terça-feira, 9 de agosto de 2016

Histórias da Casa Branca: Hillary descola, Trump desatina


TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 4 DE AGOSTO DE 2016:

 
“Pelo menos tenha decência”
KHIZR KHAN, pai do capitão Humayun Muazzam Khan, americano-muçulmano morto em Baqubah, Iraque, ao serviço do exército dos EUA, para Donald Trump


“Chega”
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, para Donald Trump


“As pessoas dizem-me ‘bem, se não vais apoiar Donald Trump, então os republicanos não vão ganhar a presidência’. Bem, os republicanos não vão ganhar a presidência. Neste momento, e estou a ser um republicano egoísta, para a mim a questão é salvar o Senado, é não ser vencido na Câmara dos Representantes, é não ser vencido nas legislaturas estaduais, é não perder corridas para governadores de estado. Dominamos o Senado. Dominamos a Câmara dos Representantes. Dominamos os governos de estado. Temos muito a perder. E ficar a apoiar um tipo que insulta uma ‘Gold Star mother’ e um pai enlutado, isso não é um tipo que nos levará à vitória. A senadora Kelly Ayotte (republicana do New Hampshire) precisa de se distanciar dele. O senador Ron Johnson (republicano do Wisconsin) precisa de se distanciar desse tipo».
JOE SCARBOROUGH, antigo congressista republicano da Geórgia, apresentador e comentador no «Morning Joe» da MSNBC


Ainda faltam 96 dias e é obviamente muito cedo para decretar game over. Longe disso.

Na política americana, uma semana pode ser uma eternidade, quanto mais 13, que é quanto falta para que se defina o sucessor de Barack Obama na Casa Branca.

Mas tendo em conta os dados surgidos após a Convenção Democrata, é legítimo afirmar que, se as eleições presidenciais fossem hoje, Hillary Clinton seria eleita a 45.ª Presidente dos EUA.

O bounce de Hillary pós conclave de Filadélfia foi de pelo menos cinco pontos, mas pode ter chegado aos 10.

Empatada com Trump nas sondagens após a Convenção Republicana, a nomeada democrata inicia esta semana com clara vantagem em todas as sondagens nacionais (nove pontos de avanço na CNN/ORC, seis na CBS News, três na Economist/YouGov, cinco na PPP,  10 na Fox News, 15 na RABAResearch).

Reflexo deste salto geral e consistente de Hillary pós convenção, a antiga secretária de Estado recuperou a liderança em estados decisivos como a Florida, o Ohio e a Pensilvânia, pelo que, no Colégio Eleitoral, a projeção do «FiveThirtyEight», de Nate Silver, dá agora 73% de probabilidade de vitória Clinton (dava 49.9% antes da Convenção Democrata).

Não será, assim, de admirar que Trump diga, agora, que Hillary “é o diabo”.

Foi apenas uma de várias diatribes ditas por Donald nos últimos dois dias.

Os sinais de desespero do nomeado presidencial republicano chegaram a níveis que muitos consideram terem já passado os limites do aceitável.

A subida nas sondagens de Hillary Clinton, e a queda acentuada de Donald Trump, nos últimos três dias ainda não significam game over.

Mas revelam um assomo de bom senso e de esperança no melhor lado dos americanos.

Decorrem da forma extremamente profissional como foi preparada e concretizada a Convenção Democrata, com a investidura de Hillary a ser recheada de grandes discursos políticos (Michelle e Barack Obama, Bill Clinton; sobretudo esses três) e testemunhos de histórias de pessoas reais que beneficiaram com causas e políticas de Hillary nas diferentes funções que a candidata desempenhou em quatro décadas de carreira política e cívica.

E decorrem, sobretudo, de uma penalização do eleitorado que ainda dá alguma importância ao bom senso e à decência, em relação ao comportamento de Donald Trump.

Nos últimos dias, Trump insultou o pai de um soldado americano-muçulmano morto em combate,
ao serviço dos EUA.

Insultou uma ‘Gold Star mother’ que se insurgiu num comício de Mike Pence contra este comportamento de Trump.

Insultou republicanos que até já o tinham apoiado a contragosto (Paul Ryan, o republicano a ocupar o cargo mais elevado neste momento, e John McCain, respeitável senador que foi o nomeado presencial de 2008).

Insultou Hillary Clinton ("é o diabo") e Barack Obama ("é um péssimo presidente, o tipo é um desastre e tem medo que eu seja eleito").

Despediu dois assessores (um deles foi Ed Brookover, um dos seus conselheiros principais, que geriu os delegados que levaram ao triunfo na convenção republicana) e disparou contra os colunistas do New York Times ("escrevem mal, não sabem escrever").

Antecipou um possível insucesso eleitoral por um suposto benefício dos media a Hillary ("receio que estas eleições venham a ser roubadas").

"Get the baby out of here"

 

E, para completar o ramalhete, ainda mandou retirar de um comício uma apoiante que tinha um bebé a chorar (sim, aconteceu mesmo).

Sinais de desespero de um nomeado presidencial que envergonha a tradição do Partido Republicano e causa tremendo desconforto na história dos duelos presidenciais na América.

Até Rudy Giuliani e Chris Christie, dos poucos republicanos de primeira linha que ainda estavam claramente com Trump e o defenderam na Convenção, vieram agora demarcar-se do bizarro candidato.

Rudy comentou: “Donald podia ter lidado melhor com o caso Khan”. Christie andou pelo mesmo registo: “O criticismo de Trump para com os Khan foi inapropriado”.

Começa a crescer um movimento de republicanos a descolar de Trump e a endossar Hillary (só nos últimos dois dias, foram vários, incluindo o congressista de Nova Iorque Richard Hanna, a assessora de Chris Christie, Maria Comella, e a conselheira sénior de Jeb Bush, Sally Bradshaw, para lá de diversos republicanos da área de Defesa, Segurança Interna e Relações Externas que se recusam a votar Trump e admitem que preferem ver Hillary a ganhar em novembro).

As tv's americanas começam a ter alguma dificuldade em formar painéis equilibrados entre apoiantes de Hillary e apoiantes de Trump, pela simples razão de que grande parte dos seus habituais comentadores republicanos e de direita... não apoiam Trump.

Obama arrasa Donald

Poucos dias depois de já o ter feito na Convenção de Filadélfia, Barack Obama voltou a intervir diretamente nesta campanha, acusando Trump de “não ter perfil nem condições para ser presidente dos EUA”.

O atual inquilino da Casa Branca foi mais longe: desafiou os republicanos a retirar o apoio a Donald: “Se muitos republicanos não se reveem no que o candidato diz e faz, se ficam indignados com o seu comportamento, porque continuam a apoiá-lo?”, questionou o Presidente dos EUA.

“O nomeado republicano não se adequa ao lugar de presidente e prova-o repetidamente”, insistiu Barack, em conferência de Imprensa na Casa Branca, ladeado pelo primeiro-ministro de Singapura.
Donald não se ficou a acusou Obama de ser um “péssimo presidente” e de recear ver Trump na Casa Branca.

Sim, se as eleições fossem hoje, Hillary Clinton ganharia claramente.

Mas a ameaça Trump ainda é real.

Os próximos 96 dias vão definir muito mais do que se imagina. Não há espaço para falhar.

É que pode não haver segunda oportunidade para evitar uma "tragédia Trump".

Sem comentários: