TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 22 DE JULHO DE 2013:
Era a mais antiga e mais respeitada jornalista política norte-americana. Durante
meio século, teve lugar cativo na primeira fila na conferências de Imprensa na
Casa Branca.
Helen Amelia Thomas, nascida a 4 de agosto de
1920, em Winchester, Kentucky, morreu no sábado, com 92 anos, vítima de doença
prolongada.
Quase até ao último dia, manteve-se no ativo,
polémica e acutilante, incómoda e direta. Uma imagem de marca da sétima de nove
filhos de um casal de libaneses que emigrou de Tripoli (então território sírio)
e embarcou nos EUA pela Ellis Island (como tantos outros o fizeram no início do
século XX).
Foram sete décadas no jornalismo, desde 1943.
Durante meio século, teve direito a um lugar no primeira fila nas conferências
de Imprensa na Casa Branca, sem medo de fazer perguntas incómodas a dez
presidentes americanas (o último deles, Barack Obama).
A teimosia
em não fazer cedências ao discurso oficial da Casa Branca fez com que levasse ao
desespero vários porta-vozes das administrações americanas. Quando viam Helen
pedir a palavra, sabiam que vinha aí pergunta difícil para o poder político.
No elogio
após saber a notícia da sua morte, o Presidente Obama disse de Helen Thomas que
ela deixa uma «herança de firmeza e tenacidade. Tinha uma crença feroz de que a
nossa democracia funciona melhor se as perguntas difíceis forem feitas, de modo
a manter sob forte escrutínio os nossos líderes políticos».
«Helen foi
verdadeiramente uma pioneira e manteve os pés dos Presidentes (incluindo os
meus) bem assentes na terra», referiu Obama.
A
expressão «pioneira» não foi um exagero retórico do Presidente. Helen foi a
primeira repórter política na Casa Branca. Era uma instituição do meio político
americano. Mas nunca foi consensual.
Em 2010, já quase com 90 anos, foi apanhada a
dizer, em off, que «os judeus deviam sair da Palestina e voltar à terra deles».
Helen
pediu desculpa pelo deslize e explicou mais tarde: «Aquelas observações não
refletem os meus sentimentos em relação à vontade de paz no Médio Oriente. Ela
só acontecerá quando as diferentes partes em conflito reconheçam a necessidade
de se respeitar mutuamente. Que esse dia surja em breve».
Apesar das
desculpas. a polémica custou-lhe o afastamento das conferências de Imprensa em
DC.
Trabalhou para a United Press International
(desde a década de 60, durante a presidência Kennedy). Escreveu três livros,
todos sobre a experiência de jornalismo político na Casa Branca.
Que visão
tinha Helen sobre as obrigações de um Presidente? «Cobri sempre
jornalisticamente o Presidente dos EUA com a noção de que ele é sempre o máximo
e último responsável».
À luz deste princípio, que a guiou do início ao
fim, para Helen não havia limites para se colocar uma questão, por muito
delicada e incómoda que ela fosse. Dentro deste espírito, não poupou a herança
de George W. Bush, sobretudo pela forma como este reagiu ao 11 de Setembro e
avançou para as guerras. No rescaldo dos dois mandatos do 43.º Presidente dos
EUA, Helen rotulou George W. Bush de «pior presidente de sempre».
Mas a
Administração Obama também não escapou à mira exigente de Helen. Já quase nos 90
anos, assumiu um episódio ainda hoje recordado em Washington.
Numa fase inicial do primeiro mandato em que a
Reforma da Saúde parecia comprometida, Helen Thomas repetia questões incómodas a
Robert Gibbs, que fazia os briefing diários da equipa de Obama.
Robert
teve uma a observação imprudente: «Se já sabe que não posso dizer mais do que
isso, porque é que insiste em fazer-me a pergunta?»
Helen
atirou: «Porque quero que a sua consciência o incomode».
Os
restantes jornalistas desataram a rir e o respeitável Robert Gibbs ruborizou,
sem retaliação possível.
Helen Thomas vai fazer falta em Washington.
O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
sábado, 27 de julho de 2013
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Histórias da Casa Branca: trunfos e surpresas para 2016
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 19 DE JULHO DE 2013:
Numa fase em que o segundo mandato de Obama se encontra num impasse político, os dois campos partidários começam a contar espingardas para as presidenciais de 2016.
Antes de lançarmos os principais candidatos, é fundamental elencar os fatores que irão determinar tudo o resto. O primeiro tem a ver com a herança política que Obama vai deixar.
Para o nomeado democrata, carregar essa herança será bom ou mau? Interessa-lhe assumir os créditos dos dois mandatos de Obama?
Nada melhor do que compararmos com o passado recente. Em 2000, Al Gore sabia que teria vantagem em assumir a herança Clinton. Em contraponto, oito anos depois, John McCain fez de tudo para evitar ser considerado um «continuador de George W. Bush».
Com apenas meio ano de segundo mandato, é cedo para saber que efeito eleitoral terá a «herança Obama» em 2016.
O que, do lado democrata, é já claro é que existe um ás de trunfo que marcará a corrida: Hillary Clinton. Todas as sondagens exibem uma evidência: se ela avançar, será a nomeada, tamanha é a vantagem que detém sobre os restantes pretendentes democratas.
Subsistem dúvidas sobre se a secretária de Estado do primeiro mandato de Obama vá avançar. Por enquanto, Hillary não dá qualquer sinal que o tenciona fazer, apesar de receber quase diariamente apelos para se candidatar.
Há, até, em Washington um grupo independente que está já a organizar-se com um slôgan já escolhido: «I'me ready for Hillary 2016!»
E se Hillary não avançar? Os democratas têm três alternativas na manga: Andrew Cuomo, filho de Mario Cuomo, e tal como foi o pai, é governador do estado de Nova Iorque; Joe Biden, que apesar da idade avançada, mostra vigor para tentar uma terceira candidatura; Martin O'Malley, o telegénico governador do Maryland, com forte apoio nas bases democratas mas uma imagem de moderado.
Entre estas três alternativas democratas a Hillary, Andrew Cuomo mostra-se o mais credível para a nomeação. Biden está demasiado dependente do que vier a ser a «herança Obama» (foi sempre o número dois de Barack na Casa Branca) e O'Malley não tem ainda notoriedade suficiente a nível nacional.
Mas o que parece preocupante no jogo democrata para 2016 tem a ver com o excessivo favoritismo de Hillary: todas as sondagens mostram que a antiga senadora por Nova Iorque vence os eventuais opositores republicanos. Mas também mostram que algum democrata que não seja Hillary perde para qualquer opositor republicano.
E que opositor poderá ser? Há hipóteses interessantes a considerar do lado do GOP.
Os últimos meses mostraram que o mais normal seria assistirmos a um duelo entre Marco Rubio (senador da Florida, bem visto em setores do «Tea Party» mas com penetração em minorias) e Chris Christie (o popular e politicamente incorreto governador da Nova Jérsia).
Em duelo estariam duas personalidades completamente diferentes (Rubio certinho, Christie truculento). Mas convém não menosprezar as hipóteses de Rand Paul.
O senador pelo Kentucky chega bem mais aos corações da «real America» e consegue ser politicamente mais pragmático que o seu pai, Ron Paul (que embora tenha seguidores fiéis, nunca conseguiu descolar-se do rótulo de «outsider»).
Não por acaso, Rand Paul foi o primeiro a assumir que tenciona ser candidato e que deverá formalizar a candidatura logo após as «midterms» de 2014. No Iowa e no New Hampshire, Paul está à frente. Desvalorizar esse sinal seria imprudente.
Há ainda Paul Ryan, que tinha tudo para ser o futuro campeão do conservadorismo fiscal, mas que saiu chamuscado do fracasso Romney-2008.
Só depois das eleições intercalares de 2014 haverá dados mais concretos para se perceber que corrida teremos em 2016. Mas as primeiras apostas já começaram a ser feitos. E isso é um dos segredos da incrível força do processo eleitoral na América.
Numa fase em que o segundo mandato de Obama se encontra num impasse político, os dois campos partidários começam a contar espingardas para as presidenciais de 2016.
Antes de lançarmos os principais candidatos, é fundamental elencar os fatores que irão determinar tudo o resto. O primeiro tem a ver com a herança política que Obama vai deixar.
Para o nomeado democrata, carregar essa herança será bom ou mau? Interessa-lhe assumir os créditos dos dois mandatos de Obama?
Nada melhor do que compararmos com o passado recente. Em 2000, Al Gore sabia que teria vantagem em assumir a herança Clinton. Em contraponto, oito anos depois, John McCain fez de tudo para evitar ser considerado um «continuador de George W. Bush».
Com apenas meio ano de segundo mandato, é cedo para saber que efeito eleitoral terá a «herança Obama» em 2016.
O que, do lado democrata, é já claro é que existe um ás de trunfo que marcará a corrida: Hillary Clinton. Todas as sondagens exibem uma evidência: se ela avançar, será a nomeada, tamanha é a vantagem que detém sobre os restantes pretendentes democratas.
Subsistem dúvidas sobre se a secretária de Estado do primeiro mandato de Obama vá avançar. Por enquanto, Hillary não dá qualquer sinal que o tenciona fazer, apesar de receber quase diariamente apelos para se candidatar.
Há, até, em Washington um grupo independente que está já a organizar-se com um slôgan já escolhido: «I'me ready for Hillary 2016!»
E se Hillary não avançar? Os democratas têm três alternativas na manga: Andrew Cuomo, filho de Mario Cuomo, e tal como foi o pai, é governador do estado de Nova Iorque; Joe Biden, que apesar da idade avançada, mostra vigor para tentar uma terceira candidatura; Martin O'Malley, o telegénico governador do Maryland, com forte apoio nas bases democratas mas uma imagem de moderado.
Entre estas três alternativas democratas a Hillary, Andrew Cuomo mostra-se o mais credível para a nomeação. Biden está demasiado dependente do que vier a ser a «herança Obama» (foi sempre o número dois de Barack na Casa Branca) e O'Malley não tem ainda notoriedade suficiente a nível nacional.
Mas o que parece preocupante no jogo democrata para 2016 tem a ver com o excessivo favoritismo de Hillary: todas as sondagens mostram que a antiga senadora por Nova Iorque vence os eventuais opositores republicanos. Mas também mostram que algum democrata que não seja Hillary perde para qualquer opositor republicano.
E que opositor poderá ser? Há hipóteses interessantes a considerar do lado do GOP.
Os últimos meses mostraram que o mais normal seria assistirmos a um duelo entre Marco Rubio (senador da Florida, bem visto em setores do «Tea Party» mas com penetração em minorias) e Chris Christie (o popular e politicamente incorreto governador da Nova Jérsia).
Em duelo estariam duas personalidades completamente diferentes (Rubio certinho, Christie truculento). Mas convém não menosprezar as hipóteses de Rand Paul.
O senador pelo Kentucky chega bem mais aos corações da «real America» e consegue ser politicamente mais pragmático que o seu pai, Ron Paul (que embora tenha seguidores fiéis, nunca conseguiu descolar-se do rótulo de «outsider»).
Não por acaso, Rand Paul foi o primeiro a assumir que tenciona ser candidato e que deverá formalizar a candidatura logo após as «midterms» de 2014. No Iowa e no New Hampshire, Paul está à frente. Desvalorizar esse sinal seria imprudente.
Há ainda Paul Ryan, que tinha tudo para ser o futuro campeão do conservadorismo fiscal, mas que saiu chamuscado do fracasso Romney-2008.
Só depois das eleições intercalares de 2014 haverá dados mais concretos para se perceber que corrida teremos em 2016. Mas as primeiras apostas já começaram a ser feitos. E isso é um dos segredos da incrível força do processo eleitoral na América.
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Histórias da Casa Branca: Obama precisa de uma vitória
TEXTO PUBLICADO NO TVI24.IOL.PT, A 13 DE JULHO DE 2013:
«Barack Obama está quase a completar meio ano do segundo mandato.
Na altura da posse, o momento parecia ser de recuperação política para o Presidente. O clima de hostilidade dos republicanos tinha sido penalizado nas urnas pelo americanos.
Na tomada de posse e três semanas mais tarde no State of The Union, Obama lançava quatro grandes ideias: reforma da Imigração compreensiva; independência energética e combate às alterações climáticas; diminuição das desigualdades sociais; lançamento de uma parceria transatlântica de comércio e investimento.
Ainda em fase de recuperação económica, mas já sem o pânico de janeiro de 2009, parecia existirem condições para um segundo mandato politicamente mais «normal», longe do momento de exceção dos primeiros quatro anos.
Só que os primeiros meses do segundo mandato voltaram a reforçar a ideia de que a Presidência Obama poderá estar condenada a ser vivida em momentos de especial tensão.
Primeiro, foram os escândalos relacionados com as escutas a jornalistas; depois, perseguições da autoridade fiscal a grupos ligados ao Tea Party. Dois temas desconfortáveis para Obama, mas, na verdade, nenhum deles comprometedor.
O pior veio a seguir: as revelações de Edward Snowden, antigo funcionário da CIA e da NSA, sobre a verdadeira dimensão do PRISM colocaram a administração americana na berlinda e puseram, pelo menos durante alguns dias, em sério risco o prestígio internacional de Obama: até mesmo (e sobretudo) junto dos seus aliados mais duradouros.
Obama teve que voltar a colocar o seu foco na gestão de crise e, desta vez, até numa área em que, no primeiro mandato, manteve sempre fortes créditos: a política externa e a imagem internacional.
A maior consequência voltou a ser o seu enfraquecimento interno.
Se, nos primeiros tempos do pós-reeleição, se começaram a desenhar sinais de que zonas do Partido Republicano, sobretudo afetas a Marco Rubio (senador da Florida cubano-americano) estariam dispostas a avançar para uma Immigration Bill a aprovar pelo Congresso, a verdade é que os créditos políticos do Presidente foram-se esfumando nos últimos meses.
«Ele precisa de vitórias e precisa delas rapidamente. Não há grande volta a dar em relação a isso», comentou, sob anonimato, um estratega democrata, citado pelo «The Hill».
Em 2012, no auge da disputa com Romney, Obama previu que «depois da reeleição, a febre republicana no Congresso iria diminuir».
O problema é que isso não está a acontecer. Os últimos meses voltaram a ser de «political gridlock».
O que se passou com o «gun control» foi especialmente preocupante: após o massacre de Sandy Hook, poucas semanas depois da reeleição, Obama sentiu que tinha condições únicas de avançar para legislação poderosa para travar com a ameaça das armas.
A verdade é que as propostas da Casa Branca tiveram, até agora, efeito zero no Congresso. Nem junto dos senadores democratas elas mereceram consenso.
O mesmo já não sucede em relação à Imigração. Uma primeira diligência passou facilmente no Senado, por 68-32 (com muitos votos de republicanos). Só que o mesmo não está a ocorrer na House, com muitos congressistas conservadores a bloquearem a exigência de Presidente de conceder a cidadania aos imigrantes ilegais.
Doug Thornell, estratega democrata, resume com uma imagem divertida a limitação política de Obama num congresso de maioria republicana: «São precisos dois para dançar o tango e e os republicanos continuam a preferir ficar sentados nas cadeiras que estão encostadas na sala».
Um caso perdido? Talvez não. Em 2014, há eleições para o Congresso e Obama terá que pôr todas as fichas políticas na recuperação do controlo democrata.
Se não for assim, corre mesmo o risco de ficar na história como o «Presidente bloqueado».»
«Barack Obama está quase a completar meio ano do segundo mandato.
Na altura da posse, o momento parecia ser de recuperação política para o Presidente. O clima de hostilidade dos republicanos tinha sido penalizado nas urnas pelo americanos.
Na tomada de posse e três semanas mais tarde no State of The Union, Obama lançava quatro grandes ideias: reforma da Imigração compreensiva; independência energética e combate às alterações climáticas; diminuição das desigualdades sociais; lançamento de uma parceria transatlântica de comércio e investimento.
Ainda em fase de recuperação económica, mas já sem o pânico de janeiro de 2009, parecia existirem condições para um segundo mandato politicamente mais «normal», longe do momento de exceção dos primeiros quatro anos.
Só que os primeiros meses do segundo mandato voltaram a reforçar a ideia de que a Presidência Obama poderá estar condenada a ser vivida em momentos de especial tensão.
Primeiro, foram os escândalos relacionados com as escutas a jornalistas; depois, perseguições da autoridade fiscal a grupos ligados ao Tea Party. Dois temas desconfortáveis para Obama, mas, na verdade, nenhum deles comprometedor.
O pior veio a seguir: as revelações de Edward Snowden, antigo funcionário da CIA e da NSA, sobre a verdadeira dimensão do PRISM colocaram a administração americana na berlinda e puseram, pelo menos durante alguns dias, em sério risco o prestígio internacional de Obama: até mesmo (e sobretudo) junto dos seus aliados mais duradouros.
Obama teve que voltar a colocar o seu foco na gestão de crise e, desta vez, até numa área em que, no primeiro mandato, manteve sempre fortes créditos: a política externa e a imagem internacional.
A maior consequência voltou a ser o seu enfraquecimento interno.
Se, nos primeiros tempos do pós-reeleição, se começaram a desenhar sinais de que zonas do Partido Republicano, sobretudo afetas a Marco Rubio (senador da Florida cubano-americano) estariam dispostas a avançar para uma Immigration Bill a aprovar pelo Congresso, a verdade é que os créditos políticos do Presidente foram-se esfumando nos últimos meses.
«Ele precisa de vitórias e precisa delas rapidamente. Não há grande volta a dar em relação a isso», comentou, sob anonimato, um estratega democrata, citado pelo «The Hill».
Em 2012, no auge da disputa com Romney, Obama previu que «depois da reeleição, a febre republicana no Congresso iria diminuir».
O problema é que isso não está a acontecer. Os últimos meses voltaram a ser de «political gridlock».
O que se passou com o «gun control» foi especialmente preocupante: após o massacre de Sandy Hook, poucas semanas depois da reeleição, Obama sentiu que tinha condições únicas de avançar para legislação poderosa para travar com a ameaça das armas.
A verdade é que as propostas da Casa Branca tiveram, até agora, efeito zero no Congresso. Nem junto dos senadores democratas elas mereceram consenso.
O mesmo já não sucede em relação à Imigração. Uma primeira diligência passou facilmente no Senado, por 68-32 (com muitos votos de republicanos). Só que o mesmo não está a ocorrer na House, com muitos congressistas conservadores a bloquearem a exigência de Presidente de conceder a cidadania aos imigrantes ilegais.
Doug Thornell, estratega democrata, resume com uma imagem divertida a limitação política de Obama num congresso de maioria republicana: «São precisos dois para dançar o tango e e os republicanos continuam a preferir ficar sentados nas cadeiras que estão encostadas na sala».
Um caso perdido? Talvez não. Em 2014, há eleições para o Congresso e Obama terá que pôr todas as fichas políticas na recuperação do controlo democrata.
Se não for assim, corre mesmo o risco de ficar na história como o «Presidente bloqueado».»
domingo, 14 de julho de 2013
Histórias da Casa Branca: condenados ao entendimento
TEXTO PUBLICADO NO TVI24.IOL.PT, A 8 DE JULHO DE 2013:
A ideia tem alguns anos e ganhou força política quando Barack Obama a escolheu como uma das surpresas do seu primeiro Discurso sobre o Estado da União do segundo mandato, a 12 de fevereiro.
Uma «nova Nato económica», numa plataforma comercial alargada, capaz de aprofundar de forma significativa aquela que já é a relação comercial mais forte do Mundo: as trocas entre EUA e UE.
Mesmo com a crise, o maior cliente dos Estados Unidos continua a ser, de longe, a Europa. E nem será preciso explica que o maior cliente dos países europeus, fora da UE, são os EUA.
Que necessidade existirá, então, de criar esta Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento?
As tensões políticas e diplomáticas (um pouco inesperadas) que existiram nas últimas semanas entre os dois gigantes comerciais dos dois lados do Atlântico talvez ajudem a compreender a pertinência deste projeto.
Ao lançar a prioridade política desta ideia, Barack Obama exortou: «Podemos criar uma aliança económica tão forte como a nossa aliança diplomática e de segurança».
Tendo em conta os desentendimentos das últimas semanas, podemos pensar que, afinal, a «aliança diplomática e de segurança» não é assim tão forte como Obama postulara.
Mas nestas coisas é sempre importante esquecer a espuma e atentar no essencial.
A recusa de Portugal, França, Itália e Espanha em autorizar o avião presidencial boliviano a aterrar para reabastecimento foi a maior prova de que essa aliança, nos momentos da verdade, funciona mesmo.
Os Estados Unidos tinham a indicação de que Edward Snowden ia mesmo naquele avião. E não poderiam permitir que um dos homens mais procurados pelos EUA atingisse o objetivo de obter asilo político num país hostil aos interesses dos americanos.
A reação indignada dos países latino-americanos, com a Bolívia à cabeça, pode parecer desconfortável. Mas contou certamente menos no jogo diplomático dos países europeus do que teria sido uma recusa aos interesses dos EUA.
Isto tudo aconteceu dias depois dos países europeus ficarem, no mínimo, estupefactos com Washington, perante a assunção implícita da Administração Obama de que o seu programa de vigilância implicou escutas aos países aliados.
O tema gera sempre desconforto. Mas foquemo-nos no essencial: o combate a sério ao terrorismo exige que se perceba tudo. E «perceber tudo» é, também, ter acesso ao que os nossos aliados fazem (até porque o grau de alianças dos aliados europeus não é equivalente ao dos EUA).
Ainda países como França ou Alemanha estavam a produzir declarações de desagrado contra Washington e já o «Le Monde» divulgava, em «timing» providencial, que afinal a França tem um programa semelhante.
Neste mundo cada vez mais pragmático, o que há a reter destes desentendimentos diplomáticos é que nem isso impediu o arranque das negociações do que é mais importante.
A «Nato económica» é para avançar e tem objetivos ambiciosos: num mercado potencial de 820 milhões de pessoas (300 milhões do lado de lá, 520 do lado de cá do Atlântico), prevêem-se vantagens mútuas para as duas maiores economias do Mundo.
Neste momento, ambas detêm 40% do poder de compra mundial. Há indicadores que apontam para uma subida de cerca de 13% do PIB americano, e de 5% do PIB europeu, em consequência deste acordo (dados de estudo da Fundação Bertelsmann).
Os americanos, que tinham metade da riqueza mundial depois da II Guerra, ainda são o país mais rico do globo, mas já só têm um quinto do PIB mundial.
Com este acordo, pretendem, travar o crescimento exponencial do peso chinês nas trocas comerciais com a Europa.
Estados Unidos e Europa podem já não viver em lua de mel.
Mas sabem que continuam a ser relação mais genuína e duradoura deste mundo complicado.
A ideia tem alguns anos e ganhou força política quando Barack Obama a escolheu como uma das surpresas do seu primeiro Discurso sobre o Estado da União do segundo mandato, a 12 de fevereiro.
Uma «nova Nato económica», numa plataforma comercial alargada, capaz de aprofundar de forma significativa aquela que já é a relação comercial mais forte do Mundo: as trocas entre EUA e UE.
Mesmo com a crise, o maior cliente dos Estados Unidos continua a ser, de longe, a Europa. E nem será preciso explica que o maior cliente dos países europeus, fora da UE, são os EUA.
Que necessidade existirá, então, de criar esta Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento?
As tensões políticas e diplomáticas (um pouco inesperadas) que existiram nas últimas semanas entre os dois gigantes comerciais dos dois lados do Atlântico talvez ajudem a compreender a pertinência deste projeto.
Ao lançar a prioridade política desta ideia, Barack Obama exortou: «Podemos criar uma aliança económica tão forte como a nossa aliança diplomática e de segurança».
Tendo em conta os desentendimentos das últimas semanas, podemos pensar que, afinal, a «aliança diplomática e de segurança» não é assim tão forte como Obama postulara.
Mas nestas coisas é sempre importante esquecer a espuma e atentar no essencial.
A recusa de Portugal, França, Itália e Espanha em autorizar o avião presidencial boliviano a aterrar para reabastecimento foi a maior prova de que essa aliança, nos momentos da verdade, funciona mesmo.
Os Estados Unidos tinham a indicação de que Edward Snowden ia mesmo naquele avião. E não poderiam permitir que um dos homens mais procurados pelos EUA atingisse o objetivo de obter asilo político num país hostil aos interesses dos americanos.
A reação indignada dos países latino-americanos, com a Bolívia à cabeça, pode parecer desconfortável. Mas contou certamente menos no jogo diplomático dos países europeus do que teria sido uma recusa aos interesses dos EUA.
Isto tudo aconteceu dias depois dos países europeus ficarem, no mínimo, estupefactos com Washington, perante a assunção implícita da Administração Obama de que o seu programa de vigilância implicou escutas aos países aliados.
O tema gera sempre desconforto. Mas foquemo-nos no essencial: o combate a sério ao terrorismo exige que se perceba tudo. E «perceber tudo» é, também, ter acesso ao que os nossos aliados fazem (até porque o grau de alianças dos aliados europeus não é equivalente ao dos EUA).
Ainda países como França ou Alemanha estavam a produzir declarações de desagrado contra Washington e já o «Le Monde» divulgava, em «timing» providencial, que afinal a França tem um programa semelhante.
Neste mundo cada vez mais pragmático, o que há a reter destes desentendimentos diplomáticos é que nem isso impediu o arranque das negociações do que é mais importante.
A «Nato económica» é para avançar e tem objetivos ambiciosos: num mercado potencial de 820 milhões de pessoas (300 milhões do lado de lá, 520 do lado de cá do Atlântico), prevêem-se vantagens mútuas para as duas maiores economias do Mundo.
Neste momento, ambas detêm 40% do poder de compra mundial. Há indicadores que apontam para uma subida de cerca de 13% do PIB americano, e de 5% do PIB europeu, em consequência deste acordo (dados de estudo da Fundação Bertelsmann).
Os americanos, que tinham metade da riqueza mundial depois da II Guerra, ainda são o país mais rico do globo, mas já só têm um quinto do PIB mundial.
Com este acordo, pretendem, travar o crescimento exponencial do peso chinês nas trocas comerciais com a Europa.
Estados Unidos e Europa podem já não viver em lua de mel.
Mas sabem que continuam a ser relação mais genuína e duradoura deste mundo complicado.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Histórias da Casa Branca: «Yes We Scan»?
TEXTO PUBLICADO NO TVI24.IOL.PT, A 3 DE JULHO DE 2013:
«As últimas semanas têm sido algo perturbadoras na imagem da América no Mundo.
Os detalhes conhecidos publicamente sobre a forma como o programa PRISM colocam em causa os direitos de privacidade dos cidadãos lançaram o debate a nível mundial: terá o governo americano o direito de fazer aquilo?
Enquanto os argumentos se dirimiam, as ondas de choque do «caso Snowden» foram manchando o prestígio internacional que o Presidente Obama mantém em quase todo o Mundo.
O tema da «vigilância do Estado» é sempre muito delicado. E, obviamente, impopular para quem tem que o assumir politicamente.
No caso de Barack Obama, e tendo em conta as críticas que fez em 2007 ao seu antecessor (e então ainda Presidente Bush), há um certo constrangimento de conceito.
Mas tirando a parte das incoerências políticas (que não poupam ninguém, à medida que o tempo passa), a pergunta que se deve colocar é: podia ser de outra maneira?
Depois do 11 de Setembro de 2001, os EUA assumiram, enquanto complexo estatal (e independentemente da cor política do presidente em funções) uma prioridade, acima de qualquer outra: impedir um novo ataque terrorista.
O sucesso nesse caminho terá tido custos muito amplos ao nível dos direitos de privacidade. O «caso Snowden» revelou muito sobre isso: e é certo que muitos dos pormenores são, no mínimo, embaraçosos.
Mas no deve e haver, não há grandes dúvidas sobre as vantagens de um programa como o PRISM (como havia no «Echelon», programa anglo-americano, também muito abrangente ao nível das escutas).
É claro que, se não colocarmos tanto o foco na eficácia e nos resultados, há um mundo de perguntas difíceis que podem ser colocadas.
Esta inesperada tensão EUA/Europa, espoletada nos últimos dias depois de notícias publicadas na Alemanha -- e que apontam para que parte das revelações de Snowden denunciariam espionagem americana a inúmeras embaixadas em países europeus e, mesmo, instituições europeias ¿ pode abalar a supostamente intocável aliança transatlântica.
Mas convém pôr estas coisas em perspetiva.
Que essas suspeitas geraram desconforto, é indiscutível (sobretudo do lado francês, com o Presidente Hollande a admitir mesmo suspender as negociações sobre a plataforma comercial EUA/UE). Mas daí até se pôr em causa o «tandem» Estados Unidos/Europa vai um grande passo.
A dependência militar dos europeus em relação aos EUA é tanta que não é plausível pensar-se num distanciamento real. Por outro lado, a tendência, no caso comercial, é até de reforço de uma relação que é já, de longe, a maior do Mundo (40% do comércio mundial tem a ver com trocas comerciais EUA/Europa).
E este recente episódio (com pormenores caricatos) do avião onde circulava o Presidente da Bolívia, Evo Morales, confirmou que, no plano das alianças e cumplicidades, tudo continua no seu devido lugar: Portugal, França e outros países europeus recusaram a utilização do seu espaço aéreo a um voo onde poderia estar Edward Snowden.
Em Berlim, cinco anos depois de ter sido endeusado, Barack Obama levou com um «teaser» incómodo, mas com óbvia piada: «Yes We Scan». O Presidente sentiu-se mesmo na necessidade, durante a sua viagem a África, de explicar que «a vigilância é só para se compreender melhor como o Mundo funciona». «Quando quero saber o que Angele Merkel pensa, telefono-lhe», insistiu Obama.
O «caso Snowden» abalou os índices de popularidade de Barack Obama «overseas»? Certo. Mas olhar para isso é apenas ver a árvore. E a verdade é que esta floresta continua a ser americana.»
«As últimas semanas têm sido algo perturbadoras na imagem da América no Mundo.
Os detalhes conhecidos publicamente sobre a forma como o programa PRISM colocam em causa os direitos de privacidade dos cidadãos lançaram o debate a nível mundial: terá o governo americano o direito de fazer aquilo?
Enquanto os argumentos se dirimiam, as ondas de choque do «caso Snowden» foram manchando o prestígio internacional que o Presidente Obama mantém em quase todo o Mundo.
O tema da «vigilância do Estado» é sempre muito delicado. E, obviamente, impopular para quem tem que o assumir politicamente.
No caso de Barack Obama, e tendo em conta as críticas que fez em 2007 ao seu antecessor (e então ainda Presidente Bush), há um certo constrangimento de conceito.
Mas tirando a parte das incoerências políticas (que não poupam ninguém, à medida que o tempo passa), a pergunta que se deve colocar é: podia ser de outra maneira?
Depois do 11 de Setembro de 2001, os EUA assumiram, enquanto complexo estatal (e independentemente da cor política do presidente em funções) uma prioridade, acima de qualquer outra: impedir um novo ataque terrorista.
O sucesso nesse caminho terá tido custos muito amplos ao nível dos direitos de privacidade. O «caso Snowden» revelou muito sobre isso: e é certo que muitos dos pormenores são, no mínimo, embaraçosos.
Mas no deve e haver, não há grandes dúvidas sobre as vantagens de um programa como o PRISM (como havia no «Echelon», programa anglo-americano, também muito abrangente ao nível das escutas).
É claro que, se não colocarmos tanto o foco na eficácia e nos resultados, há um mundo de perguntas difíceis que podem ser colocadas.
Esta inesperada tensão EUA/Europa, espoletada nos últimos dias depois de notícias publicadas na Alemanha -- e que apontam para que parte das revelações de Snowden denunciariam espionagem americana a inúmeras embaixadas em países europeus e, mesmo, instituições europeias ¿ pode abalar a supostamente intocável aliança transatlântica.
Mas convém pôr estas coisas em perspetiva.
Que essas suspeitas geraram desconforto, é indiscutível (sobretudo do lado francês, com o Presidente Hollande a admitir mesmo suspender as negociações sobre a plataforma comercial EUA/UE). Mas daí até se pôr em causa o «tandem» Estados Unidos/Europa vai um grande passo.
A dependência militar dos europeus em relação aos EUA é tanta que não é plausível pensar-se num distanciamento real. Por outro lado, a tendência, no caso comercial, é até de reforço de uma relação que é já, de longe, a maior do Mundo (40% do comércio mundial tem a ver com trocas comerciais EUA/Europa).
E este recente episódio (com pormenores caricatos) do avião onde circulava o Presidente da Bolívia, Evo Morales, confirmou que, no plano das alianças e cumplicidades, tudo continua no seu devido lugar: Portugal, França e outros países europeus recusaram a utilização do seu espaço aéreo a um voo onde poderia estar Edward Snowden.
Em Berlim, cinco anos depois de ter sido endeusado, Barack Obama levou com um «teaser» incómodo, mas com óbvia piada: «Yes We Scan». O Presidente sentiu-se mesmo na necessidade, durante a sua viagem a África, de explicar que «a vigilância é só para se compreender melhor como o Mundo funciona». «Quando quero saber o que Angele Merkel pensa, telefono-lhe», insistiu Obama.
O «caso Snowden» abalou os índices de popularidade de Barack Obama «overseas»? Certo. Mas olhar para isso é apenas ver a árvore. E a verdade é que esta floresta continua a ser americana.»
domingo, 7 de julho de 2013
Histórias da Casa Branca: de que lado está o poder?
TEXTO PUBLICADO NO TVI24.PT, A 26 DE JUNHO DE 2013:
«As últimas semanas têm-nos mostrado autênticos barómetros sociais, um pouco por todo o Mundo.
A contestação no Brasil apanhou toda a gente de surpresa, a começar pela própria Dilma Rousseff.
Um olhar pelos indicadores económicos do «país irmão» em nada faria prever o que está a acontecer.
Nos últimos anos, desde a presidência de Fernando Henrique e de forma mais acentuada nos «anos Lula», o Brasil deu um salto extraordinário no combate à pobreza e no crescimento do PIB.
Como é que se explica que a explosão social tenha ocorrido depois do crescimento?
A contradição é só aparente. Este «outono brasileiro» está a recordar-nos que só uma sociedade com alguma riqueza é capaz de ser contestatária.
As primeiras reações de Dilma apontam para que o governo federal (embora tenha demorado uns dias a perceber verdadeiramente o que estava a acontecer) está a ser capaz de ouvir «a voz da rua».
Ninguém no Brasil acredita que exista, tão cedo, uma «sociedade justa» num país tão desigual. Mas o que terá feito disparar o gatilho da contestação foi a perceção de que, havendo agora riqueza a distribuir, passe a ser inaceitável que as desigualdades continuem tão notórias e que tanta gente continue na pobreza.
O Brasil está pior do que estava há cinco ou dez anos? Não, está melhor. Mas é precisamente porque está melhor que já não aceita que uma boa fatia do país continue com níveis de terceiro mundo em áreas cruciais.
A juntar a tudo isto, apareceu uma coincidência temporal terrível, pela sua carga simbólica: ao mesmo tempo em que o «povão» gritava contra o aumento da tarifa de transporte na megalópole de São Paulo, os brasileiros tomavam consciência dos gastos para a Confederações e para o Mundial.
Por muito que slôganes como «Queremos Escolas com Padrão FIFA» ou «Hospitais em vez de estádios» possam ter um grau de demagogia, a verdade é que eles são a demonstração inequívoca de que o povo brasileiro quis mostrar que está preparado para ter «mais poder» na coisa pública. E isso só é possível em sociedades com massa crítica e independência suficiente para encostarem as suas elites políticas à parede.
O que é que isto tem a ver com Estados Unidos? Muito.
Em primeiro lugar, porque uma boa parte das reivindicações dos brasileiros têm a «medida americana». Eles querem atingir níveis de bem-estar, prosperidade e decência na administração da coisa pública que, nas últimas décadas, só foram atingidas pelos EUA.
Por outro lado, o que o «outono brasileiro» mostra (do mesmo modo que já o haviam feito a Primavera Árabe e a contestação nas ruas de Istambul), é que o «povo» quer ter mais peso nas relações de poder com quem os governa. Não só no dia do voto, mas num processo constante e cada vez mais escrutinado, na sociedade de «tempo real», pontuada pelas redes sociais e pelos «smartphones».
O ponto chave já não está na «sobrevivência», mas sim em conceitos como «justiça», «decência» ou «dignidade».
Podia o «outono brasileiro» acontecer nas ruas da América? Seria, na verdade, muito menos provável. É certo que se assistiu a um esboço disso nos movimentos «Occupy Wall Street», mas estes revelaram-se, apenas, reacções pontuais à crise financeira de 2009.
Na sua essência, o sistema americano está muito mais protegido, pela simples razão de que parte «do povo». Quem assume funções na Casa Branca, no Congresso ou nos governos estaduais são meros funcionários. Passageiros. E nunca se esquecem disso, mesmo quando pisam o risco. Sobretudo quando pisam o risco.
Na América, quando um político mente leva uma penalização pública tremenda. Porque o poder está, em boa parte, «deste» lado. Não é tudo «deles» e, por isso, torna-se mais difícil colocar as culpas em quem está «lá», a mandar.
Para onde penderá, nos próximos anos, a balança do poder?»
«As últimas semanas têm-nos mostrado autênticos barómetros sociais, um pouco por todo o Mundo.
A contestação no Brasil apanhou toda a gente de surpresa, a começar pela própria Dilma Rousseff.
Um olhar pelos indicadores económicos do «país irmão» em nada faria prever o que está a acontecer.
Nos últimos anos, desde a presidência de Fernando Henrique e de forma mais acentuada nos «anos Lula», o Brasil deu um salto extraordinário no combate à pobreza e no crescimento do PIB.
Como é que se explica que a explosão social tenha ocorrido depois do crescimento?
A contradição é só aparente. Este «outono brasileiro» está a recordar-nos que só uma sociedade com alguma riqueza é capaz de ser contestatária.
As primeiras reações de Dilma apontam para que o governo federal (embora tenha demorado uns dias a perceber verdadeiramente o que estava a acontecer) está a ser capaz de ouvir «a voz da rua».
Ninguém no Brasil acredita que exista, tão cedo, uma «sociedade justa» num país tão desigual. Mas o que terá feito disparar o gatilho da contestação foi a perceção de que, havendo agora riqueza a distribuir, passe a ser inaceitável que as desigualdades continuem tão notórias e que tanta gente continue na pobreza.
O Brasil está pior do que estava há cinco ou dez anos? Não, está melhor. Mas é precisamente porque está melhor que já não aceita que uma boa fatia do país continue com níveis de terceiro mundo em áreas cruciais.
A juntar a tudo isto, apareceu uma coincidência temporal terrível, pela sua carga simbólica: ao mesmo tempo em que o «povão» gritava contra o aumento da tarifa de transporte na megalópole de São Paulo, os brasileiros tomavam consciência dos gastos para a Confederações e para o Mundial.
Por muito que slôganes como «Queremos Escolas com Padrão FIFA» ou «Hospitais em vez de estádios» possam ter um grau de demagogia, a verdade é que eles são a demonstração inequívoca de que o povo brasileiro quis mostrar que está preparado para ter «mais poder» na coisa pública. E isso só é possível em sociedades com massa crítica e independência suficiente para encostarem as suas elites políticas à parede.
O que é que isto tem a ver com Estados Unidos? Muito.
Em primeiro lugar, porque uma boa parte das reivindicações dos brasileiros têm a «medida americana». Eles querem atingir níveis de bem-estar, prosperidade e decência na administração da coisa pública que, nas últimas décadas, só foram atingidas pelos EUA.
Por outro lado, o que o «outono brasileiro» mostra (do mesmo modo que já o haviam feito a Primavera Árabe e a contestação nas ruas de Istambul), é que o «povo» quer ter mais peso nas relações de poder com quem os governa. Não só no dia do voto, mas num processo constante e cada vez mais escrutinado, na sociedade de «tempo real», pontuada pelas redes sociais e pelos «smartphones».
O ponto chave já não está na «sobrevivência», mas sim em conceitos como «justiça», «decência» ou «dignidade».
Podia o «outono brasileiro» acontecer nas ruas da América? Seria, na verdade, muito menos provável. É certo que se assistiu a um esboço disso nos movimentos «Occupy Wall Street», mas estes revelaram-se, apenas, reacções pontuais à crise financeira de 2009.
Na sua essência, o sistema americano está muito mais protegido, pela simples razão de que parte «do povo». Quem assume funções na Casa Branca, no Congresso ou nos governos estaduais são meros funcionários. Passageiros. E nunca se esquecem disso, mesmo quando pisam o risco. Sobretudo quando pisam o risco.
Na América, quando um político mente leva uma penalização pública tremenda. Porque o poder está, em boa parte, «deste» lado. Não é tudo «deles» e, por isso, torna-se mais difícil colocar as culpas em quem está «lá», a mandar.
Para onde penderá, nos próximos anos, a balança do poder?»
sexta-feira, 5 de julho de 2013
Histórias da Casa Branca: Obama regressa ao «efeito Berlim»
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.IOL.PT, A 21 DE JUNHO DE 2013:
Quatro anos e 11 meses depois do discurso de julho de 2008, quando foi recebido na capital alemã, perante 200 mil pessoas em êxtase, como um Deus que acabara de descer à Terra, Barack Obama voltou a Berlim.
Nestes quase cinco anos, uma imensidão de coisas aconteceram. Obama passou de promissor candidato democrata a Presidente reeleito, com especiais dificuldades em arrancar, no segundo mandato, com as bandeiras com que se comprometeu com eleitorado americano.
Na Europa, a Alemanha passou de referência de estabilidade para um país que desperta impaciência e mesmo alguma intolerância, de quem a acusa de estar a promover um «castigo» à indisciplina orçamental dos países periféricos.
Em julho de 2008, Barack Obama confirmou o seu estatuto de «candidato mundial», que extravasa as fronteiras americanas e até tinha bem mais popularidade fora de portas.
Agora, em junho de 2013, a visita do 44.º Presidente dos EUA a Berlim significou coisas bem diferentes.
Por um lado, sublinhou a intenção de Obama de mostrar à Europa que uma boa parte das suas preocupações continuam a residir deste lado do Atlântico.
Apesar de Barack Obama ser, oficialmente, o primeiro Presidente americano a assinar textos e documentos em que aponta a Ásia-Pacífico como a principal prioridade estratégica dos EUA, a verdade é que, em boa medida, Obama continua a ser, também, um «presidente europeu». Não tanto como era Bill Clinton, claro, mas os tempos são completamente diferentes.
O «shift» americano para a Ásia-Pacífico tem mais a ver com receios do que com convicções. O crescimento da China obriga os americanos a tomarem especiais precauções no «rimland» asiático, zona onde os chineses se mostram cada vez mais fortes e ameaçadores.
«O cenário europeu é completamente diferente. Sem uma ameaça bélica real deste lado do Atlântico, as preocupações são outras.
A Europa sempre precisou do guarda-chuva americano para garantia a sua segurança. Começa, agora, a precisar também da ajuda financeira.
Esta nunca surgirá de forma direta, pelo menos nos moldes em que os EUA fazem a países em desenvolvimento ou a sair de processos ditatoriais. Mas pode conhecer outras formulações.
A plataforma de comércio livre que está a começar a ser desenhada entre EUA e Europa (lançada politicamente por Barack Obama no seu discurso de Estado de União, a 12 de fevereiro) é o primeiro grande passo neste «regresso europeu» dos EUA, promovido pelo seu Presidente.
O «comeback» de Obama a Berlim não teve o êxtase de 2008. Mas voltou a merecer atenção especial aos alemães. O Presidente dos EUA aproveitou o momento para recordar que americanos e europeus são herdeiros de uma cultura de valores comum. E incluiu a redução das armas nucleares nesse âmbito, prometendo diminuir em um terço do arsenal americano. O contraponto com a Rússia foi claro.
Ter Angela Merkel ao seu lado pode não dar grande popularidade a Obama nas opiniões públicas dos países da UE. Mas os europeus sabem que o poderoso parceiro do outro lado do atlântico continua a ser o nosso amigo mais fiável.
Nem tudo muda, mesmo quando tudo parece estar a mudar.»
Quatro anos e 11 meses depois do discurso de julho de 2008, quando foi recebido na capital alemã, perante 200 mil pessoas em êxtase, como um Deus que acabara de descer à Terra, Barack Obama voltou a Berlim.
Nestes quase cinco anos, uma imensidão de coisas aconteceram. Obama passou de promissor candidato democrata a Presidente reeleito, com especiais dificuldades em arrancar, no segundo mandato, com as bandeiras com que se comprometeu com eleitorado americano.
Na Europa, a Alemanha passou de referência de estabilidade para um país que desperta impaciência e mesmo alguma intolerância, de quem a acusa de estar a promover um «castigo» à indisciplina orçamental dos países periféricos.
Em julho de 2008, Barack Obama confirmou o seu estatuto de «candidato mundial», que extravasa as fronteiras americanas e até tinha bem mais popularidade fora de portas.
Agora, em junho de 2013, a visita do 44.º Presidente dos EUA a Berlim significou coisas bem diferentes.
Por um lado, sublinhou a intenção de Obama de mostrar à Europa que uma boa parte das suas preocupações continuam a residir deste lado do Atlântico.
Apesar de Barack Obama ser, oficialmente, o primeiro Presidente americano a assinar textos e documentos em que aponta a Ásia-Pacífico como a principal prioridade estratégica dos EUA, a verdade é que, em boa medida, Obama continua a ser, também, um «presidente europeu». Não tanto como era Bill Clinton, claro, mas os tempos são completamente diferentes.
O «shift» americano para a Ásia-Pacífico tem mais a ver com receios do que com convicções. O crescimento da China obriga os americanos a tomarem especiais precauções no «rimland» asiático, zona onde os chineses se mostram cada vez mais fortes e ameaçadores.
«O cenário europeu é completamente diferente. Sem uma ameaça bélica real deste lado do Atlântico, as preocupações são outras.
A Europa sempre precisou do guarda-chuva americano para garantia a sua segurança. Começa, agora, a precisar também da ajuda financeira.
Esta nunca surgirá de forma direta, pelo menos nos moldes em que os EUA fazem a países em desenvolvimento ou a sair de processos ditatoriais. Mas pode conhecer outras formulações.
A plataforma de comércio livre que está a começar a ser desenhada entre EUA e Europa (lançada politicamente por Barack Obama no seu discurso de Estado de União, a 12 de fevereiro) é o primeiro grande passo neste «regresso europeu» dos EUA, promovido pelo seu Presidente.
O «comeback» de Obama a Berlim não teve o êxtase de 2008. Mas voltou a merecer atenção especial aos alemães. O Presidente dos EUA aproveitou o momento para recordar que americanos e europeus são herdeiros de uma cultura de valores comum. E incluiu a redução das armas nucleares nesse âmbito, prometendo diminuir em um terço do arsenal americano. O contraponto com a Rússia foi claro.
Ter Angela Merkel ao seu lado pode não dar grande popularidade a Obama nas opiniões públicas dos países da UE. Mas os europeus sabem que o poderoso parceiro do outro lado do atlântico continua a ser o nosso amigo mais fiável.
Nem tudo muda, mesmo quando tudo parece estar a mudar.»
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