terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Histórias da Casa Branca: o «grande acordo» está a causar fraturas

TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT A 15 DE DEZEMBRO DE 2014:


«Recentemente, fiquei muito impressionada com o que Elizabeth Warren disse nos inquéritos do Congresso sobre o papel do poder executivo durante a crise financeira. Gostei de maneira como defrontou Janet Yellen, diretora da Reserva Federal. Muito impressionante. Perante o poder, diz a verdade. Tem os pés bem assentes no chão e vê-se que fala convictamente quando ecoa as preocupações da classe média americana. Sabemos que, atualmente, a ideia de oportunidade não se estende da mesma facilidade a toda a gente.» 
Ariana Huffington, fundadora do Huffington Post, sobre a senadora democrata do Massachussets, Elizabeth Warren 
  
  
O acordo feito entre democratas e republicanos para se aprovar a proposta de despesa para 2015 teve contrapartidas mútuas que ainda não foram digeridas pelos dois lados da barricada. 
  
No campo democrata, sensibilidades como as que são representadas pela senadora do Massachussets Elizabeth Warren ou pelo senador (independente, mas alinhada com a bancada democrata) Bernie Sanders, do Vermont, não aceitam a cedência que o Presidente Obama fez a Wall Street. 
  
A história conta-se rapidamente: no pós-crise financeira de 2008, em pleno início da era Obama e ainda com um Congresso fortemente democrata (tempos prévios às intercalares de novembro de 2010, portanto), houve condições políticas em Washington para se aprovar a Barney Frank/Chris Dodd Bill, que previa medidas de maior regulação financeira. 
  
Algumas delas, as que apontam para menor possibilidade de independência dos bancos e das grandes empresas financeiras em relação aos reguladores, estão agora a ser alvo de tentativa de revogação por parte de congressistas republicanos mais ligados ao «lobby» financeiro. 

A ala mais à esquerda no Partido Democrata vê o que saiu do acordo feito por Obama e Boehner para evitar o «shutdown» como uma «prenda» do Presidente aos interesses de Wall Street.  

A questão demonstra a divergência de posições entre os democratas, pós derrota nas intercalares: manter as armas apontadas ao «business as usual» (a abordagem da senadora Warren e do senador Sanders) ou optar por uma via mais pragmática, com o objetivo de preservar ideias essenciais (claramente, a visão escolhida por Barack Obama)? 

«Isto é apenas o começo do novo Congresso. Não é a última luta do último Congresso», comenta o congressista democrata da Califórnia, George Miller, citado pelo «Politico Magazine». 

Não será propriamente, para já pelo menos, uma fratura exposta no Partido Democrata. Isto porque o Presidente está longe de ter baixado as armas e levantado os braços, como fez questão de provar quando avançou para um conjunto de ações executivas unilaterais sobre Imigração, perante a paralisação dos republicanos no Capitólio. 

Mas que há movimentações novas no partido de Obama, isso há. Nancy Pelosi, que há quatro anos foi a maior aliada de Obama na aprovação épica da Reforma da Saúde (na altura, como speaker do Congresso), é agora a líder da minoria democrata numa Câmara dos Representantes fortemente republicana. E tem sinalizado a preferência por uma via de «confrontação», sendo aliada da estratégia de Elizabeth Warren.  

Há que colocar este novo quadro político em contexto. Obama estará em situação similar à de Bill Clinton quando, em 1994, teve derrota pesada nas intermédias e, para sobreviver com algum tipo de capacidade de cumprir a sua agenda presidencial, foi forçado, por vezes, a fazer ouvidos de mercador à sua esquerda e a abrir-se, em alguns capítulos, à «negociação com o inimigo». 

«É quase um truísmo afirmar-se que a única forma de um Presidente sem grandes maiorias no Congresso ter alguma coisa aprovada é enfurecer a sua base de apoio. E a história insiste em mostrar-nos que problemas políticos de curto prazo com a nossa bancada podem valer ganhos de longo prazo a quem está na Casa Branca», lembra Todd Purdum, no «Politico Magazine», em artigo intitulado «Obama's Big Clinton Moment». 

Mas do lado republicano também há divisões. A ala Tea Party não se impressionou com a tal «prenda» de Obama a Wall Street e queria aproveitar a negociação sobre a despesa para destruir de vez o ObamaCare. 

Já se percebeu quem John Boehner desistiu dessa ideia. Para o pragmático speaker republicano da House, negociar com o Presidente é uma necessidade e pode ser vantajoso.  

Nos próximos meses espera-se, pois, que nomes como Elizabeth Warren e Bernie Sanders se afirmem como uma espécie de «consciência crítica» dos democratas. Mas o que vai interessar mesmo é se a conversa entre Barack Obama e John Boehner continuará a ser produtiva. 

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