segunda-feira, 19 de maio de 2014

Histórias da Casa Branca: Imigração, uma reforma bloqueada

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 19 DE MAIO DE 2014:

A questão demográfica foi fundamental para a reeleição de Barack Obama, há precisamente um ano e meio.

O radicalismo do Tea Party puxou a agulha ideológica dos republicanos demasiado para a direita e isso comprometeu a abordagem de Mitt Romney no momento decisivo. 

Com mais de 70% do voto latino e do voto asiático, e mais de 90% do voto negro, Barack Obama arrebatou fatia esmagadora dos 28% de «não brancos», compensando assim perda ligeira nos 72% de brancos (52/48 para Romney). 

A «batalha demográfica» deu a Obama o segundo mandato porque uma demografia de 1992, por exemplo, quando da fácil reeleição de Bill Clinton, com muito menos peso das minorias no mapa eleitoral americano, talvez não fosse suficiente para dar nova maioria ao 44.º Presidente dos EUA. 

Se as convicções políticas e ideológicas do Presidente não fossem suficientes, este facto ajudaria bastante: até por motivos de gratidão eleitoral, a reforma da Imigração estaria sempre no topo da agenda presidencial, neste segundo mandato. 

Obama deu provas, nos últimos anos, de ter sido dos primeiros políticos de topo na América a perceber claramente que os EUA estão a mudar. 

E que o axioma de que «os americanos são maioritariamente brancos, protestantes e conservadores» não é imutável, tem vindo a sofrer transformações.

Os meses que se seguiram à reeleição pareciam proporcionar um ambiente político mais propício à aprovação de uma reforma que permitisse um enquadramento legal mais realista e compreensivo para os cerca de 12 milhões de imigrantes ilegais na América. 

À direita, o GOP dava sinais de querer moderar-se, depois da derrota com dimensões inesperadas nas presidenciais de 2012. 

Marco Rubio, uma espécie de «candidato presidencial feito à medida» (é jovem, representa minoria em ascensão, os latinos, é senador num estado eleitoralmente crucial, a Florida), tentou tomar as rédeas da discussão no seu partido, com vontade de fazer algumas pontes com o Presidente. 

Mas os últimos meses retiraram quase todo o tipo de ilusões. A palavra de ordem nos republicanos no Congresso em toda a era Obama é mesmo «bloquear». 

Uma atitude que não deixa de causar perplexidade, a partir do momento em que se percebe que o próprio eleitorado republicano apoia, com larga maioria, uma reforma da Imigração (64% dos republicanos estão a favor da aprovação, um pouco menos que os 78% de democratas e 71% de independentes).

O mesmo estudo, publicado pelo «Politico.com», mostra que 41% dos hispânicos «apoiam fortemente» a ideia, bem mais que os 28% de brancos e 17% de afro-americanos. Se alargarmos a análise ao mero «apoio», a tese da aprovação da reforma passa folgadamente.

Junto do eleitorado, o clima de consenso em relação ao tema parece atingido. Mas o sistema político de Washington obedece a dinâmicas com razões que a Razão desconhece.

Perante a perspetiva da eleição de 2016 ser disputada entre Hillary Clinton e um republicano como Jeb Bush, Marco Rubio ou Chris Christie, é de admitir que a imigração se mantenha como um tema forte de campanha. 

Histórias da Casa Branca: Hillary, trunfos e fantasmas

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 13 DE MAIO DE 2014:


No campo democrata, quase todos já se dizem «prontos para Hillary Clinton».

As sondagens mostram que a vantagem da ex-secretária de Estado para a corrida à nomeação democrata para 2016 é demasiado grande para poder ser revertida (faltam dois anos e meio para a eleição geral, pelo que a decisão das nomeações partidárias já começa a mexer). 

É claro que nisto de eleições presidenciais na América, nunca se sabe o que pode acontecer. 

Muitos analistas têm recordado, nos últimos meses, que para a nomeação democrata de 2008, Hillary chegou a ter avanço considerável sobre Obama e Edwards, mas acabaria por ser Barack o nomeado. 

Sendo essa uma constatação dos factos, a verdade porém é que a diferença agora é de mais do dobro: Hillary nunca teve vantagem superior a 25/30 pontos em 2007/2008. Para 2016, parte com avanço entre 50 a 70 pontos percentuais. 

Nem sequer se vislumbra uma ameaça séria ao «consenso Hillary» junto das bases democratas (que parecem dispostas a dar a Hillary a hipótese que só não deram já em 2008 porque entretanto apareceu o fenómeno Obama) e nas elites do partido (basta atentar a inúmeras declarações, nos últimos meses, por parte de governadores democratas, membros do Congresso e até antigos candidato presidenciais e/ou membros das Administrações Clinton e Obama. 

Hillary parte com o favoritismo, os apoios, a máquina (a que usou na campanha Hillary 2008 e uma boa parte da máquina eleitoral de Obama 2008 e 2012) e o dinheiro: há Super PACS bem financiadas que já estão no terreno a organizar eventos de angariação de fundos, com nomes fortes dos democratas como cabeças de cartaz. 

O que pode correr mal, então, ao projeto «Hillary for President 2016»? 

Em primeiro lugar, não é certo que Hillary Clinton tenha saúde para enfrentar uma coisa violenta como uma campanha presidencial americana. São quase dois anos a dormir muito pouco, a viajar de estado para estado, num país enorme. 

Hillary, que no final do mandato como secretária de Estado acusou alguns problemas de saúde preocupantes, não tem dado mostras de esse vir a ser um ponto inibidor de uma candidatura. Mas terá 69 anos em novembro de 2016 e, caso seja eleita, arranca para possivelmente oito anos que só terminarão quando Hillary já estará a caminhar para a casa dos 80. 

Será um problema para ela, depois de dois mandatos do quarto mais jovem Presidente da história americana?

Se for, não é certamente o único. Uma parte da direita americana, catalisada pelo fervor hostil da FOX News, tem recordado ao limite o «caso Bengasi», ocorrido em setembro de 2012, e que redundou no assassinato do então embaixador norte-americano na Líbia e doutros três funcionários diplomáticos americanos. 

A então secretária de Estado Hillary Clinton é acusada por parte da direita de não ter feito tudo para proteger os diplomatas americanos no terreno e de não ter sido conclusiva no inquérito ocorrido posteriormente no Congresso. 

Nos últimos dias, de forma um pouco descontextualizada, «ressuscitou»... Monica Lewinsky, que nos anos 90 quase levou Bill Clinton ao «impeachment». Mera coincidência? Difícil de acreditar. 

O reaparecimento mediático de Monica Lewinsky pode ter segundas intenções políticas, possivelmente para recordar aos mais esquecidos e contar ao eleitorado mais jovem esse episódio tortuoso para a história política e pessoal do casal Clinton. Mas Hillary já deu provas mais do que suficientes que está preparada para isso e para muito mais. 

Ganhe ou perca em novembro de 2016, ela parece ter tudo para vir a ser a primeira mulher a liderar o mais poderoso país do Mundo.

A piada do Presidente Obama no jantar anual com os correspondentes da Casa Branca é reveladora: «Quando me for embora, talvez a Fox News tenha dificuldade em garantir que Hillary Clinton nasceu no Quénia...»

terça-feira, 13 de maio de 2014

Histórias da Casa Branca: dois anos e meio para definir o pós-Obama

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 9 DE MAIO DE 2014:


A exatamente dois anos e meio da eleição que definirá o sucessor de Obama na Casa Branca, a tendência mantém-se bem distinta nos dois campos partidários.

Do lado democrata, não se vislumbra como poderá Hillary perder a nomeação. 

Sondagem Fox News aponta quase 70% de preferências à secretária de Estado no primeiro mandato presidencial de Obama (69%), o que confere a Hillary uma vantagem que não é enorme: é gigantesca. 

Clinton tem mais 55 por cento que o segundo colocado do campo democrata, Joe Biden (14%), sendo que o terceiro nome a aparecer, Elizabeth Warren, já declarou várias vezes que não pretende concorrer, pela simples razão de que encontra alternativa melhor: «A minha candidata é Hillary Clinton», aponta a senadora do Massachussets.

Politicamente, Hillary tem a nomeação democrata controlada. Até pode ir alimentando a dúvida sobre o momento em que irá avançar, desde que queira mesmo tentar ser a 45.ª Presidente dos Estados Unidos da América. 

A base de apoio político e eleitoral de Barack Obama está claramente com Hillary. 

Rahm Emanuel, «mayor» de Chicago, foi conselheiro muito próximo de Bill Clinton durante as administrações de 1993 a 2001 e apoiou Hillary nas primárias de 2008. 

Mesmo tendo preferido Hillary a Obama, viria a ser a primeira nomeação política de Barack, logo após a vitória eleitoral de novembro de 2008. Rahm foi «chief of staff» da Casa Branca, uma espécie de primeiro-ministro num sistema de governo presidencialista. 

Já fora da Administração Obama, Rahm parece ter voltado em força ao «universo Clinton»: em junho, vai falar em dois grandes eventos de angariação de fundos de Super PAC de apoio à candidatura de Hillary. E aponta, claramente, ao «Politico.com»: «Hillary é inteligente, determinada e, mais importante do que tudo, é a campeão da defesa dos interesses dos americanos. Quando trabalhei com ela na Casa Branca, vi a líder forte que era, como por exemplo quando falou de Direitos Humanos em Pequim, ou da forma como defendeu o Children¿s Health Insurance Program».

Por tudo isto, Rahm Emanuel, um dos democratas com mais capacidade para mexer os cordelinhos nas bases do partido, sentencia: «Se ela avançar, estou atrás dela a apoiar. Acho que ela vai avançar, mas isso só ela saberá dizer. Se Hillary concorrer, estou com ela».

Bem diferente é a situação no campo republicano. Continua a não haver um claro «frontrunner». 

Chris Christie tinha alguns trunfos para despertar atenções, mas primeiro o «BridgeGate» e, mais recentemente, problemas sérios nas contas do governo estadual estão a transformar o carismático governador da Nova Jérsia de sério pretendente a potencial «trouble maker» da corrida republicana. 

As últimas semanas proporcionaram a Jeb Bush, antigo governador da Flórida, uma espécie de «momento de provar que será uma alternativa a Christie como potencial candidato da ala moderada do GOP». 

Mas Jeb terá exagerado na dose: o irmão e filho dos últimos dois presidentes republicanos (GW e GH Bush) falou demasiado em «compaixão» perante os imigrantes ilegais, definido mesmo como «act of love» e não como violação à lei a tentativa de passar a fronteira ilegalmente, em nome do «sonho americano».

A ideia pode agradar ao centro e aos democratas, mas provoca aversão na base que Jeb terá que convencer, se quiser ser o adversário de Hillary para 2016: os ultraconservadores, uma parte do Tea Party e a América profunda. 

Rand Paul, senador do Kentucky, mantém-se bem posicionado para agarrar os setores mais à direita, mas nesse campo há outros pretendentes: Mike Huckabee, Ted Cruz ou até Rick Santorum, que em 2012 foi o segundo republicano mais votado.

Pelo meio, Paul Ryan e Marco Rubio podem vir a assumir um papel intermédio, captando apoios de diferentes segmentos do universo republicano.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Histórias da Casa Branca: o «declínio» e poderes que regressam

«Enquanto o Presidente Obama viaja pela Ásia, a crise da Ucrânia domina as atenções. Mas também estão questões, que se arrastar há vários anos, sobre se a América começa a ser, de alguma maneira, um poder em declínio que cederá o seu espaço de influência à China, nos próximos anos. O número de revistas e de capas de livros com alguma variante da tese de ¿Estarão os melhores anos da América atrás de nós?¿ poderia encher uma biblioteca. E é, por isso, importante que americanos e asiáticos percebam, de forma clara, que os Estados Unidos não estão em declínio. Os Estados Unidos, na verdade, estão num caminho de grandes oportunidades e a América do Norte está talhada a liderar o Mundo nas próximas décadas. As provas estão à volta de nós: a Economia dos EUA está a voltar a carburar, fortalecida pela nova energia e pelas revoluções tecnológicas. Tudo isso deve providenciar um renovado sentimento de confiança numa parte do Mundo que supostamente estaria a sofrer um declínio»
Michael O'Hanlon, investigador do Council on Foreign Relations, e David Petraeus, general, antigo comandante das tropas americanas no Iraque e no Afeganistão, co-chairman do Council on Foreign Relations Task Force on North America 


A narrativa de que a América está a perder o seu papel dominante nas relações mundiais até poderia ser poderosa. Mas sempre que olhamos para os factos, percebemos que há um grande problema com essa tese: é que ela, simplesmente, não é verdadeira. 

As últimas semanas foram particularmente significativas nesse aspeto. 

As últimas semanas têm mostrado que os EUA continuam a ser um país decisivo. Sobretudo quando «velhas ameaças» parecem querer regressar em forçaÀ medida que a crise ucraniana se foi agravando, e perante a reação ambígua da União Europeia, rapidamente se percebeu que só uma intervenção diplomática eficaz por parte de Washington poderá começar a conter a ameaça do «urso de Moscovo».

Em artigo publicado na revista «Foreign Affairs», Walter Russel Mead aponta: «Até agora, o ano de 2014 tem sido tumultuoso, à medida que as rivalidades geopolíticas regressaram à ribalta. Seja com as forças russas que tomaram conta da Crimeia, seja com a agressividade da China nas zonas costeiras, provocando resposta assertiva do Japão, ou ainda com o Irão a tentar usar as suas alianças com a Síria e o Hezbollah para dominar o Médio Oriente, várias formas de «poder antigo» estão a voltar em força nas relações internacionais». 

Para aquele conhecido investigador, «os Estados Unidos e a União Europeia procuram, pelo menos, trilhos para enfrentar a nova perturbação. Tanto os EUA como a Europa preferiam pôr de parte as preocupações sobre questões geopolíticas «do passado», como o território ou o poder militar e focar-se em temas como a «global governance»: liberalização do comércio, não-proliferação nuclear, direitos humanos, estado de direito, alterações climáticas. Na verdade, desde o fim da Guerra Fria, o mais importante objetivo dos EUA e da Europa, nas suas políticas externas, tem sido o «shift» das relações internacionais, da «soma zero» para uma relação «win-win». Sermo forçados a voltar a temas «old-school» como a situação na Ucrânia não só diverge atenções, tempo e energia para os focos essenciais, como altera o caráter da política internacional. À medida que a atmosfera fica cada vez mais tensa e sombria, a tarefa de promover e manter a ordem mundial fica cada vez mais arriscada».

A escalada russa nas cidades ucranianas tem mostrado ser, nos últimos dias, um caminho demasiado perigoso para poder ter solução definitiva para breve. 

Mas o que é certo, aconteça o que acontecer, é que uma saída de custos reduzidos dependerá sempre da habilidade diplomática e da força política que, nos próximos tempos, o Presidente Obama e o secretário de Estado John Kerry vierem a mostrar. 

Quem disse que deixou de valer a pena prestar atenção à atualidade internacional?