ARTIGO PUBLICADO NO BLOGUE «COMMUNICATION ADVISORY», A 31 DE MARÇO DE 2015:
A política é uma caixinha de surpresas e isso nem sempre é mau. O que se passou em França no passado domingo ajuda-nos a perceber um pouco melhor essa ideia pouco divulgada, mas tantas vezes verificada.
Nos últimos anos, sobretudo a partir do acentuar da austeridade na Europa, temos ouvido falar no perigo iminente de Marine Le Pen poder chegar à Presidência da República francesa.
Os resultados das «departamentais» de domingo passado, porém, mostraram que esse receio é manifestamente exagerado.
Marine está a subir, cavalgando o descontentamento em relação a quem costuma estar no poder e teve, nestes anos, que esquecer os valores partidários e carregar nos cortes? Certo.
Isso já valeu à Frente Nacional uma surpreendente vitória nas Europeias e bons resultados em legislativas e eleições locais? Verdade.
Mas uma coisa é ter 25/30% dos votos à primeira volta (e com isso talvez ser a mais votada nessa primeira volta). Outra, completamente diferente, é obter 50% mais um à segunda, em presidenciais.
Lembremo-nos do que aconteceu ao pai de Marine, Jean Marie Le Pen.
Em 2002, e depois de muito tentar nos anos 80 e 90, escandalizou o «mainstream» da política francesa e europeia ao chegar à segunda volta, sendo mais votado que o então candidato socialista Lionel Jospin.
O sistema, assustado, protegeu-se, unindo-se em torno do candidato da direita tradicional, Jacques Chirac.
As consequências foram aparentemente tranquilizadoras: Chirac esmagou Le Pen por 82-18. Toda a esquerda votou no «adversário», para travar o «inimigo». Jean-Marie teve, em percentagem, um resultado mais baixo que na primeira volta.
Passou mais de uma década. Marine não é igual ao pai. Tendo herdado a estrutura partidária, as bases, um certo estilo agressivo, arrogante e autoritário, mostra-se, no entanto, mais sofisticada.
Não cai nos disparates de Le Pen pai nas tiradas racistas ou relacionadas com o holocausto. Mas uma análise pormenorizada identifica que o essencial está lá: o nacionalismo extremado, a defesa do regresso às fronteiras, a França para os franceses, «nada contra os estrangeiros, mas na terra deles, a França tem desempregados a mais».
Mistura explosiva, em cenário de crise económica e desgaste (cansaço, mesmo) em relação aos partidos de poder.
François Hollande está desacreditado (foi eleito para o Eliseu prometendo trocar a austeridade pelo «investimento» e em poucos meses tornou-se uma espécie de porta-voz de Merkel com sotaque francês).
Manuel Valls, o primeiro-ministro que o Presidente nomeou para evitar a humilhação em pleno mandato, é um líder de governo supostamente «socialista» que, qual paradoxo, se mostra feroz crítico da «esquerda» em quase tudo. Nem mesmo «Terceira Via». Coisa ainda mais original, até.
Sarkozy, enredado em confusões e processos judiciais depois da perda do Eliseu, tenta voltar à ribalta e, em mais uma ironia de que a alta política é fértil, pode ser o beneficiário da crise aguda do PSF.
O cenário parece ser ideal para o «assalto» de Marine ao Eliseu em 2017.
Mas, por vezes, basta uma análise fria da realidade para afastar medos que são repetidos à exaustão, mesmo por supostamente credível.
As eleições «departamentais» de domingo mostraram que Nicolas Sarkozy tem tudo para regressar ao Eliseu em 2017 (e sem grande dificuldade, dado o estado moribundo do PSF, pelo desastre político da presidência Hollande).
Não sendo o regresso de Sarko uma grande notícias, é mais do que tudo um grande alívio.
A derrocada (da República francesa e do projeto europeu, num cenário de Marine no Eliseu) pode esperar.
Marine é para levar a sério. Passou a ser uma «player» indisfarçável do jogo político francês. Pode, até, dizer-se que a bipolarização socialistas/direita tradicional terminou (a Frente Nacional é, neste momento, força quase tão abrangente nas câmaras e nas legislativas que o PSF e a UMP).
Mas a filha de Le Pen nunca será presidente da França. Vai uma aposta?