois de terem feito a aplicação online para aderiram ao banco público do ObamCare dão conta do problema que se gerou. 

Durante mês e meio, o cenário no site oficial do ObamaCare (healthcare.gov) foi de caos: erros, informação errónea, aplicações feitas erradamente. «As pessoas estão frustradas e eu também estaria», admitiu Obama.

Apenas 27 mil pessoas tinham conseguido fazer a aplicação corretamente, até ao final da semana passada. O inglês Piers Morgan, no twitter, gracejou: «Houve mais americanos a assinarem o meu pedido de deportação do que a aderirem ao ObamaCare».

Em entrevista ao «This Week» da ABC, a senadora democrata Kirsten Gillibrand, de Nova Iorque, uma das principais apoiantes da Reforma da Saúde de Obama, admitiu: «O Presidente devia ter sido mais específico. O ponto é: se lhe estão a oferecer um plano de saúde terrível, que implica a sua bancarrota pessoal no minuto em que ficar doente, então esse plano nunca deverá ser oferecido às pessoas».

As falhas enfraqueceram a posição da Casa Branca na batalha pela Reforma da Saúde. Os republicanos endureceram as críticas e fizeram passar na Câmara dos Representantes uma lei que obriga a legalizar os planos de saúde já existentes, «blindando-os» ao ObamaCare, com o apoio de 39 congressistas democratas.»

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: Obama e o teste da confiança

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 14 DE NOVEMBRO DE 2013:


Nesta segunda crónica dedicada ao tema da espionagem americana, posta a nu, em revelações fatiadas na sequência do caso Snowden, há uma ideia forte a reter: a de que, mesmo não sendo um «programa Obama» (ela atravessa várias administrações americanas), a verdade é que o Presidente dos EUA vê agravada a noção de que nem sempre podemos acreditar nele. 

Há um «teste da confiança» que Barack Obama terá que consegue passar. É ele o culpado do programa PRISM? Não, não é. Esse programa, colocado no topo da agenda mediática nos últimos meses pelos estilhaços do caso Snowden, não é doutrina presidencial, mas terá, no mínimo, o beneplácito do titular da Casa Branca. 

A luta contra o terrorismo tem sido, no geral, bem sucedida, ainda que com interrupções assustadoras (Boston em abril foi a mais recente). Mas não justifica tudo.

Nas últimas semanas, houve sinais claros de desconforto dentro da própria administração americana. Depois de semanas a levar com revelações constrangedoras, que puseram em causa a relação de forças com aliados de sempre dos EUA (sobretudo países europeus, mas também o Brasil, por exemplo), Barack Obama iniciou a gestão de danos sobre este assunto com a promessa de rever os poderes de acesso a dados privados de cidadãos e mesmo políticos destacados, por parte da NSA e outras agências de informação americanas. 

De acordo com documentos libertados por Edward Snowden, dirigentes de países como Brasil, França, México e Alemanha (incluindo o telemóvel de Angela Merkel nas semanas que antecederam a sua primeira eleição) foram alvo das escutas da NSA.

Por muito que Obama e Kerry se esforcem em explicar que o esforço de deteção tem por objetivo «compreender melhor o Mundo» e que «ninguém quer espiar detalhes privados de ninguém», a verdade é que esta dualidade entre o longo braço das agências de informação americanas e o discurso contido dos mais altos responsáveis da administração dos EUA agrava a sensação de crise de confiança nos responsáveis políticos.

Este é um daqueles temas em que é difícil explicar as vantagens (ainda que elas existam) e fácil identificar o desconforto.

Obama, sabendo disso, tem carregado na tecla da necessidade de simplificar procedimentos e diminuir o peso e poder da «burocracia entre as agências». Mas o que vemos, essencialmente, são tensões entre aliados que nunca imaginaríamos que viriam a pôr em causa as suas relações com os EUA.

Será isto irreversível? Claro que não. Devemos olhar para estas tensões como uma fase passageira entre longos parceiros que, no essencial, se unem e não se dividem.

Mas também não é prudente ignorar estes sinais. Uma das asserções mais populares da análise internacional nos últimos dias diz-nos que «os Estados Unidos estão a perder o seu poder dominante». 

Em crónicas anteriores já demos conta de vários exemplos que desmontam, no essencial, esta tese. 

Mas este caso, que se prolonga no tempo na agenda mediática internacional, pela forma faseada como Snowden e os jornalistas que escolheu para lançar as «bombas» sobre os pormenores da espionagem americana, está a ser especialmente penalizador para a autoridade natural que a América exerce no Mundo. E é pasto para retóricas populistas anti-EUA como as que são usadas por Evo Morales, na Bolívia, ou Nicolas Maduro, na Venezuela.

Nos últimos dias, Obama está a tentar passar no «teste da confiança», a nível interno, pela implementação do ObamaCare (tão acidentada nesta fase mais recente). 

Mas tem, a longo prazo, um outro teste ainda ainda mais profundo a ultrapassar: é possível que o resto do Mundo, que tanto o promoveu em anos anteriores, continue a acreditar nele? 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: quem controla o «Big Brother» americano?

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 11 DE NOVEMBRO DE 2013:


Barack Obama passa por um dos momentos mais delicados desde que é Presidente dos Estados Unidos da América. 

A nível interno, o acordo bipartidário que passou largamente nas duas câmaras do Congresso, e adiou por alguns meses a dupla crise que paralisou o governo federal por 16 dias, não foi suficiente para garantir um clima de distensão política em Washington.

A divisão interna do Partido Republicano, acentuada pelas diferenças de posição de congressistas do GOP em relação à forma de evitar que os EUA caíssem no «default», é um problema paralelo em relação a algo que se mostrou ser uma condição constante da política americana nos últimos cinco anos: a hostilidade dos republicanos (sejam eles moderados ou radicais) contra Barack Obama. 

Aquilo que parecia ter sido uma vitória política para Obama no pós-shutdown, ao manter a implementação do ObamaCare nas prioridades políticas para os próximos meses, está a revelar-se uma tremenda dor de cabeça para a atual administração americana.

Primeiro, foram as falhas informáticas na aplicação de pedidos de seguros de saúde. Depois, o pedido de desculpas do próprio Presidente, assumindo que uma das garantias que deu em campanha («quem já tem o seu seguro de saúde não o vai perder») não poderá, afinal, ser cumprida: estima-se que 3,5 milhões de americanos possam perder o seguro de saúde que têm do seu emprego, ao aderirem ao «ObamaCare». 

Estes últimos acontecimentos estão a gerar uma nova ofensiva republicana contra o Presidente. 

Se, no plano interno, Obama voltou a ficar em claro défice político, desbaratando em semanas o fôlego que parecia ter ganho com a aprovação bipartidária do aumento do teto da dívida, a nível externo os estilhaços políticos a espionagem da NSA, revelados pelo caso Snowden, são uma preocupação crescente para a Administração Obama.

O tema merece reflexão aprofundada em próximas crónicas. Não é de agora (amigos espiarem amigos é feio, mas tem sido prática corrente nas últimas décadas) e, pelo que temos sabido nos últimos meses, tem vindo a agravar-se. 

Os EUA têm estado na berlinda, por aquilo que se tem revelado. Mas franceses e alemães também têm as suas formas de espionagem (com menos armas, é certo).

É mesmo preciso? A avaliar pelas revelações publicadas nos jornais que concertaram com Snowden uma espécie de «revelações a conta-gotas», tem sido uma necessidade prioritária dos serviços de inteligência americanos, pelo menos desde o 11 de Setembro de 2001.

Os fins justificam os meios? Na luta contra o terrorismo, para a mentalidade americana, ainda tão traumatizada depois do 9/11, o objetivo de evitar um novo ataque da escala dos que aconteceram naquele trágico dia tão fresco na memória, mas ocorrido há 12 anos e dois meses, tem justificado mesmo tudo.

Só que os Estados Unidos terão que decidir se, do ponto de vista diplomático, não será melhor estabeleceram fronteiras. 

As declarações recentes do secretário de Estado, John Kerry, apontam nesse sentido, ao admitir que se terá ido «longe demais». 

Mas Kerry também apontou uma outra realidade que nos ajudará a perceber como foi possível que os EUA tenham escutado Merkler semanas antes da primeira eleição da chanceler alemã, ou Dilma Rousseff (o que até já levou a uma anulação duma cimeira EUA/Brasil).

É que o pós 11 de Setembro gerou um autêntico «Big Brother» americano, na luta contra o terrorismo: uma gigantesca máquina burocrática entre agências, com a obsessão de evitar novo ataque, que escapará à coordenação direta da Casa Branca.

Se até a atual administração se queixa do «Big Brother» criado pelo poder tecnológico americano, quem controla o olho do grande irmão? 

Continuaremos este tema na próxima crónica. Valerá, certamente, a pena.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: Chris Christie, olhem para ele

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 8 DE NOVEMBRO DE 2013:


A três anos das eleições presidenciais, toda a gente fala de Hillary para a nomeação democrata, mas do lado republicano as incertezas são enormes. 

A tese de que o Partido Republicano precisa de encontrar um candidato moderado, que rompa de vez com os disparates do Tea Party, leva muitos setores da direita a apontar baterias para Chris Christie. 

Christopher James Christie, 51 anos, é natural de Newark, Nova Jérsia pura e dura. Governador do estado que o viu nascer, é um político fiel às raízes, que fala sem rodeios e faz gala em ignorar cartilhas de comunicação política.

O seu grande trunfo será esse: num meio tão criticado pela artificialidade e excesso de cuidados mediáticos, Chris é o tipo duro, mas com bom coração, que ultrapassa o peso a mais com carisma de alguém em quem se pode confiar e que dá tudo pela sua comunidade (valores caros à sociedade americana e ao seu querido estado da Nova Jérsia).

O Sandy foi o momento definidor de Christie como político. Na fase decisiva de um dos duelos mais equilibrados das últimas décadas na América, o «keynote speaker» da nomeação republicana de Romney elogiava, em tom emocionado, o Presidente-candidato democrata, pela pronta intervenção durante a super tempestade.

«Em momentos como este, não ligo absolutamente nada a eleições. Preocupo-me só com o meu estado, a minha gente», comentou Christie, perante o pasmo dos «pundits» republicanos. 

Estratégia ou autenticidade? Muitos acusaram, cinicamente, que Christie não se importou com os prejuízos eleitorais de Romney porque a reeleição de Obama aumentaria as suas próprias hipóteses de ser eleito para a Casa Branca em 2016. 

Casado com Mary Pat Foster, namorada de faculdade nos tempos da Universidade do Delaware (ambos de Direito), Christie tem quatro filhos: Andrew, Sarah, Patrick e Bridget. 

Antigo procurador na Nova Jérsia, foi subindo no Partido Republicano desde o envolvimento nas campanhas de Bush pai e Bush filho. Como procurador, destacou-se em perseguir traficantes de droga e crimes violentos. 

Com uma retórica política direta e frontal, à sua imagem, Christie consegue chegar ao americano comum, algo que muitos consideram que Obama, enquanto Presidente, não consegue fazer. 

Com pai meio escocês, meio irlandês, e mãe siciliana, Christie não esconde visão arreigada dos valores familiares (algo fundamental para agarrar a base republicana), mas tem-se assumido como uma voz independente no GOP: já arrasou por mais do que uma vez as posições da direita «tea party» (tipo Sarah Palin, Michele Bachmann ou Ted Cruz) em temas como as armas, por exemplo.

A reeleição folgada no governo da Nova Jérsia, obtida há dias, com mais de 60% dos votos num estado profundamente democrata, dão conta das credenciais bipartidárias deste peso-pesado (sim, era uma piada fácil, mas neste caso inevitável¿) da política americana. 

Depois deste resultado, um dos temas «sexy» em Washington, nos últimos dias, era mesmo este: será que Chris Christie já está a preparar uma candidatura presidencial para 2016?

Vejamos o que diz o próprio governador da Nova Jérsia: «É elogioso falar-se em mim para 2016 e não tenho qualquer problema com isso. Mas quero deixar bem claro: tenho um trabalho a fazer. Acabei de ser reeleito governador da Nova Jérsia e é esse o trabalho que vou fazer».

A porta de Christie para a corrida republicana parece claramente aberta. 

«Será ele o último republicano moderado?», questiona Philip Bump na «Atlantic Wire», em artigo que elogia Chris por ter retirado objeções legais, enquanto governador da Nova Jérsia, à aprovação no seu estado de uma lei que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

Chris Christie está a conquistar a América moderada da Costa Leste. Poderá ganhar a confiança dos republicanos da América profunda?

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: um ano depois da reeeleição

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 6 DE NOVEMBRO DE 2013:


A 6 de novembro de 2012, faz hoje um ano, Obama vencia Romney nas eleições presidenciais com uma vantagem inesperada.

Os meses que antecederam a eleição presidencial mais cara da história americana foram marcados por um empate técnico. 

Obama, vencedor folgado em 2008, fora um presidente impopular no primeiro mandato, com a taxa de aprovação a navegar entre os 40 e os 50%. 

Obama conseguiu segundo mandato com vantagem inesperada, mas a relegitimação não lhe deu o fôlego para concretizar agenda transformadora. Terá tempo?Romney tinha campanha bem financiada e focada no tema económico, apesar dos meses de disparate nas primárias, infetadas por temas queridos ao Tea Party.

As convenções partidárias reforçaram ideias fortes: do lado democrata, um brilhante discurso do ex-Presidente Clinton fez com que muitos americanos percebessem que «seria impossível que Obama resolvesse, em apenas quatro anos, todo o mal que os oito anos Bush fizeram à América»; no campo republicano, o mantra de não permitir a subida de impostos fez com que Romney escolhesse o campeão do conservadorismo fiscal, Paul Ryan, para número dois.

Obama e Clinton expuseram que «os democratas continuam a acreditar numa sociedade 'we are all in this together', enquanto os republicanos defendem uma visão ¿you are on your own¿». Romney prometia devolver a América na rota da prosperidade económica, mas viu a sua mensagem perturbada por um bizarro número de uma «cadeira vazia» de Clint Eastwood.

Mesmo com o desgaste da governação, Obama mantinha trunfos fortes, porque mostrava uma máquina eleitoral mais afinada que o adversário.

A subida de Romney depois do primeiro debate aumentava as expectativas do campo republicano de concretizar o «wishful thinking» repetido nos quatro anos anteriores de que Obama seria um «one term guy». 

A oito dias da grande eleição, a «october surprise» surgiu de onde menos se esperava: não era um escândalo em torno de um candidato nem sequer um discurso inspirado de algum dos contendores. 

O Sandy revelava-se a maior «super storm» das últimas décadas na América, tendo consequências arrasadoras em estados pouco habituados a levar com tempestades tão fortes.

A tão poucos dias de uma eleição presidencial, as atenções mediáticas ficaram completamente baralhadas. Havia que saber reagir a isso: e na gestão política do Sandy, Obama arrasou Romney. Surgiu como o Presidente protetor, que por alguns dias deixou de se preocupar com a campanha e tomou o controlo da situação.

O episódio de Chris Christie, um dos principais apoiantes de Romney na Convenção, três semanas antes, foi a estocada fatal no candidato republicano: o governador da Nova Jérsia, carismático e popular, deixou-se levar pela emoção do momento e não poupou elogios ao Presidente Obama, que dias depois seria o grande adversário nas urnas do amigo Romney.

O desconforto no campo republicano foi evidente. Obama ganhou o sprint final e foi reeleito com um «landslide» nos estados decisivos (ganhou nove dos 11 mais relevantes) e mesmo no voto popular (três milhões de votos mais que Romney).

Relegitimação? Sim. Mas daí até ganhar o fôlego que precisava para concretizar a agenda transformadora que prometeu logo na tomada de posse vai um grande passo.

O primeiro ano de Obama no segundo mandato tem sido marcado, uma vez mais, pelo impasse. A dupla crise «shutdown» e teto da dívida mostrou à evidência que o essencial não mudou.

Sem o controlo da Câmara dos Representantes, os democratas não conseguem dar suporte suficiente para fazerem valer a agenda do Presidente. O orçamento para 2014 está a ser a prova mais recente disso. 

A primeira investida no «gun control» passou à queima no Senado, mas foi barrada na House. Imigração e alterações climáticas, dois dos temas mais falados por Obama na campanha da reeleição, só serão atacados no segundo ano do segundo mandato.

Ainda haverá tempo para cumprir a «mudança duradoura»? 

Histórias da Casa Branca: o tempo está a contar

TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 4 DE NOVEMBRO DE 2013:
 
 
«O início de novembro corresponde, em anos pares, a eleições nacionais nos EUA: de quatro em quatro anos, elege-se o Presidente; de dois em dois anos, há eleições para o Congresso (um terço do Senado muda, na sequência de seis anos, e é eleita a Câmara dos Representantes).

Esta semana ficará marcada por algumas marcas temporais que nos ajudam a situar o ciclo político que se avizinha na América.

Hoje assinalam-se cinco anos da eleição da primeira eleição presidencial de Barack Obama (4 de novembro 2008). Depois de amanhã, quarta-feira, completa-se o primeiro aniversário da reeleição do primeiro presidente negro da história americana.

No passado sábado, 2 de novembro, passaram três anos das eleições intercalares que ditaram a maior vitória eleitoral para o Congresso do Partido Republicano, com um forte contributo dos 90 membros afetos ao Tea Party eleitos para a Câmara dos Representantes e pouco mais de uma dezena de senadores.

Daqui a exatamente um ano, quando das «midterms» de novembro, por esta altura saberemos que tipo de relação de forças existirá na reta final do segundo mandato presidencial de Obama: será que o Presidente terminará como começou, com uma grande maioria democrata a apoiá-lo nas duas câmaras; ou ficará mesmo condenado a ser um «lame duck» (pato coxo), com a autoridade presidencial barrada constantemente por um Congresso que lhe é politicamente hostil?

Outubro foi pródigo em provar como as respostas a estas perguntas serão importantes.

Aqueles 16 dias de paralisação governamental deixaram mossa política e económica. No plano político, traçaram uma pista de «última linha vermelha» em relação aos limites que o jogo político deve ter num país civilizado. Tendo em conta que estamos a falar dos EUA, ainda o país mais poderoso do Mundo, essa exigência deveria ser ainda maior.

Por outro lado, não devem ser descurados os efeitos económicos do que aconteceu. Estudo recente aponta para um prejuízo na ordem dos 24 mil milhões de dólares para a economia americana (cerca de 0,6% do PIB americano).

Ora, isso daria, por exemplo, para pagar cerca de dois anos do programa federal de apoio alimentar nas escolas.

O efeito do «shutdown» está ainda por medir verdadeiramente. Nas últimas semanas, vários setores da sociedade americana deram conta dum aumento de desconforto e até aversão em relação às «táticas de Washington», que Barack Obama tanto criticou, enquanto candidato presidencial, há precisamente cinco anos.

Em política, é sempre arriscado apontar «ultimatos» ou «mudanças definitivas». Mas a crise da primeira quinzena de outubro passou um determinado limite, ainda por avaliar.

A recente perda de estatuto de Barack Obama, no «ranking» da Forbes, não deve ser menosprezada.
Desde que é Presidente dos EUA, Obama surgiu sempre em primeiro lugar na lista dos «mais poderosos do Mundo», com exceção de 2010 (precisamente o ano em que perdeu a maioria democrata no Congresso).

Nos critérios para colocar Vladimir Putin no primeiro posto, a Forbes apontou a gestão da crise síria (com o presidente russo a ter intervenção decisiva no evitar, à ultima hora, de uma ação militar americana sobre Damasco), interpretando um enfraquecimento do poder americano no Mundo.

As ondas de choque do «government shutdown» foram outro motivo apontado para este «downgrade» de poder de Obama.

Barack foi reeleito só há um ano e os sinais de alarme estão lançados: o final do segundo mandato só poderá ter uma maior capacidade de concretização legislativa se aparecer um novo fôlego que sacuda o clima da permanente impasse em Washington.

No plano externo, as tensões geradas pelo «caso Snowden» atingiram um ponto que muito dificilmente será sanado. As declarações recentes de John Kerry foram claras: a Administração Obama sabe que se foi longe demais.»

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Histórias da Casa Branca: o Presidente no seu labirinto

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 25 DE OUTUBRO DE 2013:


«Nenhum homem que tenha ocupado o lugar de Presidente dará os parabéns a um amigo que o tenha alcançado»

John Adams, segundo Presidente dos EUA (mandato 1797-1801)


A dupla crise que paralisou Washington por quase três semanas pôs à tona deficiências do sistema político da capital americana.

O sistema de Washington voltou a mostrar as suas barreiras, mas o triunfo de Obama dá-lhe um último fôlego. Ainda há tempo para concluir o essencialBarack Obama, horas depois do acordo bipartidário ter sido aprovado com larga maioria, abdicou de reclamar vitória e repetiu várias vezes: «Perdemos todos com isto. Isto não pode repetir-se».

Mas uma coisa são intenções políticas do Presidente, outra, bem diferente, tem sido a prática quotidiana no Capitólio.

John Adams, segundo Presidente da história americana, já tinha identificado o problema: o Presidente dos EUA, tido como o cargo político mais influente do Mundo, tem espartilhos internos.

E o paradoxo é este: em teoria, como bem notaram os Pais Fundadores, isso é bom, porque defende o sistema de eventuais ditadores e limita um poder que poderia ser excessivo. Na prática diária, as limitações são óbvias e estão a marcar os anos Obama de forma que parece ser já irreversível.

A Presidência Obama, a caminhar para o sexto de um total de oito anos, já teve várias sentenças de condenação. 

Parecia acabada quando, nos primeiros meses, os «bailouts» e o Recovery Act para salvar os sistema financeiro e relançar a Economia tardavam em passar num Congresso na altura ainda muito democrata; parecia comprometida com os sucessivos adiamentos da Reforma da Saúde; parecia condenada, perante as cedência da Casa Branca na negociação de última hora com o House republicana, para aumentar o teto da dívida, no verão de 2011; parecia rotulada de «um só mandato» quando Romney ultrapassava Obama nas sondagens nacionais, depois do primeiro debate da campanha 2012.

A todos estes momentos, Obama respondeu com triunfos que negaram as condenações antecipadas que havia recebido.

É certo que com vitórias de diferentes dimensões: mas em todos os momentos de crise iminente, o Presidente saiu vitorioso e reforçado: o ObamaCare foi aprovado, confirmado, autorizado judicialmente e relegitimado nas urnas e agora no Congresso; o plano de recuperação económica foi aprovado e a sua implementação ajudou à retoma demorada, mas consistente, dos últimos cinco anos nos EUA; e Obama bateu Romney nas urnas há quase um ano, com um triunfo com uma margem que surpreendeu até alguns dos seus principais apoiantes. 

A derrota a toda a linha dos republicanos nas eleições de há um ano parecia ter lançado a discussão interna sobre a necessidade de regressar a um certo discurso tradicionalista, que a direita foi perdendo nos últimos anos, perante o avanço do Tea Party.

«Se queremos que as pessoas gostem de nós, temos que primeiro ser nós a gostar delas», avisou Bobby Jindal, governador republicano da Luisiana. 

Mas nem a necessidade iminente de recuperar o contato com as minorias conseguiu recentrar o GOP. O comportamento de uma boa parte da bancada republicana durante este dupla crise foi a prova maior de que a moderação continua a perder.

Há quem chame por figuras do conservadorismo clássico, como Jeb Bush, Rudy Giuliani ou Chris Christie («talvez o último moderado com voz forte no atual Partido Republicano», chamou-lhe dá dias Dan Balz, no Washington Post). 

O relógio está a contar: falta um ano para as eleições intercalares e a «guerra civil» do Partido Republicano pode anunciar fortes mudanças.

No Senado, tudo aponta para um reforço da já existente maioria democrata. Na Câmara dos Representantes, a atual maioria republicana é tão vasta que será difícil antever uma recuperação do controlo democrata. 

Atendendo aos precedentes dos últimos anos, a última esperança para um final de mandato com todos os trunfos do lado do Presidente seria um ressurgimento democrata na House.»