segunda-feira, 28 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: A viagem vai só a meio





"Barack Obama é uma máquina de esperança andante e falante. As pessoas vêem-no como o reflexo do que a América tem de maior e melhor. É como um espelho daquilo que as pessoas pensam que devíamos ser"

MARK McKINNON, democrata do Texas, antigo conselheiro de George W. Bush, quando explicava a John McCain porque preferiu estar do lado de Obama na eleição de 2008



"O que me difere de George W. Bush? Essa é uma lista comprida. Mas penso que a grande diferença é uma filosofia que diz que os Estados Unidos são a maior economia do Mundo, são a maior potência militar do Mundo, mas não podem resolver os problemas sozinhos. Penso que isso é fundamentalmente diferente da abordagem tomada por George W. Bush" 

BARACK OBAMA, em entrevista ao Readers' Digest, Novembro de 2008, dias antes de ser eleito Presidente dos Estados Unidos da América



"Quando tivemos a primeira reunião de equipa de transição, dias depois da eleição de Barack Obama, e fomos postos perante a realidade cruel de estarmos a viver a pior crise desde a Grande Depressão dos anos 30, a primeira ideia que me veio à cabeça foi: 'será possível pedir uma recontagem'?"

DAVID AXELROD, principal conselheiro político de Barack Obama, no documentário "The Road We've Traveled"





A viagem vai só a meio

Por Germano Almeida



Em política, a memória é curta. Quatro anos passam num instante e o bombardeamento noticioso dos tempos que correm não ajuda a que se possa fazer uma filtragem correcta dos acontecimentos.

Convém, por isso, recordar alguns dados fundamentais, se quisermos fazer um historial do primeiro mandato de Barack Obama na Casa Branca.

No último trimestre de 2008, houve dois acontecimentos históricos com epicentro na América: a eleição de Barack Obama para a Presidência dos EUA e o eclodir de uma grave crise no sistema financeiro, com profundos efeitos de contágio a nível mundial.

Embora não directamente relacionados nas suas causas, estes dois acontecimentos interligaram-se de forma evidente.

A carga inspiradora da eleição de Obama parecia irremediavelmente comprometida pouco tempo depois. Nem foi preciso esperar pelo momento da tomada de posse: dias depois da eleição, e bem antes do "inaugural speech" de 20 de Janeiro de 2009 (perante 1,5 milhões de pessoas, em Washington), o quadro traçado pela equipa de transição ao Presidente eleito era assustador: a indústria automóvel de Detroit  estaria «a dias de falir» se não houve forte intervenção federal; o sistema financeiro estava «a um passo do colapso», nas palavras de Tim Geithner, o secretário do Tesouro escolhido por Obama para herdar a «bomba-relógio» que havia que resolver em Wall Street e nos bancos.

Nem houve tempo para festejar a fantástica vitória eleitoral que Obama havia conquistado dias antes: o ambiente era de medo, a roçar o pânico. Havia que agir -- e, de preferência, rapidamente.

Lembrar o que já foi feito. Rahm Emanuel, braço direito de Obama na Casa Branca na primeira fase desta administração, recorda a delicadeza do momento e reforça os méritos do Presidente, no documentário "The Road We'Ve Traveled" (O Caminho que Já Percorremos), produzido pela campanha de reeleição de Obama, com realização de Davis Guggenheim e narração do actor Tom Hanks: «Barack quis saber qual era a primeira, a segunda, a terceira, a quarta e a quinta prioridade que era preciso atacar. E ordenou-nos: vamos a isso e vamos fazê-lo bem. Porque não temos alternativa».

«E é isso que adoro nele», observa Rahm, que entretanto abandonou o cargo de 'chief of staff' para assumir o posto de 'mayor' de Chicago (cidade onde conheceu Obama). "Barack tem uma incrível capacidade de identificar as coisas certas, sobretudo nos momentos em que isso é mais preciso. Quando o mais fácil era achar que o melhor era deixar Detroit ir à falência, como Mitt Romney escreveu, Barack Obama percebeu que era essencial salvar a indústria automóvel e preservar aqueles postos de trabalho".

Na mesma linha, Bill Clinton sentencia: "As pessoas não fazem ideia do que tinha acontecido à nossa economica e à nossa auto-estima se Detroit fosse à falência".

Obama, o Presidente conciliador e inspirador, foi forçado a ser, por isso, cruelmente pragmático nos primeiros meses da sua administração. No início, isso custou-lhe muitos pontos na Taxa de Popularidade -- e implicou uma guerra aberta com o campo republicano que ainda hoje perdura.

Mas, mesmo quando quem estava perto dele duvidava da possibilidade de se resolverem as coisas, Obama manteve o discernimento de chegar ao essencial, assumindo-se como um líder racional, que não se move pela emoção nem se deixa intimidar pelo medo ou pelas ameaças de uma oposição que lhe foi sendo cada vez mais feroz.

Ter tempo para completar o que falta fazer.
O documentário de Guggenheim destaca os pontos mais críticos desta caminhada de três anos e meio -- e tem como eixo central a ideia de que Obama conseguiu evitar o pior e nunca perdeu o rumo das principais bandeiras: a Reforma do Sistema de Saúde, a retirada do Iraque e do Afeganistão, pôr-se do lado de quem, geralmente, não tem força política para fazer valer os seus direitos (revogação do 'don't ask, don't tell' que proibia homossexuais no exército americano; nomeação de duas mulheres para o Supremo Tribunal; aprovação de leis que obrigam à igualdade de salários para trabalho igual entre homens e mulheres; promoção legislativa de empréstimos comportáveis para universitários pagarem os seus cursos superiores).

Mesmo em tempo de crise económica e elevados gastos de guerra, Barack Obama foi capaz de avançar em matérias essenciais e cumpriu uma boa parte das suas promessas em temas que estiveram um pouco adormecidos da agenda mediática -- tão marcada pelos assuntos económicos, nestes úlitimos quatro anos.

É essa a ideia forte do documentário de 17 minutos, assinado por Davis Guggenheim: para compreendermos o primeiro mandato de Obama, temos que nos lembrar da dimensão histórica da sua eleição, mas também da dimensão assustadora da crise que então herdou.

Quase quatro anos depois, já muito foi feito -- mas resta imenso para cumprir. E isso só será possível se Barack for reeleito em Novembro. O mais provável é que a viagem vá apenas a meio.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: A encruzilhada de Mitt Romney


Mitt Romney obteve, com relativa facilidade, a nomeação do Partido Republicano, mas terá dificuldades em satisfazer, ao mesmo tempo, o eleitorado do centro (de que necessita para bater Obama) e a ala direita do seu partido, que continua a olhá-lo com pouco entusiasmo





"Costumava achar que me colocava na zona tradicional do Partido Republicano, mas algumas coisas que tenho visto nos últimos anos fazem-me duvidar disso"

RUDY GIULIANI, antigo mayor de Nova Iorque, candidato à nomeação presidencial de 2008, criticando o excessivo peso das ideias do Tea Party no discurso dominante dos republicanos


"O Partido Republicano tem que encontrar o caminho do século XXI e não permitir um regresso ao século XIX"
 

JEB BUSH, ex-governador da Florida, irmão e filho de antigos Presidentes republicanos



A encruzilhada de Mitt Romney

Por Germano Almeida





Mitt Romney ganhou as primárias do Partido Republicano com relativa facilidade, mas está longe de ser uma escolha óbvia para o campo conservador.

O eleitorado "blue collar" de estados como o Ohio, a Pensilvânia, o Minnesota ou o Colorado, que tanta importância vão ter para a eleição geral em Novembro, deu mostras, nas primárias, de preferir o discurso mais terra a terra de Rick Santorum -- ou, nalguns casos, mesmo a proposta anti-Obama mais agressiva de Newt Gingrich.

Acusado pelos segmentos mais populares de "elitista", "demasiado rico" ou até mesmo de estar desligado dos problemas do americano comum, Mitt Romney só obteve uma vitória clara nas primárias do Partido Republicano por, manifestamente, não ter concorrência à altura: os nomes que lhe poderiam ter feito frente optaram por não avançar (Rudy Giuliani, Chris Chistie, Paul Ryan, Sarah Palin, Mitch Daniels) e os que tentaram não tinham condições para sonhar com a nomeação: Santorum era demasiado à direita, mesmo para o eleitorado republicano; Gingrich era demasiado errático e imprevisível; Ron Paul sempre se posicionou de fora do "mainstream" e nunca poderia aspirar à Presidência dos Estados Unidos enquanto dissesse que a América deve retirar as suas tropas de tropas de todos os locais em que se encontra e que instituições como a Reserva Federal, as Nações Unidas ou a NATO deviam deixar de existir...

Sem apoios fortes nas bases republicanas, Romney compensou esse problema assumindo-se -- mês após mês numa corrida que, na prática, começou há dois ou três anos -- como o único candidato «elegível» contra Obama. O único que tinha uma máquina no terreno suficientemente forte para combater a bem oleada campanha de reeleição do Presidente. O único que poderia angariar fundos de campanha equiparáveis aos mil milhões esperados por Obama. O único que poderia ser visto pelo eleitorado do centro, pelos independentes (e até pelos democratas moderados) como capaz de roubar a plataforma maioritária de apoio que Barack Obama conseguiu formar em 2008.

Como encontrar o centro e satisfazer a Direita? Mesmo estando longe de ser um candidato amado pelas bases, Romney foi sustentando a narrativa de ser o «candidato inevitável».

Esta tendência foi sendo percebida, progressivamente, pelos 'tubarões' do Partido Republicano -- que, ainda que sem grande entusiasmo, foram declarando o seu apoio à nomeação de Mitt Romney: foi assim com George H. Bush; depois com John McCain (nomeado há quatro anos); mais tarde também com Bob Dole (nomeado republicano em 1996), Jeb Bush (ex-governador do Florida e nome desejado por alguns sectores republicanos para esta corrida de 2012), Mitch Daniels (governador do Indiana), Tim Pawlenty (governador do Minnesota e um dos principais candidatos no início das primárias), Nikki Haley (governadora da Carolina do Sul e uma das 'rising stars' do conservadorismo americano, que chegou a aproveitar a onda eleitoral do Tea Party em 2010) e, mais recentemente, até pelo ex-Presidente americano, George W. Bush.

Com a bênção da elite do partido, e os apoios declarados dos principais líderes republicanos no Congresso e dos governadores de estado, seria de supor que Mitt Romney teria caminho aberto para federar o campo conservador -- apostando apenas na vontade comum de «evitar um segundo mandato de Obama».

Mas não se prevê vida assim tão fácil para o ex-governador do Massachussets. As nove vitórias de Rick Santorum em estados do Sul e do Midwest nas primárias (e as duas de Gingrich, na Carolina do Sul e na Geórgia), são a melhor prova da dificuldade de Mitt em passar a sua mensagem centrista nos eleitorados do conservadorismo mais profundo.

Romney tem resistido em guinar à direita -- porque sabe que a chave da disputa com Obama está no eleitorado moderado, que definirá a sua escolha em torno de uma questão muito concreta: 'qual dos dois me poderá ajudar a ter melhores condições económicas?'

Mais mobilizado para as questões ideológicas, o eleitorado de Direita ameaça desmobilizar em alguns estados chave -- um facto que pode ser fatal para a aritmética eleitoral de Romney. Mitt sabe que só poderá bater Obama se ganhar no Ohio, na Pensilvânia, na Virgínia e no Michigan. Sem o apoio maciço dos segmentos mais à direita, nunca o conseguirá.

Nesta medida, não será de excluir que Romney escolha para vice-presidente uma figura com peso na ala conservadora, de preferência provindo de um estado importante para as contas eleitorais: o jovem senador Marco Rubio, da Florida, surge como um nome muito forte dentro destas premissas. Mas há outros: Nikki Haley, governadora da Carolina do Sul, ou o senador Rob Portman, do Ohio, reúnem também boas características para ajudar Romney a preencher um 'ticket' mais equilibrado.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: jogar ao ataque para a reeleição


Há quatro anos, Barack Obama assumiu a pele do candidato conciliador, que não respondia aos ataques. Desta vez, tem uma herança a defender e já começou a desmontar a ideia de ser menos qualificado do que Romney nas questões económicas



Jogar ao ataque para a reeleição

Por Germano Almeida



Que Barack Obama vamos ver no caminho da reeleição: o candidato conciliador e que recusava ataques directos a Hillary (nas primárias) e a McCain (na eleição geral), ou um incumbente com toques de superioridade em relação ao "challenger" Mitt Romney?

A cinco meses e meio das presidenciais norte-americanas de Novembro de 2012, a resposta ainda não é clara. Mas, a avaliar pela forma como o duelo Obama-Romney se iniciou, parece mais provável vermos um Barack mais agressivo, a apostar forte nas fraquezas do adversário.

Há quatro anos, as palavras chave eram «reconciliação» e «mudança». Barack Obama surgia como o candidato certo para corporizar esses sentimentos do eleitorado - alguém que se apresentava com um discurso «limpo» dos vícios de Washington e exibia uma legitimidade moral.

Para estas eleições, Obama tem uma herança para defender: quatro anos de governação num período incrivelmente difícil, com alguns falhanços indisfarçáveis, mas resultados importantes nas questões essenciais (o desemprego está a descer; a economia a recuperar; não aconteceu a 'double dip' temido por quem, depois da depressão de 2009, acreditava que o pior ainda estava para vir; a 'guerra ao terrorismo' deixou de dominar os medos dos americanos e 22 dos 30 principais líderes da Al Qaeda foram eliminados, entre os quais Bin Laden).

Mitt Romney, que nas sondagens surge com alguma vantagem sobre Obama nas questões económicas, vai apostar tudo na narrativa de que esta administração falhou na recuperação económica e que isso sucedeu, em parte, pela falta de qualificações de Barack nessa área.

Obama -- mais forte que Romney em todos os indicadores excepto na parte económica (o eleitorado vê Barack como 'mais preparado', 'mais confiável', 'mais apto a ser 'commander-in-chief', quando comparado com Mitt) -- começou a sua campanha para a reeleição atacando o adversário republicano precisamente na parte em que este se revela mais forte.

Bin Laden e a Bain. Mitt Romney já o repetia durante as primárias, mesmo quando Santorum, Gingrich e Paul o atacavam.  Agora, que é mais do que claro de que será o ex-governador do Massachussets o nomeado republicano, Mitt sublinha ainda mais o argumento que escolheu para ideia forte da sua corrida à Casa Branca: Romney considera que o seu currículo de gestão empresarial e conhecimento económico o torna mais qualificado para ser Presidente dos EUA numa altura como esta, lembrando que o percurso de
Barack Obama em nada o distingue na parte económica e tem um cunho político excessivo.
  
Mitt reforçou esse argumento em recente entrevista concedida a Mark Halperin (co-autor, com John Heilemann, do livro «Game Change»), na Time.

Em contraponto, a campanha de Obama mostrou, nas últimas duas semanas, que está disposta a subir o nível dos ataques: lembrou, em anúncios televisivos, declarações de Romney em que o nomeado republicano desvalorizava a importância de eliminar Bin Laden (facto que poderá fazer imaginar que Mitt não teria dado a ordem que Barack deu em Maio do ano passado e que redundou na Operação Geronimo); e lembrou, também, o passado de Romney na Bain Capital, empresa do Massachussets da qual Mitt foi CEO.

Esta estratégia do campo de Obama contrasta, claramente, com a opção cautelosa escolhida por Barack quando, por exemplo, a então vice do 'ticket' de John McCain, Sarah Palin, o atacava com especial violência na campanha de 2008.

A «contenção» de Barack Obama'08 deve, por isso, ser sucedida por «Barack ao ataque» em 2012. As sondagens prometem um duelo equilibrado -- e o Presidente está disposto a lançar todos os seus trunfos para um jogo que está longe de estar ganho à partida.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Olhar multilateral, mas sempre americano


Barack Obama continua a ser muito popular fora dos EUA, mas como Presidente tem alinhado na esteira de uma forte tradição em Washington de colocar os interesses da América acima de qualquer outra coisa



“Bin Laden está morto e a General Motors está viva”

JOE BIDEN, vice-presidente dos Estados Unidos, destacando as principais conquistas da Administração Obama no último ano


“Em resposta ao turbilhão americano, a atitude do mundo, como seria de esperar, é muitas vezes pesada e resistente, já que os países tentam aproveitar-se ou fugir das consequências. O Presidente Obama percebeu esta resistência e aproveitou-se dela. Internamente, deu resposta à necessidade americana de admiração e aceitação, enquanto externamente deu resposta à necessidade de os Estados Unidos serem mais conciliatórios e menos autoritários (…) Os gestos de Obama tiveram êxito. Os europeus ficaram bastante entusiasmados e muitos americanos ficaram satisfeitos por haver quem gostasse deles novamente. Como é evidente, o entusiasmo dissipou-se rapidamente, à medida que os europeus foram descobrindo que Obama era, afinal de contas, um presidente americano que lutava por objectivos americanos”

GEORGE FRIEDMAN, fundador da STRATFOR, excertos do livro “A Próxima Década”  



Olhar multilateral, mas sempre americano

Por Germano Almeida


Barack Obama foi eleito sob uma plataforma de “mudança” e “reconciliação”. Sobre este segundo conceito, ele estendia-se, no clima de 2008, a uma noção de melhoria do ambiente da política americana (muito marcado pela crispação desde a era Clinton) e também da imagem externa dos Estados Unidos – muito desgastada com o desastre dos últimos anos Bush.

A retórica entusiasmante, e profundamente mobilizadora, de Obama na sua campanha para a Casa Branca extravasou as fronteiras americanas – de tal modo, que se gerou uma expectativa quase transcendente, a nível mundial, em torno do que o 44º Presidente dos Estados Unidos poderia vir a fazer.

Depois do «unilateralismo» dos anos Bush, o novo Presidente prometia uma América mais aberta à diferença, disposta a dialogar e capaz de interpretar o «multilateralismo» como um conceito que não chocava com o papel dominante que os EUA continuam a ter.

Essa percepção tem-se mostrado correcta: no discurso do Cairo, em 2009, Obama deixou clara a diferença entre a «guerra ao terrorismo», proclamada erradamente pelo seu antecessor, e explicitou que «uma minoria de fundamentalistas islâmicos que queriam fazer mal à América não pode ser confundida com o mundo muçulmano». 

Três anos e meio depois de ter sido eleito, parece claro que a imagem externa da América, na forma como os EUA se relacionam com o resto do Mundo, melhorou com Barack Obama na Casa Branca e Hillary Clinton no Departamento de Estado.

Mas, se nos lembrarmos do grau de entusiasmo gerado pelo candidato Obama nos meses que antecederam a sua eleição presidencial, com multidões de 200 mil em Berlim, será forçoso concluir que algo que não correu exactamente como muitos imaginaram. 

A chave para a resposta a esta inquietação está na observação exposta acima, por George Friedman: um presidente americano tem sempre como prioridade os objectivos americanos. 

E Barack Obama, apesar da sua enorme popularidade internacional (maior que a que tem na América, aliás…), não escapa a esse axioma.

Os interesses da América, sempre em primeiro lugar. Quem acompanha mais ao detalhe os discursos do actual Presidente americano, identifica uma certa dualidade na abordagem. 

Nas questões económicas, e mais relacionadas com o emprego, Obama tem uma perspectiva assumidamente americana, que nalguns aspectos até pode ser considerada demasiado protecionista para um líder de um país tão capitalista e aberto ao exterior. 

Por várias vezes, Barack insiste na tecla de «se apostar na indústria americana», em detrimento da produção chinesa, japonesa ou sul-coreana.

Por outro lado, no que se refere à política internacional, Obama tem mostrado especial preocupação em dar à sua administração uma imagem de abertura e capacidade de diálogo. 

Não por acaso, obteve, em tempo recorde, o Prémio Nobel da Paz, apenas nove meses depois de ter sido eleito. Não, certamente, pelo que já tinha feito na altura – mas pela mudança clara de discurso em relação ao seu antecessor.

Sucede que, mesmo nas questões de política externa (matéria em que o Presidente americano tem, por definição, uma zona de intervenção mais imperativa, quando comparada com o apertado sistema de “checks and balances” que limita fortemente a sua acção na frente interna), a verdade é que Barack Obama se tem comportado como um Presidente com uma linha de actuação muito próxima de vários dos seus antecessores.

A retirada do Iraque, surgida como promessa central da sua campanha, teve o contraponto com os erros de Bush como pano de fundo. 

Mas já na questão do Afeganistão, Obama jogou pela cartilha tradicional: acabou por repetir a ‘surge’ feita no Iraque na parte final do mandato do seu antecessor, mostrando agir sob o mesmo paradigma - os Estados Unidos combatem um inimigo externo e tendencialmente invisível, que há que exterminar a todo o custo.

A “guerra de necessidade” que Obama definiu, ao referir-se ao Afeganistão, ajudou a desenhar as diferenças em relação ao atoleiro do Iraque – mas a comparação acaba por colocar estes dois posicionamentos na mesma grelha de análise.

As novas prioridades militares. Barack escolheu, por isso, ser um Presidente dos EUA com as vestes tradicionais de “commander-in-chief”, acabando, com incrível rapidez, com as ilusões da ala pacifista do Partido Democrata, que chegou a apoiá-lo, até à eleição.

Mas soube adaptar-se às circunstâncias destes anos de contenção e aperto: deu cobertura política ao Pentágono para iniciar um ambicioso plano de cortes orçamentais na Defesa, que passa pela redução de efectivos humanos nos diferentes palcos em que os americanos estão envolvidos e onde têm presença militar. O paradigma é, cada vez mais, apostar na tecnologia e menos nos custos humanos das operações militares.

O exemplo máximo dessa transformação é a aposta nos ataques aéreos com ‘drones’ (aviões hi-tech, sem piloto, comandados à distância), cuja utilização no Afeganistão aumentou exponencialmente, durante a Administração Obama.

Além do sucesso retumbante da Operação Geronimo, que redundou na morte de Osama Bin Laden, Barack Obama tem destacado, até como trunfo de campanha, que desde que tomou posse como Presidente, 22 dos 30 elementos da Al Qaeda mais procurados foram eliminados.

Enquanto isso, e como Joe Biden gosta de repetir, «a General Motors está viva», graças ao planos de recuperação para a indústria de Detroit, aprovados no início da Administração Obama – e contra a opinião de republicanos como Mitt Romney. 

Entre os objectivos internos, dominados pela questões económicas, e os desafios externos, ainda condicionados pelas guerras que herdou, Barack Obama dá sempre prioridade aos «interesses americanos». Mesmo que, por vezes, não seja essa a imagem que passa dentro e fora dos EUA.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Obama 'vs' Romney - a luta por segmentos e por estados



Diferentes nos tons e nos apoios: Mitt Romney e Barack Obama são candidatos com pontos fortes muito distintos. O duelo tem um desfecho imprevisível, mas já se notam linhas definidas em ambos os campos



Obama ‘vs’ Romney: a luta por segmentos e por estados

Por Germano Almeida

A confirmação de que o adversário republicano de Barack Obama será mesmo Mitt Romney está a aumentar o caudal de sondagens para Novembro – e vale, por isso, a pena fazer uma primeira análise por segmentos e por estados ao que poderá vir a acontecer daqui a cinco meses e meio.  

O bounce de Romney nos últimos dias poderá explicar-se pelo efeito unificador que as desistências de Rick Santorum, Newt Gingrich e, mais recentemente, também de Ron Paul terão tido no campo republicano, em torno da escolha de Mitt.

O ‘endorsment’ do ex-Presidente George W. Bush, declarado a 14 de Maio e que se junta aos apoios anteriormente já declarados por George Bush pai, Barbara Bush e Jeb Bush, reforçou a noção de que o ‘core’ do Partido Republicano acabará por se unir em torno de Romney.

Mas um olhar mais cuidado sobre o padrão das sondagens, nos últimos meses, que antecipam o duelo Obama-Romney mostra um equilíbrio que deverá manter-se até próximo da eleição de Novembro.

Obama, que chegou a ter uma vantagem de quase dez pontos nas sondagens nacionais, viu esse avanço desaparecer nas últimas semanas, em parte pela confirmação do triunfo de Romney nas primárias republicanas e, possivelmente, também pela desaceleração da recuperação da economia americana, nos últimos dois meses.

Há quem considere que a declaração de Obama sobre ter passado a ser favorável ao casamento dos homossexuais pode ter-lhe custado a perda de parte do eleitorado independente – mas talvez seja cedo para tirar já essa conclusão.

Independentemente das oscilações que as sondagens nacionais vão ter até Novembro, será importante observar os sinais nos principais estados e nos apoios de Obama e Romney nos diferentes segmentos.



Para já é só uma caricatura, mas daqui a menos de meio ano será a sério: o duelo Obama-Romney será equilibrado, independentemente das oscilações que as sondagens mostrarem nos próximos meses


O peso dos independentes. Há quatro anos, Barack Obama arrasou em vários segmentos, conquistando uma coligação improvável, que o levou a formar uma sólida maioria presidencial.

Em 2008, Obama teve os votos de 96% dos negros, 68% dos latinos, 66% dos jovens, 65% dos independentes e 56% das mulheres. Se Barack conseguir manter vantagens confortáveis em todos os segmentos, dificilmente perderá a reeleição.

Mas não é certo que o consiga, sobretudo nos segmentos dos independentes (que em estados-chave estão desiludidos com o desempenho económico da Administração Obama) e dos jovens (que apesar de, na sua maioria, continuarem a preferir Barack a Romney, podem passar, em quantidade significativa, para a coluna da abstenção, em sinal de protesto pela timidez da ‘mudança’ prometida por Obama há quatro anos).

No eleitorado feminino, Obama mantém uma sólida vantagem sobre Romney (na ordem dos 60-40) e em relação ao voto hispânico, as incógnitas são bem maiores que as certezas: Obama venceu há quatro anos em estados com fortíssima implantação latina, como a Florida e o Colorado, mas desta vez a vitória do nomeado democrata não é certa nesses terrenos.


Olhem para a Virgínia e o Indiana. Na análise por estados, há três combates óbvios, cuja incógnita só será desvendada no próprio dia 6 de Novembro, independentemente do que as sondagens vierem a dizer até lá: Ohio, Pensilvânia e Florida. 

Entre os ‘battleground states’ tradicionais em duelos presidenciais da história moderna americana, esses serão os três mais relevantes – pelo peso que têm no Colégio Eleitoral e por ajudarem a apontar, com uma impressionante clareza, o vencedor da batalha nacional.  

O pós-título atrás destacado não pretende, por isso, desfazer esse axioma que tem funcionado com tanta precisão nas últimas décadas.

A questão é que, em função das conquistas de Obama há quatro anos, os tais estados-chave são, em 2012, ainda mais dos que os do costume.

A Virgínia e o Indiana, dois estados tradicionalmente republicanos, foram ganhos por Obama há quatro anos – e as sondagens mostram que podem voltar a cair na coluna democrata, em 2012. A estratégia da campanha de reeleição de Barack está a apontar para voltar a apostar forte neste tipo de estados, aproveitando, também, alguns problemas que Romney acusa em fixar uma parte do eleitorado mais conservador.

Já a Carolina do Norte, também arrebatada de forma surpreendente por Obama há quatro anos, deverá voltar a recair para o lado republicano. 
Mas parece claro, a menos de meio ano da eleição geral, que a ‘fifty state strategy’, tão bem delineada e executada por David Plouffe e David Axelrod, os principais estrategas da equipa de Obama, será para repetir.

Barack até pode perder alguns dos estados que venceu em 2008 – desde que segure as vantagens que mantém no Ohio, na Pensilvânia, na Florida, no Michigan e na Virgínia. Romney tem uma aritmética eleitoral mais complexa: está obrigado a segurar todos os estados ganhos por John McCain há quatro anos, é forçado a recuperar pelo menos a Carolina do Norte (mas também o Indiana) e tem que vencer em vários dos estados do Midwest que Obama monopolizou (Iowa, Colorado, Nevada, New Hampshire, Wisconsin…) e onde volta a apostar muito forte.

Num artigo publicado no New Republic, Ruy Teixeira, senior fellow no Center for American Progress, defendeu que Obama tem boas hipóteses de arrebatar também o Arizona – estado considerado como certo para os republicanos em campanhas presidenciais. Há quatro anos, McCain venceu Obama no Arizona por uma vantagem de 8,5 pontos – mas terá ocorrido o chamado ‘efeito McCain’, pelo facto de o então nomeado presidencial republicano ser senador pelo Arizona há mais de 20 anos.

Ruy Teixeira recorda que Obama venceu confortavelmente nos estados vizinhos (Colorado, Novo México, Nevada) e se mantém com forte apoio junto do eleitorado hispânico. Se Romney deixa escapar o Arizona para Barack, as contas dos republicanos, na tentativa de evitar a reeleição de Obama, ficam praticamente comprometidas.

De acordo com o mapa do Real Clear Politics, actualizado a 15 de Maio, Obama tem, neste momento, 243 Grandes Eleitores, contra 170 de Romney – existindo um total de 125 Grandes Eleitores nos estados tecnicamente empatados.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Poderá Mitt Romney gerar entusiasmo?

Mitt Romney era o candidato inevitável dos republicanos, mas está muito longe de ser o candidato ideal para derrotar Obama em Novembro


Poderá Mitt Romney gerar entusiasmo?


Por Germano Almeida


É a grande dúvida das hostes republicanas, na caminhada para o combate de Novembro com Barack Obama: será que Mitt Romney, a escolha-óbvia-mas-pouco-convincente do partido do elefante, é capaz de gerar uma onda de entusiasmo que leve a maioria capaz de evitar a reeleição do actual Presidente?

A menos de meio ano do duelo Obama-Romney, as reservas são muito maiores do que as esperanças no campo republicano.

Os problemas de Romney enquanto candidato challenger começam no seu histórico recente: há quatro anos, não foi além de um terceiro lugar nas primárias republicanas, perdendo para John McCain (apesar da idade avançada e da campanha do velho leão ter estado perto da insolvência financeira, antes do triunfo no Carolina do Sul) e ficando atrás de Mike Huckabee, que chegou mais longe na cruzada sulista.

Outro fantasma de Mitt tem a ver com a inconsistência das suas posições em temas importantes para o ideário conservador, como a oposição ao aborto (enquanto governador do Massachussets, para segurar apoios num estado liberal, mostrou-se tolerante para com a facção ‘pro choice’, mais tarde endureceu o discurso e garante ser ‘pro life’), ou os direitos dos homossexuais (já se mostrou a favor de uniões civis e da adopção, agora é claramente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sublinhando que ‘um casamento é sempre entre um homem e uma mulher’).

A religião, factor sensível para qualquer candidato de Direita na América, é outro motivo de preocupação para o adversário de Obama em Novembro. Mitt Romney é mórmon e leva o seu envolvimento com a igreja muito a sério: contribui com milhões de dólares todos os anos, esteve em França na sua juventude a cumprir a obrigações de espalhar a mensagem e é filho de um antigo candidato governador do Michigan (que até foi presidencial republicano nas primárias de 1968), George Romney, um dos políticos mórmones mais relevantes da América.

Sucede que os mórmones não são vistos de forma muito positiva pela maioria do eleitorado americano. Na campanha de 2008, Romney sentiu esse problema: perto de um terço dos eleitores consideraram, nas sondagens, “nunca votar para Presidente num candidato mórmon”. Um valor de rejeição muito superior, por exemplo, aos cinco por cento que confessaram “nunca votar num negro para Presidente”.

Em alguns segmentos do eleitorado republicano, essa rejeição foi notada durante as primárias: Romney teve dificuldades em penetrar no eleitorado evangélico, sobretudo nos estados do Sul, que preferiram Rick Santorum.

É de admitir que, na eleição geral, uma boa parte dessa rejeição se dilua: para todos os efeitos, o eleitorado conservador evangélico mostra ter uma clara aversão por Obama. Mas a verdade é que também não se mostra particularmente entusiasmado com Mitt Romney. E esse é um problema que o nomeado do GOP terá que ultrapassar, se quiser sonhar com uma vitória em Novembro.

Sublinhar as virtudes, apagar os defeitos. É claro que Romney não tem só problemas. A forma clara como acabará por conseguir formalizar a nomeação republicana, na Convenção de Tampa, na Florida, em Agosto, sinaliza a enorme vantagem que obteve na contagem dos delegados – e que obrigou à desistência de Rick Santorum, Newt Gingrich e restantes opositores republicanas (só se mantém Ron Paul, mas o congressista do Texas não corre para ganhar, mas para aproveitar o espaço mediático para espalhar a sua mensagem libertária e anti-sistema).

Mitt teria quase tudo para ser o candidato perfeito dos republicanos: tem boa imagem; um currículo válido no sector empresarial; experiência executiva; é incrivelmente rico, mas (como fez questão de explicar, várias vezes), a sua fortuna pessoal decorre do seu trabalho; está há vários anos no terreno, a percorrer os diversos estados da América, em campanha presidencial (iniciou em 2007 a corrida para 2008 e, na prática, manteve-se em campanha de forma quase ininterrupta, para o combate de 2012). Para além de todos estes trunfos, soube moderar um discurso que, em 2008, parecia ser demasiado conservador para conquistar o centro.

Só que, numa corrida presidencial americana, ter vários trunfos pode não ser suficiente. Romney acusa deficiências que lhe podem ser fatais. Não exala, propriamente, um grande carisma -- tem um discurso que muitos analistas consideram robótico, pouco convicto e gerador de uma certa indiferença por parte de quem o ouve.

Por muito que repita em campanha o seu «conservadorismo», os sectores mais à direita do Partido Republicano ainda não digeriram a sua nomeação – e não se prevê que entreguem de bandeja a Mitt uma campanha oleada e regada com o apoio de milhões de entusiastas no terreno (algo que Barack Obama certamente conseguirá repetir em 2012 e que fez com particular mestria há quatro anos).

O rótulo de «elitista» também não ajudará Romney a discutir com Obama o eleitorado independente e os indecisos. Esse estigma ficou-lhe colado depois de Mitt ter cometido ‘gaffes’ como a de dizer que a sua mulher, Ann, «apoia tanto a indústria americana que até tem dois Cadillacs», ou a de ter apostado «dez mil dólares» com Rick Perry, num debate das primárias republicanas (algo visto pelos analistas como um deslize de quem acha que dez mil dólares é um valor modesto, propício a ser desperdiçado numa aposta…)

E, por fim, há o registo recente sobre a forma como enfrentar a crise. Romney foi claramente contra os ‘stimulus packages’ promovidos pela Administração Obama para ajudar a indústria americana a evitar a falência, em 2009.

Há um artigo, escrito por Mitt e publicado no New York Times, que a campanha de Obama está a reavivar: ‘Deixem Detroit ir à falência’. Romney defendeu que colocar mais dinheiro sobre a indústria automóvel de Detroit seria agravar ainda mais o problema, em vez de o evitar.

A recuperação económica dos últimos três anos, que levou a que os gigantes de Detroit voltassem a gerar empregos e a dar lucro, desmentiram Romney e deram razão a Obama. O Michigan, estado que tanto pode votar democrata como republicano, surge como provável terreno de Barack em Novembro. Como era de prever.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Um Presidente com opinião



Obama passou a ser favorável ao casamento dos homossexuais: terá assustado algum eleitorado conservador, mas reconquistou a confiança e o entusiasmo dos sectores progressistas. Foi uma posição corajosa e inteligente



Um Presidente com opinião

Por Germano Almeida
  

“É importante para mim afirmar que penso que as pessoas do mesmo sexo devem poder casar. Hesitei a determinada altura quanto ao casamento, em parte por pensar que as uniões civis seriam suficientes. Fui sensível ao facto de, para muitas pessoas, a palavra casamento evocar tradições e crenças religiosas.  Quando penso em membros do meu próprio staff, que são incrivelmente empenhados nas suas relações monogâmicas com pessoas do mesmo sexo, que educam crianças, quando penso nos soldados, fuzileiros ou marinheiros que combateram sob as minhas ordens e em nome do país e ainda se sentem constrangidos, mesmo após o fim da [política] ‘Don’t Ask, Don’t Tell’, concluo que para mim é importante afirmar que as pessoas do mesmo sexo devem poder casar”

BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, em entrevista à ABC, 10 de Maio de 2012



Os Estados Unidos da América continuam a ser um país maioritariamente conservador. Mas os últimos anos têm mostrado que são, também, um país diverso, heterogéneo, e onde diferentes segmentos procuram ganhar cada vez maior legitimação política e espaço mediático. 

Questões como o direito dos homossexuais ao casamento civil nunca serão pacíficas, muito menos consensuais, num país como os EUA.

É verdade que há um ‘lobby gay’ com força e influência em alguns sectores na América, sobretudo em estados como a Califórnia, Nova Iorque e na Nova Inglaterra.

Mas é, sobretudo, verdade que os movimentos ligados à Direita americana que defendem uma concepção de sociedade que muitos rotulam de retrógrada têm uma força ainda maior – e financiam congressistas, senadores e meios de comunicação social com milhões e milhões de dólares.

Nesta guerra de palavras, ideias e mentalidades, que poluiu a esfera mediática norte-americana com especial intensidade durante os primeiros anos da Administração Obama, assumir a defesa clara do direito dos homossexuais ao casamento civil pode não parecer a estratégia política mais prudente – sobretudo se nos lembrarmos que as eleições presidenciais são daqui a menos de meio ano.

Uma reacção mais precipitada à surpreendente declaração de Obama à ABC (acima transcrita) faria achar que o Presidente cometeu um erro de cálculo que lhe poderá custar muitos votos, na disputa com Romney do chamado “eleitorado flutuante”.

Mas convém olhar com mais atenção para esta tomada de posição de Obama.

Histórico e inteligente. Uma conclusão pode logo tirar-se: esta foi uma declaração histórica. Nunca um Presidente dos EUA (seja em funções ou fora desse período) tinha assumido publicamente tal posição. Sinal dos tempos, certamente, mas também um sinal de inteligência por parte de Barack Obama.

É que no deve e haver entre ganhar e perder votos, até pode ser que Obama tenha vantagem eleitoral com esta posição.

Estudos recentes apontam para que cerca de metade dos americanos consideram que os homossexuais devem ter direito a casar-se. Mais ao pormenor, deve ainda dizer-se que nos estados chave para a eleição (Ohio, Pensilvânia, Virgínia e Florida), a relação entre quem concorda e quem está contra será de 47/37.

Obama pode ter assustado alguns eleitores mais conservadores, ao evoluir a sua posição de permitir uniões de facto, passando a ser favorável ao casamento dos homossexuais? Certo.

Mas terá também reconquistado uma importante margem do eleitorado progressista, que votou nele em massa em 2008 e mostrou, nestes anos de Presidência, alguma desilusão com a forma ténue como Obama pegou em algumas destas questões da moral e dos costumes, relegando-as para a urgência das questões económicas (que assumiram um domínio excessivo nas prioridades políticas dos últimos três anos e meio). 

Joe Biden, o vice-presidente dos EUA, já tinha assumido idêntica posição, dias antes, no Meet the Press. Mas Obama poderia ter-se escudado na liberdade de pensamento num tema como este, sobretudo porque já tinha mostrado abertura na questão das uniões civis. 

Vindo de um Presidente tão ponderado e racional como Barack, esta foi, claramente, uma opção política de Obama. Arriscada, mas, contas feitas, provavelmente vantajosa.


Marcar as diferenças com Mitt. Mas os pontos marcados por Barack, nesta corajosa declaração à ABC, podem ser assinalados noutras dimensões.

Por um lado, foi uma forma de deslocar a agenda deste início de duelo presidencial, que estava a ser muito focado nas questões económicas – sendo que o lado económico será talvez o único em que Romney se poderá bater com Obama.

Por outro lado, foi uma forma de acentuar as suas diferenças para com Mitt Romney.

Perante um adversário republicano que mudou demasiadas vezes de opinião ao longo dos anos sobre este tipo de temas – de tal modo que são os próprios republicanos a acusar Mitt de ser ‘flip-flop’, tão frequentes são as suas mudanças de posição sobre questões como o aborto, os direitos dos homossexuais – Barack Obama recuperou a sua identidade de político com opinião própria, que até é capaz de evoluir o seu pensamento, mesmo em período eleitoral.

É claro que a verdadeira resposta sobre se esta foi mesmo uma jogada bem-sucedida só aparecerá a 6 de Novembro, mas a declaração de Obama em favor do direito dos homossexuais ao casamento civil recoloca Barack como um Presidente com opinião.  

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Obama2012 - trunfos e cisnes negros



Barack Obama: depois de "change" ter sido a palavra mágica da eleição em 2008, o Presidente escolheu "forward" para a reeleição em 2012. Para a "mudança" prometida há quatro anos ter tempo para ser concretizada, é preciso que os americanos o deixem seguir em frente...




Obama2012: trunfos e cisnes negros


Por Germano Almeida

A menos de meio de ano de tentar a reeleição, Barack Obama aparece como favorito para a batalha de Novembro. 

As “intrade odds” que definem os critérios das apostas sobre quem será o próximo Presidente dos EUA dão-lhe 60 por cento de probabilidades de vencer a eleição, contra apenas 37 por cento de hipóteses para Mitt Romney – e em ano de disputa presidencial, por alturas da Primavera, esses indicadores não costumam falhar.

Há quatro anos, por exemplo, Obama tinha clara vantagem sobre McCain nos mercados de apostas – e essa tendência confirmou-se nas urnas.

É certo que 2012 tem sido, em vários domínios da política internacional, o ano de todas as dúvidas. Mas o quadro geral parece favorecer as hipóteses de Obama: na maioria das sondagens nacionais, surge à frente de Mitt Romney (embora a diferença pareça ter-se encurtado nos últimos dias, num certo efeito de reunião do campo republicano, depois de ter ficado claro que Romney será mesmo o nomeado); na contagem do Colégio Eleitoral (aquilo que verdadeiramente conta para a vitória em Novembro), aparece com uma vantagem de cerca 80 Grandes Eleitores (e já próximo dos 270 necessários para vencer); na disputa dos estados mais relevantes, está à frente de Romney nos principais (Ohio, Pensilvânia, Virgínia e Florida). 

A acrescentar a tudo isto, há uma certa percepção empírica de que um Presidente só não é reeleito quando há um forte sentimento de rejeição do eleitorado em relação não só à sua política, mas também à sua personalidade.
E o que se verifica em Obama é que, apesar de ter governado nestes últimos três anos e meio tão difíceis, e com tantas adversidades no plano económico, a verdade é que Barack se mantém com níveis de popularidade muito aceitáveis: como Presidente e, sobretudo, como político que mostra ter fortes credenciais como candidato. 

Obama tem, neste momento, uma Taxa de Aprovação de 47 por cento, no instituto Gallup: menos dois pontos do que George W. Bush quando tentou a reeleição (e conseguiu), mais sete do que Bush pai (que a falhou). 

Os diferentes estudos de opinião sobre os dois candidatos para Novembro vão mostrando uma curiosa dualidade: Obama bate Romney nas principais características pessoais e políticas (os americanos acham Barack “mais inteligente”, “mais confiável”, “mais preparado”, com “melhor domínio dos dossiês”, quando comparado com Romney) e o Presidente até vence em aspectos em que, geralmente, os democratas são considerados menos fortes que os republicanos (nas questões de Defesa, na Segurança Interna e no relacionamento com os militares). 

A firmeza mostrada por Obama na Operação Gerónimo (que redundou na morte de Osama Bin Laden) e no cumprimento das promessas de retirada do Iraque e do Afeganistão são trunfos de Barack em áreas que, antes da sua eleição para Presidente, eram vistas como possíveis calcanhar d’Aquiles de Obama como político.

Mas Mitt Romney aparece à frente de Obama num ponto que pode vir a ter uma importância transcendente em Novembro: a questão económica.
A narrativa do nomeado republicano passará, certamente, por mostrar que está mais preparado do que Obama para colocar a América no caminho da recuperação económica – e que a Administração Obama falhou nesse domínio, nos últimos três anos e meio.

As credenciais de Mitt como empresário de sucesso são reconhecidas pelo eleitorado americano. E se Obama tem vindo a conseguir marcar pontos em questões como ser um “commander-in-chief” à altura dos acontecimentos, a crise económica tem-no impedido de se assumir como um Presidente de sucesso nesse plano.

Os cisnes negros. E é aqui que entram os “cisnes negros” da reeleição de Obama. Depois de dois anos e meio de tempestade no plano económico, a Economia americana tem dado sinais de recuperação (ainda que lenta) nos últimos meses. Sobretudo no último meio ano, os dados sobre a criação de emprego têm vindo a apontar, mês após mês, uma recuperação consistente, a ponto de, nos últimos três anos, terem sido já criados, durante a Administração Obama, quase quatro milhões de postos de trabalho na América.

O problema é que, depois de uma tendência de criação de 200 a 300 mil empregos em média por mês, os últimos dois meses mostraram uma preocupante desaceleração: apenas 115 mil em Abril, bem menos do que os 170 mil previstos.

A taxa de desemprego, ainda que seja a mais baixa dos últimos três anos, ainda está nos 8.1% -- sendo sabido que, desde Roosevelt, nenhum Presidente americano conseguiu a reeleição com uma taxa acima dos 7.5%.
O desemprego é, por isso, o principal cisne negro com que Barack Obama tem que contar até Novembro.

Mas há outros: a pressão crescente de Israel em relação a um eventual ataque ao Irão, ainda antes das eleições; uma possível decisão desfavorável do Supremo Tribunal Americano sobre a Reforma da Saúde (a decisão sairá antes das eleições e se for negativa pode dar uma noção de retrocesso em torno da principal conquista legislativa do primeiro mandato de Obama); a subida dos preços do petróleo está a contribuir para a desaceleração da recuperação da Economia americana.

“Forward”. Ciente de que o quadro económico dificilmente lhe será muito favorável até Novembro, Obama já está a preparar uma narrativa de reeleição que transcende os meros indicadores económico e reforça a ideia de que «a mudança é difícil e necessita de tempo para ser concretizada».
Esta tese, que foi particularmente difícil de passar nos primeiros dois anos de mandato, começa agora a ser mais compreendida pelo eleitorado. Perante a oposição cega dos republicanos no Congresso, o Presidente está a marcar pontos na batalha da opinião pública.

Momentos como a aparição no programa de Jimmy Fallon, em que Obama explicou, numa ousada «slow jam session», ao eleitorado mais jovem que só não consegue resolver a questão dos empréstimos para a faculdade porque os republicanos no Congresso não deixam, podem ser a chave para que o Presidente contorne a noção de «paralisia política» em Washington e consiga convencer os americanos a darem-lhe mais quatro anos para protagonizar a «mudança».

Mais do que «change», a palavra mágica há quatro anos, o que está agora em causa é poder seguir em frente até Janeiro de 2017. Talvez por isso, a campanha de Obama escolheu para slogan a reeleição a palavra «Forward».

domingo, 6 de maio de 2012

Histórias da Casa Branca: Meio ano para o duelo Obama/Romney

Barack Obama e Mitt Romney: o duelo presidencial termina daqui a precisamente seis meses  

Meio ano para o duelo Obama/Romney 

Por Germano Almeida

Em domingo de segunda volta de eleições presidenciais em França, e ainda de eleições parlamentares na Grécia e na Sérvia, há uma outra data que está a ser pouco notada nos media internacionais: é que falta exactamente meio ano para as eleições presidenciais nos Estados Unidos.

De hoje a seis meses, a 6 de Novembro de 2012, ficaremos a saber se Barack Obama consegue obter um segundo mandato, até Janeiro de 2017, ou se Mitt Romney, o mais do que provável nomeado do Partido Republicano, alcança o objectivo para o qual está a trabalhar há vários anos, desde que deixou o cargo de governador do Massachussets. Será um duelo um pouco inesperado, se nos lembrarmos da força com que o Tea Party arrebatou a agenda mediática nos primeiros anos de Administração Obama – e que deixaria antever um candidato bem mais colado à ala radical do Partido Republicano.

Mas as últimas semanas confirmaram o que já parecia muito provável desde Fevereiro: que a nomeação de Mitt Romney será uma questão de tempo. A ala mais conservadora do GOP (Grand Old Party) bem desejou uma opção que lhe desse mais garantias de radicalização do discurso e das prioridades, mas não houve condições para se encontrar uma candidatura viável. Sarah Palin – que durante dois anos parecia ser essa candidata, tal a mobilização, os fundos angariados e o buzz mediático que conseguiu gerar – acabou por não avançar. Talvez por ter percebido que não iria resistir ao escrutínio de uma candidatura presidencial; talvez por sentir que a «onda» do Tea Party recuou claramente no último ano (na mesma medida em que a Economia americana foi recuperando e que a popularidade do Presidente Obama foi subindo para níveis já muito aceitáveis).  

Bachmann, Perry, Cain, Gingrich… Perante a falta de comparência de Sarah Palin (e também do ex-governador do Arkansas, Mike Huckabee, e do multimilionário Donald Trump), a partir do Verão passado foi uma autêntica roda-viva no campo mais conservador do Partido Republicano: primeiro Michele Bachmann, uma espécie de Sarah Palin do Midwest e o sabor do final do Verão de 2011. A congressista do Minnesotta, que recusa o aborto mesmo em casos de violação, ganhou a Ames Straw Poll e entusiasmou a base radical nos primeiros meses da corrida. Mas não tinha consistência política nem apoios nacionais para prosseguir e o péssimo resultado no seu estado natal, o Iowa, foi suficiente para que se decidisse pela desistência.

Uma hipótese a levar mais a sério parecia ser o governador do Texas, Rick Perry. Avançou no final do Verão, saltou para a frente da corrida, com uma argumentação dura contra Obama, mas o modo desastrado como surgiu nos debates foi comprometedor. Herman Cain e Newt Gingrich foram outros dois ‘frontrunners’ saídos do campo mais à direita. Cain não resistiu aos escândalos sexuais, Gingrich entrou pela fase das primárias, mas o seu estilo errático e antipático não se coadunou com as exigências de uma corrida presidencial americana.  

Caminho aberto para Mitt Esgotadas as possibilidades no campo mais à direita, Mitt Romney viu o caminho aberto para a nomeação. Apesar dos constantes problemas em agarrar a base conservadora. Apesar de sucessivos falhanços em estados mais ligados a sectores evangélicos, ou mais marcados por segmentos ‘blue collar’. Sem adversários de peso na zona mais moderada do Partido Republicano – Rudy Giuliani, Haley Barbour, Chris Christie, Mitch Daniels e Jeb Bush não avançaram; Tim Pawlenty e Jon Huntsman falharam as respectivas candidaturas às primárias --, o caminho parecia estar definitivamente aberto para Mitt Romney. Tinha o dinheiro averbado desde a campanha de 2008 (quando foi terceiro), tinha a experiência de há quatro anos, tinha os apoios da maior parte dos notáveis do Partido Republicano (a família Bush, John McCain e os principais governadores de estado). O caminho acabou mesmo por estar aberto para Romney, mas antes ainda teve que anular um inesperado fenómeno: Rick Santorum.

O ex-senador da Pensilvânia, católico e ultraconservador, começou quase despercebido nesta longa corrida: tinha dois ou três por cento nas sondagens. Nos primeiros debates, há mais de um ano, quando ainda havia sete candidatos republicanos, quase nem lhe davam a palavra. Só que os principais candidatos republicanos foram caindo e Santorum foi mostrando uma especial capacidade para mobilizar os sectores mais à Direita no Partido Republicano. Segmentos que não se entusiasmam particularmente com Romney e que fizeram tudo para adiar a «inevitabilidade» de Mitt. Chegou para vencer nove estados (sobretudo no Sul, mas também no Midwest), mas não era suficiente para equacionar um cenário de Santorum nomeado em Agosto, na Convenção Republicana de Tampa, na Florida.  

Trunfos e cisnes negros Uma consulta pela sondagens das últimas semanas faz-nos considerar que Barack Obama parte para este meio ano decisivo como favorito: tem vantagens confortáveis na maioria dos duelos com Mitt Romney – não só no voto popular a nível nacional, mas sobretudo no Colégio Eleitoral (apresenta númeos já próximos dos 270 Grandes Eleitores necessários para vencer, tendo vantagens em estados ainda em aberto). A juntar a tudo isto, Obama continua a mostrar-se muito forte nos chamados ‘swing states’, sobretudo aqueles que costumam decidir a eleição geral: está claramente à frente de Romney no Ohio, na Pensilvânia, na Virgínia e na Florida (ainda que no ‘sunshine state’ com uma vantagem um pouco menor que nos primeios três).

Não por acaso, Obama iniciou oficialmente a sua campanha para Novembro em dois desses estados decisivos: o Ohio e a Virginia. Apesar de todos estes trunfos, Barack terá que ter cuidado com três cisnes negros que não controla e que podem dificultar a sua estratégia: a subida do preço do petróleo, que está a arrefecer a recuperação da Economia americana (o desemprego continua a descer, mas nos últimos meses de forma mais ténue); no plano internacional, a pressão de Israel quanto a um ataque ao Irão ainda antes de Novembro pode ser um factor de perturbação para a Administração Obama, que tem tido na frente externa uma performance muito positiva; e ainda decisão do Supremo Tribunal americano quanto à Reforma da Saúde. Se essa decisão for negativa para o ObamaCare, isso pode transmitir um retrocesso em relação àquela que foi a principal conquista legislativa da Administração Obama, neste primeiro mandato.