TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 29 DE JULHO 2014:
Durante décadas, habituámo-nos a um Mundo relativamente previsível.
Injusto, claro. Às vezes perigoso, também. Mas relativamente previsível.
Para uns, os EUA deviam ser censurados por quererem ser «o polícia do Mundo». Para outros, os americanos, imbuídos do poder indestrutível da sua superioridade militar, tinham a obrigação de «nos proteger».
Os últimos anos mudaram radicalmente esse panorama.
A crise financeira, os cortes no Pentágono e a mudança de política na Casa Branca (com a «contenção» e o «realismo» a dominarem as prioridades do Presidente Obama para a política externa) levaram a uma diminuição da influência americana.
Rui Ramos, em artigo no «Observador», nota: «Descarregado o «fardo do homem branco», vivemos a última ilusão do imperialismo: julgámos que ainda tudo dependia de nós e que se portanto deixássemos o mundo em paz, o mundo nos deixaria em paz a nós. Na Holanda, nos últimos dias, houve quem pedisse o envio de tropas da NATO para o leste da Ucrânia. Percebe-se o desespero: depois de abaterem o avião, os separatistas russos pilharam os despojos e apoderam-se dos cadáveres, que usaram para se imporem como interlocutores internacionais. Como é óbvio, nunca houve a mínima chance de os líderes ocidentais fazerem mais do que produzir algumas citações para a comunicação social.(...)Nos últimos anos, julgámos que nos tínhamos tornado bons. Mas o mundo prepara-se para testar a nossa bondade. Mr. Kurz, no romance de Conrad, não resistiu. E a nós, que nos vai fazer o «horror»?»
Madeleine Albright, secretária de Estado no segundo mandato de Bill Clinton, comentou, em entrevista ao «Face The Nation» da CBS: «Há duas coisas verdadeiramente diferentes que estão a acontecer. E quando alguma coisa de relevante sucede no Mundo, o trabalho dos diplomatas é lidar com isso. Um dos grandes «gamechangers» foi o comportamento de Putin, perante a Crimeia e agora em toda a Ucrânia e uma atitude completamente diferente da Rússia. A outra é o que está a acontecer no Médio Oriente, em grande parte devido ao despertar árabe e também pela artificialidade pela fronteiras estabelecidas depois da I Grande Guerra Mundial».
Para a diplomata americana, «há grandes mudanças a acontecer e muitos americanos estão ainda a tentar perceber qual a posição dos outros países em relação a isto.». «Muitos de nós sabíamos muito pouco sobre o Islão e certamente nem tínhamos uma ideia da diferença entre xiitas e sunitas», considerou Madeleine. «Então, há imensas coisas que precisam de ser compreendidas e explicadas. Para falar claro, neste momento o Mundo está uma grande confusão».
A posição da administração americana em relação ao conflito israelo-palestiniano está longe de gerar consenso interno nos EUA.
Uma parte da direita continua a acusar Obama e Kerry de colocarem o Hamas e Israel em plano de igualdade, deixando a segurança israelita em risco, e que isso estará na base da escalada de violência dos últimos dias.
«Tudo isto resulta de falta de empenhamento e de abandono americano. Quando vemos o que acontece quando a América se empenha, devemos perguntar porque é que isto não está a acontecer agora. Vejam a cena em torno do envolvimento de Kerry na questão Israel/Gaza. Ele decide que tem que ir lá, os israelitas não o convidaram. Os egípcios não o quiseram lá. E ele disse que tinha um plano de paz que era uma espécie de plano construído com base no que os egípcios já tinham. Não tinha nada. Subestimaram tudo isto», acusou Charles Krauthammer, comentador conservador, em declarações à FOX News.
«Acho que houve um jornal israelita de esquerda que disse que Kerry cavou um túnel debaixo do plano de paz egípcio. O Egito queria um cessar-fogo que significasse recompensa zero caso o Hamas começasse esta guerra atacando civis, o que é um crime de guerra. E isso foi proposto antes desta ofensiva terrestre, o que diminuiria em muito o número de vítimas. Israel aceitou, o Hamas não», apontou Krauthammer.
O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
terça-feira, 29 de julho de 2014
terça-feira, 22 de julho de 2014
Histórias da Casa Branca: o que esconderão os separatistas russos?
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 21 DE JULHO DE 2014:
Na guerra, a primeira vítima é a verdade
Ésquilo, dramaturgo da Grécia Antiga
Putin diz que apoia as investigações, mas essas palavras devem ser correspondidas com atos
O fardo está agora do lado da Rússia: são eles que têm que travar os separatistas de esconderem provas
Ainda acredito numa solução negociada para o problema ucraniano, mas se a Rússia não mudar a sua estratégia, as sanções terão que continuar e podem ser aprofundadas
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA
No mínimo, a tragédia do abate do voo MH17 da Malaysian Airlines vai mudar o tom da crise ucraniana. No máximo, a data de 17 de julho de 2014 será mais recordada do que, por esta altura, temos ideia.
Vamos por partes.
Quatro dias depois da queda do Boeing 777 da Malaysian Airlines em solo ucraniano, mantêm-se as dúvidas sobre o essencial: quem e porquê realizou tão inacreditável atentado?
Mas as suspeitas de que terá sido um erro (e que quem disparou foram forças separatistas russos) são tão grandes que as ondas de choque políticas, diplomáticas e militares já se fizeram sentir.
O desaparecimento dos corpos do local da queda (colocado nu «comboio da morte») está documentado em fotos e foi confirmado no terreno por observadores da OSCE.
A máxima de Ésquilo, acima citada, tem sido particularmente poderosa nesta crise. As «rasantes» à verdade têm sido tantas que, quatro dias depois da tragédia, começa a ser difícil acreditar que a «verdade toda» seja mesmo apurada, um dia.
Vladimir Putin tem tentado minimizar danos políticos e de imagem.
Numa altura em que a Austrália, fortemente afetada com a tragédia, até já equaciona tentar banir a presença do presidente russo na próxima cimeira do G20, Putin tem rejeitado sempre qualquer responsabilidade do Kremlin e, num vídeo libertado para os media internacionais, até fez questão de mostrar que iniciou reunião com os seus conselheiros com «um minuto de silêncio em memória das vítimas», precedido de declaração em que se solidariza com as famílias das vítimas e com os governos dos países afetados diretamente pela tragédia.
Mas o «contorno» russo não se fica por aqui. O ministro da Defesa de Moscovo lançou, nas últimas horas, nova «pista»: a de que um avião de guerra ucraniano esteve perto da rota do MH17, nessa fatídica tarde de 17 de julho, ao mesmo tempo que garantia que os radares russos não deteraram «qualquer míssil terra-ar».
A «contra-informação» parece clara, depois das autoridades norte-americanas terem já sido perentórias na acusação de que o avião foi mesmo abatido «por um míssil terra-ar».
Todo o argumentário usado pelos líderes políticos americanos nos últimos dias (Obama, Kerry, até a ex-secretátia de Estado e provável candidata presidencial, Hillary Clinton) assenta na firme convicção de que só os separatistas russos podem ter cometido aquele erro trágico, uma vez que o míssil que provavelmente abateu o avião, um «Buk» é fabrico russo.
Em declaração prestada na Casa Branca, esta segunda-feira, Obama foi mais longe e questionou: «O que esconderão os separatistas russos». O Presidente norte-americano coloca do lado russo o «fardo de travar a ocultação de provas», reforçando que «as famílias das vítimas merecem conhecer a verdade».
Perante posições tão diferentes, entre Washington e Moscovo, o mais provável é que, nos próximos dias, a crise ucraniana seja agravada depois depois da tragédia da queda do MH17.
Por coincidência, horas antes da queda do avião, a via das sanções económicas contra a Rússia havia sido agravada por Washington. Só a Gazprom tinha sido, por enquanto, poupada.
Mas a Administração Obama já lançou o «conselho» aos «amigos» europeus: convém começar a encontrar alternativas ao gás russo.
O sinal não poderia ser mais esclarecedor.
Ésquilo, dramaturgo da Grécia Antiga
Putin diz que apoia as investigações, mas essas palavras devem ser correspondidas com atos
O fardo está agora do lado da Rússia: são eles que têm que travar os separatistas de esconderem provas
Ainda acredito numa solução negociada para o problema ucraniano, mas se a Rússia não mudar a sua estratégia, as sanções terão que continuar e podem ser aprofundadas
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA
No mínimo, a tragédia do abate do voo MH17 da Malaysian Airlines vai mudar o tom da crise ucraniana. No máximo, a data de 17 de julho de 2014 será mais recordada do que, por esta altura, temos ideia.
Vamos por partes.
Quatro dias depois da queda do Boeing 777 da Malaysian Airlines em solo ucraniano, mantêm-se as dúvidas sobre o essencial: quem e porquê realizou tão inacreditável atentado?
Mas as suspeitas de que terá sido um erro (e que quem disparou foram forças separatistas russos) são tão grandes que as ondas de choque políticas, diplomáticas e militares já se fizeram sentir.
O desaparecimento dos corpos do local da queda (colocado nu «comboio da morte») está documentado em fotos e foi confirmado no terreno por observadores da OSCE.
A máxima de Ésquilo, acima citada, tem sido particularmente poderosa nesta crise. As «rasantes» à verdade têm sido tantas que, quatro dias depois da tragédia, começa a ser difícil acreditar que a «verdade toda» seja mesmo apurada, um dia.
Vladimir Putin tem tentado minimizar danos políticos e de imagem.
Numa altura em que a Austrália, fortemente afetada com a tragédia, até já equaciona tentar banir a presença do presidente russo na próxima cimeira do G20, Putin tem rejeitado sempre qualquer responsabilidade do Kremlin e, num vídeo libertado para os media internacionais, até fez questão de mostrar que iniciou reunião com os seus conselheiros com «um minuto de silêncio em memória das vítimas», precedido de declaração em que se solidariza com as famílias das vítimas e com os governos dos países afetados diretamente pela tragédia.
Mas o «contorno» russo não se fica por aqui. O ministro da Defesa de Moscovo lançou, nas últimas horas, nova «pista»: a de que um avião de guerra ucraniano esteve perto da rota do MH17, nessa fatídica tarde de 17 de julho, ao mesmo tempo que garantia que os radares russos não deteraram «qualquer míssil terra-ar».
A «contra-informação» parece clara, depois das autoridades norte-americanas terem já sido perentórias na acusação de que o avião foi mesmo abatido «por um míssil terra-ar».
Todo o argumentário usado pelos líderes políticos americanos nos últimos dias (Obama, Kerry, até a ex-secretátia de Estado e provável candidata presidencial, Hillary Clinton) assenta na firme convicção de que só os separatistas russos podem ter cometido aquele erro trágico, uma vez que o míssil que provavelmente abateu o avião, um «Buk» é fabrico russo.
Em declaração prestada na Casa Branca, esta segunda-feira, Obama foi mais longe e questionou: «O que esconderão os separatistas russos». O Presidente norte-americano coloca do lado russo o «fardo de travar a ocultação de provas», reforçando que «as famílias das vítimas merecem conhecer a verdade».
Perante posições tão diferentes, entre Washington e Moscovo, o mais provável é que, nos próximos dias, a crise ucraniana seja agravada depois depois da tragédia da queda do MH17.
Por coincidência, horas antes da queda do avião, a via das sanções económicas contra a Rússia havia sido agravada por Washington. Só a Gazprom tinha sido, por enquanto, poupada.
Mas a Administração Obama já lançou o «conselho» aos «amigos» europeus: convém começar a encontrar alternativas ao gás russo.
O sinal não poderia ser mais esclarecedor.
Histórias da Casa Branca: ponto de não retorno com a Rússia?
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 18 DE JULHO DE 2014:
«É uma terrível tragédia»
Barack Obama, Presidente dos EUA
«Todos os indicadores apontam para que tenham sido os separatistas russos a abater o avião. Depois deste caso, os países europeus devem sentir-se encorajados a endurecer sanções contra a Rússia»
Hillary Clinton, ex-secretária de Estado norte-americana
«O que aconteceu é absolutamente chocante. Os responsáveis têm que pagar por isto»
David Cameron, PM britânico
«Esta tragédia não teria acontecido se houvesse paz naquela região ou se os combates no terreno não tivessem reatado. A responsabilidade, sem qualquer dúvida, é do governo do território onde aconteceu tragédia assustadora. Isto é absolutamente inaceitável»
Vladimir Putin, presidente russo
Uma tragédia inimaginável. Um caso gravíssimo que afeta relações entre estados, cumplicidades entre líderes.
Um recuo brutal num caminho que teria que ser feito de reaproximação entre Washington e Moscovo, depois do clima de divergências nos últimos meses, por causa da Crimeia e do agravar da tensão no Leste da Ucrânia.
Um avião comercial ser abatido nos céus da Europa por um míssil que, tudo indica, será de fabrico russo poderá ser algo de muito próximo de um «ponto de não retorno».
A queda do Boeing 777 da Malaysia Airlines, em solo ucraniano, numa zona próxima da fronteira leste com a Rússia, em pleno cenário de conflito entre as forças armadas ucranianas e separatistas russos que proclamaram a «República Popular de Donetsk», gerou a maior tragédia da aviação civil dos últimos 18 anos, com a morte de 298 pessoas (283 passageiros e 15 tripulantes).
No momento em que esta crónica é escrita, tinham sido apuradas as nacionalidades de 189 holandeses, 44 malaios, 27 australianos, 12 indonésios, nove britânicos, quatro alemães, quatro belgas, três filipinos, um canadiano, um neo-zelandês, um chinês (Hong Kong) e um israelita.
Para lá da enorme tragédia humana, o caso implica fortes repercussões políticas e mexe com várias sensibilidades diplomáticas.
Nos minutos que se seguiram à tragédia, começou o «passa culpas» entre Kiev e Moscovo. O governo ucraniano, primeiro através do seu ministro do Interior, mais tarde pelo primeiro-ministro da Ucrânia, foi claro em apontar responsabilidades aos rebeldes russos, a quem acusaram de terem cometido «um ato terrorista».
Putin, que ao longo de todo o conflito no Leste da Ucrânia manteve a posição de demarcação com os separatistas que combatem as autoridades ucranianas (apesar dos rebeldes serem, grande parte deles, antigos elementos das forças armadas russas), responsabilizou o governo de Kiev por esta «tragédia assustadora».
Washington reagiu de forma crítica para com Moscovo. Obama, no Delaware, preferiu não apontar claramente o dedo a Putin, mas lembrou tratar-se de «uma grande tragédia». Enquanto isso, os serviços secretos norte-americanos libertavam a indicação de que haveria mesmo dados a apontar para que um míssil terra-ar tivesse sido a causa da queda do voo MH17.
O dado reforçava a acusação de que pudesse ter sido um míssil de fabrico russo, material que supostamente estará na posse dos rebeldes russos. De Moscovo, para lá da recusa dessa acusação, vinham também indicações de chefes militares, apontando para que as forças armadas ucranianas também possuam mísseis «Buk».
Nas redes sociais, mensagens postadas minutos depois da tragédia por elementos separatistas, nomeadamente por Igor Girkin (ou Igor Strelkov), auto-proclamado ministro da Defesa da República Popular de Donetsk, festejava o abate de um avião.
Terá sido um engano? Terão os separatistas pensado ter abatido um «Antonov» ucraniano?
Os próximos dias serão decisivos para percebermos se ainda há caminho para trás na relação com a Rússia. Mas nada ficará como antes.
«É uma terrível tragédia»
Barack Obama, Presidente dos EUA
«Todos os indicadores apontam para que tenham sido os separatistas russos a abater o avião. Depois deste caso, os países europeus devem sentir-se encorajados a endurecer sanções contra a Rússia»
Hillary Clinton, ex-secretária de Estado norte-americana
«O que aconteceu é absolutamente chocante. Os responsáveis têm que pagar por isto»
David Cameron, PM britânico
«Esta tragédia não teria acontecido se houvesse paz naquela região ou se os combates no terreno não tivessem reatado. A responsabilidade, sem qualquer dúvida, é do governo do território onde aconteceu tragédia assustadora. Isto é absolutamente inaceitável»
Vladimir Putin, presidente russo
Uma tragédia inimaginável. Um caso gravíssimo que afeta relações entre estados, cumplicidades entre líderes.
Um recuo brutal num caminho que teria que ser feito de reaproximação entre Washington e Moscovo, depois do clima de divergências nos últimos meses, por causa da Crimeia e do agravar da tensão no Leste da Ucrânia.
Um avião comercial ser abatido nos céus da Europa por um míssil que, tudo indica, será de fabrico russo poderá ser algo de muito próximo de um «ponto de não retorno».
A queda do Boeing 777 da Malaysia Airlines, em solo ucraniano, numa zona próxima da fronteira leste com a Rússia, em pleno cenário de conflito entre as forças armadas ucranianas e separatistas russos que proclamaram a «República Popular de Donetsk», gerou a maior tragédia da aviação civil dos últimos 18 anos, com a morte de 298 pessoas (283 passageiros e 15 tripulantes).
No momento em que esta crónica é escrita, tinham sido apuradas as nacionalidades de 189 holandeses, 44 malaios, 27 australianos, 12 indonésios, nove britânicos, quatro alemães, quatro belgas, três filipinos, um canadiano, um neo-zelandês, um chinês (Hong Kong) e um israelita.
Para lá da enorme tragédia humana, o caso implica fortes repercussões políticas e mexe com várias sensibilidades diplomáticas.
Nos minutos que se seguiram à tragédia, começou o «passa culpas» entre Kiev e Moscovo. O governo ucraniano, primeiro através do seu ministro do Interior, mais tarde pelo primeiro-ministro da Ucrânia, foi claro em apontar responsabilidades aos rebeldes russos, a quem acusaram de terem cometido «um ato terrorista».
Putin, que ao longo de todo o conflito no Leste da Ucrânia manteve a posição de demarcação com os separatistas que combatem as autoridades ucranianas (apesar dos rebeldes serem, grande parte deles, antigos elementos das forças armadas russas), responsabilizou o governo de Kiev por esta «tragédia assustadora».
Washington reagiu de forma crítica para com Moscovo. Obama, no Delaware, preferiu não apontar claramente o dedo a Putin, mas lembrou tratar-se de «uma grande tragédia». Enquanto isso, os serviços secretos norte-americanos libertavam a indicação de que haveria mesmo dados a apontar para que um míssil terra-ar tivesse sido a causa da queda do voo MH17.
O dado reforçava a acusação de que pudesse ter sido um míssil de fabrico russo, material que supostamente estará na posse dos rebeldes russos. De Moscovo, para lá da recusa dessa acusação, vinham também indicações de chefes militares, apontando para que as forças armadas ucranianas também possuam mísseis «Buk».
Nas redes sociais, mensagens postadas minutos depois da tragédia por elementos separatistas, nomeadamente por Igor Girkin (ou Igor Strelkov), auto-proclamado ministro da Defesa da República Popular de Donetsk, festejava o abate de um avião.
Terá sido um engano? Terão os separatistas pensado ter abatido um «Antonov» ucraniano?
Os próximos dias serão decisivos para percebermos se ainda há caminho para trás na relação com a Rússia. Mas nada ficará como antes.
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Histórias da Casa Branca: o novo atoleiro iraquiano
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 10 DE JULHO DE 2014
Há um novo atoleiro a ser formado no Iraque.
E o pior é que representa uma ameaça real bem superior à que, em 2003, levou a Administração Bush a avançar Bagdade para derrubar Saddam.
Há mais de um década, George W. Bush quis terminar o trabalho que o pai, no início dos anos 90, optou por deixar a meio, quando já tinha os marines à porta da capital iraquiana.
Onze anos depois, Barack Obama pode ver-se obrigado a fazer regressar os olhos da América para a antiga Babilónia, já sem qualquer ilusão de «espalhar a democracia», mas pela necessidade premete de conter um «novo califado».
Peter Mansoor, adjunto do general David Petraeus, elemento importante na estratégia de estabilização do Iraque em 2007/08, é muito claro: «É preciso refazer a aliança anti-Al Qaeda».
Em entrevista ao Expresso, a 21 de junho passado, o coronel Mansoor já lançava o aviso: «Devemos orientar o nosso esforço para a diplomacia, discutindo com as elites políticas iraquianas e com os atores regionais, sejam estes o Irão, a Arábia Saudita, a Turquia ou a Jordânia. O caminho é político e não militar e um governo de unidade nacional no Iraque é prioritário».
Uma visão que, por isso, caucionava a primeira leitura do Presidente Obama: «Um ataque militar sem enquadramento político não faz sentido e só serve para matar gente».
A grande questão, no entanto, fica por resolver: como travar a ameaça do ISIS (EIIL, se quisermos usar o acrónimo), o Estado Islâmico do Iraque e do Levante?
O poder militar do exército radical de Abu Bakr Al-Baghdadi não implicaria, de início, ameaça assim tão significativa: «O ISIS nunca poderá conquistar Bagadade. Além das forças armadas iraquianas, que defenderam a capital com muito mais energia do que o norte do país, o ISIS teria de lidar com dezenas de milhares de homens armados das milícias xiitas. Estamos a falar de uma cidade com sete milhões de habitantes, maior do que Estalinegrado, durante a II Guerra Mundial. Seria uma fortaleza. Em 2003/04 comandei uma brigada durante a invasão, ou seja, 3500 homens bem treinados, armados até aos dentes e, mesmo assim, tivemos dificuldade em controlar dois distritos de Bagdade. Imaginar militantes montados em «pick-ups» a tomar conta da cidade é fantasia», insiste o coronel Mansoor nessa entrevista.
Perante esta visão das cúpulas militares americanas, fica mais fácil perceber a via escolhida por Obama para endereçar aquela que será, neste momento, a maior ameaça no quadro internacional (com a situação na Ucrânia e a tensão crescente Israel/Palestina em forte concorrência).
Os Estados Unidos não irão voltar a enviar «boots on the ground» para o Iraque. Ponto. Mas intervêm de forma cada vez mais evidente: reforçando a oposição síria, interessada direta no combate aos «jihadistas» no Iraque.
Obama já pediu autorização ao Congresso para armas as forças moderadas de oposição a Assad, numa espécie de «jogada dois em um»: esse reforço posiciona os EUA como opositores ao regime de Damasco e aumenta os trunfos na travagem ao ISIS no Iraque.
A América cometeu vários erros na gestão do Iraque na última década. O principal terá sido o desmantelamento das unidades de força e segurança iraquianas, que hoje teria papel fundamental na nova ameaça «jihadista». Fartos do governo de Al Maliki (xiita, com patrocínio indireto dos EUA e do Irão), muitos iraquianos são terreno fértil para recolha de apoios dos «jihadistas» sunitas.
Mariano Aguirre, diretor do Norwegian Peacebuilding Resource Center, avisa, em entrevista ao DN: «O ISIS vai ser um terramoto na região do Médio Oriente. Nos últimos dez anos, estabeleceu uma série de alianças. O fenómeno é perigoso, pode levar à desintegração do Iraque, ter impacto forte no Líbano e na Jordânia».
Voltaremos em breve ao tema. Infelizmente.
Há um novo atoleiro a ser formado no Iraque.
E o pior é que representa uma ameaça real bem superior à que, em 2003, levou a Administração Bush a avançar Bagdade para derrubar Saddam.
Há mais de um década, George W. Bush quis terminar o trabalho que o pai, no início dos anos 90, optou por deixar a meio, quando já tinha os marines à porta da capital iraquiana.
Onze anos depois, Barack Obama pode ver-se obrigado a fazer regressar os olhos da América para a antiga Babilónia, já sem qualquer ilusão de «espalhar a democracia», mas pela necessidade premete de conter um «novo califado».
Peter Mansoor, adjunto do general David Petraeus, elemento importante na estratégia de estabilização do Iraque em 2007/08, é muito claro: «É preciso refazer a aliança anti-Al Qaeda».
Em entrevista ao Expresso, a 21 de junho passado, o coronel Mansoor já lançava o aviso: «Devemos orientar o nosso esforço para a diplomacia, discutindo com as elites políticas iraquianas e com os atores regionais, sejam estes o Irão, a Arábia Saudita, a Turquia ou a Jordânia. O caminho é político e não militar e um governo de unidade nacional no Iraque é prioritário».
Uma visão que, por isso, caucionava a primeira leitura do Presidente Obama: «Um ataque militar sem enquadramento político não faz sentido e só serve para matar gente».
A grande questão, no entanto, fica por resolver: como travar a ameaça do ISIS (EIIL, se quisermos usar o acrónimo), o Estado Islâmico do Iraque e do Levante?
O poder militar do exército radical de Abu Bakr Al-Baghdadi não implicaria, de início, ameaça assim tão significativa: «O ISIS nunca poderá conquistar Bagadade. Além das forças armadas iraquianas, que defenderam a capital com muito mais energia do que o norte do país, o ISIS teria de lidar com dezenas de milhares de homens armados das milícias xiitas. Estamos a falar de uma cidade com sete milhões de habitantes, maior do que Estalinegrado, durante a II Guerra Mundial. Seria uma fortaleza. Em 2003/04 comandei uma brigada durante a invasão, ou seja, 3500 homens bem treinados, armados até aos dentes e, mesmo assim, tivemos dificuldade em controlar dois distritos de Bagdade. Imaginar militantes montados em «pick-ups» a tomar conta da cidade é fantasia», insiste o coronel Mansoor nessa entrevista.
Perante esta visão das cúpulas militares americanas, fica mais fácil perceber a via escolhida por Obama para endereçar aquela que será, neste momento, a maior ameaça no quadro internacional (com a situação na Ucrânia e a tensão crescente Israel/Palestina em forte concorrência).
Os Estados Unidos não irão voltar a enviar «boots on the ground» para o Iraque. Ponto. Mas intervêm de forma cada vez mais evidente: reforçando a oposição síria, interessada direta no combate aos «jihadistas» no Iraque.
Obama já pediu autorização ao Congresso para armas as forças moderadas de oposição a Assad, numa espécie de «jogada dois em um»: esse reforço posiciona os EUA como opositores ao regime de Damasco e aumenta os trunfos na travagem ao ISIS no Iraque.
A América cometeu vários erros na gestão do Iraque na última década. O principal terá sido o desmantelamento das unidades de força e segurança iraquianas, que hoje teria papel fundamental na nova ameaça «jihadista». Fartos do governo de Al Maliki (xiita, com patrocínio indireto dos EUA e do Irão), muitos iraquianos são terreno fértil para recolha de apoios dos «jihadistas» sunitas.
Mariano Aguirre, diretor do Norwegian Peacebuilding Resource Center, avisa, em entrevista ao DN: «O ISIS vai ser um terramoto na região do Médio Oriente. Nos últimos dez anos, estabeleceu uma série de alianças. O fenómeno é perigoso, pode levar à desintegração do Iraque, ter impacto forte no Líbano e na Jordânia».
Voltaremos em breve ao tema. Infelizmente.
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Histórias da Casa Branca: Obama não é «o pior Presidente» mas pode ficar com a fama
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 3 DE JULHO DE 2014:
Será Barack Obama «o pior Presidente desde a II Guerra Mundial»? Claro que não.
Um levantamento pelos triunfos do Presidente, desde que tomou posse a 20 de janeiro 2009, desmonta essa ideia: aprovação da Reforma da Saúde, o maior programa federal desde o «New Deal» de Roosevelt e maior investimento numa área social desde a «Grande Sociedade» de Johnson; eliminação de Bin Laden e outros líderes da Al Qaeda; redução drástica da noção de «risco de terrorismo» em solo americano; aposta em novas energias e crescimento dos EUA como potência energética.
Acima de tudo isto, como condição necessária para todas as outras conquistas, Obama ficará para a História como o Presidente que evitou que a América caísse numa Grande Depressão económica equivalente ou pior à dos anos 30, graças a fortes estímulos federais, e foi preparando a Economia americana para um crescimento lento, mas sustentado, e que se traduz, nos últimos cinco anos, na criação de nove milhões de empregos.
Recuperar o que se perdeu é sempre mais custoso do que gozar os louros de algo que foi conquistado. Como em tudo na vida, também em política demora muito mais construir do que destruir.
Obama beneficiou do desastre da parte final de Bush (2008) e da colagem artificial de Romney à ala direita dos republicanos (2012).
Mas, chegado aos últimos dois anos e meio do seu segundo mandato, ainda não conseguiu resolver este dilema: como candidato presidencial, foi eficaz e brilhante, em dois momentos políticos bem diferentes (venceu claramente as corridas de 2008 e 2012), muito devido a uma máquina eleitoral especialmente bem montada; como Presidente, nunca conseguiu passar no teste da popularidade, sendo quase sempre visto pelos americanos como um líder impopular.
Sondagem recente da Universidade de Quinnipiac aponta para que um terço dos inquiridos considerem Obama «o pior Presidente desde 1945». O atual inquilino da Casa Branca aparece mesmo em primeiro lugar nesse top indesejado, seguido do seu antecessor, George W. Bush, com 28%, e de Richard Nixon, o único Presidente destituído do cargo, com 13%.
É sempre preciso olhar para este tipo de sondagem com alguma perspetiva.
Por um lado, é normal que as pessoas se lembrem mais de quem está a exercer o poder. E atendendo ao elevado grau de contestação de vários setores conservadores e ultraconservadores a este Presidente, esse tais 33% que apontam Obama como «o pior» nem será um valor assim tão elevado. De resto, a soma de Bush filho com Nixon, ambos republicanos, até é superior ao valor indicado para Obama.
Seja como for, há alguns aspetos a apontar: Obama estará a pagar, essencialmente, por duas questões que possivelmente já não vai conseguir resolver, no seu «legado» como 44.º Presidente dos EUA.
A primeira tem a ver com o modo exerce o poder de «líder do país mais poderoso do Mundo». A forma como tem lidado com assuntos como a Síria, a Ucrânia e agora também a nova ameaça iraquiana, optando por uma política de «contenção» e «dissuasão», deixando de longe as «boots on the ground», numa via de apoio a outros países e atores diretamente envolvidos nos focos de conflito, integra-se na sua visão do Mundo, mas colide com quem, na América, o acusa de estar a «diminuir a força dos EUA».
A segunda é o «gridlock» com o Congresso. A paralisia legislativa que tem marcado os anos Obama está a adiar, ou mesmo anular, ideias fundamentais deste Presidente, como o «gun control» ou o apoio à classe média e aos mais desfavorecidos.
O problema será mais do sistema da «contrapesos» da política americana, não tanto de uma visão errada do Presidente. Mas em política o que conta são as perceções.
Não. Barack Obama está longe de ser «o pior Presidente desde a II Guerra Mundial». Mas corre o risco de ficar com essa fama
Será Barack Obama «o pior Presidente desde a II Guerra Mundial»? Claro que não.
Um levantamento pelos triunfos do Presidente, desde que tomou posse a 20 de janeiro 2009, desmonta essa ideia: aprovação da Reforma da Saúde, o maior programa federal desde o «New Deal» de Roosevelt e maior investimento numa área social desde a «Grande Sociedade» de Johnson; eliminação de Bin Laden e outros líderes da Al Qaeda; redução drástica da noção de «risco de terrorismo» em solo americano; aposta em novas energias e crescimento dos EUA como potência energética.
Acima de tudo isto, como condição necessária para todas as outras conquistas, Obama ficará para a História como o Presidente que evitou que a América caísse numa Grande Depressão económica equivalente ou pior à dos anos 30, graças a fortes estímulos federais, e foi preparando a Economia americana para um crescimento lento, mas sustentado, e que se traduz, nos últimos cinco anos, na criação de nove milhões de empregos.
Recuperar o que se perdeu é sempre mais custoso do que gozar os louros de algo que foi conquistado. Como em tudo na vida, também em política demora muito mais construir do que destruir.
Obama beneficiou do desastre da parte final de Bush (2008) e da colagem artificial de Romney à ala direita dos republicanos (2012).
Mas, chegado aos últimos dois anos e meio do seu segundo mandato, ainda não conseguiu resolver este dilema: como candidato presidencial, foi eficaz e brilhante, em dois momentos políticos bem diferentes (venceu claramente as corridas de 2008 e 2012), muito devido a uma máquina eleitoral especialmente bem montada; como Presidente, nunca conseguiu passar no teste da popularidade, sendo quase sempre visto pelos americanos como um líder impopular.
Sondagem recente da Universidade de Quinnipiac aponta para que um terço dos inquiridos considerem Obama «o pior Presidente desde 1945». O atual inquilino da Casa Branca aparece mesmo em primeiro lugar nesse top indesejado, seguido do seu antecessor, George W. Bush, com 28%, e de Richard Nixon, o único Presidente destituído do cargo, com 13%.
É sempre preciso olhar para este tipo de sondagem com alguma perspetiva.
Por um lado, é normal que as pessoas se lembrem mais de quem está a exercer o poder. E atendendo ao elevado grau de contestação de vários setores conservadores e ultraconservadores a este Presidente, esse tais 33% que apontam Obama como «o pior» nem será um valor assim tão elevado. De resto, a soma de Bush filho com Nixon, ambos republicanos, até é superior ao valor indicado para Obama.
Seja como for, há alguns aspetos a apontar: Obama estará a pagar, essencialmente, por duas questões que possivelmente já não vai conseguir resolver, no seu «legado» como 44.º Presidente dos EUA.
A primeira tem a ver com o modo exerce o poder de «líder do país mais poderoso do Mundo». A forma como tem lidado com assuntos como a Síria, a Ucrânia e agora também a nova ameaça iraquiana, optando por uma política de «contenção» e «dissuasão», deixando de longe as «boots on the ground», numa via de apoio a outros países e atores diretamente envolvidos nos focos de conflito, integra-se na sua visão do Mundo, mas colide com quem, na América, o acusa de estar a «diminuir a força dos EUA».
A segunda é o «gridlock» com o Congresso. A paralisia legislativa que tem marcado os anos Obama está a adiar, ou mesmo anular, ideias fundamentais deste Presidente, como o «gun control» ou o apoio à classe média e aos mais desfavorecidos.
O problema será mais do sistema da «contrapesos» da política americana, não tanto de uma visão errada do Presidente. Mas em política o que conta são as perceções.
Não. Barack Obama está longe de ser «o pior Presidente desde a II Guerra Mundial». Mas corre o risco de ficar com essa fama
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