domingo, 28 de fevereiro de 2016

Histórias da Casa Branca: explicações para o absurdo Trump e a confirmação da favorita Hillary


Donald Trump lidera em oito dos 11 estados da Super Terça-Feira. Mesmo no Texas, território Ted Cruz, ainda não perdeu as esperanças de vencer. Marco Rubio, supostamente na posição de corporizar a «frente do sistema contra Trump», corre o risco de passar o dia decisivo do processo de primárias sem conseguir vencer um único estado. O apoio de Chris Christie a Trump pode ter marcado ponto de viragem: será que começa a ser inevitável encarar Donald como nomeado?





Hillary Clinton esmagou na Carolina do Sul, sobrepondo-se a Bernie Sanders por 74-26. 96 em cada 100 eleitores negros preferiram Hillary a Bernie. Com exceção do Massachussets, Hillary tem grande vantagem em quase todos os estados que vão a jogo na Super Terça-Feira. Ou seja: dentro de poucos dias, o foco dos democratas estará já na eleição geral. Hillary dará um passeio triunfal até à Convenção de Filadélfia




Até há dois ou três meses, para alguns ainda menos do que isso, encarar a nomeação presidencial de Donald Trump era quase uma piada. Um absurdo que, apesar das repetidas sondagens indicando o contrário, não deixava de ser visto como tal.

Sucede que podemos estar a poucos dias de assistirmos àqueles momentos em que o absurdo se transforma em real.

Os resultados do «caucus» republicano do Nevada apanharam todos de surpresa. Não apenas pela vitória de Trump (na verdade, as sondagens já o tinham avisado), mas sobretudo pela vantagem de Donald sobre Cruz e Rubio.

Num estado com forte implantação de hispânicos, Donald bateu Cruz e Rubio (dois descendentes de cubanos) numa base de dois para um – sendo que até entre os latinos Trump foi o mais votado.

Ora, isso vai contra todo o tipo de cálculos que estavam a ser feitos sobre como iria Donald Trump começar a cair.

O multimilionário nova-iorquino -- que nos primeiro quatro estados das primárias republicanas ficou em segundo no Iowa e depois venceu claramente no New Hampshire, na Carolina do Sul e no Nevada --, está a passar quase todos os testes e exibe uma dinâmica ascendente que não deve ser desvalorizada.

O primeiro forte sinal foi dado na Carolina do Sul: em estado profundamente religioso, sulista e conservador, o candidato mais irreverente e desalinhado do leque republicano (e aquele que menos fala do plano religioso) vencera folgadamente.

Mas o alerta do Nevada foi mais sério: os dados pareciam jogar contra Donald, mas Trump respondeu com um triunfo que prova que, afinal, ele não anti-corpos de base nos segmentos que compõem o mosaico republicano.

E os trunfos recentes de Donald não se ficam por aqui.

O «endorsment» de Chris Christie a Trump causou particular embaraço ao «core» republicano. Chris e Donald até têm ponto em comum na forma de ser: são ambos tipos duros e desbocados, que gostam de se afirmar pelo «politicamente incorreto».




Mas há diferenças fundamentais: Trump é um «sniper» que atira disparates atrás de disparates em discursos que não resistem ao «fact checking»; Christie é um político consistente, com um currículo vencedor do ponto de vista eleitoral na Nova Jérsia e ambições nacionais legitimadas pelo percurso feito no Partido Republicano.

Que, neste ponto da corrida -- em que era suposto que os mais prestigiados políticos republicanos se unissem em torno de uma solução que garantisse a barragem ao perigo Trump – Christie apoie expressamente Donald é um episódio perturbador e até um pouco deprimente.

Por muito que este gesto se explique no «ódio» que Christie destilou sobre Marco Rubio no debate do New Hampshire, a verdade é que há uma enorme diferença entre não aceitar o apoio «útil» a Rubio e este «endorsment» a Trump.

Christie abriu um precedente: até há poucos dias, Donald Trump prosseguia uma caminhada isolada, liderando sem um único apoio formal de governadores de estado ou senadores. 

Entre figuras nacionais do Partido Republicano, só a pouco credível Sarah Palin (ex-governadora do Alaska e candidata a vice do ticket de McCain em 2008) tinha aparecido a apoiar Trump – o que em nada contribuiu para diminuir o tom de críticas e reservas a Donald.
   
Será que o «endorsment» de Christie provocou um «turning point» nesta ideia, a ponto de se começar a desenhar uma absorção do Partido Republicano a uma possível «inevitabilidade» da nomeação de Trump?

Ainda é cedo para saber, mas é de admitir que, caso Donald tenha na Super Terça-Feira as vitórias que as sondagens indicam, esse movimento possa ser, pelo menos, estudado.

Como foi possível chegarmos aqui?

Há uma enorme sensação de desconforto em todo o sistema político e de poder norte-americano com esta caminhada triunfal de Trump, possivelmente rumo à nomeação.

Importa, nesta fase, explicar que este «absurdo perto de se tornar real» atinge, especialmente, o Partido Republicano.

O problema é mais profundo – denota as imperfeições da recuperação económica dos anos Obama, que embora tenha reduzido o desemprego a números historicamente baixos, deixou partes da sociedade americana excluídas.

Mas sinaliza, essencialmente, a crise grave em que caiu o Partido Republicano.




As referências que supostamente emergiriam nesta corrida de 2016 falharam todas. 

Algumas por falta de comparência (Giuliani, Romney, Ryan), outras por incapacidade política (Jeb Bush, Chris Christie, Bobby Jindal, Scott Walker), ou então por insuficiente cobertura mediática (Rand Paul, Carly Fiorina, George Pataki).

Só restam dois nomes e mesmo esses estão a cometer demasiados erros e podem já não ir a tempo de evitar o «perigo Trump»: Ted Cruz foi o primeiro a arrancar e venceu o primeiro combate, o Iowa, mas mostra demasiadas fragilidades nos estados que não tenham forte componente evangélica para poder pensar seriamente na nomeação; Marco Rubio, a última esperança do «establishment» (ou do que resta dele…) bateu-se bem no Iowa, mas falhou rotundamente no New Hampshire (aquele debate da véspera foi trágico para o senador da Florida) e teve resultados aquém do que precisava na Carolina do Sul e no Nevada.

A grande questão para Rubio é se vai conseguir convencer a tempo uma maioria de eleitores republicanos de que tem muito mais hipóteses de «elegibilidade» em novembro contra Hillary do que Trump.

Convém perceber que Donald Trump, mesmo com esta liderança clara da corrida, tem pouco mais de um terço dos votos republicanos.

A sua personalidade divisiva tem um enorme perigo para a eleição geral: boa parte dos eleitores republicanos podem não se mobilizar para votar num nomeado que detestam ou preferir, até, votar em Hillary para travar o «elefante Donald» e um cenário ainda mais absurdo de vê-lo na Casa  Branca.

Só que Rubio ainda não ganhou um único estado – e corre mesmo o risco de passar a Super Terça-Feira sem um primeiro lugar para exibir. 

Por muito mal que esse dia lhe corra (e pode mesmo correr), espera-se que coloque depois todas as fichas na sua Florida – mas, atenção, até nesse estado que Marco representa desde 2010 no Senado, Trump aparece neste momento à frente (e com algum avanço).




No recente debate de Houston, na CNN, Marco Rubio, já em fase de queimar os últimos cartuchos, encostou finalmente Trump às cordas. Mostrou incoerências de Donald, utilizou algumas das táticas que Trump tem utilizado. Pode ter causado impacto no momento, mas é duvidoso que, no global desta longa corrida, esse debate venha a ser decisivo.

O «trend» das próximas batalhas mostra Trump com avanços significativos e um certo equilíbrio entre Rubio e Cruz pelo segundo lugar, sem grandes sinais de que alguns possa saltar para a frente.

Até em estados com demografias que poderiam parecer menos favoráveis a Trump (como o Massachussets, o Michigan ou a Virgínia), os estudos mantêm Donald na frente, na casa dos 30 e tal por cento, com vantagens de pelo menos 10 ou 15 pontos sobre Rubio.

Das duas, uma: ou Cruz desiste depois da Super Terça-Feira (só se admite esse cenário caso perca o Texas) e a corrida passa a ser a dois (e isso pode catapultar Rubio como o anti-Trump com margem para crescer), ou uma disputa a três até ao fim deverá acabar por manter Trump na liderança dos delegados.

O que acontecerá na Convenção de Cleveland é que ainda é uma incógnita: estará o Partido Republicano preparado para «engolir» Donald Trump ou pode ainda esperar-se algum golpe de teatro?


Hillary esmaga na Carolina do Sul e promete resolver já na Super Terça-Feira

Do lado democrata, a Carolina do Sul tirou as dúvidas de quem ainda as queria alimentar: Hillary Clinton vai mesmo ser a nomeada presidencial democrata.

Hillary esmagou Sanders naquele estado sulista: 74%/26%, 48 pontos de vantagem, no «landslide» que faltava à ex-secretária de Estado para garantir uma espécie de passeio triunfal até à Convenção de Filadélfia, em julho.

A enorme vitória de Hillary na Carolina do Sul teve a gasolina dos… 96% (!) obtidos no eleitorado negro. Nem Obama em 2008 conseguiu tanto num estado que tem 60% de eleitores democratas negros.

Mesmo que nos próximos territórios o peso dos negros não seja tão forte, esta foi a prova final de que Bernie Sanders não tem, verdadeiramente, uma dimensão nacional: não consegue penetrar em segmentos cada vez mais importantes para uma eleição presidencial americana.

As tendências para a Super Terça-Feira são claras: o favoritismo de Hillary deverá ser reforçada a um ponto de não retorno.

Clinton lidera com grandes vantagens na Geórgia (63-35), na Virgínia (59-39) e no Texas (61-34).

Com um quarto do total dos delegados em jogo, e tendo em conta a vantagem que Hillary já tem sobre Sanders e a perspetiva de a alargar bem mais após o dia mais influente deste processo de primárias, não se vê outra conclusão a tirar que não seja a de que Hillary Clinton sair da Super Terça-Feira com a nomeação perfeitamente controlada (mesmo que ainda não matematicamente garantida).




Daqui a poucos dias, a questão do lado democrata estará, por isso, em saber quem escolherá Hillary para seu vice (o próprio Sanders? Elizabeth Warren? alguém mais próximo do eleitorado central, como Evan Bayh ou Jim Webb? uma ‘rising star’ com apelo às minorias, como Julian Castro, sobretudo se o opositor republicano for Rubio?), ou então em apostar se Bernie Sanders vai mesmo até ao fim ou se deita a toalha ao chão e deixa Hillary sozinha, daqui a umas semanas.

O discurso de vitória de Hillary na Carolina do Sul aponta já para a eleição geral: «Não vamos descurar nenhum voto. Não vamos deixar portas por bater. Depois da Super Terça-Feira, a nossa candidatura passará a ser nacional».




Sem o «efeito novidade» de 2008, e com muitos esqueletos no armário próprios de quem está há mais de 40 anos na primeira linha de fogo da política americana, Hillary Clinton sabe que terá vários «cisnes negros» a poderem complicar-lhe o caminho até novembro.

Mas a verdade, também, é que poucas semanas bastaram para mostrar que Hillary Clinton é, de longe, a candidata mais viável e mais bem preparada para enfrentar, do lado democrata, a eleição geral.

Barack Obama percebeu isso há muito tempo e não teve pejo em, mesmo como Presidente, assumir a sua preferência por Hillary para assegurar a sua herança política.




O tal «armistício» celebrado entre Barack e Hillary dias antes da eleição geral de 2008 – e que passou pelo apoio de Hillary a Obama a troco do embalo de Barack a Clinton para 2016, com passagem pelo Departamento de Estado em apenas um mandato, estando Hillary já a preparar-se para nova candidatura à Casa Branca durante o segundo mandato de Obama – está a concretizar-se em pleno.


Quer dizer: em pleno mesmo… só se Hillary bater Trump ou Rubio em novembro. Faltam oito meses para sabermos. Já faltou bem mais.    

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Histórias da Casa Branca: Trump avança, Jeb cai, Rubio aproveita -- e Hillary segura-se


A Carolina do Sul deu nova vitória a Donald Trump e começa a colocar o multimilionário como favorito à nomeação republicana. Mas ainda não de forma inevitável: a desistência de Jeb Bush pode dar de bandeja a Marco Rubio o estatuto de «candidato anti-Trump». E ainda há Ted Cruz pelo meio: os 22,3% do senador do Texas dão-lhe força para prosseguir, pelo menos por mais algum tempo, a bater-se com Rubio na luta pelo segundo posto




Do lado democrata, a vitória de Hillary Clinton no Nevada foi curta (52.5/47.5), mas ainda assim um pouco superior ao quase empate do Iowa. Sanders não foi capaz de aproveitar o embalo da triunfo enorme no New Hampshire e, mesmo tendo obtido uma «surge» final, falhou o primeiro lugar que necessitava de obter no Nevada para consumar a reviravolta. Na Carolina do Sul, dia 27, Hillary tem tudo para esmagar (os quase 60% de eleitores negros preferem-na numa escala de quatro para um em relação a Bernie). Se vencer por 20 ou 30 pontos nesse estado sulista, Hillary embalará definitivamente para a nomeação, que quase já pode selar nos 14 estados da Super Terça-Feira




Donald Trump até pode nem conseguir ser o nomeado do Partido Republicano.

Mas uma coisa já ninguém lhe tira: o polémico multimilionário nova-iorquino provocou um autêntico terramoto político no GOP, com consequências que podem vir a ser irreparáveis para os pilares da Direita e do conservadorismo americano.

O triunfo na Carolina do Sul nem foi tão esmagador como as sondagens previam.

Donald teve 32,5%, mais 10% que Marco Rubio e Ted Cruz. 

Mas o sistema «winner takes all» (o mais votado arrecada todos os delegados) deverá permitir a Trump somar a totalidade dos 50 delegados à convenção republicana que a Carolina do Sul, importante estado no barómetro político dos republicanos, garante.

O terramoto está aí: depois de Scott Walker, depois de Chris Christie, depois de Carly Fiorina, depois de Mike Huckabee e Rick Santorum, agora foi mesmo Jeb Bush a baixar os braços.

Os 7,8% do ex-governador da Florida na Carolina do Sul (aliados a 3% no Iowa, sexto lugar, e 11% no New Hampshire, quarto posto) foram frustração suficiente para Jeb assumir o fracasso e atirar a toalha ao chão.

Um cenário como este – Trump a somar vitórias; Ted Cruz a bater-se muito bem nos três primeiros estados, incluindo um primeiro lugar no Iowa; Walker, Christie e Bush a desistirem de forma precoce – era simplesmente impensável há um ano (ou até mais recentemente).

E só podem ser interpretados como um sintoma gravíssimo do estado do Partido Republicano. O centro e uma certa noção de moderação foram postos de lado pelos eleitores republicanos, desiludidos com a incapacidade do partido lidar com os anos Obama.

Jeb Bush, pouco carismático é certo, mas com uma base de financiadores que noutro quadro político talvez lhe fosse suficiente para obter a nomeação, nem sequer chegou à sua Florida para uma última tentativa de travar Trump.




O fracasso de Jeb faz, em certa medida, lembrar Giuliani em 2008: Rudy também partiu como favorito, mas apostou de tal modo na Florida que não resistiu aos resultados péssimos nos estados de arranque (muito idênticos, curiosamente, aos de Jeb em 2016).

Mas o contexto político é completamente diferente: Jeb até nem descurou o Iowa (muitos acharam que passou tempo demais no estado de arranque, não tendo perfil nem credenciais para poder sonhar com um bom resultado em local com tantos evangélicos).

2016 não pode, na verdade, ser comparado com nada, em matéria de corridas à nomeação presidencial republicana.

Se, há apenas quatro anos, Donald Trump nem sequer conseguiu grande atenção e por isso se demoveu a ir a votos, desta vez o discurso desbragado, sem grande consistência programática e puxando pelos sentimentos mais primários dos eleitores está a valer – e até força a desistência de supostos favoritos.

Em 2012, Mitt Romney era um candidato globalmente idêntico a Jeb Bush: pouco carismático, pouco colado às tendências Tea Party, a flutuar entre as correntes moderadas e com aspetos conservadores, ex-governador de estado respeitado e boa base de financiamento.

Há quatro anos, isso chegou e sobrou a Mitt para obter a nomeação republicana. Ora, Jeb nem à Super Terça-Feira chegou.

Com tanta originalidade a marcar a corrida de 2016, pode até ser que, desta vez, não se repita a tradição nas nomeações presidenciais republicanas: é que, geralmente, quem ganha na Carolina do Sul obtém mesmo a investidura. Valerá para Donald?

Rubio esfrega as mãos

A dinâmica da corrida republicana começa a ser difícil de prever, mas tudo indica que Marco Rubio venha a ser o principal beneficiado da desistência de Jeb.

Sem Bush, sem Christie, sem Fiorina e sem Walker na corrida (e embora ainda haja John Kasich, talvez o mais centrista de todos os candidatos republicanos nestas primárias), Marco Rubio tem tudo para angariar em seu torno os apoios que estavam destinados a Jeb (nem 80 milhões de dólares gastos na campanha valeram a Bush; Trump gastou seis vezes menos até agora e vai à frente…)

Marco foi segundo na Carolina do Sul, graças a uma boa reta final nesse estado sulista, onde beneficiou do apoio da popular governadora Nikki Haley (indiana-americana), também ela uma descendente de imigrantes com 44 anos.




O segundo posto de Rubio foi um quase empate com Cruz, é certo, e a dez por cento de Trump. Mas com o triplo dos votos de Jeb Bush, do mesmo modo que já tinha tido o sêxtuplo dos votos de Jeb no Iowa.

Rubio é um candidato ambíguo: posiciona-se claramente à direita em temas como Cuba (é contra a abertura promovida pelo Presidente Obama, por considerar que não se deve negociar e dar concessões a «governos de ditadores»), mas consegue ter uma narrativa para a classe média e sabe «vender» a sua história americana, de filho de imigrantes de origem muito modesta e que conseguiram vencer subindo a pulso – e à custa de muito trabalho na «terra da oportunidade».

Até agora, o capital político de Rubio nestas primárias é ter sobrevivido a Trump (Jeb, Christie e Walker não podem dizer o mesmo…) e é ter conseguido percentagens um pouco acima do que as sondagens indicavam no Iowa e na Carolina do Sul.

Com a queda de Jeb, essas percentagens podem subir ainda mais, talvez para valores iguais ou superiores a Trump.

Mas restam dúvidas fundamentais em relação à viabilidade de Rubio: afinal de contas, quando é que o jovem senador da Florida vai conseguir ganhar um estado (os especialistas apontavam a Carolina do Sul como terreno propício a que Marco vencesse)?

A Super Terça-Feira será, por isso, crucial para Rubio: ou consegue bater Trump em alguns dos territórios chave ou fica difícil acreditar que vá a tempo de recuperar a contabilidade de delegados em relação a Donald.

E ainda há Ted Cruz. Poucos acreditam que o polémico (e também ele desalinhado) senador do Texas tenha condições de sonhar com a nomeação.




Trump tem mais capacidade de mobilização, Rubio mostra-se mais credível e com mais apoios influentes. Mas as credenciais evangélicas de Cruz não devem ser subvalorizadas.

Ted voltou a ter resultado significativo (22,3%) na Carolina do Sul, depois do triunfo no Iowa (28%) e do terceiro lugar no New Hampshire (12%).

Tudo indica que Cruz não vai resistir ao choque dos grandes estados (e do cosmopolitismo da Costa Leste), mas os bons resultados do senador texano nos três primeiros estados podem baralhar as contas mais algum tempo.

Por um lado, Ted vai querer lutar com Marco (curiosamente, dois senadores de ascendência cubana, de 44 anos) pelo estatuto de segundo classificado da corrida; por outro, disputa com Trump o eleitorado mais «zangado» com o sistema.

Nesta corrida absolutamente atípica do lado republicano, os três primeiros estão, de algum modo, invertidos: Trump e Cruz assumiam-se, no início, como os candidatos mal-amados pelo sistema e pelo «core republicano»; Rubio mostrava condições de sonhar pela nomeação, mas teria que ultrapassar o favoritismo natural do seu «mentor» na Florida, Jeb Bush.

A corrida ainda vai no início e os «underdogs» lideram. Os supostos favoritos, esses, caíram todos. Ou quase: será que Marco Rubio ainda vai a tempo de evitar terramoto de impacto ainda maior?


Hillary trava Bernie e lança-se para a Carolina do Sul

Quem estará a torcer por Trump é… Hillary Clinton.

A mais do que provável nomeada do Partido Democrata sabe que Donald é o seu maior garante de eleição em novembro. Se o adversário for Rubio, a coisa ficará bem mais difícil para Clinton, nos estados decisivos.

Mas antes há que selar a nomeação democrata.

O fenómeno Sanders, a todos os títulos notável, pode sinalizar alguns problemas estruturais nesta segunda tentativa de Hillary para chegar à Casa Branca.

A ex-senadora Clinton é vista pelo eleitorado mais jovem e urbano como uma personagem do passado, comprometida com «Wall Street e as grandes corporações». E isso está a custar-lhe a perda do eleitorado abaixo dos 35 anos, sobretudo nos brancos.

Mas o capital de Hillary nas minorias (sobretudo negros e latinos) e ainda nas classes trabalhadoras e sindicalizadas é muito sólido – e acabou por garantir-lhe a vitória no Nevada. Os sindicatos ligados ao jogo em Las Vegas foram fiéis a Clinton e cobriram, de forma não avultada mas suficiente, a vantagem de Hillary em relação a Sanders, que se saiu melhor na zona norte do Nevada.





Hillary voltou, assim, conseguir o essencial: travar um arranque ainda mais forte de Sanders, somando segunda vitória (curta, mas ainda assim um pouco maior que a do Iowa) em três estados.

Na Carolina do Sul, há caminho aberto para Hillary esmagar pela primeira vez (os eleitores negros devem dar-lhe folgado avanço sobre Sanders).

Deve, por isso, ser mesmo Hillary a ser coroada na convenção de Filadélfia. Depois do verão, tudo dependerá do adversário que calhará em sorte a Clinton.

Correndo bem para Hillary, a provável nomeada democrata acabará por obter, na eleição geral, o grosso dos votos que está a perder para Sanders nas primárias: jovens contestários do sistema talvez a prefiram a um republicano. Ou será que... se for Trump isso pode não ser assim?

Até lá, a mais louca corrida do Mundo dará voltas surpreendentes. Isso é garantido.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Histórias da Casa Branca: o que o New Hampshire ainda não vai mostrar


O Iowa travou o favoritismo de Donald Trump no lado republicano e pode ter lançado definitivamente Marco Rubio como o candidato «aceitável» em torno de quem o establishment do GOP se irá juntar. Mas Donald pode ainda ter no New Hampshire uma segunda vida, se ficar muito à frente de Ted Cruz - e a forma como Rubio foi «tostado» por Christie, Bush e Kasich no debate televisivo pode ter baralhado ainda mais contas



Do lado democrata, o quase empate foi sinal de alarme para Hillary, mas garantiu o essencial à super favorita: evitar que Bernie Sanders ganhasse os dois estados de arranque. A provável vitória folgada do senador septuagenário de Vermont no New Hampshire vai animar ainda mais o duelo, mas tudo indica que apenas servirá de «falso positivo» para as esperanças dos esquerdistas: as minorias da Carolina do Sul (negros) e Nevada (hispânicos) vão dar sólidas vitórias a Hillary Clinton, que tem tudo para se posicionar de forma tranquila após os 14 estados da Super Terça-Feira, já daqui a três semanas.




E depois de meses e meses de agitadas pré-primárias nos dois partidos (sobretudo com o «elefante Trump» a baralhar por completo a lógica que muitos previam para a corrida à nomeação republicana, mas também com um «feel the Bern» maior do que a estratégia de gestão de vantagem de Hillary terá calculado), finalmente começaram os votos.

Mas a procissão ainda vai no adro é há que ter cuidado com a sobreinterpretação dos primeiros sinais. É que esta é mesmo a mais louca corrida do Mundo e quem parte à frente nem sempre termina coroado.

A 1 de fevereiro, os «caucuses» do Iowa foram o primeiro grande teste para os pretendentes à sucessão de Barack Obama.

E houve… meia surpresa nos dois lados da barricada  

Hillary só conseguiu bater por uma unha negra Bernie Sanders (49.8%/49.6%), repetindo o Iowa como um local em que não consegue concretizar as suas melhores expetativas (há oito anos, foi no pequeno estado do Midwest que arrancou com um modesto terceiro lugar, com 29%, menos um que John Edwards, menos nove que Obama).

O quase empate de Sanders foi notável, se nos lembrarmos como a corrida democrata começou, há mais de um ano: Bernie era um «underdog» com um discurso de «outsider», que até se referia como «socialista independente»; Hillary começava imperial e «presumível nomeada», com vantagens de 50 ou 60 pontos.

O que é que se passou, entretanto?

Dois movimentos simultâneos.

Por um lado, a campanha de Hillary está a ser menos mobilizadora do que muito esperavam (falta de capacidade de lançar ideia nova, comparação menorizadora em relação ao que foi Obama em 2008 e mesmo 2012, sendo que a ex-senadora Clinton herda boa parte dos temas, dos apoios, dos segmentos políticos e até da máquina logística e de financiamento das duas campanhas presidenciais vencedoras do ainda Presidente).

A corrida presidencial americana é tão longa, que por vezes começar muito alto pode ser um problema. A estratégia de «gestão de vantagem» que Hillary foi assumindo nos últimos meses fê-la perder o protagonismo em temas essenciais para o «core» democrata: serviço nacional de saúde, apoio à classe média, aumento do salário mínimo, crítica ao sistema financeiro.

Em todas estas bandeiras, Sanders tem sido mais claro, mais eloquente e mais duro do que Hillary.

O senador septuagenário do Vermont, antigo mayor de Burlington, tem conseguido associar Hillary ao «business as usual». 

Mesmo que, na maior parte das vezes, essas críticas não sejam muito justas, a verdade é que, pelo menos nesta fase da corrida, a perceção está a ser muito forte: Bernie é o «campeão dos progressistas», o tipo que defende o povo, aquele que compreende como os jovens se sentem excluídos do sistema de poder.



Ao mesmo tempo, a campanha de Bernie Sanders tem atingido um nível de apoio que só é possível de explicar num contexto de crise do sistema tradicional do bipartidarismo democratas vs republicanos.

Se esses sinais começaram por ser mais claros, na última década, do lado republicano, com o crescente peso da ala «Tea Party» e doutro tipo de radicalismo (vide Donald Trump), ela está a ter, com a força de Sanders nos estados de arranque, um primeiro caso concreto de um candidato assumidamente fora do «establishment» democrata a bater-se, taco a taco, com a preferida de quase todos os senadores, congressistas e governadores de estado democratas – e, é claro, pelo Presidente Obama e quase toda a sua administração.   

Em muitos aspetos, a retórica e o tipo de apoios de Sanders 2016 fazem lembrar o estilo de campanha Obama 2008 (já não tanto em 2012): forte no apelo ao eleitorado jovens e a novos eleitorados não habituados a votar; claro na crítica a «Wall Street» e na defesa de «Main Street».

Mas há duas diferenças significativas: Sanders é claramente mais à esquerda do que Obama alguma vez foi na área dos costumes e na demarcação em relação ao sistema de poder.

Em 2008, o jovem candidato Barack Obama criticava Washington – mas já tinha fortes apoios de quem há décadas beneficiava daquele sistema de poder no Congresso e na Casa Branca.

O quase empate no Iowa sinalizou problemas de arranque para Hillary e força suficiente para Sanders continuar na corrida mais algum tempo (já Martin O’Malley, que avançou ao centro numa altura em que ainda acreditava que Hillary não iria concorrer, não teve alternativa que não fosse desistir, perante os 0,4%...)

Tudo indica que o New Hampshire dará vitória folgada a Bernie Sanders (as sondagens dão-lhe entre 10 e 20 pontos de avanço).

Hillary em risco? Ainda não. Bernie colocou quase todas as fichas nos dois primeiros estados, para conseguir um embalo de duas vitórias seguidas que poderia abalar as estruturas do favoritismo de Clinton.

A vitória mínima de Hillary no Iowa já impediu essa estratégia, pelo que a antiga secretária de Estado já não corre o risco de perder os dois estados de arranque.

Perderá, muito provavelmente, o segundo (primeiro em sistema tradicional de votação de primárias), mas é preciso explicar que o Iowa e New Hampshire juntos não passam dos 5% do total de delegados à convenção democrata.

E a nomeação presidencial é, essencialmente, um exercício matemático: se Sanders vencer NH (estado vizinho ao seu Vermont e com fortes credenciais independentes e liberais) com a vantagem que as sondagens indicam, isso dará ao senador do Vermont uma vantagem de apenas alguns delegados.

À medida que as primárias se deslocarem para os estados sulistas e para o Oeste, Hillary tenderá a destacar-se: nos negros (Carolina do Sul) e nos hispânicos (Nevada), Clinton tem vantagens enormes sobre Sanders (perto de 30 por cento de avanço no total dos dois estados, ainda mais se olharmos só para estes segmentos).

Deste modo, prevê-se que depois da Super Terça Feira (14 estados em disputa), já daqui a três semanas, Hillary obtenha já um avanço muito considerável no número de delegados e no número de estados ganhos em relação ao, ainda assim, surpreendente Bernie.

A confirmar-se esta tendência para as próximas semanas, é de admitir que o campo democrata se defina bem antes do verão, com a nomeação de Hillary a ser aprimorada com uma acesa e interessante luta ideológica e de argumentos com Sanders.

A grande questão para Hillary, a partir de abril/maio, será mesmo o que fazer com a escolha para vice-presidente: reconhecer em Bernie Sanders uma alternativa à esquerda suficiente para o coroar como número dois do ticket (Elizabeth Warren também teria perfil, mas não se imaginaria, mesmo em 2016 e nos democratas, um ticket 100% feminino), ou optar por uma solução mais moderada, capaz de chegar ao eleitorado do centro, independente e mesmo de republicanos desiludidos?

Rubio a descolar nos «aceitáveis»... mas sob pressão

O caso republicano é bem mais complexo e arriscado de antecipar.

De todo o modo, o Iowa pode já ter dado sinais muito claros quanto ao nomeado que «establishment» do Partido Republicano começa a antecipar para a convenção de julho em Cleveland, Ohio.

O que é mais curioso é que esse possível nomeado ainda não apareceu uma única vez a liderar as sondagens a nível nacional -- e mesmo no plano estadual só disputa a liderança na Florida.

Mas esse é um dos fatores que torna a dinâmica de uma corrida presidencial na América uma experiência única nas democracias.

Marco Rubio, jovem senador da Florida, de 44 anos, ficou em terceiro no Iowa, com 23%, perto dos 24% de Donald Trump e não muito longe dos 28% do vencedor Ted Cruz.



Sucede que os dois candidatos mais votados no «caucus» republicano do Iowa continuam a ser vistos como cartas fora do baralho para o Partido Republicano.

Ted Cruz monopolizou o voto evangélico do Iowa e isso deu-lhe a vitória. Atirou Trump para uma «criação imposta pelos media» e demarcou-se dos outros candidatos que «representam o poder podre de Washington».

Senador da ala radical, esteve contra o acordo feito para resolver o «government shutdown» de 2013 e discursou 13 horas seguidas para tentar impedir o ObamaCare.

Mesmo junto dos seus colegas de bancada, estes comportamentos foram vistos como desadequados. Cruz não pertence assumidamente «ao clube» e com ele a noção de «reconciliação», que Obama já assumiu ter sido o grande falhanço da sua presidência, tenderia a piorar.

E Donald Trump?

Por muitas análises que se façam, é inevitável reconhecer que até agora estas eleições presidenciais nos EUA estão a ser dominadas, no registo, no tom, nos temas e na atenção mediática, por Donald Trump.

Até algumas observações e reflexões feitas pelo Presidente Obama no seu último Discurso sobre o Estado da União o assumiram, nas entrelinhas: o tipo de desvarios lançados por Trump nesta campanha são um sinal de doença do ambiente político em Washington.

A grande questão é se isso chega para dar uma nomeação presidencial a um candidato tão inusitado e tão desbragado como Donald Trump.

Apesar de tudo, quero acreditar que não.

Em primeiro lugar, há que ver que Trump é mesmo um outsider: mesmo liderando as sondagens, nenhum (nem um único!) senador ou governador de estado o apoia.

A perda de gás das últimas semanas já sinalizava alguma crise na tendência Trump, apesar dos números de Donald serem, nesta fase, a todos os títulos inesperados.

Ao não vencer o Iowa, Trump pode ter tido um primeiro sinal de alerta, mas é provável que Donald ainda consiga vencer o New Hampshire (estado onde Ted Cruz não está forte).

Uma corrida infetada pelo populismo

Uma coisa já ninguém tira a Trump (e um pouco a Cruz também): não são apenas os dois primeiros no estado de arranque; conseguiram, de forma provavelmente definitiva, infetar a escolha de temas na corrida republicana.



Chega a ser penoso ver Jeb Bush (até há poucos meses um suposto moderado com inclinação para defender minorias) a prometer regresso a intervenções musculadas e a falar em travar a entrada de sírios e muçulmanos em geral ou até John Kasich, um pragmático do Ohio, a falar em «bombardear o Estado Islâmico até desaparecer do mapa».

Já não se trata de um fenómeno passageiro: o eleitorado republicano, ao prestar tanta atenção e durante tantos meses a dois candidatos como Donald Trump e Ted Cruz, está a dizer que deixou de confiar no «establishment».

Sintomas de mudança

Há alguns anos, este leque de candidatos dos dois lados daria, de forma mais ou menos natural, na nomeação de Hillary Clinton e Jeb Bush.

Acontece que, nos últimos quatro anos, as coisas mudaram.

Em 2012, Donald Trump não conseguiu grande atenção e desistiu de uma candidatura presidencial antes de chegar ao escrutínio dos votos. Mitt Romney, mesmo sendo considerado um candidato pouco carismático, impôs-se como a solução mais credível para a eleição geral.

As coisas, desta vez, já não são assim tão previsíveis.

Jeb Bush não descola dos 3/5% e corre o risco de nem sequer chegar à Florida -- tem logo à noite um espécie de... nova última oportunidade para renascer, se ficar num dos três primeiros e, de preferência, à frente de Rubio; Chris Christie, visto até há poucos anos como uma solução interessante de um candidato costa leste a falar duro e com um carisma próprio, tenta renascer das cinzas e também pode nem chegar à fase decisiva.

Scott Walker, com um perfil quase ao raio x do que deve ser um nomeado republicano com hipóteses de ser eleito (governador popular de estado eleitoralmente competitivo; jovem; fiscalmente conservador), passou de possível competidor a desistente em fase precoce.

Outros candidatos que poderiam ter uma palavra a dizer, como Bobby Jindal ou Carly Fiorina, também passaram ao lado da corrida: Bobby já desistiu e declarou apoio a Rubio (tal como Rick Santorum), Carly, apesar de bons desempenhos nos debates, deixou de existir nas sondagens.

No meio de tantos sinais inesperados, quase todos eles sintomas de um Partido Republicano em crise de identidade e sem saber muito bem como reagir aos fenómenos Trump e Cruz, os 23% de Marco Rubio no Iowa (mais do dobro do que as sondagens previam) podem ter lançado o cubano-americano da Florida como a alternativa «aceitável» em torno da qual as forças dominantes do Partido Republicano acabarão por se unir.

Conservador em temas sociais, Marco Rubio consegue chegar a um eleitorado um pouco mais moderado com as suas propostas fiscais para a classe média e com o seu apelo ao eleitorado hispânico.

Se conseguir um segundo lugar honroso no New Hampshire, e claramente acima de Jeb Bush e Chris Christie (no Iowa teve o quíntuplo dos votos dos outros dois «moderados»), Marco Rubio pode assumir-se, de forma ainda mais definitiva, como a solução mais provável para que se evite um escândalo Trump ou um semi-escândalo Cruz na convenção de Cleveland.

A forma como Chris Christie o pôs sob fogo no debate televisivo do New Hamsphire foi a prova final de que Marco Rubio é mesmo, a partir de agora, o alvo a abater para quem ainda sonha disputar o estatuto de preferido do «establishment» para barrar Trump e Cruz.

Rubio não teve, nesse debate, uma reação muito satisfatória, mas os resultados das próximas primárias serão os indicadores mais fiéis sobre se tem mesmo estaleca para se assumir como possível nomeado.

«Tostado» nesse debate não só por Christie, mas também por Jeb Bush e John Kasich, Rubio pode ter colocado em risco essa noção de que é o candidato ideal para a frente «anti-Trump».

O New Hampshire vai ajudar-nos a clarificar um pouco melhor os caminhos destas primárias 2016 nos EUA.

Mas cuidado com o que ainda não nos vai mostrar – sobretudo se, como dizem as sondagens, Trump e Sanders vencerem com alguma folga.