domingo, 28 de fevereiro de 2016

Histórias da Casa Branca: explicações para o absurdo Trump e a confirmação da favorita Hillary


Donald Trump lidera em oito dos 11 estados da Super Terça-Feira. Mesmo no Texas, território Ted Cruz, ainda não perdeu as esperanças de vencer. Marco Rubio, supostamente na posição de corporizar a «frente do sistema contra Trump», corre o risco de passar o dia decisivo do processo de primárias sem conseguir vencer um único estado. O apoio de Chris Christie a Trump pode ter marcado ponto de viragem: será que começa a ser inevitável encarar Donald como nomeado?





Hillary Clinton esmagou na Carolina do Sul, sobrepondo-se a Bernie Sanders por 74-26. 96 em cada 100 eleitores negros preferiram Hillary a Bernie. Com exceção do Massachussets, Hillary tem grande vantagem em quase todos os estados que vão a jogo na Super Terça-Feira. Ou seja: dentro de poucos dias, o foco dos democratas estará já na eleição geral. Hillary dará um passeio triunfal até à Convenção de Filadélfia




Até há dois ou três meses, para alguns ainda menos do que isso, encarar a nomeação presidencial de Donald Trump era quase uma piada. Um absurdo que, apesar das repetidas sondagens indicando o contrário, não deixava de ser visto como tal.

Sucede que podemos estar a poucos dias de assistirmos àqueles momentos em que o absurdo se transforma em real.

Os resultados do «caucus» republicano do Nevada apanharam todos de surpresa. Não apenas pela vitória de Trump (na verdade, as sondagens já o tinham avisado), mas sobretudo pela vantagem de Donald sobre Cruz e Rubio.

Num estado com forte implantação de hispânicos, Donald bateu Cruz e Rubio (dois descendentes de cubanos) numa base de dois para um – sendo que até entre os latinos Trump foi o mais votado.

Ora, isso vai contra todo o tipo de cálculos que estavam a ser feitos sobre como iria Donald Trump começar a cair.

O multimilionário nova-iorquino -- que nos primeiro quatro estados das primárias republicanas ficou em segundo no Iowa e depois venceu claramente no New Hampshire, na Carolina do Sul e no Nevada --, está a passar quase todos os testes e exibe uma dinâmica ascendente que não deve ser desvalorizada.

O primeiro forte sinal foi dado na Carolina do Sul: em estado profundamente religioso, sulista e conservador, o candidato mais irreverente e desalinhado do leque republicano (e aquele que menos fala do plano religioso) vencera folgadamente.

Mas o alerta do Nevada foi mais sério: os dados pareciam jogar contra Donald, mas Trump respondeu com um triunfo que prova que, afinal, ele não anti-corpos de base nos segmentos que compõem o mosaico republicano.

E os trunfos recentes de Donald não se ficam por aqui.

O «endorsment» de Chris Christie a Trump causou particular embaraço ao «core» republicano. Chris e Donald até têm ponto em comum na forma de ser: são ambos tipos duros e desbocados, que gostam de se afirmar pelo «politicamente incorreto».




Mas há diferenças fundamentais: Trump é um «sniper» que atira disparates atrás de disparates em discursos que não resistem ao «fact checking»; Christie é um político consistente, com um currículo vencedor do ponto de vista eleitoral na Nova Jérsia e ambições nacionais legitimadas pelo percurso feito no Partido Republicano.

Que, neste ponto da corrida -- em que era suposto que os mais prestigiados políticos republicanos se unissem em torno de uma solução que garantisse a barragem ao perigo Trump – Christie apoie expressamente Donald é um episódio perturbador e até um pouco deprimente.

Por muito que este gesto se explique no «ódio» que Christie destilou sobre Marco Rubio no debate do New Hampshire, a verdade é que há uma enorme diferença entre não aceitar o apoio «útil» a Rubio e este «endorsment» a Trump.

Christie abriu um precedente: até há poucos dias, Donald Trump prosseguia uma caminhada isolada, liderando sem um único apoio formal de governadores de estado ou senadores. 

Entre figuras nacionais do Partido Republicano, só a pouco credível Sarah Palin (ex-governadora do Alaska e candidata a vice do ticket de McCain em 2008) tinha aparecido a apoiar Trump – o que em nada contribuiu para diminuir o tom de críticas e reservas a Donald.
   
Será que o «endorsment» de Christie provocou um «turning point» nesta ideia, a ponto de se começar a desenhar uma absorção do Partido Republicano a uma possível «inevitabilidade» da nomeação de Trump?

Ainda é cedo para saber, mas é de admitir que, caso Donald tenha na Super Terça-Feira as vitórias que as sondagens indicam, esse movimento possa ser, pelo menos, estudado.

Como foi possível chegarmos aqui?

Há uma enorme sensação de desconforto em todo o sistema político e de poder norte-americano com esta caminhada triunfal de Trump, possivelmente rumo à nomeação.

Importa, nesta fase, explicar que este «absurdo perto de se tornar real» atinge, especialmente, o Partido Republicano.

O problema é mais profundo – denota as imperfeições da recuperação económica dos anos Obama, que embora tenha reduzido o desemprego a números historicamente baixos, deixou partes da sociedade americana excluídas.

Mas sinaliza, essencialmente, a crise grave em que caiu o Partido Republicano.




As referências que supostamente emergiriam nesta corrida de 2016 falharam todas. 

Algumas por falta de comparência (Giuliani, Romney, Ryan), outras por incapacidade política (Jeb Bush, Chris Christie, Bobby Jindal, Scott Walker), ou então por insuficiente cobertura mediática (Rand Paul, Carly Fiorina, George Pataki).

Só restam dois nomes e mesmo esses estão a cometer demasiados erros e podem já não ir a tempo de evitar o «perigo Trump»: Ted Cruz foi o primeiro a arrancar e venceu o primeiro combate, o Iowa, mas mostra demasiadas fragilidades nos estados que não tenham forte componente evangélica para poder pensar seriamente na nomeação; Marco Rubio, a última esperança do «establishment» (ou do que resta dele…) bateu-se bem no Iowa, mas falhou rotundamente no New Hampshire (aquele debate da véspera foi trágico para o senador da Florida) e teve resultados aquém do que precisava na Carolina do Sul e no Nevada.

A grande questão para Rubio é se vai conseguir convencer a tempo uma maioria de eleitores republicanos de que tem muito mais hipóteses de «elegibilidade» em novembro contra Hillary do que Trump.

Convém perceber que Donald Trump, mesmo com esta liderança clara da corrida, tem pouco mais de um terço dos votos republicanos.

A sua personalidade divisiva tem um enorme perigo para a eleição geral: boa parte dos eleitores republicanos podem não se mobilizar para votar num nomeado que detestam ou preferir, até, votar em Hillary para travar o «elefante Donald» e um cenário ainda mais absurdo de vê-lo na Casa  Branca.

Só que Rubio ainda não ganhou um único estado – e corre mesmo o risco de passar a Super Terça-Feira sem um primeiro lugar para exibir. 

Por muito mal que esse dia lhe corra (e pode mesmo correr), espera-se que coloque depois todas as fichas na sua Florida – mas, atenção, até nesse estado que Marco representa desde 2010 no Senado, Trump aparece neste momento à frente (e com algum avanço).




No recente debate de Houston, na CNN, Marco Rubio, já em fase de queimar os últimos cartuchos, encostou finalmente Trump às cordas. Mostrou incoerências de Donald, utilizou algumas das táticas que Trump tem utilizado. Pode ter causado impacto no momento, mas é duvidoso que, no global desta longa corrida, esse debate venha a ser decisivo.

O «trend» das próximas batalhas mostra Trump com avanços significativos e um certo equilíbrio entre Rubio e Cruz pelo segundo lugar, sem grandes sinais de que alguns possa saltar para a frente.

Até em estados com demografias que poderiam parecer menos favoráveis a Trump (como o Massachussets, o Michigan ou a Virgínia), os estudos mantêm Donald na frente, na casa dos 30 e tal por cento, com vantagens de pelo menos 10 ou 15 pontos sobre Rubio.

Das duas, uma: ou Cruz desiste depois da Super Terça-Feira (só se admite esse cenário caso perca o Texas) e a corrida passa a ser a dois (e isso pode catapultar Rubio como o anti-Trump com margem para crescer), ou uma disputa a três até ao fim deverá acabar por manter Trump na liderança dos delegados.

O que acontecerá na Convenção de Cleveland é que ainda é uma incógnita: estará o Partido Republicano preparado para «engolir» Donald Trump ou pode ainda esperar-se algum golpe de teatro?


Hillary esmaga na Carolina do Sul e promete resolver já na Super Terça-Feira

Do lado democrata, a Carolina do Sul tirou as dúvidas de quem ainda as queria alimentar: Hillary Clinton vai mesmo ser a nomeada presidencial democrata.

Hillary esmagou Sanders naquele estado sulista: 74%/26%, 48 pontos de vantagem, no «landslide» que faltava à ex-secretária de Estado para garantir uma espécie de passeio triunfal até à Convenção de Filadélfia, em julho.

A enorme vitória de Hillary na Carolina do Sul teve a gasolina dos… 96% (!) obtidos no eleitorado negro. Nem Obama em 2008 conseguiu tanto num estado que tem 60% de eleitores democratas negros.

Mesmo que nos próximos territórios o peso dos negros não seja tão forte, esta foi a prova final de que Bernie Sanders não tem, verdadeiramente, uma dimensão nacional: não consegue penetrar em segmentos cada vez mais importantes para uma eleição presidencial americana.

As tendências para a Super Terça-Feira são claras: o favoritismo de Hillary deverá ser reforçada a um ponto de não retorno.

Clinton lidera com grandes vantagens na Geórgia (63-35), na Virgínia (59-39) e no Texas (61-34).

Com um quarto do total dos delegados em jogo, e tendo em conta a vantagem que Hillary já tem sobre Sanders e a perspetiva de a alargar bem mais após o dia mais influente deste processo de primárias, não se vê outra conclusão a tirar que não seja a de que Hillary Clinton sair da Super Terça-Feira com a nomeação perfeitamente controlada (mesmo que ainda não matematicamente garantida).




Daqui a poucos dias, a questão do lado democrata estará, por isso, em saber quem escolherá Hillary para seu vice (o próprio Sanders? Elizabeth Warren? alguém mais próximo do eleitorado central, como Evan Bayh ou Jim Webb? uma ‘rising star’ com apelo às minorias, como Julian Castro, sobretudo se o opositor republicano for Rubio?), ou então em apostar se Bernie Sanders vai mesmo até ao fim ou se deita a toalha ao chão e deixa Hillary sozinha, daqui a umas semanas.

O discurso de vitória de Hillary na Carolina do Sul aponta já para a eleição geral: «Não vamos descurar nenhum voto. Não vamos deixar portas por bater. Depois da Super Terça-Feira, a nossa candidatura passará a ser nacional».




Sem o «efeito novidade» de 2008, e com muitos esqueletos no armário próprios de quem está há mais de 40 anos na primeira linha de fogo da política americana, Hillary Clinton sabe que terá vários «cisnes negros» a poderem complicar-lhe o caminho até novembro.

Mas a verdade, também, é que poucas semanas bastaram para mostrar que Hillary Clinton é, de longe, a candidata mais viável e mais bem preparada para enfrentar, do lado democrata, a eleição geral.

Barack Obama percebeu isso há muito tempo e não teve pejo em, mesmo como Presidente, assumir a sua preferência por Hillary para assegurar a sua herança política.




O tal «armistício» celebrado entre Barack e Hillary dias antes da eleição geral de 2008 – e que passou pelo apoio de Hillary a Obama a troco do embalo de Barack a Clinton para 2016, com passagem pelo Departamento de Estado em apenas um mandato, estando Hillary já a preparar-se para nova candidatura à Casa Branca durante o segundo mandato de Obama – está a concretizar-se em pleno.


Quer dizer: em pleno mesmo… só se Hillary bater Trump ou Rubio em novembro. Faltam oito meses para sabermos. Já faltou bem mais.    

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