TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 31 DE MARÇO DE 2014:
«Putin revela mágoa profunda pelo fim da URSS»
«A Rússia tem que retirar as tropas da zonas de fronteira com a Ucrânia, para aliviar tensões. Aumentar o número de tropas na fronteira da Ucrânia não é o que a Rússia deve fazer»
«Há um forte sentimento de nacionalismo na Rússia e que, de certa maneira, há a ideia de que o ocidente ganhou vantagem sobre a Rússia no passado. O que tenho dito é que têm interpretado mal as intenções do ocidente. E, garantidamente, não têm compreendido as intenções da diplomacia americana».
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA, entrevista à CBS
O que se passou na Crimeia foi um sério teste à capacidade do exército russo. Eles demonstraram as novas capacidades das nossas forças armadas em termos de qualidade e do elevado moral dos militares
VLADIMIR PUTIN, Presidente da Rússia, citado pela BBC
A visita de Obama à Europa e o aparente recuo de Putin na intenção de «alargamento do território» após a ação militar na Crimeia ajudam-nos a obter alguma lógica racional neste «traumatismo ucraniano».
Se, num primeiro momento, Putin ganhou pelo efeito surpresa, os últimos dias terão sido claros a mostrar que a Rússia corre o risco de ficar isolada na sua «jogada de antecipação», que levou à anexação da Crimeia (ilegal para a comunidade internacional, legitimada ao olhos de Moscovo pelo referendo).
Putin foi magistral no lance militar, percebendo que, após Maidan, o sentimento dominante na Crimeia seria de apelar à proteção de Moscovo, perante a fragilidade da nova ordem político em Kiev.
Mas o presidente russo está a perder a segunda parte desta eliminatória. Putin esperaria uma reação da União Europeia mais titubeante, perante a enorme ligação comercial entre Berlim e Moscovo e até com as influências financeiras entre as praças de Londres e Frankfurt com os magnatas russos.
A juntar a isto, o líder russo terá antecipado um certo esfriamento das relações transatlânticas, em função das revelações constrangedoras do «caso Snowden», com as escutas da NSA a conversas privadas de altos dirigentes políticos e diplomáticos europeus, entre os quais a chanceler Merkel.
Tudo isso terá o seu peso. Mas o que se assistiu,nos últimos dias, foi a um claro reforço da aliança euro-americana, sublimado na cimeira EUA/UE, realizada na semana passada em Bruxelas.
Obama, que no passado recente mostrara pouco entusiasmo perante o «complexo burocrático» das instituições europeias, deu claríssimo sinal de que a aliança entre os Estados Unidos e a União Europeia continua a ser a «pedra angular» das relações externas americanas.
Mesmo uma Europa ainda a tentar salvar-se da crise do euro e das dívidas soberanas de vários dos seus países se mostra, em momentos definidores como é este da questão ucraniana, o aliado mais sólido e consistente dos EUA.
Acresce que os últimos meses têm revelado um claro arrefecimento das economias dos BRIC (Brasil, Rússia, Índica, China e a agora também África do Sul e mesmo a Turquia).
Até ao ano passado, a narrativa dominante na política internacional era de que esses países iriam apresentar taxas de crescimento espetaculares, promovendo uma progressiva perda de influência da economia americana.
Ora, não é isso que está a suceder em 2014: a América, em clara recuperação económica, já tem taxas de crescimento superiores a muitos desses países.
Em contraponto, a Rússia tem debilidades na sua estrutura económica que Putin quererá, eventualmente, disfarçar com esta demonstração de força do seu exército, na questão ucraniana.
Com este quadro, a Europa, mesmo ressentida com as ondas de choque do caso Snowden, nem sequer hesita: sente-se muito mais «americana» do que «russa».
Os momentos de tensão têm esta vantagem: ajudam a escolher caminhos.
O blogue que, desde novembro de 2008, lhe conta tudo o que acontece na política americana, com os olhos postos nos últimos dois anos da era Obama e na corrida às eleições presidenciais de 2016
segunda-feira, 31 de março de 2014
sábado, 29 de março de 2014
Histórias da Casa Branca: Putin reaproximou Obama da Europa
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 28 DE MARÇO DE 2014:
«A Rússia é uma potência regional e não constitui ameaça real aos EUA. A forma como os russos continuam a perturbar os seus vizinhos mostra a sua fraqueza e não a sua força».
«Os nossos aliados da NATO são os nossos parceiros mais próximos no cenário internacional. A Europa é a pedra angular das relações entre os Estados Unidos e o Mundo».
BARACK OBAMA, Presidente dos Estados Unidos
«Muitas pessoas na Europa fizeram leitura exagerada da relação dos EUA com o Pacífico»
«O Presidente Obama disse que queria reforçar os laços com a Ásia, mas isso não significa que quisesse enfraquecer os laços com a Europa. Somos um grande país, podemos fazer duas coisas ao mesmo tempo»
PETER CHASE, vice-presidente da Câmara do Comércio dos EUA para a Europa, entrevista ao Público
A crise da Crimeia pôs a nu divergência fundamental entre os europeus e americanos, por um lado, e russos, por outro, na forma de encarar as relações internacionais.
Quem vive do lado ocidental dá prioridade à estabilidade das fronteiras, ao respeito pelos tratados e à cooperação entre os Estados; a Rússia coloca em primeiro lugar a razão da força, em nome dos seus interesses nacionais.
Nos últimos dias, tem sido muita recordado o «precedente» do Kosovo para se apontar uma vulnerabilidade nesta linha de raciocínio.
Como em tudo na política internacional, o tema não é linear. Convém recordar que, no Kosovo, não houve uma anexação, nem sequer uma violação da integridade territorial por tropas de outro país. Houve, de facto, bombardeamentos da NATO sobre o que é hoje a Sérvia, mas a proclamação da independência do Kosovo decorre num contexto completamente diferente desta «anexação unilataral» por parte da Rússia, ao arrepio do direito internacional e supostamente legitimada num referendo que nem sequer colheu caução por parte da ONU.
A recente cimeira EUA/UE, que levou Barack Obama a Bruxelas pela primeira vez desde que é Presidente, reforçou esta profunda divisão de posições.
Um mérito Vladimir Putin estará a ter, com esta «crise ucraniana»: reaproximar Washington de Bruxelas.
Obama, que por 2008 era endeusado pelos líderes europeus, passou em poucos anos a «desilusão» na leitura deste lado do Atlântico. Porque prometeu no primeiro mandato ser um «Presidente do Pacífico», essencialmente preocupado em travar a ascensão da China. E, depois, pelas revelações constrangeradoras do «caso Snowden», com a perceção de a NSA escutaria conversas privadas de líderes europeus.
A Administração Obama dedicou os últimos meses a tentar sarar as feridas. Hoje mesmo, o Presidente terá recebido uma proposta de reforma da NSA, no sentido de diminuir o alcance das escutas, para que a América não volte a correr o risco de ser acusada de espiar os seus amigos e aliados. Obama defende uma NSA mais limitada, que só possa atuar com mandato judicial.
E será que as ondas de choque da «espionagem» da NSA poderá afetar a concretização da anunciada plataforma transatlântica de comércio e investimento euro-americana?
«Posso garantir que o governo americano não dá informações às nossas companhias. Mas os europeus estão a pensar em novas regras para a proteção de dados. Ora, isso não é só um problema com os EUA», recorda Peter Chase, vice-presidente da Câmara do Comércio dos EUA para a Europa.
Na visita à Europa, Obama insistiu na ilegalidade do referendo na Crimeia, recordou que a aliança euro-americana é a «pedra angular» do posicionamento dos EUA e no Mundo e mostrou que o caminho para travar a ameaça russa é insistir na via das sanções diplomáticas, militares e económicas.
A Rússia já terá perdido, nas últimas semanas, em fuga de capitais decorrentes das sanções pós-Crimeia, o equivalente a 3% do PIB (tanto como em todo o ano de 2013).
«A Rússia é uma potência regional e não constitui ameaça real aos EUA. A forma como os russos continuam a perturbar os seus vizinhos mostra a sua fraqueza e não a sua força».
«Os nossos aliados da NATO são os nossos parceiros mais próximos no cenário internacional. A Europa é a pedra angular das relações entre os Estados Unidos e o Mundo».
BARACK OBAMA, Presidente dos Estados Unidos
«Muitas pessoas na Europa fizeram leitura exagerada da relação dos EUA com o Pacífico»
«O Presidente Obama disse que queria reforçar os laços com a Ásia, mas isso não significa que quisesse enfraquecer os laços com a Europa. Somos um grande país, podemos fazer duas coisas ao mesmo tempo»
PETER CHASE, vice-presidente da Câmara do Comércio dos EUA para a Europa, entrevista ao Público
A crise da Crimeia pôs a nu divergência fundamental entre os europeus e americanos, por um lado, e russos, por outro, na forma de encarar as relações internacionais.
Quem vive do lado ocidental dá prioridade à estabilidade das fronteiras, ao respeito pelos tratados e à cooperação entre os Estados; a Rússia coloca em primeiro lugar a razão da força, em nome dos seus interesses nacionais.
Nos últimos dias, tem sido muita recordado o «precedente» do Kosovo para se apontar uma vulnerabilidade nesta linha de raciocínio.
Como em tudo na política internacional, o tema não é linear. Convém recordar que, no Kosovo, não houve uma anexação, nem sequer uma violação da integridade territorial por tropas de outro país. Houve, de facto, bombardeamentos da NATO sobre o que é hoje a Sérvia, mas a proclamação da independência do Kosovo decorre num contexto completamente diferente desta «anexação unilataral» por parte da Rússia, ao arrepio do direito internacional e supostamente legitimada num referendo que nem sequer colheu caução por parte da ONU.
A recente cimeira EUA/UE, que levou Barack Obama a Bruxelas pela primeira vez desde que é Presidente, reforçou esta profunda divisão de posições.
Um mérito Vladimir Putin estará a ter, com esta «crise ucraniana»: reaproximar Washington de Bruxelas.
Obama, que por 2008 era endeusado pelos líderes europeus, passou em poucos anos a «desilusão» na leitura deste lado do Atlântico. Porque prometeu no primeiro mandato ser um «Presidente do Pacífico», essencialmente preocupado em travar a ascensão da China. E, depois, pelas revelações constrangeradoras do «caso Snowden», com a perceção de a NSA escutaria conversas privadas de líderes europeus.
A Administração Obama dedicou os últimos meses a tentar sarar as feridas. Hoje mesmo, o Presidente terá recebido uma proposta de reforma da NSA, no sentido de diminuir o alcance das escutas, para que a América não volte a correr o risco de ser acusada de espiar os seus amigos e aliados. Obama defende uma NSA mais limitada, que só possa atuar com mandato judicial.
E será que as ondas de choque da «espionagem» da NSA poderá afetar a concretização da anunciada plataforma transatlântica de comércio e investimento euro-americana?
«Posso garantir que o governo americano não dá informações às nossas companhias. Mas os europeus estão a pensar em novas regras para a proteção de dados. Ora, isso não é só um problema com os EUA», recorda Peter Chase, vice-presidente da Câmara do Comércio dos EUA para a Europa.
Na visita à Europa, Obama insistiu na ilegalidade do referendo na Crimeia, recordou que a aliança euro-americana é a «pedra angular» do posicionamento dos EUA e no Mundo e mostrou que o caminho para travar a ameaça russa é insistir na via das sanções diplomáticas, militares e económicas.
A Rússia já terá perdido, nas últimas semanas, em fuga de capitais decorrentes das sanções pós-Crimeia, o equivalente a 3% do PIB (tanto como em todo o ano de 2013).
sexta-feira, 28 de março de 2014
Histórias da Casa Branca: regresso forçado ao palco europeu
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 24 DE MARÇO DE 2014:
Como reagir à anexação da Crimeia pela Rússia?
Tomar como facto consumado de «realpolitik» musculada de Moscovo? Reforçar sanções da «comunidade internacional» contra Putin, chegando ao ponto de expulsar a Rússia do G8 (só «G7», agora, outra vez)?
Barack Obama tem sido muito atacado pela ala dura dos republicanos pela «estratégia de contenção». Obama quer ser recordado como um Presidente que retirou tropas em dois cenários de guerra e fará tudo para evitar dar ordem de novos envios de americanos para teatros de guerra «overseas».
O discurso dúbio de Putin (primeiro garantiu que iria «respeitar a integridade territorial da Ucrânia», depois mostrou que considera a Crimeia território administrável pela Rússia) dá fortes razões para inquietação noutras regiões da Ucrânia.
Ao recordar que «Kiev é a mãe de todas as cidades russas», Putin mostrou que quer mesmo manter essa ambiguidade, no mínimo para sinalizar a fragilidade do novo poder saído de Maidan.
Como lembrou, com muita piada, o embaixador José Cutileiro, em comentário no programa no «Visão Global» da Antena 1, a propósito dos resultados... «norte-coreanos» do referendo na Crimeia, «Estaline dizia que, nisto das eleições a votação não é importante. O que é importante é a contagem...»
E o facto é que os quase 97% (!) de «sins» à anexação da Crimeia à Rússia, ainda que indiquem uma certa visão «estalinista» de dar prioridade «à contagem e não à votação», também não deixam grandes dúvidas quanto a uma maioria clara de habitantes da Crimeia a quererem juntar-se a Moscovo e não a Kiev.
O que fica? Um grande problema para a Ucrânia, antes do mais, com um crescente fantasma russo a perturbar as suas fronteiras. Mas também um problema para a Europa e para os Estados Unidos.
O Presidente Obama, que passará os próximos em solo europeu, teve que alterar a agenda da visita já programa desde o início do ano para dar ainda mais prioridade à questão da Crimeia/Ucrânia/Rússia.
Merkel, Cameron e Hollande têm falado grosso contra Putin: prometem sanções e, pelo menos nas palavras, dão mostras de não quereram sobrepor os (muitos) interesses económicos de Berlim, Londres e Paris com Moscovo.
Mas toda a Europa sabe que, sem um poder militar real, continua a ser preciso o aval americano para que o «bloco NATO» dê forte sinal de proteção à Ucrânia perante a ameaça russa.
O próximo passo é estancar a ferida da «cisão». A Crimeia terá mesmo que ser uma exceção, caso contrário há muitos esqueletos que podem sair do armário.
Houve quem se tenha lembrado, nos últimos dias, da coincidência temporal, um pouco assustadora: também foi no ano 14 do século passado que o assassinato do arquiduque Francisco Fernando em Sarajavo tornou-se rastilho que gerou a I Guerra Mundial.
Exatamente um século depois, queremos todos acreditar que há, agora, maior racionalidade política e diplomática. Os interesses económicos interligados (a Rússia precisa UE, a UE precisa da Rússia) também pode ajudar.
Esta é mesmo a guerra que ninguém quer. Mas nos últimos dias tem-se brincado com o fogo. Quem conhece bem os russos sabe que eles não iriam recuar, depois de terem avançado para a Crimeia.
Putin sabe que terá muito mais a perder do que a ganhar se subir a parada das movimentações militares. Mesmo assim, Washington dá mostras de apreensão, com o agravar das sanções económicas e diplomáticas.
O interesse de Obama em voltar-se outra vez para a Europa Central e do Leste era pouco maior que zero.
A recente visita de Michelle, Sacha e Malia Obama a Pequim (com direito a receção pelo presidente Xi Jinping) mostrou que a América continua a ter supremacia em relação à Rússia em qualquer cenário: até com a China e talvez até com o Irão, perante o novo clima de cooperação sinalizada por Rohani.
Como reagir à anexação da Crimeia pela Rússia?
Tomar como facto consumado de «realpolitik» musculada de Moscovo? Reforçar sanções da «comunidade internacional» contra Putin, chegando ao ponto de expulsar a Rússia do G8 (só «G7», agora, outra vez)?
Barack Obama tem sido muito atacado pela ala dura dos republicanos pela «estratégia de contenção». Obama quer ser recordado como um Presidente que retirou tropas em dois cenários de guerra e fará tudo para evitar dar ordem de novos envios de americanos para teatros de guerra «overseas».
O discurso dúbio de Putin (primeiro garantiu que iria «respeitar a integridade territorial da Ucrânia», depois mostrou que considera a Crimeia território administrável pela Rússia) dá fortes razões para inquietação noutras regiões da Ucrânia.
Ao recordar que «Kiev é a mãe de todas as cidades russas», Putin mostrou que quer mesmo manter essa ambiguidade, no mínimo para sinalizar a fragilidade do novo poder saído de Maidan.
Como lembrou, com muita piada, o embaixador José Cutileiro, em comentário no programa no «Visão Global» da Antena 1, a propósito dos resultados... «norte-coreanos» do referendo na Crimeia, «Estaline dizia que, nisto das eleições a votação não é importante. O que é importante é a contagem...»
E o facto é que os quase 97% (!) de «sins» à anexação da Crimeia à Rússia, ainda que indiquem uma certa visão «estalinista» de dar prioridade «à contagem e não à votação», também não deixam grandes dúvidas quanto a uma maioria clara de habitantes da Crimeia a quererem juntar-se a Moscovo e não a Kiev.
O que fica? Um grande problema para a Ucrânia, antes do mais, com um crescente fantasma russo a perturbar as suas fronteiras. Mas também um problema para a Europa e para os Estados Unidos.
O Presidente Obama, que passará os próximos em solo europeu, teve que alterar a agenda da visita já programa desde o início do ano para dar ainda mais prioridade à questão da Crimeia/Ucrânia/Rússia.
Merkel, Cameron e Hollande têm falado grosso contra Putin: prometem sanções e, pelo menos nas palavras, dão mostras de não quereram sobrepor os (muitos) interesses económicos de Berlim, Londres e Paris com Moscovo.
Mas toda a Europa sabe que, sem um poder militar real, continua a ser preciso o aval americano para que o «bloco NATO» dê forte sinal de proteção à Ucrânia perante a ameaça russa.
O próximo passo é estancar a ferida da «cisão». A Crimeia terá mesmo que ser uma exceção, caso contrário há muitos esqueletos que podem sair do armário.
Houve quem se tenha lembrado, nos últimos dias, da coincidência temporal, um pouco assustadora: também foi no ano 14 do século passado que o assassinato do arquiduque Francisco Fernando em Sarajavo tornou-se rastilho que gerou a I Guerra Mundial.
Exatamente um século depois, queremos todos acreditar que há, agora, maior racionalidade política e diplomática. Os interesses económicos interligados (a Rússia precisa UE, a UE precisa da Rússia) também pode ajudar.
Esta é mesmo a guerra que ninguém quer. Mas nos últimos dias tem-se brincado com o fogo. Quem conhece bem os russos sabe que eles não iriam recuar, depois de terem avançado para a Crimeia.
Putin sabe que terá muito mais a perder do que a ganhar se subir a parada das movimentações militares. Mesmo assim, Washington dá mostras de apreensão, com o agravar das sanções económicas e diplomáticas.
O interesse de Obama em voltar-se outra vez para a Europa Central e do Leste era pouco maior que zero.
A recente visita de Michelle, Sacha e Malia Obama a Pequim (com direito a receção pelo presidente Xi Jinping) mostrou que a América continua a ter supremacia em relação à Rússia em qualquer cenário: até com a China e talvez até com o Irão, perante o novo clima de cooperação sinalizada por Rohani.
segunda-feira, 17 de março de 2014
Histórias da Casa Branca: uma vida inteira a defender a «contenção»
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 17 DE MARÇO DE 2014:
«As velhas soluções de mais armas e mais intervenções não serão aceites numa Europa já habituada à paz»
Barack Obama, artigo publicado em 1983, então estudante na Universidade de Columbia
«Obama tem que equacionar a hipótese nuclear contra Putin. A única forma de travar um mau tipo com armas nucleares é um bom tipo com armas nucleares»
Sarah Palin, ex-governadora do Alasca e «tea party darling»
Barack Obama tem tentado ser o Presidente do realismo, da redução de efetivos e da desnuclearização.
Em Praga, há quase cinco anos, corria o mês de abril de 2009, ainda em ambiente de início de primeiro mandato, anunciou o caminho para «um Mundo sem armas nucleares».
Considerado como «irrealista», esse discurso apontaria, no entanto, o arranque para a assinatura de um novo Tratado Start, com a Rússia (então presidida por Medveded, mas controlada politicamente por Putin), precisamente um ano depois (abril de 2010), e também na capital checa.
Esse acordo, posteriormente ratificado no Senado dos EUA com 81 votos a favor e só 18 contra, previa uma forte redução do arsenal nuclear dos dois maiores poderes (americano e russo).
A visão de Obama sobre a «contenção» da grande ameaça nuclear estava clara. Começou nessa primeira fase da sua presidência com o histórico acordo com a Rússia e prosseguiu, por exemplo, na gestão do problema sírio, ao colocar como «red line», que legitimaria uma eventual intervenção militar contra o regime de Assad, a utilização de armas químicas contra população civil.
A efetivação da redução nuclear, não estando em perigo, passou para segundo plano no último ano, com as divergências crescentes entre Obama e Putin em grandes temas como a Síria ou, agora, a Ucrânia.
Mas manteve-se como pilar fundamental da visão Obama para o que deve ser a «contenção» da grande ameaça iraniana, por exemplo. Os passos dados entre o Presidente dos EUA e o novo líder surgido em Teerão (Rohani) voltaram a mostrar que, em Washington, continua a haver forte vontade política de colocar a «desnuclearização» no topo das prioridades de política externa.
A questão pode parecer relativamente óbvia para os nossos parâmetros de leitura. Mas mesmo na política interna americana, está longe de ser um consenso. Basta olhar para o que disse Sarah Palin, antiga governadora do Alasca e ícone da direita radical americana, no recente CPAC. A ex-candidata a vice-presidente sentenciou: «A única forma de travar um mau tipo com armas nucleares é um bom tipo com armas nucleares».
«Contenção» será o termo adequado para definir a estratégia do atual presidente americano, para reduzir a necessidade de acionar o poder bélico dos EUA. James Traub, em excelente artigo na «Foreign Policy», resume, em alusão à crise da Crimeia: «Obama vai permitir que Putin ganhe a batalha, assegurando que o Ocidente vencerá a guerra».
Uma crítica que se faz a um líder político de um grande país é a de que mudou as suas posições fundamentais depois de chegar ao poder.
Não deixa, por isso, de ser interessante olhar para o que Barack Obama, então com 21 anos, escreveu na revista da Universidade de Columbia, em artigo intitulado «Breaking de The War Mentality», a 10 de março de 1983, há 31 anos e uma semana: «Em 1933, o «establishment» alemão pensava que podia usar Hitler para restaurar o módico de ordem perante uma Weimar confusa e anárquica. Na verdade, Hitler reforçou o «establishment» alemão, mas não exatamente no modo como banqueiros e homens de negócio gostariam; e agora, cinquenta anos depois, é claro quem estava a usar quem (...) As velhas soluções de mais armas e mais intervenções não serão aceites numa Europa já habituada à paz».
O artigo pode ser lido em http://documents.nytimes.com/obama-s-1983-college-magazine-article#p=1
«As velhas soluções de mais armas e mais intervenções não serão aceites numa Europa já habituada à paz»
Barack Obama, artigo publicado em 1983, então estudante na Universidade de Columbia
«Obama tem que equacionar a hipótese nuclear contra Putin. A única forma de travar um mau tipo com armas nucleares é um bom tipo com armas nucleares»
Sarah Palin, ex-governadora do Alasca e «tea party darling»
Barack Obama tem tentado ser o Presidente do realismo, da redução de efetivos e da desnuclearização.
Em Praga, há quase cinco anos, corria o mês de abril de 2009, ainda em ambiente de início de primeiro mandato, anunciou o caminho para «um Mundo sem armas nucleares».
Considerado como «irrealista», esse discurso apontaria, no entanto, o arranque para a assinatura de um novo Tratado Start, com a Rússia (então presidida por Medveded, mas controlada politicamente por Putin), precisamente um ano depois (abril de 2010), e também na capital checa.
Esse acordo, posteriormente ratificado no Senado dos EUA com 81 votos a favor e só 18 contra, previa uma forte redução do arsenal nuclear dos dois maiores poderes (americano e russo).
A visão de Obama sobre a «contenção» da grande ameaça nuclear estava clara. Começou nessa primeira fase da sua presidência com o histórico acordo com a Rússia e prosseguiu, por exemplo, na gestão do problema sírio, ao colocar como «red line», que legitimaria uma eventual intervenção militar contra o regime de Assad, a utilização de armas químicas contra população civil.
A efetivação da redução nuclear, não estando em perigo, passou para segundo plano no último ano, com as divergências crescentes entre Obama e Putin em grandes temas como a Síria ou, agora, a Ucrânia.
Mas manteve-se como pilar fundamental da visão Obama para o que deve ser a «contenção» da grande ameaça iraniana, por exemplo. Os passos dados entre o Presidente dos EUA e o novo líder surgido em Teerão (Rohani) voltaram a mostrar que, em Washington, continua a haver forte vontade política de colocar a «desnuclearização» no topo das prioridades de política externa.
A questão pode parecer relativamente óbvia para os nossos parâmetros de leitura. Mas mesmo na política interna americana, está longe de ser um consenso. Basta olhar para o que disse Sarah Palin, antiga governadora do Alasca e ícone da direita radical americana, no recente CPAC. A ex-candidata a vice-presidente sentenciou: «A única forma de travar um mau tipo com armas nucleares é um bom tipo com armas nucleares».
«Contenção» será o termo adequado para definir a estratégia do atual presidente americano, para reduzir a necessidade de acionar o poder bélico dos EUA. James Traub, em excelente artigo na «Foreign Policy», resume, em alusão à crise da Crimeia: «Obama vai permitir que Putin ganhe a batalha, assegurando que o Ocidente vencerá a guerra».
Uma crítica que se faz a um líder político de um grande país é a de que mudou as suas posições fundamentais depois de chegar ao poder.
Não deixa, por isso, de ser interessante olhar para o que Barack Obama, então com 21 anos, escreveu na revista da Universidade de Columbia, em artigo intitulado «Breaking de The War Mentality», a 10 de março de 1983, há 31 anos e uma semana: «Em 1933, o «establishment» alemão pensava que podia usar Hitler para restaurar o módico de ordem perante uma Weimar confusa e anárquica. Na verdade, Hitler reforçou o «establishment» alemão, mas não exatamente no modo como banqueiros e homens de negócio gostariam; e agora, cinquenta anos depois, é claro quem estava a usar quem (...) As velhas soluções de mais armas e mais intervenções não serão aceites numa Europa já habituada à paz».
O artigo pode ser lido em http://documents.nytimes.com/obama-s-1983-college-magazine-article#p=1
sexta-feira, 14 de março de 2014
Histórias da Casa Branca: quase só trunfos para Hillary Clinton
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 10 DE MARÇO DE 2014:
Na histórica corrida à nomeação presidencial democrata de 2008, Hillary Clinton partiu com uma vantagem de 20 a 30 pontos sobre Barack Obama e John Edwards.
Parecia uma diferença difícil de reverter, mas o evoluir das primárias foi mostrando uma recuperação espetacular de Obama.
Numa fase em que o mais provável passou já a ser nomeação do então senador pelo Illinois, um conselheiro próximo de Hillary desabafava: «O problema para nós é que esta corrida tinha tudo para ser ganha por uma senadora democrata que nasceu no Illinois, mas entretanto apareceu um senador democrata que nasceu numa manjedoura...»
A imagem foi aplicada em altura de plena «Obamania», meses antes da primeira eleição do primeiro presidente negro da América.
Seis anos depois, os primeiros sinais para a corrida de 2016 são ainda mais favoráveis a Hillary. Com um avanço que oscila entre os 60 e os 70 pontos, a antiga Primeira Dama dos EUA já nem precisa de fazer frente a «toques de magia» que eventuais rivais internos pudessem derramar para as hostes democratas.
Desta vez, Hillary tem quase tudo a seu favor: uma vantagem nunca vista numa corrida presidencial americana (passeio para a nomeação e avanço sólido contra todos os potenciais opositores republicanos); uma base financeira alargadíssima (em parte iniciada na campanha Hillary-2008 e outra herdada das duas campanhas presidenciais de Obama); uma economia americana a recuperar, com sinais de que, por 2016, possa ter números já superiores ao que tinha antes da crise de 2008 (o que poderá beneficiar a futura nomeada democrata).
Hillary só tem vantagens? Não. Tem dois ou três problemas que terá que contornar nos próximos dois anos.
Primeiro, a idade. Em novembro de 2016, Hillary Clinton terá acabado de completar 69 anos. É certo que a energia que exalou no mandato como secretária de Estado (mais de cem viagens pelo mundo) lhe dão força para minimizar o «tema idade». Mas os problemas de saúde que acusou no final do mandato, por setembro e outubro de 2012, serão certamente um ponto a acompanhar nos próximos tempos.
Uma presidência Hillary, sem dúvida histórica por constituir a primeira mulher a chegar à Casa Branca, confere, ao mesmo tempo, um certo «olhar para trás», não muito comum na política americana.
Bill foi eleito pela primeira vez para a Casa Branca em 1992: 24 anos antes da possível eleição de Hillary. Se ela for mesmo a sucessora de Barack, passar-se-á de um Presidente eleito com 47 anos (a idade de Obama em 2008), para uma Presidente eventualmente escolhida com 69 anos (a idade de Hillary em 2016).
A questão é que, na política, os ciclos têm uma certa lógica. Um dos pontos fracos apontados a Obama no início foi, precisamente, a sua inexperiência em cargos executivos. O mesmo nunca se poderá dizer de Hillary, que habita a alta política americana há 40 anos.
Hillary Diane Rodham Clinton nasceu em Chicago, a 26 de outubro de 1947. Formada em Ciências Políticas, em Wellesley, e em Direito, em Yale. Filha de Dorothy e Hugh Rodham, casal republicano e conservador, chegou, na adolescência a fazer campanha por Barry Goldwater, candidato que perdeu para o democrata Lyndon Johnson, em 1964.
Mas nos anos de faculdade, já era uma liberal, com agenda progressista. Aluna brilhante, foi escolhida para oradora doseu curso em Wellesley, e chegou a Yale, no início da década de 70, onde conheceu Bill Clinton.
Ao tornar-se a jovem esposa do mais jovem governador de estado da história americana (Bill Clinton governou o Arkansas com 28 anos), Hillary começava um percurso político de quatro décadas, que inclui os cargos de Primeira Dama dos EUA (1993-2001), senadora democrata por Nova Iorque (2001-2009), candidata presidencial nas primárias democratas (2008) e secretária de Estado norte-americana (2009-2013).
Na histórica corrida à nomeação presidencial democrata de 2008, Hillary Clinton partiu com uma vantagem de 20 a 30 pontos sobre Barack Obama e John Edwards.
Parecia uma diferença difícil de reverter, mas o evoluir das primárias foi mostrando uma recuperação espetacular de Obama.
Numa fase em que o mais provável passou já a ser nomeação do então senador pelo Illinois, um conselheiro próximo de Hillary desabafava: «O problema para nós é que esta corrida tinha tudo para ser ganha por uma senadora democrata que nasceu no Illinois, mas entretanto apareceu um senador democrata que nasceu numa manjedoura...»
A imagem foi aplicada em altura de plena «Obamania», meses antes da primeira eleição do primeiro presidente negro da América.
Seis anos depois, os primeiros sinais para a corrida de 2016 são ainda mais favoráveis a Hillary. Com um avanço que oscila entre os 60 e os 70 pontos, a antiga Primeira Dama dos EUA já nem precisa de fazer frente a «toques de magia» que eventuais rivais internos pudessem derramar para as hostes democratas.
Desta vez, Hillary tem quase tudo a seu favor: uma vantagem nunca vista numa corrida presidencial americana (passeio para a nomeação e avanço sólido contra todos os potenciais opositores republicanos); uma base financeira alargadíssima (em parte iniciada na campanha Hillary-2008 e outra herdada das duas campanhas presidenciais de Obama); uma economia americana a recuperar, com sinais de que, por 2016, possa ter números já superiores ao que tinha antes da crise de 2008 (o que poderá beneficiar a futura nomeada democrata).
Hillary só tem vantagens? Não. Tem dois ou três problemas que terá que contornar nos próximos dois anos.
Primeiro, a idade. Em novembro de 2016, Hillary Clinton terá acabado de completar 69 anos. É certo que a energia que exalou no mandato como secretária de Estado (mais de cem viagens pelo mundo) lhe dão força para minimizar o «tema idade». Mas os problemas de saúde que acusou no final do mandato, por setembro e outubro de 2012, serão certamente um ponto a acompanhar nos próximos tempos.
Uma presidência Hillary, sem dúvida histórica por constituir a primeira mulher a chegar à Casa Branca, confere, ao mesmo tempo, um certo «olhar para trás», não muito comum na política americana.
Bill foi eleito pela primeira vez para a Casa Branca em 1992: 24 anos antes da possível eleição de Hillary. Se ela for mesmo a sucessora de Barack, passar-se-á de um Presidente eleito com 47 anos (a idade de Obama em 2008), para uma Presidente eventualmente escolhida com 69 anos (a idade de Hillary em 2016).
A questão é que, na política, os ciclos têm uma certa lógica. Um dos pontos fracos apontados a Obama no início foi, precisamente, a sua inexperiência em cargos executivos. O mesmo nunca se poderá dizer de Hillary, que habita a alta política americana há 40 anos.
Hillary Diane Rodham Clinton nasceu em Chicago, a 26 de outubro de 1947. Formada em Ciências Políticas, em Wellesley, e em Direito, em Yale. Filha de Dorothy e Hugh Rodham, casal republicano e conservador, chegou, na adolescência a fazer campanha por Barry Goldwater, candidato que perdeu para o democrata Lyndon Johnson, em 1964.
Mas nos anos de faculdade, já era uma liberal, com agenda progressista. Aluna brilhante, foi escolhida para oradora doseu curso em Wellesley, e chegou a Yale, no início da década de 70, onde conheceu Bill Clinton.
Ao tornar-se a jovem esposa do mais jovem governador de estado da história americana (Bill Clinton governou o Arkansas com 28 anos), Hillary começava um percurso político de quatro décadas, que inclui os cargos de Primeira Dama dos EUA (1993-2001), senadora democrata por Nova Iorque (2001-2009), candidata presidencial nas primárias democratas (2008) e secretária de Estado norte-americana (2009-2013).
Histórias da Casa Branca: a Crimeia a mexer no tabuleiro mundial
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 13 DE MARÇO DE 2014:
«Se a Rússia continuar o que está a fazer durante as últimas semanas, a catástrofe pode afetar não apenas a Ucrânia. Isto não vai alterar apenas as relações entre a UE e a Rússia. Afeta a Rússia economicamente e politicamente»
Angela Merkel, chanceler da Alemanha
A crise da Crimeia está naquele ponto em que ninguém sabe dizer se a próxima etapa será melhor ou pior.
Como notou José Milhazes no «Blogue da Rússia», «ninguém diz querer uma solução militar para a situação em trono da Crimeia, mas o facto é que todos se estão a preparar para a guerra.»
Putin, autor da jogada militar e política de alto risco de mandar 16 mil tropas para a Crimeia, território ucraniano, não tem qualquer interesse em lançar a Rússia num conflito de larga escala.
A questão não é essa.
O que está em jogo na crise da Crimeia é uma relação de forças entre a Rússia, a NATO (leia-se, EUA) e outros «players» escondidos, como a China e até o Irão.
Ao olhar ocidental, seguindo os critérios dos acordos internacionais e das fronteiras desenhadas nos mapas, a Rússia de Putin criou um precedente: colocou o princípio da integridade territorial (a Crimeia faz parte da Ucrânia) abaixo dos valores estratégicos e até históricos e culturais.
A Revolução da Praça de Maidan levou Putin a tomar uma decisão radical.
Moscovo está a encostar o frágil poder de Kiev a uma escolha complicada: tão pouco tempo depois da saída de Ianukovich (que reclama estatuto de presidente mas teve que fugir para a Rússia), o novo poder em Kiev agarra-se à ajuda americana para estancar ameaça de extremismos.
Esta era a crise que Washington, Berlim e Bruxelas não queriam.
Na Casa Branca, Obama passou os últimos cinco anos a mudar as peças do poder militar americano da Europa para a Ásia.
No início do seu primeiro mandato, o Presidente dos EUA chegou a acreditar que teria em Putin, se não um forte aliado, pelo menos um parceiro estratégico no interesse comum de reduzir a ameaça nuclear (Tratado Start assinado em Praga, em abril 2010, entre Obama e o então líder russo Medvedev).
O fantasma Leste/Oeste parecia exorcizado e o problema da segurança europeia deixava de estar nas prioridades de Washington.
Quatro anos depois, a realidade é completamente diferente. O tal «presidente do Pacífico» que Obama parecia ser no primeiro mandato, essencialmente preocupado com a ascensão da China, terá que voltar a assestar baterias para a Europa.
A viagem do Presidente Obama à Europa, no final do mês, ditará os contornos da resposta americana a esta crise inesperada.
O confronto de poder mais visível desta crise é sem dúvida entre Obama e Putin, os EUA e a Rússia, o Ocidente e o Leste.
Pelo meio, está a nossa «Europa, querida Europa, liderada pela Alemanha de Merkel, a ter que ter um discurso dual, afetivamente mais ligada aos EUA e contratualmente ligada à NATO, mas ao mesmo tempo com fortíssimo envolvimento económico com a Rússia.
Por detrás deste cenário mais evidente, estão dois «atores sombra»: a China e o Irão.
O suposto apoio de Pequim a Moscovo, no ato de Putin de dominar a Crimeia, pode ter um efeito de exemplo. A China ameaça fazer movimentos paparecidos em zonas estratégicas da Ásia-Pacífico. O precedente da Crimeia pode ser útil para os chineses.
O Irão tem um interesse diferente. O clima de aproximação entre Obama e Rohani apanhou Putin de surpresa. A perspetiva de acordos comerciais, sobretudo na área da energia, entre Washington e Teerão, levou a Rússia a preservar a sua área de influência na Ucrânia.
Robert Gates, chefe do Pentágono no final dos anos Bush e na primeira metade do primeiro mandato de Obama, cauciona a atuação do Presidente, apesar de tantas críticas de «fraqueza perante Putin», lançadas pela Direita americana: «Obama tem feito o que deve o que deve ser feito. Putin também mandou tropas para a Geórgia e na altura ninguém disse que o Presidente Bush estava a ser fraco».
«Se a Rússia continuar o que está a fazer durante as últimas semanas, a catástrofe pode afetar não apenas a Ucrânia. Isto não vai alterar apenas as relações entre a UE e a Rússia. Afeta a Rússia economicamente e politicamente»
Angela Merkel, chanceler da Alemanha
A crise da Crimeia está naquele ponto em que ninguém sabe dizer se a próxima etapa será melhor ou pior.
Como notou José Milhazes no «Blogue da Rússia», «ninguém diz querer uma solução militar para a situação em trono da Crimeia, mas o facto é que todos se estão a preparar para a guerra.»
Putin, autor da jogada militar e política de alto risco de mandar 16 mil tropas para a Crimeia, território ucraniano, não tem qualquer interesse em lançar a Rússia num conflito de larga escala.
A questão não é essa.
O que está em jogo na crise da Crimeia é uma relação de forças entre a Rússia, a NATO (leia-se, EUA) e outros «players» escondidos, como a China e até o Irão.
Ao olhar ocidental, seguindo os critérios dos acordos internacionais e das fronteiras desenhadas nos mapas, a Rússia de Putin criou um precedente: colocou o princípio da integridade territorial (a Crimeia faz parte da Ucrânia) abaixo dos valores estratégicos e até históricos e culturais.
A Revolução da Praça de Maidan levou Putin a tomar uma decisão radical.
Moscovo está a encostar o frágil poder de Kiev a uma escolha complicada: tão pouco tempo depois da saída de Ianukovich (que reclama estatuto de presidente mas teve que fugir para a Rússia), o novo poder em Kiev agarra-se à ajuda americana para estancar ameaça de extremismos.
Esta era a crise que Washington, Berlim e Bruxelas não queriam.
Na Casa Branca, Obama passou os últimos cinco anos a mudar as peças do poder militar americano da Europa para a Ásia.
No início do seu primeiro mandato, o Presidente dos EUA chegou a acreditar que teria em Putin, se não um forte aliado, pelo menos um parceiro estratégico no interesse comum de reduzir a ameaça nuclear (Tratado Start assinado em Praga, em abril 2010, entre Obama e o então líder russo Medvedev).
O fantasma Leste/Oeste parecia exorcizado e o problema da segurança europeia deixava de estar nas prioridades de Washington.
Quatro anos depois, a realidade é completamente diferente. O tal «presidente do Pacífico» que Obama parecia ser no primeiro mandato, essencialmente preocupado com a ascensão da China, terá que voltar a assestar baterias para a Europa.
A viagem do Presidente Obama à Europa, no final do mês, ditará os contornos da resposta americana a esta crise inesperada.
O confronto de poder mais visível desta crise é sem dúvida entre Obama e Putin, os EUA e a Rússia, o Ocidente e o Leste.
Pelo meio, está a nossa «Europa, querida Europa, liderada pela Alemanha de Merkel, a ter que ter um discurso dual, afetivamente mais ligada aos EUA e contratualmente ligada à NATO, mas ao mesmo tempo com fortíssimo envolvimento económico com a Rússia.
Por detrás deste cenário mais evidente, estão dois «atores sombra»: a China e o Irão.
O suposto apoio de Pequim a Moscovo, no ato de Putin de dominar a Crimeia, pode ter um efeito de exemplo. A China ameaça fazer movimentos paparecidos em zonas estratégicas da Ásia-Pacífico. O precedente da Crimeia pode ser útil para os chineses.
O Irão tem um interesse diferente. O clima de aproximação entre Obama e Rohani apanhou Putin de surpresa. A perspetiva de acordos comerciais, sobretudo na área da energia, entre Washington e Teerão, levou a Rússia a preservar a sua área de influência na Ucrânia.
Robert Gates, chefe do Pentágono no final dos anos Bush e na primeira metade do primeiro mandato de Obama, cauciona a atuação do Presidente, apesar de tantas críticas de «fraqueza perante Putin», lançadas pela Direita americana: «Obama tem feito o que deve o que deve ser feito. Putin também mandou tropas para a Geórgia e na altura ninguém disse que o Presidente Bush estava a ser fraco».
domingo, 9 de março de 2014
Histórias da Casa Branca: ambiguidade russa, contenção americana
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 7 DE MARÇO DE 2014:
«Uma proposta de referendo sobre o futuro da Crimeia violaria a Constituição ucraniana e a legislação internacional»
BARACK OBAMA, Presidente dos Estados Unidos
«O uso da força seria uma situação extrema, mas reservamo-nos ao direito de utilizar todos os meios para defender os cidadãos ucranianos e russos étnicos»
VLADIMIR PUTIN, Presidente da Rússia
Da Crimeia surgem sinais de intenção de aproximação a Moscovo e afastamento de Kiev. Há um referendo marcado para dia 16, com a população local a ter que escolher entre a opção russa ou uma autonomia local.
A História, a Geografia e as raízes culturais colocam a Crimeia do lado russo. Mas uma «doação», em 1954, feita à «república ucraniana» (a segunda maior da ex-URSS) por Krutchev (de origem ucraniana) agravou a confusão política e militar desta península de importância estratégica para Moscovo.
Em 1992, Kiev concedeu estatuto de autonomia à Crimeia em relação à Ucrânia. A forma abrupta e não legitimada como Putin mandou (não assumidamente) 16 mil unidades agravou a tensão e só se pode explicar no contexto da queda de Ianukovich em Kiev e da nova liderança ucraniana, pró-ocidental.
Ao fim de uma semana de crise, a estratégia de Obama para a ameaça russa na Crimeia é clara: evitar a todo o custo uma escalada do conflito; afastar opção de intervenção militar americana; arrefecer ímpetos bélicos do «Urso de Moscovo», com sanções económicas e diplomáticas e com o «raspanete» de direito internacional: «A entrada de militares russos em território ucraniano é uma clara violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia e uma infracção à lei internacional», avisou o Presidente dos EUA.
Obama sabe que Putin tem mais a perder do que a ganhar em levar a ameaça às últimas consequências. Pôde falar grosso no plano das sanções nos últimos dias (o Presidente dos EUA ordenou ontem o congelamento dos bens e a proibição de viajar para território americano de todos os responsáveis pela entrada de militares russos na Crimeia), mas manteve a janela do diálogo com Moscovo (na última semana, Obama e Putin falaram, pelo menos, duas vezes ao telefone).
«Reconhecemos os laços históricos e culturais sólidos entre a Rússia e a Ucrânia e também a necessidade de proteger os direitos russófonos e das minorias» no país, comentou fonte oficial da administração americana, citada pela AFP.
A visão da Casa Branca sobre este problema passa, assim, por um progressivo recuo, militar e diplomático, da Rússia de Putin.
Mesmo com o avanço das tropas de Moscovo na Crimeia, Washington está a apontar caminhos de saída. E Obama não se importa de repetir várias vezes a Putin: «As questões a resolver na Crimeia devem ser diretamente dirigidas ao governo ucraniano».
O apoio americano à (frágil) solução governativa em Kiev, saída da Praça de Maidan, é claro e está a ser decisivo para que, de Moscovo, não surjam tentações ainda mais agressivas.
No plano da política interna americana, esta crise na Crimeia não tem tido uma reação clássica.
Geralmente, quando os EUA entram num cenário de guerra ou eventual ameaça à segurança interna dos Estados Unidos, as divergências internas para segundo plano. Não por acaso, os picos de popularidade dos últimos dois Presidentes (Bush e Obama) foram, respetivamente, nos dias seguintes ao 11 de Setembro de 2001 e após a operação de eliminação de Bin Laden.
Mas, desta vez, a estratégia de «contenção e arrefecimento» da Administração Obama junto de Moscovo não está a cair bem na Direita americana mais acirrada.
Ted Cruz, campeão dessa fação extremista, atirou: «Lá de Moscovo, Putin deve estar a rir-se às gargalhadas da forma como Obama está a lidar com esta questão». Uma visão, no mínimo, bizarra de ver a questão. E que mostra bem o estado de uma parte da Direita americana.
As boas lideranças políticas continuam a ser a chave para que crises como a da Crimeia não degenerem em desgraças.
«Uma proposta de referendo sobre o futuro da Crimeia violaria a Constituição ucraniana e a legislação internacional»
BARACK OBAMA, Presidente dos Estados Unidos
«O uso da força seria uma situação extrema, mas reservamo-nos ao direito de utilizar todos os meios para defender os cidadãos ucranianos e russos étnicos»
VLADIMIR PUTIN, Presidente da Rússia
Da Crimeia surgem sinais de intenção de aproximação a Moscovo e afastamento de Kiev. Há um referendo marcado para dia 16, com a população local a ter que escolher entre a opção russa ou uma autonomia local.
A História, a Geografia e as raízes culturais colocam a Crimeia do lado russo. Mas uma «doação», em 1954, feita à «república ucraniana» (a segunda maior da ex-URSS) por Krutchev (de origem ucraniana) agravou a confusão política e militar desta península de importância estratégica para Moscovo.
Em 1992, Kiev concedeu estatuto de autonomia à Crimeia em relação à Ucrânia. A forma abrupta e não legitimada como Putin mandou (não assumidamente) 16 mil unidades agravou a tensão e só se pode explicar no contexto da queda de Ianukovich em Kiev e da nova liderança ucraniana, pró-ocidental.
Ao fim de uma semana de crise, a estratégia de Obama para a ameaça russa na Crimeia é clara: evitar a todo o custo uma escalada do conflito; afastar opção de intervenção militar americana; arrefecer ímpetos bélicos do «Urso de Moscovo», com sanções económicas e diplomáticas e com o «raspanete» de direito internacional: «A entrada de militares russos em território ucraniano é uma clara violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia e uma infracção à lei internacional», avisou o Presidente dos EUA.
Obama sabe que Putin tem mais a perder do que a ganhar em levar a ameaça às últimas consequências. Pôde falar grosso no plano das sanções nos últimos dias (o Presidente dos EUA ordenou ontem o congelamento dos bens e a proibição de viajar para território americano de todos os responsáveis pela entrada de militares russos na Crimeia), mas manteve a janela do diálogo com Moscovo (na última semana, Obama e Putin falaram, pelo menos, duas vezes ao telefone).
«Reconhecemos os laços históricos e culturais sólidos entre a Rússia e a Ucrânia e também a necessidade de proteger os direitos russófonos e das minorias» no país, comentou fonte oficial da administração americana, citada pela AFP.
A visão da Casa Branca sobre este problema passa, assim, por um progressivo recuo, militar e diplomático, da Rússia de Putin.
Mesmo com o avanço das tropas de Moscovo na Crimeia, Washington está a apontar caminhos de saída. E Obama não se importa de repetir várias vezes a Putin: «As questões a resolver na Crimeia devem ser diretamente dirigidas ao governo ucraniano».
O apoio americano à (frágil) solução governativa em Kiev, saída da Praça de Maidan, é claro e está a ser decisivo para que, de Moscovo, não surjam tentações ainda mais agressivas.
No plano da política interna americana, esta crise na Crimeia não tem tido uma reação clássica.
Geralmente, quando os EUA entram num cenário de guerra ou eventual ameaça à segurança interna dos Estados Unidos, as divergências internas para segundo plano. Não por acaso, os picos de popularidade dos últimos dois Presidentes (Bush e Obama) foram, respetivamente, nos dias seguintes ao 11 de Setembro de 2001 e após a operação de eliminação de Bin Laden.
Mas, desta vez, a estratégia de «contenção e arrefecimento» da Administração Obama junto de Moscovo não está a cair bem na Direita americana mais acirrada.
Ted Cruz, campeão dessa fação extremista, atirou: «Lá de Moscovo, Putin deve estar a rir-se às gargalhadas da forma como Obama está a lidar com esta questão». Uma visão, no mínimo, bizarra de ver a questão. E que mostra bem o estado de uma parte da Direita americana.
As boas lideranças políticas continuam a ser a chave para que crises como a da Crimeia não degenerem em desgraças.
quarta-feira, 5 de março de 2014
Histórias da Casa Branca: Obama, a China e o novo orgulho americano
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 28 DE FEVEREIRO DE 2014:
«Aqui estão os resultados dos nosso esforços: o mais baixo desemprego dos últimos cinco anos. Um mercado imobiliário em recuperação. Um setor industrial com a maior criação de empregos desde os anos 1990. Maior produção de petróleo em casa e menor compra de petróleo estrangeiro (...) Pela primeira vez numa década, os líderes empresariais em todo o Mundo declaram que a China não é mais o lugar número um para investir. Esse lugar voltou a ser a América»
Barack Obama, Estado da União 2014, 28 de janeiro
«O que é um poder em ascensão nos dias de hoje? Admitamos: qualquer coisa que Pequim faça parece-nos agressivo de alguma forma, aos nossos olhos americanos. E parece que tem uma importância cada vez maior. Será discutida, sobreanalisado graças aos «social media» e a novas formas de espalhar informação»
Harry Kazianis, excerto de artigo publicado no «The Diplomat»
«Temos que trabalhar juntos de modo a chegarmos a acordos bipartidários que promovam a proteção dos nosso trabalhadores, protejam o nosso clima económico e abram as empresas americanas a novos mercados, de modo a espalhar a marca «Made in USA». A China e a Europa não se ficam pelas suas fronteiras. Nós também não podemos ficar».
Barack Obama, Estado da União 2014, 28 de janeiro
Feita a recuperação económica, depois dos anos de pânico e de um crescimento lento mas sustentado, a reta final da era Obama será marcada por duas grandes ideias: garantir que as pessoas beneficiem da melhoria dos índices económicos (mais emprego, melhor proteção social, aumento do salário mínimo) e assegurar que a América se mantém como o «país indispensável», mesmo depois dos anos da crise e mesmo perante a ameaça da China.
A «revolução ucraniana» voltou a provar que o «fantasma russo» talvez seja mais mito que realidade.
Putin pode ter travado à última hora o plano da Administração Obama para um «ataque cirúrgico» à Síria. Mas daí até se ter concluído que Washington tinha perdido para Moscovo o papel dominante no tabuleiro internacional foi um passo maior do que a perna.
Seja na definição de impasses como o que se vive na Ucrânia, seja no modo como se reage a uma crise internacional de 2008, os Estados Unidos da América continuam a ser o «país indispensável».
Mesmo com os cortes militares anunciados nos últimos anos (e já cumpridos em boa parte no orçamento do Pentágono). Mesmo perante as retiradas no Iraque e no Afeganistão (ou sobretudo com elas, depende da perspetiva).
A visão de Barack Obama, nos seus dois mandatos presidenciais, mostra um misto de realismo na política externa (uma década de guerra terminou, é tempo de retirar tropas e reduzir custos) com o reforço da tese do «domínio americano».
O Mundo de Obama não é pós-americano. E nem a anunciada «ascensão da China» fez abalar essa visão do Presidente.
Mais do que salvar os americanos de uma nova Grande Depressão, o legado de Obama pretende ser o de manter e reforçar o papel da América no Mundo. Esses dois conceitos, aparentemente distantes, entrecruzam-se nas prioridades do Presidente: Obama quer terminar o segundo mandato deixando uma América com «uma economia forte e durável», capaz de manter os EUA como «o país mais atrativo para os investidores de todo o Mundo».
O Presidente deu conta desse caminho, no já citado discurso do Estado da União de 28 de janeiro passado, onde traçou as linhas fortes da reta final do seu segundo mandato: «Um dos grandes fatores que estão a ajudar na criação de emprego é a aposta na energia americana. A estratégia energética que anunciou há alguns anos está a resultar e coloca os EUA no caminho da independência».
Voltarei, muito em breve, a este tema. O «regresso da América» e o «arrefecimento dos emergentes» vão marcar os próximos anos.
«Aqui estão os resultados dos nosso esforços: o mais baixo desemprego dos últimos cinco anos. Um mercado imobiliário em recuperação. Um setor industrial com a maior criação de empregos desde os anos 1990. Maior produção de petróleo em casa e menor compra de petróleo estrangeiro (...) Pela primeira vez numa década, os líderes empresariais em todo o Mundo declaram que a China não é mais o lugar número um para investir. Esse lugar voltou a ser a América»
Barack Obama, Estado da União 2014, 28 de janeiro
«O que é um poder em ascensão nos dias de hoje? Admitamos: qualquer coisa que Pequim faça parece-nos agressivo de alguma forma, aos nossos olhos americanos. E parece que tem uma importância cada vez maior. Será discutida, sobreanalisado graças aos «social media» e a novas formas de espalhar informação»
Harry Kazianis, excerto de artigo publicado no «The Diplomat»
«Temos que trabalhar juntos de modo a chegarmos a acordos bipartidários que promovam a proteção dos nosso trabalhadores, protejam o nosso clima económico e abram as empresas americanas a novos mercados, de modo a espalhar a marca «Made in USA». A China e a Europa não se ficam pelas suas fronteiras. Nós também não podemos ficar».
Barack Obama, Estado da União 2014, 28 de janeiro
Feita a recuperação económica, depois dos anos de pânico e de um crescimento lento mas sustentado, a reta final da era Obama será marcada por duas grandes ideias: garantir que as pessoas beneficiem da melhoria dos índices económicos (mais emprego, melhor proteção social, aumento do salário mínimo) e assegurar que a América se mantém como o «país indispensável», mesmo depois dos anos da crise e mesmo perante a ameaça da China.
A «revolução ucraniana» voltou a provar que o «fantasma russo» talvez seja mais mito que realidade.
Putin pode ter travado à última hora o plano da Administração Obama para um «ataque cirúrgico» à Síria. Mas daí até se ter concluído que Washington tinha perdido para Moscovo o papel dominante no tabuleiro internacional foi um passo maior do que a perna.
Seja na definição de impasses como o que se vive na Ucrânia, seja no modo como se reage a uma crise internacional de 2008, os Estados Unidos da América continuam a ser o «país indispensável».
Mesmo com os cortes militares anunciados nos últimos anos (e já cumpridos em boa parte no orçamento do Pentágono). Mesmo perante as retiradas no Iraque e no Afeganistão (ou sobretudo com elas, depende da perspetiva).
A visão de Barack Obama, nos seus dois mandatos presidenciais, mostra um misto de realismo na política externa (uma década de guerra terminou, é tempo de retirar tropas e reduzir custos) com o reforço da tese do «domínio americano».
O Mundo de Obama não é pós-americano. E nem a anunciada «ascensão da China» fez abalar essa visão do Presidente.
Mais do que salvar os americanos de uma nova Grande Depressão, o legado de Obama pretende ser o de manter e reforçar o papel da América no Mundo. Esses dois conceitos, aparentemente distantes, entrecruzam-se nas prioridades do Presidente: Obama quer terminar o segundo mandato deixando uma América com «uma economia forte e durável», capaz de manter os EUA como «o país mais atrativo para os investidores de todo o Mundo».
O Presidente deu conta desse caminho, no já citado discurso do Estado da União de 28 de janeiro passado, onde traçou as linhas fortes da reta final do seu segundo mandato: «Um dos grandes fatores que estão a ajudar na criação de emprego é a aposta na energia americana. A estratégia energética que anunciou há alguns anos está a resultar e coloca os EUA no caminho da independência».
Voltarei, muito em breve, a este tema. O «regresso da América» e o «arrefecimento dos emergentes» vão marcar os próximos anos.
Histórias da Casa Branca: olhem para a Ucrânia
TEXTO PUBLICADO NO SITE TVI24.PT, A 4 DE MARÇO DE 2014:
Vai mesmo haver guerra na Ucrânia? A pergunta tem-se repetido, um pouco por todo o Mundo.
As últimas horas parecem indicar que não. Mas mesmo não existindo um cenário de conflito militar, a verdade é que as movimentações de tropas russas não deixa grandes dúvidas: Putin está a dar prioridade à preservação do seu «espaço vital», relegando o princípio da «integridade territorial» ucraniana.
É claro que a primeira reação é de espanto. Receio. Talvez até de choque: vermos a entrada, sem aviso prévio e à revelia de qualquer acordo internacional, de vários milhares de soldados russos em território ucraniano faz-nos recuar aos tempos da Guerra Fria.
A jogada de Putin tem um pouco dessa lógica: de repente, a Rússia do G8, a Rússia que ainda não faz parte da NATO mas até há pouco tempo aprofundava relações com os seus membros, ignora os avisos de EUA, Reino Unido e outras potências internacionais e sinaliza que continua a ter como grande prioridade o controlo hegemónico daquela região.
Erro crasso de Putin? Possivelmente. Mas sem dúvida que também uma demonstração de força do «grande urso moscovita» sobre o segundo maior país europeu em área e que detém interesses comerciais, políticos e militares de que os russos não pretendem abdicar.
OS EUA foram claros na primeira resposta: suspenderam a cooperação militar com a Rússia. De Moscovo já surgiu a resposta: a América vai perder economicamente com isso. A Rússia promete tornar-se independente no plano energético.
A Rússia é agressiva, mas é racional. Gosta de exibir o seu poder musculado, mas, ao contrário da tradição das democracias ocidentais (cujos líderes gostam mais de falar do que fazer), a elite política de Moscovo fala pouco e age quando menos se espera.
Isso não significa que a Rússia tenha perdido a cabeça e passe a entrar numa aventura militar que poderia terminar numa grande escala, de conflito direto com as potências ocidentais.
Putin é suficientemente inteligente para saber que nunca poderá afrontar diretamente os EUA e a NATO. Isso, simplesmente, não acontecerá.
Os próximos dias serão marcados por mais tensão política e diplomática, ameaça de sanções de EUA e UE à Rússia (eventualmente até a ameaça de expulsão da Rússia do G8).
Tudo se precipitou após a «Revolução da Praça Maidan» e a consequente «fuga» do ex-Presidente Ianukovich, completamente apoiado pela Rússia.
Kiev passou a virar-se para o Ocidente, o que parecia ter sido uma boa notícia. Moscovo primeiro calou-se, depois ameaçou em força. Fazendo avançar 16 mil tropas para a Crimeia, acusando Kiev de ter havido «golpe de estado».
Putin, que na crise síria tinha saído por cima, ao travar Obama à última hora, convencendo-o que se fizesse um «ataque cirúrgico» a Assad estaria a violar a «integridade territorial» da Síria, esqueceu esse princípio nesta questão ucraniana.
Qual é a diferença? Nas mentes dos líderes russos, possivelmente porque vêem na Crimeia território seu e não ucraniano.
E agora?
Há quem veja saída provável para a Crimeia algo parecido com o que sucedeu com a Ossétia do Sul, que após a intervenção militar russa de 2008 declarou independência da Geórgia (e na prática é administrada pela Rússia).
Este cenário será mais imaginável do que, propriamente, uma secessão da Ucrânia em «Ucrânia Ocidental» e «Ucrânia Russa».
Este é, por isso, essencialmente um problema regional, que terá que ser resolvido pela Rússia e pelas novas autoridades ucranianas, coma Crimeia como principal foco.
Ninguém tem interesse real num conflito militar em grande escala. E ainda há tempo para o evitar. No telefonema de hora e meia, no passado sábado, Obama avisou Putin: «Uma ação militar na Ucrânia terá custos».
Voltarei, obviamente, a este tema em nova crónica, nos próximos dias.
Vai mesmo haver guerra na Ucrânia? A pergunta tem-se repetido, um pouco por todo o Mundo.
As últimas horas parecem indicar que não. Mas mesmo não existindo um cenário de conflito militar, a verdade é que as movimentações de tropas russas não deixa grandes dúvidas: Putin está a dar prioridade à preservação do seu «espaço vital», relegando o princípio da «integridade territorial» ucraniana.
É claro que a primeira reação é de espanto. Receio. Talvez até de choque: vermos a entrada, sem aviso prévio e à revelia de qualquer acordo internacional, de vários milhares de soldados russos em território ucraniano faz-nos recuar aos tempos da Guerra Fria.
A jogada de Putin tem um pouco dessa lógica: de repente, a Rússia do G8, a Rússia que ainda não faz parte da NATO mas até há pouco tempo aprofundava relações com os seus membros, ignora os avisos de EUA, Reino Unido e outras potências internacionais e sinaliza que continua a ter como grande prioridade o controlo hegemónico daquela região.
Erro crasso de Putin? Possivelmente. Mas sem dúvida que também uma demonstração de força do «grande urso moscovita» sobre o segundo maior país europeu em área e que detém interesses comerciais, políticos e militares de que os russos não pretendem abdicar.
OS EUA foram claros na primeira resposta: suspenderam a cooperação militar com a Rússia. De Moscovo já surgiu a resposta: a América vai perder economicamente com isso. A Rússia promete tornar-se independente no plano energético.
A Rússia é agressiva, mas é racional. Gosta de exibir o seu poder musculado, mas, ao contrário da tradição das democracias ocidentais (cujos líderes gostam mais de falar do que fazer), a elite política de Moscovo fala pouco e age quando menos se espera.
Isso não significa que a Rússia tenha perdido a cabeça e passe a entrar numa aventura militar que poderia terminar numa grande escala, de conflito direto com as potências ocidentais.
Putin é suficientemente inteligente para saber que nunca poderá afrontar diretamente os EUA e a NATO. Isso, simplesmente, não acontecerá.
Os próximos dias serão marcados por mais tensão política e diplomática, ameaça de sanções de EUA e UE à Rússia (eventualmente até a ameaça de expulsão da Rússia do G8).
Tudo se precipitou após a «Revolução da Praça Maidan» e a consequente «fuga» do ex-Presidente Ianukovich, completamente apoiado pela Rússia.
Kiev passou a virar-se para o Ocidente, o que parecia ter sido uma boa notícia. Moscovo primeiro calou-se, depois ameaçou em força. Fazendo avançar 16 mil tropas para a Crimeia, acusando Kiev de ter havido «golpe de estado».
Putin, que na crise síria tinha saído por cima, ao travar Obama à última hora, convencendo-o que se fizesse um «ataque cirúrgico» a Assad estaria a violar a «integridade territorial» da Síria, esqueceu esse princípio nesta questão ucraniana.
Qual é a diferença? Nas mentes dos líderes russos, possivelmente porque vêem na Crimeia território seu e não ucraniano.
E agora?
Há quem veja saída provável para a Crimeia algo parecido com o que sucedeu com a Ossétia do Sul, que após a intervenção militar russa de 2008 declarou independência da Geórgia (e na prática é administrada pela Rússia).
Este cenário será mais imaginável do que, propriamente, uma secessão da Ucrânia em «Ucrânia Ocidental» e «Ucrânia Russa».
Este é, por isso, essencialmente um problema regional, que terá que ser resolvido pela Rússia e pelas novas autoridades ucranianas, coma Crimeia como principal foco.
Ninguém tem interesse real num conflito militar em grande escala. E ainda há tempo para o evitar. No telefonema de hora e meia, no passado sábado, Obama avisou Putin: «Uma ação militar na Ucrânia terá custos».
Voltarei, obviamente, a este tema em nova crónica, nos próximos dias.
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