quinta-feira, 16 de junho de 2016

Histórias da Casa Branca: o fator medo


«Somos liderados por um homem que ou não é duro nem esperto, ou tem outra coisa em mente. As pessoas não conseguem acreditar que o Presidente Obama age da forma como age e que nem sequer menciona as palavras ‘terrorismo radical islâmico’. Passa-se alguma coisa. É inconcebível»
DONALD TRUMP, a acusar Barack Obama, após o massacre de Orlando

«Não vou declarar ‘guerra’ a uma religião. Os líderes da nossa nação têm que tirar o que aconteceu do plano partidário. É o momento de toda a gente se unir e homenagear quem morreu nesta tragédia, apoiar quem sofre diretamente com isto e tentar perceber o que podemos fazer»
HILLARY CLINTON, entrevista telefónica ao «Today News», após o massacre de Orlando
  
«Na América, é mais fácil comprar uma arma do que obter um divórcio, tirar a carta de condução ou conseguir um animal doméstico».
Peça informativa no site da CNN
  


Desde a confirmação da nomeação republicana de Donald Trump que já se tinha percebido que esta corrida presidencial de novembro de 2016 iria ser marcada pelo fator medo.

O massacre de Orlando, num ato que envolveu mistura explosiva de carga religiosa, possível terrorismo islâmico radical e sentimentos homofóbicos, veio agravar esses receios.

A candidatura Trump tem-se alimentado no pasto do descontentamento com o sistema político de Washington e uma noção, um pouco primária, de que os anos Obama fizeram enfraquecer a posição da América no mundo.



O «make America great again» tem tanto de demagógico como de poderoso.

Demagógico, obviamente, porque uma análise atenta aos dados fundamentais mostra-nos que os EUA nunca deixaram de ser grandes.

Em alguns aspetos (taxa de desemprego, independência energética, exploração das renováveis), os anos Obama reforçaram a posição da América, não a enfraqueceram.



Noutros, a questão é mais polémica: uma boa parte dos americanos, é certo, discorda da visão de «contenção» explanada pelo Presidente Obama, considerando que a retirada do Iraque e do Afeganistão, e a recusa constante num envolvimento real de tropas americanas na Síria e nos territórios dominados pelo Estado Islâmico diminuiu a capacidade dos EUA serem o ás de trunfo para eliminar as grandes ameaças do globo.

O fator medo, jogado por Trump, pode ser poderoso, porque não depende de factos concretos.

Perceção mais forte que a realidade

Cresce pela perceção, não pela realidade, e multiplica-se pelos receios de que o «inimigo está prestes a entrar pela nossa casa dentro», por culpa da suposta «fraqueza de quem elegemos erradamente nos últimos anos».

Esta junção de ideias feitas – o fantasma dos «imigrantes violadores, ladrões e criminosos», o fantasma do «ISIS e da sua crescente capacidade de invadir território americano», o fantasma do que é diferente e minoritário -- valeu mais 13 milhões de votos a Donald Trump nas primárias republicanas.

Não pode, por isso ser desvalorizado ou reduzido a anedota (o erro cometido por quase todos nos primeiros meses desta corrida, sempre que se tentava compreender o fenómeno Trump).

A matança de Orlando tirou todas as dúvidas em relação a uma das principais dicotomias desta eleição: Trump aproveitará sempre situações como esta para acusar Obama, Hillary e os democratas de terem deixado os americanos «mais vulneráveis a todo o tipo de ataques»; Hillary enquadra casos como os de Orlando na urgência, por si reivindicada e tentada no segundo mandato de Barack Obama, de apertar drasticamente as leis relacionadas com o «gun control».

As últimas semanas têm mostrado, de forma sólida e consistente, que Hillary Clinton parte para o duelo presidencial com Donald Trump com um avanço claro (ainda que não definitivo).


Hillary aumenta vantagem

Nas sondagens nacionais, Clinton oscila vantagens de 5 a 12 pontos sobre Trump. 

No mapa eleitoral por estados, aquilo que vai verdadeiramente decidir, Hillary surge à frente em quase todos os estados competitivos, parecendo ter o caminho para os 270 votos eleitorais (garantia da eleição) muito mais facilitado do que a rota de Trump para uma improvável eleição.



A pouco mais de um mês do arranque das convenções partidárias, cresce a ideia de que, desta vez, ambos os momentos não se cingirão a uma coroação antecipada dos vencedores das primárias.

Do lado democrata, Hillary fará tudo para receber o apoio claro e inequívoco do senador Bernie Sanders, que vendeu cara a derrota nas primárias e dispõe de um legado de enorme valor para as contas finais desta corrida: os seus 12 milhões de votos, somados graças a um posicionamento direto e frontal, que atraiu o descontentamento à esquerda sobre os falhanços e impasses criados pelo «gridlock» político em Washington e pelo que consideram ser a ambiguidade ética de Obama e Hillary em relação às grandes corporações e ao poder «de Wall Street sobre a Main Street».


Não está fácil, Donald

Mas no lado republicano as inquietações são ainda maiores.

Se para Hillary parece ser apenas uma questão de tempo e habilidade política até que consiga mesmo a bênção de Bernie Sanders (que na hora da verdade certamente preferirá o ‘mal menor’ da nomeada democrata a uma ameaça de ser cúmplice de uma eleição escandalosa de Trump), Donald corre risco real de ser investido na Convenção de Cleveland (18 a 21 de julho) num ambiente que poderá oscilar entre a frieza e a hostilidade mais ou menos declarada de uma boa parte da «elite» do Partido Republicano (vejam-se as posições recentes de Mitt Romney, em entrevista à CNN, e até de Paul Ryan, que depois de um 'endorsment' pouco convincente a Trump, já o criticou fortemente).

Que consequências tudo isto terá no plano eleitoral, será algo que só mesmo a 8 de novembro iremos perceber.

Mas não deixa de ser interessante constatar que as primeiras sondagens pós massacre de Orlando não só mostram vantagens para Trump (contrariando o que muitos previram) como até denotam um aumento do avanço de Hillary.

Sim, o fator medo pode ser marcar esta eleição presidência. Mas não apenas pelos receios lançados de forma demagógica pelo improvável nomeado republicano.

O medo de ver Trump na Casa Branca (sete em cada dez americanos não gosta de Donald e dois terços das mulheres nunca votaria nele, de acordo com sondagem Washington Post/ABC News) pode levar muitos segmentos a preferirem Hillary Clinton, mesmo que vejam na nomeada democrata muitos defeitos e pouca capacidade de atração política.


A América é mesmo uma caixinha de surpresas.

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