domingo, 21 de março de 2010

Histórias da Casa Branca: A sentença de Simon Schama


Texto publicado ontem no site de A BOLA, secção Outros Mundos:

A sentença de Simon Schama

Por Germano Almeida


«Barack Obama já entrou para a História por várias razões, mas ninguém sabe se irá entrar pela mais importante de todas: a de ser um Presidente de sucesso. Simon Schama, autor de "O Futuro da América", livro editado recentemente em Portugal, acredita que isso ainda vai acontecer - desde que Obama não tenha medo de passar ao ataque.

O inglês Simon Schama, 65 anos, é professor de História e de História da Arte na Universidade de Columbia, Nova Iorque (curiosamente, a mesma onde Barack Obama se formou em Ciências Políticas).

Em longa entrevista concedida a Teresa de Sousa, na revista Pública, Schama aponta: «Obama decidiu governar sem hostilidade. Mas isso é muito difícil».

Mas a análise de Shama está longe de ser fatalista. O autor de «O Futuro da América» acredita no sucesso do legado de Obama, apesar das hesitações do primeiro ano. «Há sinais de vida nesta presidência. Não tenho dúvida. Mas ele cometeu erros. Foi demasiado arrogante, demasiado fechado, demasiado filosófico. Foram meses e meses assim.»

O autor inglês aponta a necessidade de Obama conquistar a autoridade presidencial, imagem à qual ainda não conseguiu colar-se totalmente: «Ainda não fez um único discurso na televisão a partir da Sala Oval, com a autoridade do selo presidencial atrás dele. Não sei quem é que lhe diz para não o fazer. Teria sido uma boa ocasião quando fez o discurso sobre o Afeganistão. Lembrei-me de Kennedy ou de Reagan, que conseguiram muito cedo estabelecer esse tipo de autoridade de alguém que fala para toda a Nação.»

Numa frase, Schama sentencia: «Ele tem de aprender a ser um rei.»

Uma «maravilhosa história americana»
Eleito num período de extraordinárias dificuldades, a história de Obama pode -- acredita Simon Schama -- continuar a ser dominada pelo registo positivo: «A história do próprio Presidente é uma história de optimismo: a mãe que era uma hippy, abandonado por um pai de um raça e de um país diferente, criado no Estado mais pluricultural da União (ndr: o Havai). É uma maravilhosa história americana.»

Manter a fasquia elevada é, por isso, um dos maiores desafios: «A tarefa mais difícil de Obama é ser o gestor de expectativas que são hoje muito baixas. E ele nunca quis ser isso. Ele queria e ainda quer convencer a América a não ser pessimista, no sentido em que nós, europeus, costumamos ser».

Pode parecer ser quase a… quadratura do círculo, mas Obama já o começou a fazer: falar verdade aos americanos e manter o tom eloquente da campanha: «Creio que no discurso do estado da União, ele foi capaz de dizer algumas coisas muito duras e difíceis com um sorriso na face. E isso foi espantoso. Ele conseguiu encontrar o caminho para falar das más notícias sem levar as pessoas a sentirem-se culpadas pelo estado do país. Que não é culpa delas, mas da forma como os bancos se comportaram. É por isso que estou plenamente convencido de que nada está ainda acabado», observa Schama, na entrevista à Pública.

«Nos últimos 250 anos», recorda o professor de Columbia, «milhões e milhões de pessoas foram para a América porque a América era uma coisa única no mundo. É essa precisamente a posição de Obama: que a América, se fizer o que é preciso ser feito, manterá o seu lugar de energia moral e de dinamismo.»

Sobre a desilusão que muitas pessoas dizem sentir ao ver Obama como um Presidente bem mais moderado em relação ao «poder de Washington» do que os liberais gostariam, Schama comenta: «Obama não quer que a América regresse aos tempos de fazendeiros. Não está interessado em diabolizar o poder do dinheiro e em dizer que toda a gente é corrupta ou irresponsável em Wall Street. Aliás, rodeou-se de pessoas de Wall Street».

Partir para o combate e chegar a Jefferson
As referências históricas são recorrentes no discurso político de Obama. Simon Schama explica: «A sua obsessão pela História americana é absolutamente única. Não me lembro de qualquer outro Presidente, à excepção de Jefferson e de Lincoln, mais obcecado pelos grandes traços e pelos grandes ideais da América e o que significa ser americano. Para ele, os grandes presidentes americanos foram-no, não apenas pelo seu sentido político, mas em última análise por se terem mantido fiéis a ideais que ele sente profundamente.»

Tal como foi Jefferson, Obama é, também ele, um intelectual que conseguiu conquistar o coração do povo. Mas Simon Schama identifica diferenças que, pelo menos para já, impedem que Barack chegue ao patamar do terceiro Presidente americano: «Obama não é tão bom no seu populismo como era Jefferson. Mas há ainda outra coisa – quando foi Presidente, Jefferson tornou-se um combatente feroz. Enfrentou o Supremo Tribunal. Dava luta.»

Será esse, então, o grande desafio de Barack para o seu segundo ano: não ser apenas o «professor de Direito, produto de Harvard» e mostrar o lado «South Side de Chicago» que aprendeu quando fez trabalho comunitário em zonas difíceis - partir para o combate sabendo que a «reconciliação» não é sempre a chave para a vitória.»

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