Donald Trump lidera em
oito dos 11 estados da Super Terça-Feira. Mesmo no Texas, território Ted Cruz,
ainda não perdeu as esperanças de vencer. Marco Rubio, supostamente na posição
de corporizar a «frente do sistema contra Trump», corre o risco de passar o dia
decisivo do processo de primárias sem conseguir vencer um único estado. O apoio
de Chris Christie a Trump pode ter marcado ponto de viragem: será que começa a
ser inevitável encarar Donald como nomeado?
Hillary Clinton esmagou
na Carolina do Sul, sobrepondo-se a Bernie Sanders por 74-26. 96 em cada 100
eleitores negros preferiram Hillary a Bernie. Com exceção do Massachussets,
Hillary tem grande vantagem em quase todos os estados que vão a jogo na Super
Terça-Feira. Ou seja: dentro de poucos dias, o foco dos democratas estará já na
eleição geral. Hillary dará um passeio triunfal até à Convenção de Filadélfia
Até há dois
ou três meses, para alguns ainda menos do que isso, encarar a nomeação
presidencial de Donald Trump era quase uma piada. Um absurdo que, apesar das
repetidas sondagens indicando o contrário, não deixava de ser visto como tal.
Sucede que
podemos estar a poucos dias de assistirmos àqueles momentos em que o absurdo se
transforma em real.
Os
resultados do «caucus» republicano do Nevada apanharam todos de surpresa. Não
apenas pela vitória de Trump (na verdade, as sondagens já o tinham avisado),
mas sobretudo pela vantagem de Donald sobre Cruz e Rubio.
Num estado
com forte implantação de hispânicos, Donald bateu Cruz e Rubio (dois
descendentes de cubanos) numa base de dois para um – sendo que até entre os
latinos Trump foi o mais votado.
Ora, isso
vai contra todo o tipo de cálculos que estavam a ser feitos sobre como iria
Donald Trump começar a cair.
O
multimilionário nova-iorquino -- que nos primeiro quatro estados das primárias
republicanas ficou em segundo no Iowa e depois venceu claramente no New
Hampshire, na Carolina do Sul e no Nevada --, está a passar quase todos os testes
e exibe uma dinâmica ascendente que não deve ser desvalorizada.
O primeiro
forte sinal foi dado na Carolina do Sul: em estado profundamente religioso,
sulista e conservador, o candidato mais irreverente e desalinhado do leque
republicano (e aquele que menos fala do plano religioso) vencera folgadamente.
Mas o alerta
do Nevada foi mais sério: os dados pareciam jogar contra Donald, mas Trump
respondeu com um triunfo que prova que, afinal, ele não anti-corpos de base nos
segmentos que compõem o mosaico republicano.
E os trunfos
recentes de Donald não se ficam por aqui.
O
«endorsment» de Chris Christie a Trump causou particular embaraço ao «core»
republicano. Chris e Donald até têm ponto em comum na forma de ser: são ambos
tipos duros e desbocados, que gostam de se afirmar pelo «politicamente
incorreto».
Mas há diferenças
fundamentais: Trump é um «sniper» que atira disparates atrás de disparates em discursos
que não resistem ao «fact checking»; Christie é um político consistente, com um
currículo vencedor do ponto de vista eleitoral na Nova Jérsia e ambições
nacionais legitimadas pelo percurso feito no Partido Republicano.
Que, neste
ponto da corrida -- em que era suposto que os mais prestigiados políticos
republicanos se unissem em torno de uma solução que garantisse a barragem ao
perigo Trump – Christie apoie expressamente Donald é um episódio perturbador e
até um pouco deprimente.
Por muito
que este gesto se explique no «ódio» que Christie destilou sobre Marco Rubio no
debate do New Hampshire, a verdade é que há uma enorme diferença entre não
aceitar o apoio «útil» a Rubio e este «endorsment» a Trump.
Christie
abriu um precedente: até há poucos dias, Donald Trump prosseguia uma caminhada isolada, liderando sem um único apoio formal de governadores de estado ou
senadores.
Entre figuras nacionais do Partido Republicano, só a pouco credível
Sarah Palin (ex-governadora do Alaska e candidata a vice do ticket de McCain em
2008) tinha aparecido a apoiar Trump – o que em nada contribuiu para diminuir o
tom de críticas e reservas a Donald.
Será que o
«endorsment» de Christie provocou um «turning point» nesta ideia, a ponto de se
começar a desenhar uma absorção do Partido Republicano a uma possível «inevitabilidade»
da nomeação de Trump?
Ainda é cedo
para saber, mas é de admitir que, caso Donald tenha na Super Terça-Feira as
vitórias que as sondagens indicam, esse movimento possa ser, pelo menos,
estudado.
Como foi possível chegarmos aqui?
Há uma
enorme sensação de desconforto em todo o sistema político e de poder
norte-americano com esta caminhada triunfal de Trump, possivelmente rumo à
nomeação.
Importa,
nesta fase, explicar que este «absurdo perto de se tornar real» atinge, especialmente,
o Partido Republicano.
O problema é
mais profundo – denota as imperfeições da recuperação económica dos anos Obama,
que embora tenha reduzido o desemprego a números historicamente baixos, deixou
partes da sociedade americana excluídas.
Mas
sinaliza, essencialmente, a crise grave em que caiu o Partido Republicano.
As
referências que supostamente emergiriam nesta corrida de 2016 falharam todas.
Algumas por falta de comparência (Giuliani, Romney, Ryan), outras por incapacidade política (Jeb Bush, Chris Christie, Bobby Jindal, Scott Walker), ou então por insuficiente cobertura mediática (Rand Paul, Carly Fiorina, George Pataki).
Algumas por falta de comparência (Giuliani, Romney, Ryan), outras por incapacidade política (Jeb Bush, Chris Christie, Bobby Jindal, Scott Walker), ou então por insuficiente cobertura mediática (Rand Paul, Carly Fiorina, George Pataki).
Só restam
dois nomes e mesmo esses estão a cometer demasiados erros e podem já não ir a
tempo de evitar o «perigo Trump»: Ted Cruz foi o primeiro a arrancar e venceu o
primeiro combate, o Iowa, mas mostra demasiadas fragilidades nos estados que não
tenham forte componente evangélica para poder pensar seriamente na nomeação;
Marco Rubio, a última esperança do «establishment» (ou do que resta dele…) bateu-se
bem no Iowa, mas falhou rotundamente no New Hampshire (aquele debate da véspera
foi trágico para o senador da Florida) e teve resultados aquém do que precisava
na Carolina do Sul e no Nevada.
A grande
questão para Rubio é se vai conseguir convencer a tempo uma maioria de
eleitores republicanos de que tem muito mais hipóteses de «elegibilidade» em
novembro contra Hillary do que Trump.
Convém
perceber que Donald Trump, mesmo com esta liderança clara da corrida, tem pouco mais de um terço dos votos republicanos.
A sua
personalidade divisiva tem um enorme perigo para a eleição geral: boa parte dos
eleitores republicanos podem não se mobilizar para votar num nomeado que
detestam ou preferir, até, votar em Hillary para travar o «elefante Donald» e
um cenário ainda mais absurdo de vê-lo na Casa Branca.
Só que Rubio
ainda não ganhou um único estado – e corre mesmo o risco de passar a Super
Terça-Feira sem um primeiro lugar para exibir.
Por muito mal que esse dia lhe corra (e pode mesmo correr), espera-se que coloque depois todas as fichas na sua Florida – mas, atenção, até nesse estado que Marco representa desde 2010 no Senado, Trump aparece neste momento à frente (e com algum avanço).
Por muito mal que esse dia lhe corra (e pode mesmo correr), espera-se que coloque depois todas as fichas na sua Florida – mas, atenção, até nesse estado que Marco representa desde 2010 no Senado, Trump aparece neste momento à frente (e com algum avanço).
No recente debate
de Houston, na CNN, Marco Rubio, já em fase de queimar os últimos cartuchos,
encostou finalmente Trump às cordas. Mostrou incoerências de Donald, utilizou
algumas das táticas que Trump tem utilizado. Pode ter causado impacto no
momento, mas é duvidoso que, no global desta longa corrida, esse debate venha a
ser decisivo.
O «trend»
das próximas batalhas mostra Trump com avanços significativos e um certo
equilíbrio entre Rubio e Cruz pelo segundo lugar, sem grandes sinais de que
alguns possa saltar para a frente.
Até em
estados com demografias que poderiam parecer menos favoráveis a Trump (como o
Massachussets, o Michigan ou a Virgínia), os estudos mantêm Donald na frente,
na casa dos 30 e tal por cento, com vantagens de pelo menos 10 ou 15 pontos
sobre Rubio.
Das duas,
uma: ou Cruz desiste depois da Super Terça-Feira (só se admite esse cenário
caso perca o Texas) e a corrida passa a ser a dois (e isso pode catapultar
Rubio como o anti-Trump com margem para crescer), ou uma disputa a três até ao
fim deverá acabar por manter Trump na liderança dos delegados.
O que
acontecerá na Convenção de Cleveland é que ainda é uma incógnita: estará o
Partido Republicano preparado para «engolir» Donald Trump ou pode ainda
esperar-se algum golpe de teatro?
Hillary esmaga na Carolina do Sul e
promete resolver já na Super Terça-Feira
Do lado
democrata, a Carolina do Sul tirou as dúvidas de quem ainda as queria
alimentar: Hillary Clinton vai mesmo ser a nomeada presidencial democrata.
Hillary
esmagou Sanders naquele estado sulista: 74%/26%, 48 pontos de vantagem, no
«landslide» que faltava à ex-secretária de Estado para garantir uma espécie de
passeio triunfal até à Convenção de Filadélfia, em julho.
A enorme
vitória de Hillary na Carolina do Sul teve a gasolina dos… 96% (!) obtidos no
eleitorado negro. Nem Obama em 2008 conseguiu tanto num estado que tem 60% de
eleitores democratas negros.
Mesmo que
nos próximos territórios o peso dos negros não seja tão forte, esta foi a prova
final de que Bernie Sanders não tem, verdadeiramente, uma dimensão nacional:
não consegue penetrar em segmentos cada vez mais importantes para uma eleição
presidencial americana.
As
tendências para a Super Terça-Feira são claras: o favoritismo de Hillary deverá
ser reforçada a um ponto de não retorno.
Clinton
lidera com grandes vantagens na Geórgia (63-35), na Virgínia (59-39) e no Texas
(61-34).
Com um
quarto do total dos delegados em jogo, e tendo em conta a vantagem que Hillary
já tem sobre Sanders e a perspetiva de a alargar bem mais após o dia mais
influente deste processo de primárias, não se vê outra conclusão a tirar que
não seja a de que Hillary Clinton sair da Super Terça-Feira com a nomeação
perfeitamente controlada (mesmo que ainda não matematicamente garantida).
Daqui a
poucos dias, a questão do lado democrata estará, por isso, em saber quem
escolherá Hillary para seu vice (o próprio Sanders? Elizabeth Warren? alguém
mais próximo do eleitorado central, como Evan Bayh ou Jim Webb? uma ‘rising
star’ com apelo às minorias, como Julian Castro, sobretudo se o opositor
republicano for Rubio?), ou então em apostar se Bernie Sanders vai mesmo até ao
fim ou se deita a toalha ao chão e deixa Hillary sozinha, daqui a umas semanas.
O discurso
de vitória de Hillary na Carolina do Sul aponta já para a eleição geral: «Não
vamos descurar nenhum voto. Não vamos deixar portas por bater. Depois da Super
Terça-Feira, a nossa candidatura passará a ser nacional».
Sem o
«efeito novidade» de 2008, e com muitos esqueletos no armário próprios de quem
está há mais de 40 anos na primeira linha de fogo da política americana,
Hillary Clinton sabe que terá vários «cisnes negros» a poderem complicar-lhe o
caminho até novembro.
Mas a
verdade, também, é que poucas semanas bastaram para mostrar que Hillary Clinton
é, de longe, a candidata mais viável e mais bem preparada para enfrentar, do
lado democrata, a eleição geral.
Barack Obama
percebeu isso há muito tempo e não teve pejo em, mesmo como Presidente, assumir
a sua preferência por Hillary para assegurar a sua herança política.
O tal «armistício»
celebrado entre Barack e Hillary dias antes da eleição geral de 2008 – e que
passou pelo apoio de Hillary a Obama a troco do embalo de Barack a Clinton para
2016, com passagem pelo Departamento de Estado em apenas um mandato, estando
Hillary já a preparar-se para nova candidatura à Casa Branca durante o segundo
mandato de Obama – está a concretizar-se em pleno.
Quer dizer:
em pleno mesmo… só se Hillary bater Trump ou Rubio em novembro. Faltam oito
meses para sabermos. Já faltou bem mais.